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Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub July 02, 2021

https://doi.org/10.26512/lc.v27.2021.37368 

Resenhas

Sobre um psicanalista na educação

Sobre un psicoanalista en la educación

On a psychoanalist in education

Inês Maria Marques Zanforlin Pires de Almeida1 
http://orcid.org/0000-0002-1292-7327

1Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (2001). Pesquisadora Colaboradora do PPGE/FE/UnB, na linha de pesquisa Escola, Aprendizagem, Ação pedagógica e Subjetividade na Educação (EAPS). Membro do Grupo de Pesquisa Educação e Ecologia Humana.

Rosado, J.; Pessoa, M.. As abelhas não fazem fofoca: estudos psicanalíticos no campo da educação. 2021. Instituto Langage,


Rosado, J., & Pessoa, M. (Orgs.). (2021). As abelhas não fazem fofoca: estudos psicanalíticos no campo da educação. Instituto Langage.

A publicação desta coletânea, com artigos elaborados por pesquisadoras e pesquisadores brasileiros orientados pelo professor Leandro de Lajonquière no período de 2016-2020, tem duplo propósito: compartilhar seus ensinamentos e prestar homenagem por ocasião do seu sexagésimo aniversário.

O título recoloca alegoria utilizada em Figuras do Infantil (Lajonquière, 2010) ao contrapor ambiguidades, equívocos e mal-entendidos inerentes ao campo da fala e da linguagem humanas à “comunicação consistente” das abelhas, que veiculam às outras apenas informações precisas obtidas em viagem de reconhecimento; em suma, elas “não fofocam”.

Integrado à apresentação do livro, o texto De um psicanalista na Educação configura-se narrativa autobiográfica de Lajonquière sob epígrafe dedicada à memória de antigo professor de juventude. Ao percurso docente iniciado com a experiência em escola primária da periferia bem pobre de Rosário (Argentina) à docência e pesquisa universitária nas universidades de Rosario, Campinas, São Paulo, Caen e Paris, acrescenta à formação de psicanalista com mais de uma centena de publicações, como autor único.

Dos três livros publicados pela editora Vozes, o primeiro foi organizado a partir da tese de doutoramento intitulado De Piaget a Freud: para repensar as aprendizagens – A (psico) pedagogia entre o conhecimento e o saber (Lajonquière, 1993), e teve 15 edições. Após revisão na 16ª edição, renomeado De Piaget a Freud: para uma clínica do aprender (Lajonquière, 2013), o autor acrescentou na apresentação o texto-diálogo Para ler de Piaget a Freud. O segundo livro,Infância e Ilusão (Psico) Pedagógica: Escritos de Psicanálise e Educação (Lajonquière, 1999), e o terceiro Figuras do Infantil: a psicanálise na vida cotidiana com as crianças (Lajonquière, 2010).

Participante ativo em debates e seminários que considera momentos importantes para “calibrar” velhas ideias e/ou retomar posicionamentos sobre temas mobilizadores de sua caminhada: o lugar da escola no imaginário social e, em particular, na vida de uma criança, a dobradura do pensamento conhecimento/saber, o “ensino tradicional” versus “respeitar a singularidade e o trabalho professoral”, a assimetria constitutiva do laço educativo expressa no “aprende-se por amor, ensina-se por dever”, dentre outras.

Toda formação intelectual que se preze, assinala Leandro parafraseando Lacan, implica autorizar-se de si mesmo junto a outros, portanto, indissociável do reconhecimento da dívida simbólica para com os mortos e vivos que nos precederam na singela experiência de vir a conquistar “por si” e “para si” um lugar de palavra numa história em curso. Todo discípulo deve pagar o preço simbólico exigido na filiação, para poder advir em um lugar de suposta mestria. O ideário pedagógico tecnocrático, infelizmente hegemônico em nosso país, nada quer saber disso. No atual momento histórico, aquilo que Lajonquière qualifica de a pergunta que não quer calar “em função de quais sonhos os pais confiam seus filhos a adultos não familiares?” é mais do que pertinente. Temos de fato clareza em nosso país, que a atuação dos professores é indissociável do estofo reservado à palavra escolar nos sonhos de uma nação?

Importante reconhecer que ensinamentos de Lajonquière inscreveram-se em minha trajetória educadora e pesquisadora acadêmica, com inegáveis repercussões na orientação de dissertações e teses no campo dos estudos psicanalíticos em Educação.

Refletindo o tempo histórico das produções em meio à pandemia causada pela Covid-19, as leituras provocativas dos textos da coletânea nos colocam em consonância com as análises apresentadas quando estamos vivenciando no Brasil a oferta da educação a distância ou ensino remoto como única possibilidade para a continuidade do funcionamento da escola, fio condutor dessa resenha.

Nesse contexto, apesar das históricas desigualdades sociais e dificuldades operacionais e/ou recursos tecnológicos, as famílias mobilizam-se para atender os filhos nas tarefas escolares e nessa situação inusitada, constatam e vivenciam a complexidade do trabalho docente, os desafios e as dificuldades da profissão, não apenas em função desse momento.

De outro modo, importante registrar que o acesso aos diferentes meios de comunicação, redes sociais como WhatsApp, oportunizam compartilhar relatos ou depoimentos em mensagens emblemáticas que nos permitem reconhecer os efeitos da implicação professoral da palavra na relação com o aluno, para além da ilusão psicopedagógica dos métodos e técnicas de ensinar.

Essa leitura permite melhor compreender o contraditório e reforçar a luta no enfrentamento à meta de governo do presidente Jair Bolsonaro pela regulamentação da educação domiciliar (homeschooling) no Brasil, sob argumentos da ineficiência do ensino na escola pública, da proteção contra a violência que ameaça estudantes, e mais determinante “a ideológica”, pelo confronto de valores da família e do Estado.

Os Ministérios da Educação e da Mulher, Família e Direitos Humanos preparam-se para retomar o projeto que, levado à máxima instância do poder judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2018, por ampla maioria decidiu não reconhecer o homeschooling como prática substitutiva à escolarização de crianças e adolescentes, reafirmando que, em um Estado de direito, o poder público é a instância que cumpre e deve assegurar o cumprimento das virtudes cívicas: tolerância, respeito mútuo e compromisso com a igualdade e dignidade humana. Uma decisão histórica que nos remete a Lajonquière (2019, p. 313):

Sem o sonho justo de uma escola para todos, não há escola para ninguém, embora possa haver simulacro escolar para alguns poucos. É em nome de um moderno sonho de justiça que os saberes escolares são suscetíveis de ser transmitidos. É em seu nome que a escola é suscetível de dar chances a uma criança de vir a se dizer no mundo dos homens de outra forma, diferente daquela suposta quando chegara à vida.

Ainda mais, em nosso país, deparamos com a difícil equação docência e vocação quando se trata de demarcar a natureza profissional, em detrimento da vocação, ao alertar para precárias condições laborais dos professores em pleno século XXI. No imaginário pedagógico brasileiro, subsiste a percepção do professor como sujeito insuficiente para ensinar, sempre algo “falta” em sua formação, currículos dos cursos em constantes discussões e reformulações a depender do governante de plantão, mais grave quando o próprio professor assume essa condição no chamado “mal-estar docente”.

No tempo em que vivenciamos o século das modernas competências, habilidades para docentes e discentes, reconhecemos que ainda permanece a crença na existência de um “ideal do ser e fazer docentes”, alimentada pela ilusão psicopedagógica com novas técnicas ou métodos de ensino que fazem cessar o sonho, levam ao silenciamento da palavra professoral e provocam o apagamento do sujeito. Coordenadas simbólicas que atravessam e repercutem nos relevantes trabalhos dessa publicação.

No livro As abelhas não fazem fofoca: estudos psicanalíticos no campo da educação (Rosado & Pessoa, 2021) encontra-se o quadro de produções dos orientandos apresentado em quinze artigos, que mesmo elaborados a partir de diferentes temas, transmitem marcas, repercutem ensinamentos do professor Lajonquière, explicitando inconteste filiação e pertencimento a uma tradição. Para efeito de organização, foram divididos em três eixos semânticos: Da Docência, Da Inclusão e Da Linguagem.

Da Docência, primeira parte, compõe-se de sete artigos que evidenciam confluência e articulação à implicação subjetiva do docente no ato educativo. O eixo demarca o desejo de saber na centralidade do processo ensino-aprendizagem. O lugar de uma escola para todos, configurada no sonho e/ou utopia perpassa os escritos e se sustenta na diversidade dos cenários e diferenças de olhares.

Da Inclusão, segunda parte em cinco artigos que abordam algumas das questões que emergem com a entrada na escola de crianças que, por diferentes razões, eram interditadas de frequentá-la. Neste eixo, inscrevem-se trabalhos que se diversificam e de alguma forma se complementam.

Da Linguagem, a terceira parte do livro, compõe-se de três artigos, produzidos a partir da premissa de que tanto a experiência freudiana quanto a educação são unicamente possíveis no interior do campo da fala e da linguagem. Explicita-se, com meridiana clareza, a analogia inscrita no título do livro sobre abelhas e humanos.

Público-alvo e recomendações: aos professores atuantes, em formação inicial e/ou continuada, pesquisadores interessados em questionar o reducionismo tecnicista que se impõe nos estudos e debates pedagógicos atuais, bem como aos psicanalistas interessados em prolongar o sonho freudiano de se manter viva a interrogação da incidência da psicanálise no social, recomendamos fortemente a leitura deste livro.

Referências

Lajonquière, L. (1993). De Piaget a Freud: para repensar as aprendizagens: A (psico) pedagogia entre o conhecimento e o saber (15ª ed.). Vozes. [ Links ]

Lajonquière, L. (1999). Infância e Ilusão (Psico) Pedagógica: Escritos de Psicanálise e educação. Vozes. [ Links ]

Lajonquière, L. (2010). Figuras do infantil: a psicanálise na vida cotidiana com as crianças. Vozes. [ Links ]

Lajonquière, L. (2013). De Piaget a Freud: para uma clínica do aprender. Vozes. [ Links ]

Lajonquière, L. (2019). Quando o sonho cessa e a ilusão psicopedagógica nos invade, a escola entra em crise. Notas comparativas Argentina, Brasil, França. ETD - Educação Temática Digital, 21(2), 297–315. https://doi.org/10.20396/etd.v21i2.8651506Links ]

Rosado, J., & Pessoa, M. (orgs.). (2021). As abelhas não fazem fofoca: estudos psicanalíticos no campo da educação. Instituto Langage. [ Links ]

Recebido: 07 de Abril de 2021; Aceito: 03 de Maio de 2021

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