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Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub Apr 27, 2021

https://doi.org/10.26512/lc.v27.2021.37572 

Resenhas

Das incertezas na pandemia aos desafios do tempo presente

De las incertidumbres de la pandemia a los desafíos de la actualidad

From the uncertainties in the pandemic to the challenges of the present time

Joelson de Sousa Morais1 
http://orcid.org/0000-0003-1893-1316

1Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2015). Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Bolsista CAPES. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC/UNICAMP) e do Grupo Interinstitucional de Pesquisaformação Polifonia (UNICAMP/UERJ).

Morin, E.. É hora de mudarmos de via: as lições do coronavírus. 2020. Bertrand Brasil,


Morin, E. (2020). É hora de mudarmos de via: as lições do coronavírus (1ª edição, tradução de Ivone Castilho Benedetti, colaboração de Sabah Abouessalam). Bertrand Brasil.

Prestes a completar um século de vida no ano de 2021, Edgar Morin, reconhecido internacionalmente, com formação multidisciplinar em Direito, História e Geografia, realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia, nos brinda com uma obra essencial em tempos de incertezas e catástrofes geradas pela crise sanitária da pandemia da Covid-19.

Na primeira parte do livro, tematizada Preâmbulo: cem anos de vicissitudes, Morin narra os diferentes acontecimentos que enfrentou em suas experiências de vida e formação, em múltiplas crises, — desde o seu nascimento conflituoso, que o fizera acordar pelas palmadas do médico após meia hora do seu nascimento, estrangulado pelo cordão umbilical e nascido pelos pés, decorrente da problemática gravidez que não poderia ter sua mãe por complicações de saúde —, que o fizeram ir renascendo em um cenário que o autor situa historicamente pelos descaminhos emblemáticos por ele traçados, e que situa o contexto do coronavírus no mundo atual como mais uma das crises, articulando suas reflexões.

Ainda nessa primeira parte da obra, o autor tece suas narrativas das experiências que teve: na gripe espanhola; na crise mundial de 1929; formação do ciclone (1930-1940), quando Hitler se tornou chanceler da Alemanha; na Segunda Guerra Mundial; grande crise intelectual dos anos de 1956-1958; no ocorrido em maio de 1968 que, entre outras coisas, impulsionou disparar um intenso “processo de emancipação feminina, certa liberalização dos costumes, uma compreensão das homossexualidades (Morin, 2020, p. 17); na crise ecológica; e na resistência em duas frentes, que o autor se dedica tanto no âmbito à resistência intelectual como política, situadas entre:

[...] a velha barbárie, vinda do fundo das eras, de dominação, sujeição, ódio, desprezo, que irrompe cada vez mais em xenofobias, racismos generalizados e guerras do Oriente Médio e a da África, e a barbárie fria e gélida do cálculo e do lucro, que assume o comando em grande parte do mundo. (Morin, 2020, p. 18)

Nesses movimentos plurais e inconstantes de crises em diferentes espaços/tempos da existencialidade, o autor foi tecendo reflexões e pensamentos que inclusive culminaram na produção, por um período de trinta anos, da obra O método, em busca de construir os fundamentos do modo de refletir e tecer uma perspectiva de conhecimento e da busca de responder aos desafios da complexidade do mundo.

O livro É hora de mudarmos de via: as lições do coronavírus é composto por 97 páginas, nas quais divide-se, além do Preâmbulo e da Introdução, em três capítulos, com as seguintes tematizações: no primeiro, As 15 lições do coronavírus, trazendo as experiências formativas pautadas em reflexões dos fatos e acontecimentos gerados por esta crise sanitária com diferentes enfoques e problematizações; o segundo, Desafios do pós-corona, elucidando as diferentes crises que a humanidade poderá enfrentar, tanto no que diz respeito ao sujeito em sua interioridade, quanto às de ordem externa em sua experiência socioeconômica, política e cultural; e o terceiro, Mudar de via, no qual expõe alternativas substanciais, consolidadas pelas reformas em diferentes âmbitos, e os processos de regeneração de si e do cosmo; e a última parte, Conclusão, traz reflexões numa linha tênue entre acontecimentos passados, onde estamos e para onde vamos.

Sobre as 15 lições do coronavírus, Morin expõe no primeiro capítulo as seguintes temáticas: 1) Lição sobre a nossa existência; 2) Lição sobre a condição humana; 3) Lição sobre a incerteza de nossa vida; 4) Lição sobre nossa relação com a morte; 5) Lição sobre nossa civilização; 6) Lição sobre o despertar da solidariedade; 7) Lição sobre a desigualdade social no isolamento; 8) Lição sobre a diversidade das situações e da gestão da epidemia no mundo; 9) Lição sobre a natureza de uma crise; 10) Lição sobre a ciência e a medicina; 11) Uma crise da inteligência; 12) Lição sobre as insuficiências de reflexão e ação política; 13) Lição sobre deslocalizações e dependência nacional; 14) Lição sobre a crise da Europa; e 15) Lição sobre o planeta em crise.

Ao mostrar as “fraturas expostas” causadas pela pandemia do Coronavírus, neste primeiro capítulo, Morin salienta uma desfragmentação total do pensamento e conhecimento humanos, construídos pelo sujeito no contexto da ciência, tornando-se míope para enxergar descobertas e visibilizar invenções que pudessem ser empreendidas diante do caos, de incertezas e bifurcações provocados nas tramas que surgem e das eventualidades do imprevisível que emergem. Ou como melhor pontua o autor:

As insuficiências e carências de conhecimento e pensamento durante a crise confirmam que precisamos de um modo de conhecimento e pensamento capaz de responder aos desafios das complexidades e aos desafios das incertezas. Não podemos conhecer o imprevisível, mas podemos prever sua eventualidade. Não devemos nos fiar nas probabilidades nem esquecer que todo acontecimento histórico transformador é imprevisto. (Morin, 2020, p. 35)

O autor nos incita a pensar profundamente acerca dos impactos e das problemáticas gerados pela pandemia da Covid-19, que se reverberaram, entre outras coisas: no aumento das desigualdades sociais; na crise violenta da globalização; na desvalorização e no desprezo de profissionais que se tornaram essenciais nesse tempo de crise sanitária, como enfermeiros, médicos, professores, coletores de lixo, entregadores, verdureiros, pequenos agricultores, agentes de segurança, guardas-civis e outros; na supremacia do econômico ao invés de uma política de humanidade entre as pessoas e os países com mais dificuldades em relação aos que melhor se saíram diante da situação; da irresponsabilidade de conduzir a pandemia na gestão de governantes, como os do Brasil, Peru, dos Estados Unidos e do México, entre outros agravantes.

No segundo capítulo da obra, sobre os Desafios do pós-corona, apresenta, de modo bem provocativo, questionamentos e problematizações, sobretudo os fortes impactos propiciados pelas assimetrias e os rearranjos que poderíamos enfrentar em um período posterior à pandemia. A tônica recai sobre se o que estamos enfrentando agora poderá servir para ressignificar nossas práticas, convívio e experiências, encontrando uma nova via diante de tudo isso, ou se voltarão com uma turbulência que poderá, sem precedentes, ser tramada entre o ser humano consigo próprio e com o outro, como também do que acontece no âmbito das diferentes culturas e sociedades, e as outras tantas dimensões suscitadas pela economia, política, pelo mundo digital, a ecologia, o desafio da existencialidade e outros tantos aspectos. Segundo Morin:

O momento histórico extremamente grave que atravessamos está cheio de desafios. A crise sanitária que continua em curso é acompanhada por uma crise política e uma crise econômica cuja profundidade e duração ainda não foram dimensionadas, parece prenunciar-se uma crise alimentar mundial; iniciou-se uma crise social dramática em consequência da explosão do número de desempregados e de trabalhadores precários. (Morin, 2020, p. 43)

Uma contundente reflexão põe em voga o que parece ser uma das mais esperadas reivindicações tecidas pela humanidade nesses tempos de incertezas causados pela pandemia, a de que “[...] a esperança está na luta pelo despertar das mentes e pela busca de outra Via, que a experiência da megacrise mundial terá estimulado” (Morin, 2020, p. 53).

No terceiro capítulo, Mudar de via, Edgar Morin discute acerca de uma ressignificação de instâncias da sociedade e do humano de modo a produzir outras possibilidades de mudanças que primem pela qualidade de vida dos sujeitos em harmonia consigo e com o meio em que vivem. Por isso, reflete as implicações das grandes linhas da nova Via, que seriam, no contexto “político-ecológico-social imposta pela crise inédita que vivemos [que] são criadas pela necessidade de regenerar a política, de humanizar a sociedade e de ter um humanismo regenerado” (Morin, 2020, p. 56).

A necessária defesa de uma reforma é, pois, uma das bases da crítica e reflexão tensionadas pelo autor no livro, entre as quais as que possam consolidar-se pela reforma: econômica, empresarial, da democracia, ecopolítica, do pensamento reformador e da sociedade, entre outras.

Todas essas reformas com que advoga Morin se refletem e se refratam na qualidade de vida do sujeito que as enfrenta e constitui o ser, saber, fazer, poder e pensar com que mobiliza em diferentes perspectivas, intensidades e propósitos na sua existencialidade. Por isso, a importância de primar pela qualidade de vida, tendo em vista que esta “[...] se traduz por bem-estar no sentido existencial, e não apenas material. Implica a qualidade das relações com o próximo e a poesia dos envolvimentos afetivos e afetuosos” (Morin, 2020, p. 75).

A atualidade do pensamento de Edgar Morin não é só necessária como imprescindível nesses tempos que estamos vivendo de instabilidades e incertezas da própria vida, da política, economia, educação e sociedade, entre outras instâncias, que nos convoca a empreender uma aventura de desbravar e explorar outras tantas reflexões, narrativas e epistemologias com as quais possamos entender os fenômenos globais que afetam a humanidade sem precedentes, e em que o pensamento complexo se torna uma via indispensável para o sujeito compreender, interpretar e buscar soluções diante dos acontecimentos que surgem e enfrentam no meio circundante.

Referências

Morin, E. (2020). É hora de mudarmos de via: as lições do coronavírus (1ª edição, tradução de Ivone Castilho Benedetti, colaboração de Sabah Abouessalam). Bertrand Brasil. [ Links ]

Recebido: 18 de Abril de 2021; Aceito: 26 de Abril de 2021

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