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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub 29-Jul-2021

https://doi.org/10.26512/lc27202139034 

Dossiê: As dimensões educativas da luta: saberes e aprendizados da e na militância política

Saberes e aprendizados da e na militância política

Conocimiento y aprendizaje del y en la militancia política

Knowledge and learning from and in political militancy

1Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (2005). Docente da Faculdade de Educação da USP (FEUSP), área de Sociologia da Educação. Líder do TRAMAS - Laboratório de Pesquisa em Educação, Transmissão Intergeracional, Trabalho e Política.

2Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2000). Professor adjunto da Universidade Federal de Alfenas. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.


Os acontecimentos políticos recentes no Brasil e na própria América Latina têm deixado aturdidos os campos da pesquisa sobre os movimentos sociais e sobre os engajamentos militantes. As Jornadas de 2013 parecem ter aberto uma verdadeira caixa de Pandora de protestos e movimentos. Há uma sequência desafiadora de fatos que, após 2013, pareceram pender bem mais à direita, ao campo conservador, liberal-conservador e até mesmo neofascista, incluindo um crescente sentimento antipartido – principalmente, antipetista (contra o Partido dos Trabalhadores - PT) -, a ascensão de movimentos e organizações de direita, manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, o próprio impeachment de Dilma, a ascensão e a vitória do candidato da extrema-direita, em meio a um crescente esgarçamento da democracia e a profusão de fake news e robôs nas redes sociais da Internet.

Porém, o campo progressista não deixou de se movimentar e resistir, tanto na sobrevida do campo democrático popular representado pelo PT, quanto na resistência criativa de setores juvenis do campo autonomista e do campo socialista crítico ao PT, assim como em protestos que deram continuidade ao legado progressista das Jornadas de 2013 – como as manifestações contra os megaeventos esportivos, a onda de greves de trabalhadoras e trabalhadores do “precariado”, as ocupações estudantis de 2015 e 2016, a reação à candidatura de extrema-direita no “Ele não!” em setembro de 2018, os protestos contra os cortes na educação superior em maio de 2019 e, mesmo em meio à pandemia do Covid-19, protestos antifascistas em 2020 e manifestações de repúdio ao chefe do executivo federal em 2021.

Finalmente, temos assistido a um conjunto de fenômenos políticos e protestos que não parecem caber bem na díade esquerda versus direita, em especial as revoltas ambíguas, nos termos de Rosana Pinheiro-Machado[1]: parte importante de manifestantes e protestos durante as Jornadas de 2013, em especial na sua fase massiva; os rolezinhos de jovens das periferias no final de 2013 e início de 2014; e a “revolta da caçamba” – greve de caminhoneiros – em 2018.

O presente dossiê, “As dimensões educativas da luta: saberes e aprendizados da e na militância política”, que temos a honra de apresentar, não pretende, nem poderia, dar conta de resolver tantos enigmas. Mas, a partir de um olhar aguçado sobre as práticas formativas em meio às lutas, protestos e o cotidiano da militância política, esperamos oferecer algumas chaves para a compreensão de tantas questões desafiadoras. Os artigos aqui reunidos enfrentam estes desafios principalmente por meio de pesquisas empíricas relativas à atualidade, mas também o fazem na forma de pesquisas empíricas que avaliam processos mais prolongados de socialização política, assim como, finalmente, estudos teóricos e sínteses bibliográficas. Trazem um amplo conjunto de temas específicos e sujeitos de pesquisa, assim como referências teóricas e categorias de análise. Tal proficuidade e diversidade nos parecem salutares e mesmo necessárias em tempos de bifurcação da história política.

Sim, há uma concentração temática dos artigos no tópico juventude e participação política, destacando-se o movimento das ocupações estudantis no Brasil em 2015 e 2016. Temos 10 artigos que abordam este tópico. Metade, ou seja, 5 artigos, tratam especificamente das ocupações de instituições educacionais públicas em Goiânia[2], Baixada Fluminense/RJ[3], Francisco Beltrão/PR[4], Chapecó/SC[5] e no estado do Paraná[6], sempre a partir de pesquisas de campo, normalmente por meio de entrevistas com jovens que ocuparam escolas e universidades. Os outros 5 artigos deste tópico têm maior abertura temática, ajudando a compreender os diversos caminhos que a relação entre jovens e política tem percorrido na atualidade, quase todos via pesquisa empírica, ao tratar de: coletivos juvenis nas periferias paulistanas[7]; a participação de jovens em organizações liberais em Campina Grande-PB[8]; estudantes secundaristas com opiniões políticas conservadoras no Rio Grande do Sul[9]; e a forma como estudantes do Ensino Médio na Argentina têm enfrentado os desafios da pandemia do Covid-19[10]. Um artigo de síntese da produção bibliográfica sobre participação política e engajamento de jovens completa este primeiro grande tópico do dossiê[11].

Outro conjunto de artigos versa sobre o que podemos denominar de movimentos urbanos – incluindo o movimento sindical, a luta pela moradia e a luta pela mobilidade urbana. São 4 artigos: dois deles tratam do movimento sindical implicado em uma série de aprendizados e saberes mais amplos, ao focar a história de ex-metalúrgicos do ABC paulista[12] e de suas famílias[13]. Outro foca as trajetórias e as militâncias de mulheres no Movimento dos Trabalhadores Sem-teto (MTST)[14]. Enfim, temos um artigo que trata da militância no coletivo Tarifa Zero, de Belo Horizonte-MG[15].

Finalmente, há um artigo de caráter teórico, tratando da relação entre comportamento político e conscientização, com base no marxismo[16]. Na verdade, o já citado artigo sobre a revisão bibliográfica relativa à participação política e engajamento de jovens também poderia caber aqui. Ambos os artigos nos alertam sobre a importância de cotejar nossas pesquisas de campo – tão preocupadas com o atual e o emergente – com o que já têm sido produzido, refletido e teorizado no campo da participação e formação política.

Os artigos fazem uso de diversos referenciais teóricos, como anunciado. Parte relevante deles fez uso da mais clássica, mas ainda necessária, discussão a respeito da socialização política. Mas a própria socialização política foi abordada de forma inventiva e aberta, cotejando as influências dos processos formativos no interior das instituições socializadoras – em destaque, família e escola – com o contexto sociopolítico e as experiências de participação.

Esta abertura no uso da análise da socialização política tem sido importante para compreender melhor as descontinuidades ou os desenvolvimentos inesperados do comportamento político das novas gerações – sem contar as alterações vertiginosas da opinião política das próprias gerações adultas. No dossiê, destaca-se o comportamento político de adolescentes do Ensino Médio, tanto no movimento das ocupações – o mais largamente tratado aqui –, quanto na adesão a valores liberais e conservadores. Entretanto, o inesperado ou o não trivial na participação política foi abordado também por outros conceitos, categorias e referenciais. Alguns são igualmente clássicos, como a experiência de classe segundo E. P. Thompson, a memória por Walter Benjamin, a geração segundo Mannheim e a consciência segundo o marxismo, enquanto outros são mais contemporâneas, como a experiência em Larrosa e a sociologia das emoções.

Metodologicamente, como dito, 13 artigos são fruto de investigações empíricas, enquanto 2 são sínteses bibliográficas. Sobre as pesquisas empíricas, parte delas teve de se adequar ao estado de calamidade sanitária criado pelo coronavírus e a irresponsabilidade de governos e diversos setores da sociedade civil. Adaptações diversas foram necessárias, como entrevistas de forma remota ou a passagem da observação participante à netnografia. Na verdade, a própria pandemia foi o tema principal de um dos artigos – sobre os estudantes de ensino médio na Argentina – e o tema secundário de outro – sobre os coletivos da periferia paulistana.

Do ponto de vista da abrangência territorial, afora o artigo teórico sobre consciência e comportamento político segundo o marxismo, apenas um artigo não tratou de casos empíricos no Brasil – o artigo sobre estudantes do Ensino Médio na Argentina. Quanto aos demais, tenderam a se concentrar, como tende a ser comum na produção científica brasileira, em casos do Sudeste (6 artigos) e do Sul (3). Entretanto, fizeram-se representar o Centro-Oeste e o Nordeste, cada qual com um artigo.

Esta distribuição territorial tendeu a se replicar na distribuição institucional. Das autorias, contando autoras/autores e coautoras/coautores, 3 foram do exterior – duas da Argentina e um de Portugal. Quanto às do Brasil, 14 autorias foram de instituições do Sudeste, 7 do Sul, 4 do Centro-Oeste e 2 do Nordeste. Uma das autorias é vinculada a uma instituição da sociedade civil sem fins lucrativos, o Instituto Vladimir Herzog, enquanto todas as outras se vinculam a universidades públicas, incluindo as três do exterior (Instituto Universitário de Lisboa, Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e Universidad Nacional de La Plata).

Ao final, gostaríamos de reforçar as contribuições diversas deste dossiê. Primeiro, teoricamente, em esforço de recapitulação e renovação de categorias, conceitos e referências – inclusive nos artigos empíricos –, em análises e sínteses que recuperam campos clássicos das Ciências Humanas – como o marxismo e as teorias da socialização política –, bem como fazem o balanço de produções sobre o comportamento político e as formas de engajamento. Segundo, pelo esforço de analisar dados colhidos empiricamente sobre trajetórias políticas e a influência de participação em movimentos sociais na vida atual de pessoas outrora engajadas e de suas famílias, implicando em um olhar mais alargado no tempo.

Supostamente em contraponto, mas, na verdade, como seu complemento, temos pesquisas empíricas sobre adolescentes e jovens nos dias atuais – via memória de participação em protestos sociais progressistas, ou via relatos sobre a adesão a ideologias ou organizações de direita, ou ainda via o esforço pela sobrevivência em coletivos ou na resposta aos desafios da pandemia. Elas são, como já foi dito, a grande maioria das investigações aqui relatadas. Os pés e os olhos que se fincam nos protestos e engajamentos contemporâneos apoiam ambas as contribuições citadas anteriormente: teorias e categorias clássicas e contemporâneas são cotejadas aos dados empíricos, quase sempre de modo não-ortodoxo, revitalizando as clássicas e testando as contemporâneas; iluminam-se novas experiências políticas e formativas na atualidade, oferecendo-se bases e categorias que serão importantes para acompanhar as trajetórias de tais jovens, tanto quanto para compreender possíveis reenquadramentos dos protestos políticos da população brasileira e latino-americana.

Fica o convite à leitora e ao leitor para conhecer melhor os artigos deste dossiê, organizado com o carinho de quem deseja compartilhar pesquisas de jovens e experientes pesquisadoras e pesquisadores, assim como com a esperança de que o conhecimento sobre os modos como as pessoas têm se formado – e até de-formado – politicamente na atualidade possa orientar lutas pela defesa das tão ameaçadas democracias na América Latina.

Referências

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[2] Munhoz Sofiati, F., Domingos Costa Marques, J. E., & Resende Ferreira, J. R. (2021). Ocupações secundaristas em Goiânia: formação e experiências políticas das/os jovens. Linhas Críticas, 27, e36308. https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/36308/29279 [ Links ]

[3] Alves, A., & Groppo, L. A. (2021). Narrativas, memórias e experiências: o processo de ocupação estudantil na Baixada Fluminense. Linhas Críticas, 27, e36242. https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/36242/29955 [ Links ]

[4] David, F. M., & Martins, S. A. (2021). As ocupações secundaristas em Francisco Beltrão-PR – 2016: fazer-se e experiências. Linhas Críticas, 27, e36442. https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/36442/29739 [ Links ]

[5] Simões, W. (2021). Ocupações secundaristas em Santa Catarina: experiência e (auto)formação política. Linhas Críticas, 27, e36759. https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/36759/29544 [ Links ]

[6] Fayet Sallas, A. L., & Meucci, S. (2021). “O melhor medo da minha vida” - emoções nas ocupações estudantis. Linhas Críticas, 27, e36528. https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/36528/30116 [ Links ]

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[8] Salles, T., & Franch, M. (2021). Pela via dos afetos: experiência universitária na trajetória política de jovens liberais. Linhas Críticas, 27, e36531. https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/36531/30387 [ Links ]

[9] Severo, G. R., Weller, W., & Araújo, G. C. (2021) Jovens de direita e extrema-direita: posicionamentos políticos no ensino médio. Linhas Críticas, 27, e 36319. https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/36319/30482 [ Links ]

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[14] Carvalho-Silva, H. H. de, & Tomizaki, K. (2021). Os aprendizados da luta política: trajetórias militantes das mulheres no MTST. Linhas Críticas, 27, e36690. https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/36690/29699 [ Links ]

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[16] Soares da Silva, A., & Euzébios Filho, A. (2021). Marxismo, consciência e comportamento político. Linhas Críticas, 27, e36500. https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/view/36500/29569 [ Links ]

Recebido: 26 de Julho de 2021; Aceito: 26 de Julho de 2021

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