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Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub May 05, 2021

https://doi.org/10.26512/lc.v27.2021.36759 

Dossiê: As dimensões educativas da luta: saberes e aprendizados da e na militância política

Ocupações secundaristas em Santa Catarina: experiência e (auto)formação política

Ocupaciones secundarias en Santa Catarina: experiencia y (auto)formación política

Secondary occupations in Santa Catarina: experience and political (self)formation

1Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (2015). Professor dos Cursos de Graduação [Licenciatura] e Pós-Graduação [Mestrado] em Geografia da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Membro do grupo de pesquisa Espaço, Tempo e Educação.


Resumo

O presente artigo analisa impactos das participações de secundaristas nas ocupações em escolas públicas ocorridas em Santa Catarina, ano de 2016, na sua reconstituição como sujeitos políticos. Em particular, escolas ocupadas no oeste catarinense. Metodologicamente, compreendeu rodas de conversa e entrevistas semiestruturadas com jovens autodenominadas/os ocupas. A partir de um aporte teórico-conceitual interdisciplinar, argumentaremos que estas ocupações foram marcadas por experiências de (auto)formação política e resistência das/dos ocupas em defesa da educação pública.

Palavras-chave Juventude; Movimento Estudantil; Ocupação da escola; Formação política

Resumen

Este artículo analiza los impactos de la participación de los estudiantes de secundaria en ocupaciones de escuelas públicas en Santa Catarina, en 2016, en su reconstitución como sujetos políticos. En particular, escuelas ocupadas en la región oeste de Santa Catarina. Metodológicamente, se compuso de círculos de conversación y entrevistas semiestructuradas con jóvenes autoproclamados “ocupas”. Con base en un enfoque teórico-conceptual interdisciplinario, argumentaremos que estas ocupaciones estuvieron marcadas por experiencias de (auto)formación política y de resistencia de las/los “ocupas” en defensa de la educación pública.

Palabras clave Juventud; Movimiento estudiantil; Ocupación escolar; Formación política

Abstract

This article analyzes the impacts of high school student’s participation in occupations in public schools that took place in Santa Catarina, in 2016, in their reconstitution as political subjects. In particular, occupied schools in western Santa Catarina. Methodologically, it comprised conversation circles and semi-structured interviews with young people self-denominated occupiers. Based on an interdisciplinary theoretical-conceptual approach, we will argue that these occupations were marked by experiences of (self) political formation and resistance by the occupiers in defense of public education.

Keywords Youth; Student Movement; School occupation; Political formation

Introdução

Entre os anos de 2015 e 2016, diante de uma conjuntura marcada pelo avanço de forças neoliberais no campo político das políticas públicas, suas contradições e ameaças aos direitos sociais, o Brasil vivenciou um levante estudantil secundarista, quando escolas públicas foram ocupadas por adolescentes-jovens. Em São Paulo, por exemplo, a reação ocorreu em 2015 frente a medidas oficiais tomadas pela rede estadual de ensino que ocasionaria o fechamento de escolas e remanejamento de estudantes, abriria caminhos para superlotação de turmas e demissão de professores (Corti et al, 2016; Sordi & Morais, 2016). Neste mesmo ano, conforme Boutin e Flach (2017, p. 432), no estado do Paraná, “estudantes foram às ruas em protesto contra a decisão do governador de fechar mais de 100 escolas estaduais”. No ano seguinte, mais de mil escolas foram ocupadas em todo o país e, além das pautas locais, somava-se medidas tomadas pelo governo federal visando flexibilizar legislações de proteção ao trabalho e à previdência social, estabelecer um regime de austeridade de longo prazo com vistas a restringir violentamente o financiamento de políticas sociais, alterar os rumos das políticas educacionais, entre outras (David, 2019).

O presente artigo objetiva socializar resultados de pesquisa em andamento que visa compreender os impactos das participações de secundaristas nestas ocupações em escolas públicas ocorridas em 2016 no Brasil, na sua reconstituição como sujeitos políticos. Pesquisa que “tem sido levada a efeito por equipes em nove estados, envolvendo doze Instituições de Educação Superior[1]” (Groppo & Oliveira, 2021). O recorte socioespacial deste texto abrange, em particular, escolas públicas ocupadas na região Oeste de Santa Catarina.

O caminho trilhado metodologicamente compreendeu a realização de rodas de conversa, estudos de registros disponíveis em páginas do Facebook e a realização de entrevistas semiestruturadas com jovens autodenominadas/os ocupas. Com base nos estudos de Moura e Lima (2014), Melo e Cruz (2014) e Weller (2006) foram realizadas três rodas de conversa envolvendo ocupas e outras representações sociais (movimentos sociais, sindicais e partidos políticos) ativas nas ocupações secundaristas no oeste catarinense. Objetivou-se, neste primeiro movimento: rememorar elementos da conjuntura política, motivações, personagens, instituições envolvidas e acontecimentos emblemáticos. Realizamos observação das páginas do Facebook criadas pelas/os ocupas de escolas selecionadas. Tais páginas, enquanto fontes digitais (Almeida, 2011; Cezarinho, 2018) dispostas no ciberespaço (Magnoni & Figueiredo, 2019), nos permitiram acessar diversos registros, como: cartas abertas, calendários e programações de atividades, moções de apoio, notas de repúdio, fotos, vídeos de curta-metragem.

Estes movimentos investigativos nos oportunizaram apreender elementos contextuais emblemáticos, conhecer, se aproximar e entrevistar 06 (seis) ocupas de 4 (quatro) escolas públicas de educação básica de Chapecó-SC. Nos ancoramos nas contribuições de Szymanski (2018) acerca da “entrevista na pesquisa em educação”, sobretudo no que diz respeito às “notas para procedimentos na análise”. A análise compreende aporte teórico-conceitual interdisciplinar a partir de estudos já realizados acerca das ocupações secundaristas no Brasil, a exemplo de Borges e Silva (2019), Groppo e Silveira (2020) e Groppo e Silva (2020), o que engloba as noções de classe social como autofazer histórico e experiência de E. P. Thompson (1981; 1987) e de sujeitos políticos e subjetivação política proposto por Jacques Rancière (2006; 2010; 2014).

Nesse sentido, argumentaremos que as ocupações ocorridas no oeste catarinense, assim como evidenciamos ter ocorrido em diferentes partes do país, foram marcadas pela ação coletiva e resistência de adolescentes-jovens secundaristas frente a medidas entendidas como retrocessos, pela realização de ações de gestão/auto-organização e de (auto)formação que confrontaram a escola realmente existente, mas também pelo conflito com diferentes antagonistas [colegas, pais, comunidade local, professores e gestores públicos, agentes da imprensa, entre outros] e suas tentativas de criminalização dos protestos. A ocupação da escola será entendida como dispositivo que, mesmo em um curto espaço-tempo, deslocou identidades ou identificações preexistentes, desencadeando processo de subjetivação política por parte de adolescentes-jovens que ousaram confrontar o campo hegemônico de forças no espaço escolar, subverter ordenamentos e produzir territorialidades ativas irradiadoras de saberes, de outras pedagogias, de outras possibilidades de ocupação e uso do espaço, relacionamento e aprendizagem na escola.

Ocupações secundaristas no oeste de Santa Catarina: contexto e motivações

Os registros permitem afirmar que o Campus Rio do Sul do Instituto Federal Catarinense (IFC) foi a primeira instituição de ensino ocupada em Santa Catarina, fato que ocorreu em 17 de outubro de 2016. Já a primeira Escola de Educação Básica (EEB) da rede pública estadual de ensino ocupada foi a “EEB Soror Angélica”, localizada no município de São Lourenço do Oeste, fronteira com o estado do Paraná. Conforme Reis (2017, p. 247), entre prédios da educação básica e do ensino superior, o estado registrou um total de “34 ocupações” neste contexto. Especificamente na educação básica, identificamos ocupações em 22 estabelecimentos, tendo maior concentração na região Oeste do estado (Figura 1).

As cidades do Oeste catarinense em que as ocupações ocorreram, com exceção de Chapecó que é classificada como média, pois segundo dados do IBGE Cidades (2020) possui cerca de 224 mil habitantes, as demais são pequenas: Concórdia (74.641 hab.), Xanxerê (50.309 hab.), São Miguel do Oeste (40.868 hab.), São Lourenço do Oeste (23.857 hab.) e Abelardo Luz (17.904 hab.). Algumas dessas cidades são consideradas polos, pois, com maior dinamização da vida urbana e econômica, assim como maior densidade na prestação de serviços públicos e privados – como é o caso de Chapecó, Concórdia, Xanxerê e São Miguel do Oeste – elas exercem influência junto às cidades menores de seu entorno.

Uma característica marcante entre elas é a interface que possuem com o espaço rural, já que nesta região é predominante a presença da agricultura familiar e camponesa (Alba, 2008; Corazza, 2016). Nessa região estão instaladas as principais agroindústrias do agronegócio da cadeia de aves, suínos e leite do país. Também é considerada o berço de diversos movimentos sociais camponeses, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) (Picoli, 2012). Outra característica interessante a se destacar trata da diversidade territorial existente, uma vez que na região encontram-se territorializadas extensas áreas de reforma agrária (assentamentos) e comunidades indígenas das etnias Kaingang e Guarani. Neste sentido, torna-se interessante salientar a diversidade de territórios em que algumas das escolas ocupadas estão situadas, a exemplo do Campus Avançado de Abelardo Luz do IFC, localizado no Assentamento José Maria, zona rural do município de Abelardo Luz; e da Escola Indígena de Ensino Fundamental FenNó, localizada em território originário da etnia Kaingang, Comunidade Toldo Chimbangue, município de Chapecó.

Fonte: Projeção elaborada no âmbito do Grupo de Pesquisa “Espaço, Tempo e Educação”, Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Chapecó.

Figura 1 Escolas de Educação Básica Ocupadas em Santa Catarina em 2016, segundo fontes selecionadas 

Outra característica que marcou este cenário é que não só estudantes secundaristas ocuparam escolas na região, mas também do Ensino Fundamental, pois além da escola indígena supramencionada, tal fato também ocorreu na Escola Básica Municipal (EBM) Jardim do Lago, município de Chapecó. Identificamos que entre as principais motivações que levaram às ocupações secundaristas em Santa Catarina no ano de 2016 e, em particular, no Oeste catarinense, estavam: a Proposta de Emenda Constitucional 241/2016 (Brasil, 2016a), atual Emenda Constitucional Nº 95, de 15 de dezembro de 2016 (Brasil, 2016b); a Reforma do Ensino Médio e o Movimento Escola Sem Partido. Tais motivações também foram destacadas por Reis (2017), Ferreira (2017), Cruz e Jahnke (2018) que, a partir de outras perspectivas, já se debruçaram para refletir sobre ocupações ocorridas no estado.

Podemos compreender que estas pautas fazem parte de um cenário de hegemonização/potencialização autoritária das forças neoliberais no país. Como bem lembram Boutin e Flach (2017, p. 430), representações das forças empresariais e financeiras neoliberais disputam o Estado brasileiro, recursos e rumos das políticas públicas, desde o final do século XX, pavimentando sistematicamente caminhos para “a entrada e especulação das grandes corporações e conglomerados” e seus interesses em expansão e acumulação de capital, assim como “para reduzir e limitar funções estatais, em especial aquelas relativas aos direitos sociais”. Tais forças e representações, em que pese alguns recuos em governos considerados mais progressistas, mantiveram-se firmes e fortes, o que contribuiu para a não acumulação de forças políticas suficientes para promover reformas consideradas capazes de alterar as “estruturas que produzem e mantém a desigualdade social” no país (Frigotto & Ciavatta, 2016, p. 37).

Desta forma, pode-se dizer que as pautas das/dos ocupas evidenciam preocupação com a precarização da educação pública, diante de uma conjuntura marcada por profundas transformações no âmbito das políticas públicas sociais. Também demonstram posição contrária a uma escola com mordaça, antidialógica, antidemocrática. Nesse sentido, observamos um amplo distanciamento das pautas assumidas pelo movimento das ocupações secundaristas acerca do posicionamento tomado por outras “mobilizações sociais emergentes” ocorridas no Brasil entre 2013 e 2016 protagonizadas por organizações praticamente desconhecidas, como “Movimento Brasil Livre”, “Vem pra Rua” ou “Revoltados Online”, por exemplo. Conforme apontam Marcon et al. (2020, pp. 13-15) em suas reflexões, estas últimas traziam pautas diversas e muitas vezes contraditórias, pois ao mesmo tempo em que alguns reivindicavam melhorias na educação ou, de modo geral, levantavam seus cartazes e, sem um debate público e aprofundado, se colocavam contra a corrupção, outros estavam “propondo a destituição de pressupostos e instituições democráticas e clamando pela volta da ditadura”. Na visão destes autores, estas mobilizações foram marcadas por “posturas fundamentalistas e dogmáticas que negam a pluralidade, a historicidade das práticas sociais”, reforçando “preconceitos, desigualdades e exclusões”.

Assim, com base no contexto e nas motivações destacadas pelas/os ocupas, podemos compreender as ocupações secundaristas de 2016 como movimento de resistência em defesa da educação pública em um cenário de hegemonia neoliberal no âmbito das políticas públicas. E, para além desta defesa, veremos na continuidade que adolescentes-jovens denominadas/os ocupas produziram experiências auto-organizativas e horizontalizadas de gestão e uso do espaço escolar, conflituaram com diferentes antagonistas, elevaram o tom do debate público sobre o atual cenário político do país e confrontaram currículos preexistentes, inseriram outros temas e pedagogias no movimento de ensinar e aprender na escola.

Em diálogo com as/os ocupas: sobre (auto)organização, formação e conflito

Ocupações secundaristas ocorridas no Oeste catarinense partiram de assembleias realizadas pelos próprios estudantes, em que aconteciam discussões acerca da conjuntura e das medidas tomadas pelo governo federal. A decisão pela ocupação da escola desencadeava todo um processo de auto-organização, gestão coletiva e horizontal por parte das/os ocupas. Uma delas afirmou em entrevista que na sua escola foram formadas equipes “de limpeza, da cozinha, da mídia que faziam as divulgações” (Ocupa, EEB Mal. Bormann). Identificamos que em outras escolas a experiência se repetia com pequenas alterações, conforme segue o relato: “a gente montou comissões dentro da ocupação. Então tinha o pessoal, por exemplo, cinco pessoas por comissão. Comissão da limpeza, comissão midiática, de cobertura midiática mesmo, comissão pra fazer comida” (Ocupa, EEB Irene Stonoga) e, conforme expressou uma das ocupas, tinham aqueles “que faziam a organização das palestras de todos os dias” (OCUPA, EEB Tancredo Neves), buscando salientar a preocupação com a oferta de momentos de estudos em meio aos protestos.

Observamos que nem todas/os ocupas estavam envolvidas/os com o movimento estudantil ou tinham um histórico de relação com movimentos sociais, sindicais e/ou partidários. E que nem sempre o grêmio estudantil esteve mais presente e assumiu tarefas-chave ao longo das ocupações. Havia, em comum, um movimento de ajuda mútua, de troca de saberes e experiências e, sempre que necessário, com apoio de familiares, professores, representações dos movimentos sociais e/ou sindicais, entre outros. É importante salientar que, mesmo quando outras entidades externas às ocupações se colocavam à disposição para contribuir com o movimento, fato que se repete em registros documentais e relatos, observamos que as/os ocupas se mantiveram à frente das decisões. Conforme um ocupa (IFSC, Campus Chapecó):

[...] no geral... todas as entidades e partidos progressistas que a gente tem na cidade e no estado, contribuíram. Mais presente mesmo, a gente teve a UJS [União da Juventude Socialista], JPT [Juventude do Partido dos Trabalhadores] e as entidades estudantis UMES [União Municipal dos Estudantes Secundaristas] e UBES [União Brasileira dos Estudantes Secundaristas]. A UCES [União Catarinense dos Estudantes Secundaristas] não estava construída ainda, mas as pessoas que construíram estavam lá.

Em outro momento, complementa:

[...] tinha o SINTE [Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Santa Catarina] e o SITESPM [Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal de Chapecó e Região], não lembro das siglas, mas tinham muitos sindicatos ajudando, como a Frente Brasil Popular e o MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra]. Ajudar no sentido de nós falarmos o que precisávamos, comida ou debater algo... um assunto. (Ocupa, IFSC, Campus Chapecó)

A ocupação da escola gerou ações de formação e confrontou o currículo da escola realmente existente, uma vez que temas dificilmente trabalhados durante as aulas passaram a rechear a agenda de estudos das/os ocupas. Conforme uma ocupa:

[...] a gente discutiu muita coisa, basicamente, em geral, o que fazíamos era organizar quem queríamos que participasse. Trazer pessoas para debater. Trazia alguém para fazer uma exposição e depois abríamos pra perguntas e colocações. A gente fez oficinas falando sobre as nossas pautas, basicamente, para galera entender mais. Trazer mais gente pro nosso lado, sobre a emenda constitucional 95, reforma do ensino médio, a BNCC, também sobre a reforma da previdência. Trouxe gente para falar de feminismo, veganismo...essa foi a minha preferida, fizemos uma janta vegana. Falamos sobre movimento estudantil organizado... fizemos oficina de fotografia... abayomi, basicamente os assuntos políticos que levaram a ocupação e toda e qualquer coisa que fosse interessante e tivesse alguém para falar ou ensinar a gente. (Ocupa, EEB Antônio Morandini)

A diversidade de temas registrados e relatados pelas/os estudantes englobava as áreas do conhecimento, referências para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), mas também aqueles de interesse das/os jovens, tanto para esclarecimento acerca das motivações que levaram às ocupações, quanto aqueles que, segundo ocupas, dificilmente são tratados na escola: política, gênero, feminismo, movimento LGBT, movimento negro, entre outros. Conforme evidenciamos, não só variavam os temas, como também as estratégias metodológicas: aulões, rodas de conversa, oficinas práticas, grupo de estudos, rodas de leitura, contação de história, cine-debate. Professores, educadores populares, militantes, profissionais de diferentes áreas, eram convidadas/os para mediar e contribuir nas ações formativas.

Relatos apontam que as ocupações não ocorreram sem conflitos, pois não contou com o apoio de todos os pais e familiares, professores, gestores e membros da comunidade local. Nem todas as escolas da rede estadual de ensino paralisaram as atividades de rotina, ações exercidas por parte de representações do Estado confrontaram o posicionamento das/os adolescentes-jovens envolvidos e, com apoio da justiça, mantiveram escolas abertas para entrada de estudantes e servidores que não apoiavam as ocupações. Conforme relata uma das ocupas “alguns professores… que estavam ali... eles não gostaram. Continuaram dando aula e dando falta para os alunos. A diretora não nos apoiou, no começo, ela até quis passar a perna em nós e foi bem triste, teve bastante conflitos” (Ocupa, EEB Tancredo Neves). Um segundo relato, amplifica um pouco mais estes antagonistas:

[...] a gente teve conflito com pais de alunos que eram contra ocupação, com personalidades que eram contra ocupação, com deputados que eram contra a ocupação, participavam de programas de TV por exemplo o “Balanço Geral SC”, que de uma forma bem sensacionalista mostraram e desmoralizaram o que a gente estava fazendo lá dentro. (Ocupa, IFSC, Campus Chapecó)

Episódios foram marcantes na tentativa de criminalizar as ocupações, mexer com a opinião pública e desestabilizar os protestos, a exemplo da entrada da polícia na EEB Irene Stonoga, uma escola da periferia chapecoense e; reportagens seguidas de relatos de jovens contrários às ocupações em programação de TV local. No primeiro caso, conforme relato “um policial entrou armado com uma arma de alto calibre. Enquanto todos os alunos estavam sentados no chão, o policial andou com uma arma carregada dentro da escola a pedido da diretora” (Ocupa, EEB Irene Stonoga). Tal situação provocou reações nas demais ocupações e indignação entre as/os ocupas. Já em relação às reportagens, relatos denunciam que a mídia local buscava criar uma imagem negativa das ocupações, segundo um Ocupa:

[...] a TV passava imagens da gente nos únicos momentos de lazer que a gente tinha... porque nós passávamos o dia todo fazendo atividades, cozinhando, fazendo oficina, e aí eles vinham lá da grade e gravavam a gente jogando ping-pong, que era o único espaço em que tínhamos uma pausa... um intervalo. E aí, ficou essa imagem como se a gente tivesse se divertindo. Para mim não foi divertido, foi muito árduo, acordava todo dia muito cedo com as pessoas gritando meu nome, que alguém chegou e eu tinha que resolver algo com essa pessoa. E eu ia dormir preocupado... se estava tudo bem, se tinha alguém vigiando, alguém ameaçando. Foi muita coisa que exigiu muito de mim, que tive que me doar muito e é frustrante que as pessoas não puderam ver isso. (Ocupa, IFSC, Campus Chapecó)

Estas tentativas de confrontação e criminalização do movimento não ficavam sem respostas por parte das/os ocupas, pois, a elaboração e publicação de notas de repúdio e esclarecimento, assim como a realização de manifestações eram registradas e repassadas nas redes sociais. Em alguns casos, gerando novas reações, novas ameaças. Relatos apontam que, em algumas situações, conflitos também ocorreram entre as/os ocupas, o que exigiu cada vez mais o fortalecimento de estratégias dialógicas para as suas resoluções, seja porque o conflito envolvia disputas entre pequenos grupos de jovens participantes de partidos políticos e/ou movimentos sociais, ou ainda porque ocupas já cansados estavam dispostos a convencer as/os colegas à desocupação.

Produção de territorialidades ativas, experiência e (auto)formação política das/dos ocupas

Relatos e registros analisados ao longo do processo de investigação nos permitem reiterar o argumento de que as ocupações secundaristas confrontaram a escola realmente existente. Propõe-se, desta forma, a compreensão de que a escola, enquanto instituição capaz de provocar alterações significativas na formação humana (Young, 2007) precisa ser entendida como território disputado (Arroyo, 2011), como espaço produzido, ocupado, usado, “definido e delimitado por e a partir de relações de poder” (Souza, 2000), território entendido como “campo de forças que envolvem obras e relações sociais (econômicas-políticas-culturais), historicamente determinadas” (Saquet, 2013, p. 127) resultado de “uma construção coletiva e multidimensional, com múltiplas territorialidades” (Saquet, 2009, p. 81).

Para compreender melhor essa proposição, recorremos aos estudos de Saquet (2009, p. 90) em que por territorialidade podemos compreender como sendo “apropriação social de um fragmento do espaço a partir das relações sociais, das regras e normas, das condições naturais, de trabalho, das técnicas e tecnologias, das redes (de circulação e comunicação) e das conflitualidades”, ou ainda, como sendo “o acontecer de todas as atividades cotidianas, seja no espaço do trabalho, do lazer, da igreja, da família, da escola etc., resultado e determinante do processo de produção de cada território” (Saquet, 2013, p. 129).

Entender, desta forma, a escola enquanto território em disputa, significa reconhecê-la como espaço do encontro-confronto e coexistência de múltiplos sujeitos, oriundos de diferentes territórios e territorialidades. Espaço marcado por relações desiguais de poder em que “o poder é disputado a todo tempo por variados atores que agem sobre o território” [como direção, professores, estudantes, servidores, pais, Estado, Empresas, entre outros agentes] acerca de entendimentos sobre a função social da escola, assim como para influenciar definições importantes acerca da rotina escolar (Silva & Azevedo, 2019), tais como o tratamento a ser dado acerca das relações sociais e comportamentais, a funcionalidade e as formas de ocupação e uso da escola e seus lugares pelos sujeitos ou, ainda, o currículo.

Apesar dos desafios que ainda precisam ser superados para garantir e qualificar a escolarização de nível médio no país, em particular na escola pública, a escola vem vivenciando nos últimos anos a potencialização do encontro e a coexistência de múltiplos sujeitos e suas diversidades, múltiplas territorialidades. Estudo publicado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea, 2006 p. 134) afirma que “a expansão das matrículas e a melhoria do fluxo” de escolarização no país contribuiu para triplicar, entre o início da década de 1990 e os anos 2000, o número de matriculados neste nível de ensino. É preciso salientar que é com a Emenda Constitucional Nº 59, de 11 de novembro de 2009 (Brasil, 2009) que a oferta de Ensino Médio passa a ser obrigatória no país. Porém, entre 2009 e 2014, estudos apontam um decréscimo de 0,8% no número total de matrículas, mantendo o desafio da universalização da oferta deste nível de ensino na agenda das políticas educacionais do país, a exemplo da meta 3 do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 (Silva, 2020).

Dayrell (2007, p. 1116) destaca que, a partir dos anos de 1990, com a expansão do processo de escolarização no Brasil, em particular do Ensino Médio, as escolas passaram a receber “um contingente cada vez mais heterogêneo de alunos, marcados pelo contexto de uma sociedade desigual, com altos índices de pobreza e violência”, assim como por sua diversidade constituída por “características, práticas sociais e um universo simbólico próprio que o diferenciam e muito das gerações anteriores” (Dayrell, 2007, p. 1107). Fato que é reiterado e problematizado por Dayrell e Carrano (2014), que salientam a importância de se levar em consideração no âmbito do processo de escolarização o que denominam de dimensões da condição juvenil, o que engloba suas condições de classe e seu território de vida, suas manifestações e/ou expressões culturais, os grupos culturais a que pertencem, a sociabilidade e suas experimentações, entre outros. Assim, podemos compreender que, se por um lado estas diversidades de adolescentes-jovens passam a ocupar cada vez mais o território escolar, de modo geral, a escola enquanto instituição ainda não foi capaz o suficiente de reconhecer “o jovem existente no aluno, muito menos compreender a diversidade, seja étnica, de gênero ou de orientação sexual, entre outras expressões, com a qual a condição juvenil se apresenta”, ou seja, suas múltiplas territorialidades.

Dayrell (2007, p. 1117) aponta, ainda, que é predominante no cotidiano escolar “uma representação negativa e preconceituosa em relação aos jovens” que, além de tomar o jovem como um “vir a ser”, dando ênfase a uma visão reducionista de juventude enquanto fase de transição para a vida adulta, tende a reforçar “ainda mais sua identidade como alunos, como se essa fosse sua condição natural”; vincular jovens pobres à ideia de risco e violência, ou ainda; observar e tratar as juventudes “na perspectiva da falta, da incompletude, da irresponsabilidade, da desconfiança”.

Podemos compreender, então, que a escola enquanto território em disputa marcado por relações desiguais de poder, ainda reitera a noção de aluno/estudante como sujeito incapaz de assumir compromissos, produzindo invisibilidades, homogeneizações e subalternidades e, por isso, o estudante é idealizado como produtor de territorialidades passivas induzidas pelas normas e regras predeterminadas. No entanto, como bem destaca Dayrell (2007, p. 1118), no cotidiano a questão é mais complexa e contraditória e as relações acabam por incluir “alianças e conflitos, imposição de normas e estratégias, individuais ou coletivas, de transgressão e de acordos” e, como já mencionamos anteriormente, as ocupações secundaristas podem ser vistas como uma expressão acirrada destas disputas e, ainda que temporariamente, alteraram correlações de força e subverteram ordens preestabelecidas, como podemos observar nos relatos da seção anterior.

Groppo e Silveira (2020, pp. 14-18) propõem a compreensão de que a ocupação da escola, enquanto ação coletiva de resistência de jovens-adolescentes frente aos avanços de forças neoliberais, em particular, no âmbito das políticas públicas, levou a uma transfiguração da figura de aluno/estudante enquanto categoria etária e institucional (homogênea) para “secundaristas” e/ou “as/os ocupas” enquanto “categoria política”. Categoria que emerge e se movimenta a partir e no confronto ou dissenso frente a seus antagonistas (governos e suas políticas, gestores, docentes, comunidade, pais, mídia e até mesmo estudantes contrários às ocupações).

Para sustentar essa proposição, os autores recorrem ao diálogo com Rancière (2006; 2010; 2014) e destacam dois conceitos fundamentais para nossas análises: de sujeitos políticos e de subjetivação política como sendo “sujeitos e processo constituídos no dissenso ou disputa política” em que a concepção de política “é o de uma atividade baseada no dissenso” entendida como “um abalo nas fronteiras estabelecidas na comunidade política entre quem tem o direito de falar e ser ouvido e quem não tem, um abalo na partilha do sensível, ou seja, uma fissura no modo como a ordem social distribui de modo desigual os lugares e as funções às pessoas”. É no momento político marcado por abalos em fronteiras preestabelecidas que emergem novos espaços [ainda que temporários] e são “criados novos sujeitos políticos” como “resultado de um deslocamento do sentido de identidades ou identificações preexistentes”, ou ainda, de desidentificação ou desclassificação, ou seja, de subjetivação política (Groppo & Silveira, 2020, p. 17).

Outra contribuição de Groppo e Silveira (2020, pp. 13-14) que vêm nos ajudando a analisar as ocupações secundaristas no Oeste de Santa Catarina resulta da ancoragem nos aportes do historiador britânico marxista E. P. Thompson acerca da sua “concepção de classe social como autofazer histórico, calcado na experiência”. Os autores sustentam a compreensão de que “as ocupações foram um processo político que possibilitou a assimilação, sistematização e compartilhamento de experiências modificadas” em um cenário que “tudo era, em potencial, uma ferramenta para a formação política”. Nessa perspectiva, pode-se dizer que as/os ocupas “carregaram para as ocupações saberes reais, acúmulos de uma vida, materializados a partir de suas vivências dentro e fora do contexto escolar” e a partir da ocupação da escola “escolheram mostrar que ela pode ser de outra forma e efetivar a sua função formativa por meio da retomada das ferramentas objetivas e subjetivas de resistência neste mundo”.

Ao analisar a formação da classe operária inglesa na passagem do século XIX para o século XX (1790-1930), Thompson (1987, pp. 10-12) propõe a noção de classe como “fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência” e que “acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas) sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferentes (e geralmente se opõem) dos seus”. A classe é definida pelo referido historiador, desta forma, “pelos homens enquanto vivem sua própria história”.

Cabe salientar que, por experiência Thompson (1981, pp. 15-17) compreende como sendo “a resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo acontecimento” e que embora possa surgir espontaneamente “no ser social”, conforme argumenta o historiador, “não surge sem pensamento. Surge porque homens e mulheres (e não apenas filósofos) são racionais e refletem sobre o que acontece a eles e ao seu mundo”. O referido historiador entende que frente às experiências “velhos sistemas conceptuais podem desmoronar e novas problemáticas podem insistir em impor sua presença”, ou seja, “é pela experiência que homens e mulheres definem e redefinem suas práticas e pensamentos” (Martins, 2006).

Em análise realizada acerca das ocupações secundaristas ocorridas em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Borges e Silva (2019) identificaram na literatura sobre as ocupações que “horizontalidade, democracia direta, autogestão e comunicação em rede” eram características comuns entre as ocupações realizadas em diferentes partes do país, adotando como suporte analítico a noção de experiência em Thompson para sustentar a compreensão de que “as ações políticas das e dos ocupas pode ser descrita como transformadoras, tendo em vista a modificação do espaço escolar durante o período de ocupação” e, por sua vez, na formação política das/dos ocupas. Nesse mesmo sentido, Groppo e Silva (2020, p. 420) analisaram resultados de pesquisa acerca das ocupações secundaristas no Rio Grande do Sul, argumentando que:

[...] para as e os adolescentes, a experiência da ocupação foi uma vivência transformada das relações educacionais e políticas. Oportunizou processos de subjetivação política que significaram também processos de desidentificação em relação aos papéis sociais previamente formulados de estudantes (aprendiz passivo) e adolescente (com pouca capacidade de ação política).

A partir das ponderações aqui dispostas, considerando nossas análises em andamento, é que compreendemos que os/as ocupas enquanto sujeitos políticos, na experiência de ocupar a escola, confrontaram o campo de forças preexistentes no território escolar em que predomina a noção de aluno/estudante enquanto um sujeito produtor de territorialidades passivas e que, nas ocupações, como resultado do processo de subjetivação política, se constituíram como produtores de territorialidades ativas, a exemplo: 1) da sua auto-organização; 2) da gestão coletiva e horizontal do/no território; 3) da criação e oferta de processos formativos alternativos, com outros temas e outras pedagogias historicamente negligenciadas por suas escolas, ou ainda; 4) do desenvolvimento de ações de resistência e enfrentamento junto a seus antagonistas – como podemos observar com detalhamento a partir das vozes das/os ocupas em destaque ao longo do texto. Territorialidades ativas, por sua vez, irradiadoras de saberes e aprendizagens potenciais no processo de (auto)formação política das/dos ocupas.

Diálogos realizados com ocupas do oeste catarinense nos permitiram evidenciar que aprendizagens significativas se desenvolveram ao longo das ocupações, contribuindo com a formação política das/dos ocupas, alterando olhares, compreensões e seu posicionamento frente a conjuntura política do país. Em um dos relatos a ocupa afirma: “mudou a minha vida realmente, a partir dela eu me toquei que somos cidadãos e seres políticos [...] nunca tinha tido contato com universidade pública e a ocupação, depois...meu desenvolvimento no movimento estudantil me proporcionou conhecer a universidade pública” (Ocupa, EEB. Antônio Morandini). Outro ocupa ressaltou que “as pessoas saíram da ocupação muito mais capazes...assim, com autonomia para pensar a própria vida e pensar a participação política” (Ocupa, IFSC) o que é reiterado por outra ocupa ao afirmar que a ocupação:

[...] ajudou bastante, porque antes da ocupação eu não pensava tanto em política... até eu nem votava porque eu era menor de idade. Então, depois ajudou para pensar mais... analisar os projetos... me ajudou a ver os lados, a conhecer mais, porque às vezes se conhece bem superficialmente. Comecei a ter mais interesse em pesquisar sobre política. (Ocupa, EEB. Antônio Morandini)

Em alguns casos, promovendo mudanças significativas na trajetória das/dos ocupas, não só por instigar a continuidade dos estudos no ensino superior, mas também por despertar o interesse pelo engajamento na militância política ou no processo de descobrimento de sua sexualidade, como podemos observar no relato a seguir:

[...] a ocupação em si, me proporcionou ter contato com o feminismo, foram os primeiros momentos que eu percebo que mulheres podem liderar. Mas depois da ocupação, com o movimento estudantil, eu tive contato com sexualidades e identidades de gênero diversas, que na minha experiência anterior eu nem sabia que existiam. Não sabia que existia essa possibilidade assim e foi no movimento estudantil e com as pessoas que fazem parte, que eu também descobri minha sexualidade, que hoje em dia eu me considero bissexual, na época me considerava hétero, é isso. [...] depois das ocupações, eu me envolvi muito com o movimento estudantil, como eu falei, mudou bastante coisa, por exemplo o fato de ter saído de casa, estar em uma universidade pública, ter conhecido vários lugares... congressos. A minha namorada que eu conheci e agora a gente mora juntas, eu conheci no movimento estudantil. (Ocupa, EEB. Antônio Morandini)

Por fim, evidenciamos que as ocupações secundaristas não só se constituíram como movimento de resistência frente às políticas neoliberalistas impostas na conjuntura, como também, a partir da mobilização das/dos ocupas enquanto sujeitos políticos produtores de territorialidades ativas, foram irradiadoras de aprendizados que apontam caminhos para transformação da escola, uma escola em que seja possível: o reconhecimento dos saberes, das experiências, das diversidades e desigualdades que marcam a vida das/dos adolescentes jovens, seus territórios e territorialidades; a partir de uma perspectiva dialógica e horizontalizada, a participação ativa, permanente e sistemática das juventudes na gestão, na construção de propostas e tomada de decisões, na organização do trabalho pedagógico, nas proposições de temas e conhecimentos a serem trabalhados e para o enfrentamento das principais demandas que emergem em suas comunidades escolares.

Considerações finais

Neste artigo, procuramos apresentar resultados de pesquisa acerca de ocupações secundaristas ocorridas no Oeste de Santa Catarina no ano de 2016. A partir do diálogo realizado com as/os ocupas e de registros documentais e análises que englobaram aportes teórico-conceituais em uma perspectiva interdisciplinar, buscamos sustentar a compreensão de que as ocupações secundaristas promovidas neste contexto podem ser entendidas como movimentos de resistência frente aos avanços de forças neoliberais no campo das políticas públicas no país, em particular, em defesa da escola pública. Suas principais motivações, modos de (auto)organização das/dos ocupas, (auto)formação, de confrontação da/na escola frente a seus antagonistas demonstram aproximações com outras ocupações realizadas no estado de Santa Catarina e no país.

A partir do diálogo com referenciais que nos levaram a aprofundar as noções de classe social e experiência em Thompson (1981; 1987), assim como de sujeitos políticos e de subjetivação política em Jacques Rancière (2006; 2010; 2014) e que se debruçaram, com base nestes referenciais, em analisar as ocupações secundaristas (Borges & Silva, 2019; Groppo & Silva, 2020; Groppo & Silveira, 2020), buscamos argumentar que essas ocupações foram marcadas por ações de resistência, mas também pela realização de gestão/(auto)organização em uma perspectiva horizontal e dialógica, de confrontação, conflito e (auto)formação política das/dos ocupas enquanto sujeitos políticos. E que a ocupação da escola, experiência vivida pelas/os ocupas, pode ser vista como expressão acirrada das relações desiguais de poder no território escolar e, ainda que por um curto espaço-tempo de existência, desencadeou processos de subjetivação política – deslocou identidades ou identificações preexistentes – e confrontou a escola realmente existente.

Nesse sentido, com base no entendimento de que a escola é território em disputa, marcada por relações desiguais de poder, buscamos sustentar a compreensão de que, ao confrontar a escola realmente existe, as/os ocupas enquanto sujeitos políticos, confrontaram a condição idealizada de produtores de territorialidades passivas no território escolar – apropriações, usos e relações do/no espaço escolar pré-estabelecidos/idealizados a partir de normas e regras pensadas por outrem [gestores, professores, pais, representações do mercado, entre outros] – assumindo a condição de produtores de territorialidades ativas, quando: assumiram responsabilidades em grupos de trabalho [auto-organização] e desenvolveram tarefas demandadas pela ocupação; propuseram e realizaram atividades formativas a partir de pedagogias dialógicas e circulares, compreendendo temas de interesse e que nem sempre são contemplados nos currículos escolares, sem necessariamente abandonar os estudos das áreas do conhecimento; promoveram ações de resposta e enfrentamento a seus antagonistas, tecendo notas de esclarecimento ou repúdio, realizando ações de mobilização [no âmbito da própria escola ou nas redes sociais] para dar visibilidade às reivindicações e protestos, assim como para confrontar entendimentos frente às violências do poder local.

Territorialidades ativas, por sua vez, irradiadoras de saberes e aprendizagens significativas no processo de (auto)formação política das/dos ocupas, que conforme evidenciamos foi capaz de alterar significativamente a trajetória de vida de alguns deles, por exemplo, no que diz respeito ao seu engajamento na militância política, à continuidade dos estudos no ensino superior ou à descoberta/fortalecimento de sua identidade de gênero e/ou luta pela reconhecimento e respeito em relação à sua diversidade sexual. Também irradiadoras de outras pedagogias, de outros modos de ocupação e uso do espaço escolar, de relacionamento e processos de ensinar e aprender na escola.

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[1]A equipe de pesquisadores de Santa Catarina está ligada à Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Chapecó-SC e é composta pelo autor deste artigo e pelos acadêmicos: Gerson Júnior Naibo, do Curso de Licenciatura em Geografia e; Gabriela Pires, do Curso de Licenciatura em Pedagogia. Membros do Grupo de Pesquisa Espaço, Tempo e Educação (GPETE).

Recebido: 03 de Março de 2021; Aceito: 22 de Abril de 2021

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