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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub 31-Mar-2021

https://doi.org/10.26512/lc.v27.2021.36336 

Dossiê: As dimensões educativas da luta: saberes e aprendizados da e na militância política

Horizontes da luta pelo transporte público universal: a experiência do Tarifa Zero

Horizontes da luta pelo transporte público universal: a experiência do Tarifa Zero

Horizons of the struggle for universal public transport: the experience of Tarifa Zero

Igor Thiago Moreira Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0002-8889-8390

Geraldo Leão2 
http://orcid.org/0000-0002-9894-5488

1Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2017). Pesquisador e membro do Observatório da Juventude da Faculdade de Educação - UFMG.

2Pós-Doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense (2008). Professor Titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Líder do Grupo de Pesquisa Observatório da Juventude da UFMG.


Resumo

Apresenta os resultados de uma pesquisa sobre o Coletivo Tarifa Zero de Belo Horizonte, Minas Gerais. O caminho da pesquisa partiu da copesquisa militante como escolha metodológica, em diálogo com a pesquisa participante. Os resultados da pesquisa apontam para um desejo de participar dos destinos e processos decisórios em relação à cidade, incidindo sobre as questões públicas. Dois elementos eram centrais nos discursos dos/as jovens: 1. O alargamento da sensibilidade sobre os destinos da urbe, advindo dos aprendizados propiciados pela experiência participativa; 2. O direito à mobilidade urbana associado à democratização do transporte público a partir do agir coletivo.

Palavras-chave Movimentos Sociais e Educação; Participação Política; Juventude; Movimento Tarifa Zero

Resumen

Presenta los resultados de una investigación sobre el Colectivo Tarifa Zero en Belo Horizonte, Minas Gerais. El camino de la investigación partió de la co-investigación militante como una elección metodológica en diálogo con la investigación participante. Los resultados de la encuesta apuntan a un deseo de participar en los destinos y procesos de toma de decisiones en relación con la ciudad, centrándose en cuestiones públicas. Dos elementos fueron centrales en los discursos de los jóvenes: 1. La ampliación de la sensibilidad sobre los destinos de la ciudad, surgida del aprendizaje proporcionado por la experiencia participativa; 2. El derecho a la movilidad urbana asociado a la democratización del transporte público basado en la acción colectiva.

Palabras clave Movimientos sociales y educación; Participación politica; Juventud; Movimiento Tarifa Zero

Abstract

It presents the results of a research about the Tarifa Zero Collective in Belo Horizonte, Minas Gerais. The research path started from militant co-research as a methodological choice in dialogue with the participating research. The survey results point to a desire to participate in destinations and decision-making processes in relation to the city, focusing on public issues. Two elements were central to the young people's speeches: 1. The widening of the sensitivity about the destinations of the city, arising from the learning provided by the participatory experience; 2. The right to urban mobility associated with the democratization of public transport based on the collective action.

Keywords Social Movements and Education; Political Participation; Youth; Tarifa Zero Movement

Considerações inicias e aspectos metodológicos

Em um tempo histórico marcado por aceleradas mutações e incertezas e por um horizonte de expectativas decrescente, ou seja, uma experiência social marcada pelo encolhimento do imaginário sobre o futuro e do sentimento de urgência do presente (Arantes, 2014), as mobilizações juvenis podem nos oferecer possibilidades de análise que permitam compreender as contradições e os conflitos que emergem nas sociedades contemporâneas. Nesse sentido, as ações coletivas e os movimentos sociais protagonizados por jovens podem ser entendidos como faróis privilegiados que nos indicam possíveis direções do curso das transformações em nosso tempo.

Este artigo apresenta parte dos resultados de uma pesquisa sobre o Movimento Tarifa Zero (TZ) de Belo Horizonte, surgido em meio aos grandes protestos do ano de 2013, que colocou na agenda pública da cidade a luta pelo direito social ao transporte (Oliveira, 2017).

Os resultados aqui apresentados partem da copesquisa militante (Cava, 2013; Roggero, 2013) como escolha metodológica. Tal perspectiva possui como premissa a realização de uma investigação engajada, problematizando a possibilidade de existência de neutralidade na produção do conhecimento e a peremptória separação entre pesquisador (saber interpretativo) e pesquisados (sujeitos da ação). Ao propor a inversão epistemológica que divide o ato de investigar do objeto investigado, a copesquisa aponta para a dissolução das relações rígidas entre observador e observado. O postulado da pesquisa engajada avança na direção de propor um amálgama complexo que de alguma maneira iguale as posições entre pesquisador e pesquisado, permitindo a construção conjunta do conhecimento e ampliando suas possibilidades interpretativas. Ou seja, a copesquisa parte da cooperação social como condição para a produção do conhecimento de determinada luta ou movimento, enquanto garante espaço para as intenções singulares dos sujeitos, especialmente as intenções investigativas e interpretativas que, ao fim, retornem para enriquecer a construção coletiva dessas mesmas experiências sociais.

Na pesquisa realizada sobre o movimento Tarifa Zero, tal perspectiva teórico-metodológica ensejou uma aproximação entre o pesquisador e os sujeitos da investigação que permitiu compreender e perceber os dilemas, obstáculos, riscos e as potências da ação política dos jovens participantes do movimento.

De junho de 2013 a maio de 2014, foram acompanhados reuniões, assembleias, ocupações, pequenas e grandes manifestações, aulas públicas, ações de coletas de assinaturas, debates e atividades em universidades em Belo Horizonte. Essas atividades estavam ligadas a ativistas que se mobilizaram em torno da problemática urbana e do poder municipal e que se ampliou após os protestos de junho de 2013, constituindo uma rede de movimentos e coletivos contestatórios (Sherer-Warren, 2006). Esse foi um período importante de aproximação e de apropriação teórica e prática sobre essa rede que se estruturava. Posteriormente, a partir da consolidação do Tarifa Zero como uma ação coletiva na cidade, os pesquisadores passaram a acompanhar e participar intensamente de suas atividades de agosto de 2014 a fevereiro de 2016.

Pode-se falar em uma aproximação entre a perspectiva metodológica da copesquisa militante e a observação participante, uma vez que em ambas se busca uma forma de inserção no campo de pesquisa que permita compreender a lógica específica de determinado fenômeno social, coletividade ou comunidade. De acordo com Brandão (1981), a pesquisa participante é uma forma coletiva de produção do conhecimento em que sujeitos em posições diferentes de pesquisadores e pesquisados compartilham um mesmo trabalho comum.

O fato de adotarmos o conceito de copesquisa militante e não outro para definir teoricamente a forma como nossa pesquisa foi desenvolvida relaciona-se com a sua origem no movimento operário e o postulado explícito do compromisso com movimentos e lutas sociais. Nesse sentido, ao aceitar a proposta de engajamento nas lutas e na construção do movimento, assumiu-se a condição de uma produção de conhecimento que emergiu da experiência pessoal de imersão no Tarifa Zero (TZ), experiência de pesquisa que pode ser definida como uma etnografia engajada.

Além da imersão no campo de pesquisa, foram realizadas onze entrevistas com integrantes do movimento com o objetivo de sistematizar impressões sobre alguns aspectos da trajetória dos participantes, cujos depoimentos foram inseridos no artigo por meio de nomes fictícios. Estas entrevistas abordaram as percepções e os sentidos sobre o engajamento no TZ, os aprendizados advindos da participação, as expectativas que emergem da atividade ativista, dentre outras questões. Para a realização das entrevistas foram selecionadas pessoas que compunham o “núcleo orgânico” do movimento, ou seja, aqueles que participavam da maioria das reuniões, ações e formulações coletivas. Esse núcleo orgânico também sofria com algumas variações em sua composição e na qualidade e intensidade da participação, mas era possível perceber alguns que acompanharam os principais momentos do TZ. Além disso, procurou-se considerar a paridade de gênero e a variação etária.

Sobre as experiências de participação dos ativistas do Tarifa Zero

No momento de realização da pesquisa, o Tarifa Zero era composto por indivíduos que estiveram presentes desde a origem do movimento, em 2013, e por uma parcela de novos integrantes que entraram ao longo do ano de 2014 e 2015.

Parte-se da premissa de que há uma relação entre as experiências prévias de engajamento destes sujeitos em suas trajetórias como ativistas e militantes acumulada em outros espaços, movimentos e iniciativas, e suas possíveis influências na atuação no Tarifa Zero. O conceito que utilizamos para pensar este aspecto é o de capital militante:

Incorporado sob forma de técnicas de disposições a agir, intervir ou simplesmente obedecer, ele cobre um conjunto de saberes e de savoir-faire mobilizáveis em ações coletivas, lutas inter ou intrapartidárias, mas também exportáveis, conversíveis em outros universos, portanto suscetíveis de facilitar certas reconversões. (Matonti & Poupeau, 2004, como citado em Seidl, 2014, p. 4)

De maneira geral, os grandes protestos de junho de 2013 e seus desdobramentos marcaram a experiência ativista de toda uma geração e podem ser pensados como um reservatório de intensos e profundos aprendizados e de capital militante (Marcon et. al., 2020). O impulso e a energia para a ação direta nas ruas, a disposição para o enfrentamento com as forças de segurança, o aprendizado na lida com o Estado e suas instituições, dentre outras questões, são características presentes entre os participantes do Tarifa Zero que certamente possuem relação com os grandes protestos. No entanto, a partir da convivência com os integrantes do movimento, foi possível perceber que muitas práticas e posturas dos ativistas no movimento Tarifa Zero poderiam estar relacionadas com experiências de engajamento anteriores a junho de 2013 ou com a ausência destas mesmas experiências. E ainda, há que se levar em consideração que a experiência do incendiário junho não foi vivenciada por todos de maneira homogênea. Houve aqueles que viveram as mobilizações intensamente, outros que participaram pontualmente, e ainda os que vivenciaram aqueles acontecimentos à distância, mediados tanto pela cobertura da imprensa, quanto pela intensa socialização nas redes e conexões da internet.

Especificamente, o Tarifa Zero representava, então, na cidade de Belo Horizonte, uma das experiências mais visíveis de continuidade dos grandes protestos, atraindo jovens que possuíam o desejo de participar da contestação social que se desenrolava no município, uma ação coletiva que representava naquele momento um lócus privilegiado de envolvimento com as lutas sociais.

Por outro lado, durante a pesquisa foi possível perceber que para uma parcela dos jovens, o Tarifa Zero era a primeira experiência de participação e engajamento em um movimento social de maneira significativa e regular. Eram jovens com pouca experiência acumulada de participação e reduzido capital militante. Os depoimentos de duas participantes que entraram no movimento Tarifa Zero em meados de 2014 são exemplos destes aspectos. Assim, por exemplo, Dandara indica que:

Não participei de grêmios na escola. Eu nunca participei de nenhum movimento especifico. Mas se tinha uma manifestação, por exemplo, contra Renan Calheiros, eu estava. Sempre participei desses pequenos atos, mas como cidadã. Em junho, eu participei de algumas coisas. Fui num protesto, respirei muito gás, chorei de pânico, de raiva, de emoção, de tudo. Fui em poucas assembleias porque eu estudava teatro à noite. Eu acompanhei muito pela internet tudo, ficava muito envolvida e com muita vontade de fazer alguma coisa mais forte. O Tarifa Zero é o primeiro movimento que eu participo mesmo, que estou dentro assim para valer. (Dandara, estudante de Teatro)

E Maria, com uma experiência semelhante, diz o seguinte:

Eu nunca me envolvi com movimentos sociais. Eu tinha vontade, mas não me interessava por partidos. E isso ficou bem forte depois das manifestações de junho. De que a gente pode fazer política indo para a rua, manifestando, fazendo uma ação popular. Junho, eu acompanhei pela internet lá em Itaúna e fiquei doidinha. Logo depois das manifestações é que eu vim morar em BH. Meu primeiro dia aqui (em Belo Horizonte) já caí numa ocupação na prefeitura. Falei, nossa, BH é muito legal! Comecei a colar nos movimentos de esquerda. Meu primo participava do Tarifa Zero e foi a partir daí que eu conheci o movimento e passei a colar também... até hoje! (Maria, estudante de Belas Artes, designer gráfica)

Os depoimentos das duas ativistas representam tipos e exemplos comuns de uma parcela de jovens que se engajou no movimento com o decorrer do tempo. Também indicam vontade de engajamento, impacto dos protestos de junho na ampliação desses desejos de participação e um processo de socialização política mediado pelas novas tecnologias da comunicação e da informação.

De acordo com Tomizaki et al. (2016, p. 938):

A socialização política, por sua vez, é uma das dimensões do processo de socialização, e diz respeito especificamente à transmissão e à aquisição de valores, condutas, percepções e preferências sobre política. Sendo assim, podemos afirmar que todo indivíduo é socializado politicamente, embora as características e efeitos desse processo possam variar enormemente: em um plano micro, segundo a origem social, trajetória familiar, nível de instrução, ocupação ou profissão dos indivíduos; e em um plano macro, em função de determinadas conjunturas econômicas, sociais e políticas.

Os processos de socialização política vivenciados pelas duas jovens por meio da internet dialogam com o quadro contemporâneo mais geral, onde o debate político e as demandas por uma sociedade mais justa circulam por meio de redes sociais. Segundo Baquero et al. (2016, p. 989):

Nesse sentido, o processo de socialização estaria, atualmente, ocorrendo em circunstâncias diferentes, nas quais a internet aparece como mecanismo central de outro tipo de socialização política. Ao aumentar a comunicação, além de unir grupos e indivíduos diferentes que nunca haviam tido contato anteriormente, a internet possibilita aos jovens assumirem comportamentos e causas de natureza social e política de seu interesse.

As novas tecnologias da comunicação e informação e as redes que delas emergem são então lócus onde sujeitos se encontram, constroem relações, entram em contato com causas sociais, debatem sobre as mesmas e interagem com um universo simbólico ativista que passa a ser constituinte de suas subjetividades. O processo de socialização política, neste caso, é delineado pelo movimento pendular, sempre constante, entre as dimensões on/off-line por onde trafegam os indivíduos. Conforme reflete Juliana Batista dos Reis (2014, p. 203) sobre os processos de socialização dos jovens no ciberespaço e a relação destes com o ativismo urbano:

Múltiplas dobras entre espaço público e ciberespaço se evidenciam na contemporaneidade. A arena digital tem se mostrado como espaço convergente para as reflexões sobre o urbano como espaço público. Essas dobras ressoam em formas híbridas de ocupações de coletivos juvenis que narram os conflitos urbanos, reivindicam o direito à cidade na amálgama de encontros, discussões e agenciamentos on/offline.

Outra parte dos participantes, por sua vez, possuía experiências prévias de participação que, a despeito das diferenças, tinham em comum o fato de serem marcadas por características próprias das formas contemporâneas de contestação social – organização horizontal, articulação em rede e relação intensa com a internet.

A participação no movimento estudantil foi marcante como processo de formação política para alguns dos entrevistados. Helena, estudante de direito, apontava a participação no movimento estudantil e em um coletivo de advogados populares em Belo Horizonte, o coletivo Margarida Alves [1] , como centrais em sua formação política:

O início de uma formação política, e de concretizar as coisas que já tinha em mim, de dar maior densidade, foi dentro da diretoria de extensão do Centro Acadêmico (CAAP) da faculdade que tinha muita base freiriana. Estudávamos muito o papel da universidade e da extensão. Em 2012, eu estive de sete e meia da manhã ás onze da noite, todo dia abrindo e fechando o CAAP. A gente tinha apreendido, na diretoria de extensão, os princípios da horizontalidade e da rotatividade, que até hoje a gente discute. Foi um aprendizado importante... Daí entrei para o Margarida Alves no dia que a gestão de 2013 tomou posse, porque eu também pensava que tinha que estar em algum lugar para conseguir sair do CAAP. O Margarida Alves me abriu portas para ter outras experiências políticas. De aprender muito sobre as questões de direito à cidade, que eu já estava aprendendo no CAAP, mas que foi outra forma de abordar isso. (Helena, estudante de Direito)

Helena ressaltou, em seu depoimento, dentre outras questões, a intensidade marcante de sua experiência no movimento estudantil universitário e os conflitos vivenciados a partir da tentativa de introduzir princípios organizativos, como os da horizontalidade, que apontam para a forma de ser de movimentos e iniciativas contestatórias contemporâneos. Uma outra experiência, a de Marcelo, indica a vivência destas formas contemporâneas de mobilização e organização:

No Ocupa de 2011, tinha um amigo que por acaso resolveu me ligar no dia que ocuparam a Praça da Assembleia de Belo Horizonte. Foi o primeiro contato interessante com o movimento autonomista, com o Anonymus, com ciberativismo. Foi um contato legal, ficamos lá ocupados, foi muito cansativo, foram dois meses. Eu dormia lá, passava o fim de semana, passava o dia no sol, montamos barracas, quando chovia alagava tudo. A galera era totalmente nova. Ninguém de movimento social tradicional. O dia da ocupação foi uma chamada global, o 15 O. A história era assim: a primavera árabe, Espanha 15M, Ocupy Wall Street em setembro e a chamada de ocupar do 15 de Outubro. O pessoal era muito novo. Eu sentia a necessidade de englobar outros atores, outros setores da esquerda. Eu fiquei satisfeito de encontrar gente muito nova. O debate político era difícil, embora existisse. Tinha debate de esquerda sobre educação, sobre corrupção, mas por não ter a presença de figuras com acúmulo de debates, o debate lá não ocupava muito tempo. (Marcelo, assistente social)

Marcelo destacou a participação em uma experiência influenciada pelo ciclo global de lutas sociais que emergiu no ano de 2011 - Primavera Árabe, Indignados Espanhóis e Occupy Wall Street nos EUA - como uma experiência de participação significativa anterior ao Tarifa Zero. Como bem destacou Harvey (2014), tais movimentos colocaram no centro das lutas sociais contemporâneas a ideia da cidade como um direito, mais especificamente a possibilidade de reivindicação de formas de vida alternativas ao capitalismo. Assim como aparece no depoimento de Marcelo, estas experiências podem ser encaradas como laboratórios de formação política para uma parcela de jovens urbanos conectados nas redes ciberativistas.

Dos participantes entrevistados, apenas dois, Beline e Luciano, se envolveram com a militância em torno da questão dos transportes anteriormente ao Tarifa Zero. Eles estiveram ligados às mobilizações estudantis pelo Passe Livre e contra o aumento de passagens ao longo da década dos 2000. Ambos também participavam, no momento de realização da pesquisa, de um coletivo no interior do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), com características específicas que contrastavam com as demais correntes políticas no interior do partido. O PSOL organiza-se através de distintas correntes políticas, muitas delas oriundas do Partido dos Trabalhadores (PT), ou criadas a partir de fusões de diferentes grupos políticos do espectro partidário da esquerda tradicional. Nesse caso específico, os jovens participavam do coletivo Isegoria [2] , que possuía uma origem distinta, sendo composto por jovens militantes que se organizavam de maneira horizontal, conectados com a rede ativista urbana e com as iniciativas de contestação social protagonizadas pelo ativismo contemporâneo na cidade de Belo Horizonte. A forma de ser do coletivo Isegoria, então, contrastava com as demais correntes compostas por militantes experientes e longevos, oriundos do movimento sindical e do PT, bem como das correntes políticas que se organizam a partir de outras tradições do pensamento político socialista. Um deles chegou a ser candidato duas vezes - a vereador em 2012 e a deputado estadual em 2014 - tendo como uma de suas principais bandeiras a questão da gratuidade dos transportes e o problema da mobilidade urbana.

Podemos pensar esses exemplos de experiências prévias de participação de uma parte dos jovens como um reservatório de saberes e conhecimentos a serem mobilizados na atuação no movimento. Foi percebido que suas experiências militantes, vivenciadas ao longo de suas trajetórias de participação, apareceram materializadas de alguma forma na organização e nas ações do Tarifa Zero: na organização e condução dos protestos de rua, na capacidade de planejamento de determinada ação, na habilidade discursiva e de argumentação, na habilidade do contato com a imprensa, na capacidade de negociação com outros movimentos e na postura de enfrentamento nos espaços de participação institucional.

No entanto, é necessário anotar e refletir também a respeito de aspectos que podem ser entendidos como uma espécie de ausência de determinadas habilidades, conhecimentos e práticas, na ação destes mesmos ativistas. A respeito dessa questão, havia dificuldades quando determinada ação envolvia a necessidade de mobilização, agitação política e trabalho militante, especialmente junto às camadas populares e à população em geral.

Em outras palavras, havia uma ausência na ação dos jovens ativistas do Tarifa Zero referente a determinado repertório de práticas e habilidades que delineiam a história dos movimentos sociais e das lutas populares que marcaram a história contemporânea brasileira. Duas hipóteses correlacionadas podem ser sugeridas a esse respeito. A primeira delas remete ao fato de que as experiências prévias de participação desses jovens tenham se dado em trajetórias de socialização política entre pares etários que compartilhavam valores, práticas, posturas e vivências comuns. Algo como a experiência ativista em uma mesma e situada unidade de geração ativista. Mannheim (1982, p. 90), ao teorizar sobre o problema sociológico das gerações, nos adverte que:

A unidade de geração tende a impor um vínculo muito mais concreto e constringente sobre seus membros por causa do paralelismo de reações que ela envolve. Na realidade, tais atitudes integradoras partidárias, novas e abertamente criadas, que caracterizam as unidades de geração, não surgem espontaneamente, sem um contato pessoal entre indivíduos, mas dentro de grupos concretos onde a estimulação mútua em uma unidade vital estritamente tecida provoca a participação e capacita-os a desenvolverem atitudes integradoras que fazem justiça às exigências inerentes à sua situação comum.

Ou seja, a hipótese é que os processos de socialização política desses jovens, construídos em círculos ativistas concretos e restritos, e entre sujeitos com vivências semelhantes, constituíram um capital militante igualmente restrito a estes círculos, mobilizável em determinado contexto e conjunto de situações. Tal capital militante era mobilizado de forma, pode-se dizer, exitosa, quando determinada ação se referia a um contexto onde este mesmo capital fora forjado.

Assim, por exemplo, em ações junto a outros jovens ativistas ou sujeitos que compartilhavam valores e universos simbólicos e culturais semelhantes, ou em situações que envolviam as instituições e o poder constituído, a capacidade de diálogo, mobilização, comunicação e prática ativista encontrava terreno seguro e conhecido por parte dos ativistas do Tarifa Zero. Já quando a ação envolvia outros sujeitos estranhos a este mesmo contexto de vivências, práticas e valores, pertencentes a outros contextos geracionais, os jovens ativistas encontravam cenários distintos, que impunham certas dificuldades no desenvolvimento de determinadas práticas militantes.

Um outro elemento pode ser pensado como um aspecto que reforçava a socialização entre iguais vivenciada por esses jovens: a socialização nas redes sociais virtuais. Os “nativos digitais, jovens que se comunicam e vivem suas relações sociais de uma forma diferente de gerações anteriores” (Baquero et al., 2016, p. 992) tendem a vivenciar processos de socialização cada vez mais entre iguais, na medida que a ideia da internet como ágora pública ou aldeia global se desfaz nos processos concretos. A internet colonizada pela lógica do mercado vale-se cada vez mais de algoritmos e filtros que personalizam a navegação de acordo com o mapeamento dos interesses individuais.

A segunda hipótese, relacionada à primeira, remete a uma espécie de ruptura da transmissão de saberes e de um repertório de práticas ocorrida entre uma parcela das novas gerações ativistas, ou seja, um distanciamento entre os movimentos contemporâneos e a geração protagonista de movimentos e lutas populares em nossa história democrática recente. Ou seja, elementos como o trabalho de base militante nos bairros, nos locais de trabalho, nas escolas e comunidades, o trabalho com as práticas da educação popular e o trabalho de mobilização e agitação política junto ao cotidiano da população, tão caros à história dos movimentos populares, parecem estar um tanto quanto distantes das experiências políticas de uma parcela das novas gerações ativistas.

Há nas gerações militantes contemporâneas um conjunto expressivo de jovens que vivenciam um complexo de experiências que possibilitam o aprendizado de saberes práticos e habilidades constitutivos do repertório de ação dos movimentos populares: jovens que atuam em movimentos sociais ligados à questão da luta por moradia, pela reforma agrária, em sindicatos e em determinadas correntes políticas partidárias do campo das esquerdas (Braga & Santana, 2015; Brenner, 2011; Firminiano, 2009; Martins, 2013; Sousa, 2015).

E ainda encontramos também, nas experiências ativistas das juventudes autonomistas, críticas e distanciadas da esquerda tradicional, todo um processo de reflexão e esforço em incorporar este conjunto de saberes militantes construído na história dos movimentos sociais brasileiros. O Movimento Passe Livre (MPL) e o movimento recente de ocupações de escolas pelo Brasil, especialmente em São Paulo, são exemplos de experiências onde noções e concepções sobre trabalho de base, educação popular, tática e estratégia, análise de correlação de forças, além do contato com outros movimentos populares, abrem novas possibilidades de intercâmbio de práticas militantes entre gerações.

A respeito da ação e dos aprendizados dos ativistas autonomistas durante os protestos de junho de 2013, em especial o MPL, Pablo Ortellado (2013, p. 237) nos diz o seguinte:

Os aprendizados adquiridos em quase dez anos de movimento social permitiram ao MPL uma notável combinação de valorização do processo e orientação a resultados. Por um lado, ele soube preservar e cultivar a lógica horizontal e contracultural que extraiu tanto da luta dos estudantes contra o aumento como do movimento contra a liberalização econômica, de onde vieram muitos dos primeiros militantes. Por outro, soube estabelecer de maneira tática uma meta objetiva exequível: a revogação do aumento. Essa meta “curta”, no entanto, estava diretamente ligada à meta mais ambiciosa de transformar um serviço mercantil em direito social universal.

Essa relação entre processo e resultado, entre objetivo e tática, percebido como um aprendizado importante do MPL em São Paulo, também é anotada por Antônia Campos et al. (2016) como característica importante nas ações de ocupações de escolas protagonizadas pelos jovens estudantes secundaristas na mesma cidade, já no ano 2015, o que indica intercâmbios e aprendizados entre essas duas movimentações concretas.

No interior do Tarifa Zero, essas questões também apareceram, ainda que em um grau menor. A partir da inspiração metodológica da copesquisa, procurou-se intervir em alguns momentos e trazer esses debates para o interior do movimento, especialmente sobre a necessidade de incorporação de práticas, saberes e formas de organização constitutivas da história dos movimentos populares no Brasil. Alguns participantes já traziam esse desejo, trafegavam entre diversos espaços das esquerdas, tinham contato com outros ativistas e militantes que atuavam imersos em comunidades e ocupações urbanas, conheciam as experiências de outros coletivos ligados à luta pelo transporte, como o MPL, e reconheciam a importância crucial dessas questões. Debates e tentativas de incorporar essas dimensões surgiram e rondaram o Tarifa Zero.

Escolarização, formação e qualificação para a ação política

Dos onze participantes do movimento Tarifa Zero entrevistados (as), três possuíam trajetórias de escolarização em escolas públicas e oito em escolas particulares. Para os entrevistados que citaram a experiência escolar como significativa para sua trajetória militante e de engajamento, destacamos:

Estudei no Balão Vermelho, um colégio com uma proposta pedagógica diferenciada. Entrei no maternal. Era meio ‘nerd’. Fiquei lá até a quarta série. Depois fui para o Einstein, que tinha uma proposta pedagógica também diferenciada. As turmas eram bem pequenas, isso super incentivava a participação. Era bem legal. Eu gostava muito de ler. Meu pai também estimulava isso também. Aprendi xadrez com cinco anos. Eu estudava muito. Sempre fui muito questionador, desde moleque. Lia biografias, lia sobre comunismo, questionava muito. No Einstein, a proposta era bem participativa. Tinha alguns espaços de conversa e de elaboração conjunta. Pintar os muros da escola, essas coisas todas. Era um espaço bom. A gente debatia as coisas, questionava. Tinha eleições para representantes da turma, eu fiquei em segundo lugar. (Beline, estudante de pós-graduação)

Eu estudava na Escola da Serra, entrei na escola da Serra em 95 e estudei lá até 2002. A Escola da Serra era escola de petista, professores, pais de alunos. Tinha uma direção colegiada no sentido da participação, garantir a participação dos alunos. Quando era período eleitoral, a escola promovia debates, trazia candidatos e pessoas dos partidos para debaterem com a gente. Se tinha pai que era do PT, eles chamavam para uma atividade; se tinha pai do PSDB, eles também chamavam. [...] Foi uma experiência importante em minha formação. (Luciano, professor)

Nos dois trechos acima, pode-se perceber o impacto de escolas com propostas pedagógicas consideradas como alternativas para a formação política dos participantes. Dentre os vários elementos apresentados como turmas pequenas, presença do debate político, perfil dos pais dos alunos (engajados politicamente), a qualificação de uma pedagogia “diferenciada” destas escolas é definida a partir de espaços e práticas participativas oferecidas.

Estudos contemporâneos sobre movimentos sociais (Coradini, 2008; Oliveira, 2008; Petrarca, 2007; Seidl, 2008) indicam que o recrutamento de militantes com conhecimento especializado é cada vez mais presente nestas organizações. Em face das exigências das complexas democracias contemporâneas, a informação e o conhecimento técnico são elementos fundamentais para a legitimação da participação, tendo em vista que os movimentos se valem da expertise técnica em favor da ação militante (Castelfranchi, 2016; Fischer, 2016).

Questão semelhante foi parcialmente encontrada no movimento Tarifa Zero. A presença de ativistas com escolarização elevada foi um dos fatores que, certamente, propiciaram que fosse reconhecido nos espaços de poder como sujeito legítimo para debater o tema dos transportes na cidade. Ou seja, essa é uma característica importante a ser destacada, justamente por garantir aos participantes as capacidades, habilidades e a qualificação técnica necessárias e legitimadas para a participação do movimento nos espaços institucionais onde se discute a questão dos transportes, e por influenciar na natureza dos discursos produzidos pelo mesmo.

A qualificação técnica a respeito da discussão dos transportes aparece no movimento a partir de características sociais prévias de alguns de seus participantes ou como necessidade da disputa no jogo político municipal. Os processos de aprendizagem decorrentes do intenso intercâmbio interno de informações e conhecimentos entre aqueles que possuíam conhecimento especializado, que se especializaram no estudo da questão dos transportes, e entre os que não possuíam, igualmente fortaleciam essa dimensão no movimento.

Ao analisar o conjunto de desafios e problemas a respeito da participação institucional em nossa recente democracia, Dagnino (2002) elenca um deles, o que ela chama de partilha efetiva do poder, como uma das questões centrais. Segundo a autora, este é um foco de conflitos acerca de concepções distintas sobre o que efetivamente significa a participação institucional:

Estas diferentes concepções se manifestam, paradigmaticamente, de um lado, na resistência dos Executivos em compartilhar o seu poder exclusivo sobre decisões referentes às políticas públicas. De outro, na insistência daqueles setores da sociedade civil em participar efetivamente dessas decisões e concretizar o controle social sobre elas. (Dagnino, 2002, p. 282)

E segundo a autora, dentre os mecanismos que bloqueiam uma efetiva partilha de poder nos espaços participativos institucionais está a exigência de qualificação técnica e política para o exercício da participação:

Essa necessidade de uma qualificação técnica específica tem se revelado um desafio importante [...] em primeiro lugar, a aquisição dessa competência técnica por parte das lideranças dos setores subalternos tem exigido um considerável investimento de tempo e energia que muitas vezes, num quadro de disponibilidade limitada, acaba sendo roubado do tempo dedicado à manutenção dos vínculos com as bases representadas. [...] Uma segunda implicação é que a rotatividade da representação nesses espaços fica prejudicada: dadas as dificuldades da aquisição dessa competência, os seus eventuais portadores tendem a ser perpetuados enquanto representantes. Em terceiro lugar, a ausência desta qualificação [...] carrega para o interior desses espaços públicos uma desigualdade adicional que pode acabar reproduzindo exatamente o que eles têm como objetivo eliminar: o acesso privilegiado aos recursos do Estado que engendra desigualdade social mais ampla. (Dagnino, 2002, p. 284)

Se nas ruas e no trabalho militante junto à população se observou dificuldades na capacidade de mobilização e de construção de uma referência/enraizamento social, é nos terrenos da participação institucional que se percebeu o Tarifa Zero com maior desenvoltura.

Os participantes do movimento Tarifa Zero estiveram presentes em todos os espaços participativos possíveis na esfera do poder municipal relacionados à questão de transportes e mobilidade urbana: Conselho Municipal de Mobilidade Urbana (COMURB), Conselho Regional de Transporte e Trânsito (CRTTs) em algumas regionais da cidade, e Observatório de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte. Bem como participaram também das audiências públicas na Câmara Municipal e Assembleia Legislativa relacionadas à temática (Veloso, 2015; Domingues, 2016).

O investimento em formação e qualificação técnica para essas participações era alto. Havia uma dedicação e um entusiasmo por parte de muitos participantes do Tarifa Zero com esta dimensão. Eram horas dedicadas ao estudo e à discussão como preparação para o debate sobre o tema. O depoimento de uma participante é exemplar nesse sentido:

Eu não quero atuar no Direito. Eu não gostei. Estou formando e espero conseguir seguir minha vida na sociologia. Acho bom saber coisas do Direito para poder ajudar o TZ e o TZ me ajuda a entender coisas do Direito, de uma forma mais interessante do que a faculdade me ensina, e isso tem sido um jeito de conciliar bem legal para mim. De ver que eu posso ser útil. Por que o que eu sei fazer na vida? Eu sei escrever e sei algumas leis mas, agora estou num momento de perceber onde que eu entrei... Agora sei falar muito mais sobre ônibus do que eu sabia antes. O que eu falo não é retorico. Eu aprendi muito Direito pelo TZ. É uma motivação. Porque aqui na faculdade eu nunca tive motivação... Da parte formal do TZ, eu assumi a partir do PPAG. Aprendi a ver a lei orçamentaria. Aprendi toda a técnica de fazer a lei orçamentaria. Era na mesma época que eu estava tendo aula de Direito Financeiro aqui na faculdade, que ensina justamente isso. Então eu aprendi muito mais fazendo ementa do PPAG do que estando aqui na sala de aula. A gente fez uma denúncia para o Ministério Público. Que a gente não sabia que ia virar uma ação popular. Depois saiu o aumento, e a gente viu que era um argumento para fazer uma ação popular. Então a gente tinha que fazer nós mesmos uma ação porque senão não ia sair. (Helena, estudante de Direito)

Helena, então, sinaliza para a importância do Tarifa Zero em sua formação, nos sentidos que a experiência no movimento deram ao curso de Direito que então realizava e na qualidade dos aprendizados práticos que adquiriu, superiores, segundo ela, à própria formação universitária, bem como, a diversidade de conhecimentos e habilidades adquiridas relacionadas à questão do transporte púbico e da mobilidade urbana. Para além dessas questões, pode-se perceber no depoimento de Helena uma característica fundamental da ação do movimento Tarifa Zero na esfera institucional, que é a do embate e conflito. Ao invés de se portar como meros expectadores qualificados nos espaços de poder, propondo pontualmente uma outra ação governamental ou sugerindo a resolução de um ou outro problema específico a ser resolvido pelo poder público, a ação do movimento tinha um caráter amplo e sistêmico. Procurava tocar no funcionamento do sistema de transporte de maneira ampla e geral.

Nesse sentido, o movimento procurou manejar por dentro das instituições e dos espaços de poder os dispositivos políticos que constituíam a política de transporte na cidade. Podemos dizer que o Tarifa Zero pretendeu abrir a “caixa” de documentos e elaborações técnicas relacionadas à política municipal dos transportes e retirar a “máscara” da suposta neutralidade do conhecimento técnico e científico, revelando os interesses e as prioridades em jogo na disputa. Ou seja, o movimento procurou operar com seus instrumentos técnicos no interior dos espaços de poder para revelar sua dimensão não neutra e sim política.

Considerações Finais

Originado e impulsionado pela energia rebelde contida nos grandes protestos de 2013, pela janela de oportunidades de transformação aberta por aqueles acontecimentos, o movimento Tarifa Zero enfrentou dois grandes desafios. O primeiro, relacionado às dificuldades de mobilização da população para a realização dos protestos de rua. Uma hipótese aventada nesse artigo refere-se à percepção de uma certa ruptura geracional entre os sujeitos que protagonizam parte das lutas contemporâneas e os sujeitos que construíram a história dos movimentos sociais em nossa recente democracia. Constatamos que essa ruptura produz dificuldades e limites na ação política de uma parcela dos jovens ativistas urbanos, como é o caso do movimento Tarifa Zero. Ou seja, elementos como as mobilizações de base militante nos bairros, nos locais de trabalho, nas escolas e comunidades, as práticas da educação popular e a ação política junto ao cotidiano da população, tão caros à história dos movimentos populares, parecem estar um tanto quanto distantes das experiências políticas de uma parcela das novas gerações ativistas. E esse é um ponto importante para compreendermos a capacidade e o repertório político do movimento Tarifa Zero.

Ainda, sobre as rupturas e continuidades presentes na recente história dos movimentos sociais urbanos, do período da redemocratização ao tempo presente, trata-se de um campo de investigações que demanda maiores desdobramentos. Pesquisas que se dediquem a investigar a transmissão e conexão de experiências, de conhecimentos e práticas entre parcelas das novas gerações ativistas e gerações militantes forjadas nas décadas anteriores podem aprofundar o entendimento sobre essa questão. Além disto, podem lançar luzes sobre o entendimento acerca dos possíveis conflitos geracionais, sobre os distintos processos de socialização para a militância que compõem o mosaico dos movimentos urbanos em nossa história democrática recente.

Um segundo desafio anotado refere-se à experiência de participação institucional do movimento Tarifa Zero na esfera municipal. O embate no interior das instituições municipais foi marcado pela disputa em torno da concepção de transporte público e de mobilidade urbana. E, nesse ponto, foi percebida a tensão entre as expectativas de alteração das lógicas dos espaços e mecanismos institucionais de participação e a reificação das estruturas de dominação e controle presentes nesses mesmos mecanismos e espaços.

O horizonte de expectativas anunciado pela gratuidade universal dos transportes é o da experiência urbana constituída pelo ethos do que é coletivo, do deslocamento como possibilidade e “propriedade” de e para todos, algo como uma espécie de common, um bem comum urbano (Harvey, 2014). Nesse sentido, os obstáculos e as barreiras enfrentados pelo movimento Tarifa Zero na luta pela garantia do direito social ao transporte explicitam a necessidade de reflexão sobre o atual momento de nossa democracia e as perspectivas das lutas sociais, de maneira geral.

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[1]O coletivo Margarida Alves (CMA) surgiu em 2012, na cidade de Belo Horizonte/MG, com o objetivo de prestar assessoria jurídica popular a movimentos sociais. Confira: http://www.coletivomargaridaalves.org

[2]O Isegoria teve origem a partir de um núcleo do PSOL na UFMG e foi fundado em 2010, sendo dissolvido no ano de 2015. Mais informações em: http://nucleopsolisegoria.wordpress.com

Recebido: 03 de Fevereiro de 2021; Aceito: 30 de Março de 2021

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