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Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.27  Brasília  2021  Epub Nov 03, 2021

https://doi.org/10.26512/lc27202139024 

Dossiê: Gestão educacional e trabalho pedagógico no contexto de pandemia da covid-19

Metodologias ativas e a autorregulação da aprendizagem: reflexões em tempos de pandemia

Metodologías activas y autorregulación del aprendizaje: reflexiones en tiempos de pandemia

Active methodologies and self-regulated learning: reflections in times of pandemic

Fabiana Maris Versuti1 
http://orcid.org/0000-0002-3504-4842

Rafael Lima Dalle Mulle2 
http://orcid.org/0000-0002-1750-1210

Fernando Eduardo Padovan-Neto3 
http://orcid.org/0000-0002-5529-3168

Roberta Monteiro Incrocci4 
http://orcid.org/0000-0002-5257-5493

1Doutora em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista (2011). Professora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP). Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Integração em Psicologia, Educação e Tecnologia (ConectaLab).

2Mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (2019). Doutorando em Psicobiologia no Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP). Membro do Laboratório de Pesquisa e Integração em Psicologia, Educação e Tecnologia (ConectaLab).

3Doutor Ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (2013). Professor do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP). Coordenador do Laboratório de Psicofarmacologia dos Distúrbios Neurodegenerativos.

4Mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (2017). Doutoranda em Ciências ênfase em Psicobiologia no Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP).


Resumo

Este trabalho é um estudo de natureza descritiva e objetivou identificar relações entre práticas de ensino pautadas nas metodologias ativas e o processo da autorregulação da aprendizagem em duas disciplinas distintas do curso de Psicologia de uma universidade pública brasileira. As disciplinas contaram com monitoria e adotaram o modelo da sala de aula invertida. Os resultados mostraram que os estudantes desenvolveram estratégias para monitorar e regular comportamentos de estudo. Essas evidências sugerem que práticas de ensino que favorecem a autorregulação da aprendizagem são efetivas para o enfrentamento das dificuldades vividas no ensino remoto emergencial.

Palavras-chave Práticas de ensino; Ensino superior; Metodologias ativas

Resumen

Este trabajo es un estudio descriptivo y tuvo como objetivo identificar las relaciones entre las prácticas docentes basadas en metodologías activas y el proceso de autorregulación del aprendizaje en dos disciplinas distintas, en el curso de Psicología de una universidad pública brasileña. Los sujetos fueron monitoreados y adoptaron el modelo de aula invertida. Los resultados mostraron que los estudiantes desarrollaron estrategias para monitorear y regular las conductas de estudio. Estas evidencias sugieren que las prácticas docentes que favorecen la autorregulación del aprendizaje son efectivas para enfrentar las dificultades vividas en la enseñanza remota de emergencia.

Palabras clave Prácticas de enseñanza; Enseñanza superior; Metodologías activas

Abstract

This is a descriptive nature study that aims to identify relationships between teaching practices based on active methodologies and the process of self-regulated learning in two distinct disciplines, in the Psychology course of a Brazilian public university. The two disciplines had the support of monitors and adopted the inverted classroom model. The results showed that students developed strategies to monitor and regulate their own study behaviors. This evidence suggests that teaching practices that favor self-regulated learning are effective in facing the difficulties experienced in emergency remote teaching.

Keywords Teaching practices; Higher Education; Active methodologies

Introdução

O início do ano de 2020 foi marcado pela chegada do cenário pandêmico de covid-19, causado pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), tornando necessária a rápida e extensa adaptação dos indivíduos, prezando a integridade e manutenção de sua saúde em diversos contextos. No campo da educação, tal adaptação se deu de forma que estudantes, professores e todos os demais agentes educacionais tiveram que passar suas atividades para o formato remoto, com o apoio de tecnologias virtuais e on-line. No Brasil, o Ensino a Distância (EaD), segundo Alves (2011), tem registro de surgimento no início do século XX, com anúncio em jornal de curso profissionalizante por correspondência, para datilógrafo, sendo definido como modalidade de educação na qual estudantes e professores passam pelo processo de ensino e aprendizagem em locais diferentes durante todo ou parte do tempo (Oliveira & Santos, 2020). Diante disso, percebe-se que há uma sutil, porém relevante, diferença entre o formato de educação a distância antigo e este que vem sendo vivenciado no período da pandemia: a imposição da totalidade das ações educacionais serem remotas, sendo mediadas pelo uso dos recursos tecnológicos. Esta modalidade, portanto, denominada como Ensino Remoto Emergencial (ERE), parte da necessidade de aplicação de ações que potencializem respostas eficazes e rápidas e atendam demandas urgentes (Garcia et al., 2020).

Portanto, o cenário educacional atual, frente ao exposto anteriormente, encontra-se apoiado no uso de recursos que possam aproximar os indivíduos (mesmo que remotamente) e possibilitar que os objetivos de ensino e aprendizagem sejam alcançados, em uma união de ferramenta e estratégia de uso, na qual os agentes educacionais atuam como facilitadores e os recursos tecnológicos mediam processos de aprendizagem. Neste sentido, o uso de metodologias ativas surge como fator fundamental no sentido de favorecer as práticas de ensino (Fonseca & Neto, 2017; Arruda & Siqueira, 2021). Entende-se metodologia ativa como um conjunto de ações educacionais organizadas e planejadas por um agente educacional, na qual o(a) discente abstrai de uma relação vertical para uma horizontal. O processo de ensino-aprendizagem tem a finalidade de estimular o estudante a reflexões críticas e à co-construção de seu próprio processo de aprendizagem, em uma postura de maior autonomia, demandando, também, postura de busca, estudo, produção e compartilhamento de conhecimento (Maftum & Campos, 2008; Dosea et al., 2020).

As metodologias ativas foram objeto de interesse no estudo de Fonseca e Neto (2017), que realizaram uma revisão sistemática da literatura sobre o uso destas na educação a distância. Com o objetivo de identificar as aplicações de metodologias ativas em cursos EaD e observar pontos fortes e fracos provenientes destas aplicações, os autores levantaram 21 publicações, de 2006 a 2016. De maneira geral, apontaram que os trabalhos levantados indicam, de forma unânime, que as metodologias ativas são promotoras da autonomia do estudante. No aspecto do EaD, os autores apontam, a partir dos trabalhos levantados, que o uso de metodologias ativas funciona como uma alternativa de mudar o foco do ensinar (centrado no professor) para o aprender (centrado no estudante); tendo seu uso favorecido pelas tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs). Porém, destacam que o uso das TDICs como suporte ao EaD não garante o envolvimento necessário nos processos de ensino-aprendizagem, significando que deve existir algo que desperte o interesse do estudante pela aprendizagem, fazendo com que ele próprio crie estratégias pessoais que lhe permitam organizar a própria rotina de atividades de estudo, independente do horário ou local. Neste ponto, portanto, a atuação dos agentes educacionais se torna peça-chave para facilitar o processo de aprendizagem do estudante. Além disso, os trabalhos apontam que as ações de EaD mais efetivas são aquelas que dão maior ênfase ao acolhimento, à comunicação clara, ao acompanhamento personalizado dos estudantes, com destaque para as ações de apoio a eles. Quanto aos tipos de metodologias ativas mais frequentes no ensino a distância, os autores afirmaram que a mais destacada na literatura levantada foi a Aprendizagem Baseada em Problemas, sendo esta uma estratégia de trabalho cooperativa e colaborativa, na qual se parte de situações-problema hipotéticas que sejam próximas da realidade e contexto daqueles envolvidos na atividade (Borochovicius & Tassoni, 2021). Na sequência, as seguintes metodologias ativas aparecem como mais destacadas (Fonseca & Neto, 2017):

Sala de Aula Invertida: Estratégia na qual se inverte a lógica tradicional de aula, sendo que o estudante é previamente exposto a um material relacionado à temática da aula (podendo, inclusive, acessar material extra sobre o tema) e, posteriormente, tem espaço para discutir com seus pares e com seu professor aquilo que foi estudado (Silva et al., 2021).

Aprendizagem Baseada em Projetos: Esta estratégia se define pela utilização de projetos baseados em aspectos realistas, pautados em uma pergunta norteadora, tarefa ou problema significativamente motivador, para trabalhar de forma cooperativa e com autonomia na escolha das formas de se trabalhar, visando a resolução de algum problema (Bender, 2014 como citado em Oliveira et al. 2020). A Aprendizagem Baseada em Projetos parte do princípio da exploração dos conhecimentos e experiências prévias que os estudantes trazem para a sala de aula (Santos, 2020).

Aprendizagem entre Pares: proposta em que os estudantes interajam entre si ao longo das atividades de aula, explicando uns para os outros os conceitos estudados e formas de utilizá-los na solução de possíveis problemas (Pinto et al., 2013).

Aprendizagem Baseada em Equipes: estratégia do uso de grupos de estudantes, com foco em raciocínio aprofundado e pensamento crítico por meio de sequência de atividades que incluem: preparação (estudos prévios feitos de forma individual), garantia do preparo (feita por testes individuais e grupais e por feedback do professor) e aplicação do conceito (uso de uma situação-problema hipotética) (Sakamoto et al., 2020).

Neste contexto, em que há uma ênfase na renovação das práticas de ensino mediadas pelas metodologias ativas no ensino superior, é essencial buscar relações entre tais práticas e a qualidade da aprendizagem ofertada aos estudantes (Behar, 2020). Dentre os diferentes e complexos fatores que estão envolvidos com a definição de um paradigma de qualidade no ensino superior, o presente artigo centra-se no processo da autorregulação da aprendizagem, que será apresentado na próxima seção.

O construto da autorregulação da aprendizagem ganha destaque no cenário educacional no final dos anos 80, enfatizando a centralidade da autonomia dos estudantes na promoção da aprendizagem (Maciel & Alliprandini, 2018). De modo específico, a autorregulação pode ser definida como um processo ativo, que permite aos sujeitos o monitoramento e a regulação de suas cognições, motivação e comportamentos, com o intuito de alcançar objetivos de aprendizagem. Assim sendo, o processo da autorregulação das aprendizagens relaciona-se com a participação dos estudantes no desenvolvimento de competências acadêmicas e na seleção de estratégias de aprendizagem para realizar determinadas atividades acadêmicas (Zimmerman, 2008; Pintrich, 2004; Boruchovitch & Santos, 2015).

No ensino superior, Fernández et al. (2013) defendem que a autorregulação das aprendizagens é um elemento essencial para o sucesso acadêmico dos estudantes, uma vez que viabiliza ao estudante um protagonismo na gestão da sua própria aprendizagem e no desenvolvimento de competências para a vida. Pesquisas como a de Silva e Carvalho (2020), verificaram relações entre a autorregulação da aprendizagem e o desempenho acadêmico de estudantes do ensino superior, por meio de um estudo psicométrico realizado com 516 estudantes de Institutos Federais do Brasil que responderam a um questionário on-line. O questionário revelou índices adequados de ajustamento psicométrico e a autorregulação explica significativamente o desempenho acadêmico dos estudantes. Destaca-se, neste estudo, a relevância de investigações que se dedicam a compreender variáveis contextuais envolvidas com o êxito dos estudantes no ensino superior, reconhecendo que o sucesso dos alunos não se reduz ao seu desempenho acadêmico, mas que se constitui como fator de proteção ao desenvolvimento integral dos discentes no ensino superior.

De acordo com Zimmerman (2008), para que os estudantes desenvolvam uma aprendizagem autorregulada, é necessário proporcionar um espaço para reflexão sobre as suas dificuldades e seus progressos. Neste sentido, destaca-se o papel do professor no planejamento de condições de ensino que orientem os estudantes e que os levem a melhorar os seus desempenhos e as suas aprendizagens. Partindo do pressuposto de que a autorregulação da aprendizagem é construída nas relações sociais estabelecidas no processo de ensino e aprendizagem, assumimos que é possível aprimorar as estratégias de autorregulação da aprendizagem por meio de práticas de ensino que estimulem os estudantes a automonitorar e a controlar o seu próprio desempenho, de modo a articular dimensões cognitivas, metacognitivas e motivacionais. Assim sendo, o professor pode planejar e desenvolver práticas que estimulem a autonomia e a responsabilidade dos estudantes ao longo da trajetória acadêmica (Basso & Abrahão, 2018; Rosário, 2004). Dentre as diversas práticas de ensino que podem servir à autorregulação, destaca-se a monitoria.

Frison e Moraes (2010) destacam que as práticas de monitoria são compreendidas como uma estratégia de apoio ao ensino, na qual os estudantes mais experientes contribuem com a autorregulação das aprendizagens. Essas práticas propiciam aos alunos condições para que possam se apropriar da regulação do seu próprio processo de aprender, para além do domínio de dimensões estritamente conceituais das disciplinas. Além disso, exercer a prática de monitoria é uma ação importante de preparo para a docência.

Diante dos expostos anteriormente, percebe-se que, frente aos impactos decorrentes do cenário pandêmico, a Educação e seus agentes foram colocados em uma posição de necessária, pronta e eficaz resposta, levando em conta o objetivo de oportunizar processos de aprendizagem, tendo como aliadas as TDICs e os recursos virtuais disponíveis. Mais do que as ferramentas em si, destaca-se a relevância das formas de uso de tais estratégias e seu impacto nas relações de ensino e aprendizagem, na qual o estudante torna-se um indivíduo ativo e autônomo, se organizando, também, para alcançar o objetivo final de aprender algo. Sendo assim, faz-se relevante o trabalho que propõe reflexões acerca do uso de metodologias ativas e estratégias usadas para potencializar a autorregulação da aprendizagem em estudantes diante dos desafios impostos pela pandemia de covid-19. Neste sentido, o objetivo deste estudo foi identificar relações entre um conjunto de práticas de ensino mediadas por metodologias ativas e estratégias de autorregulação da aprendizagem de duas disciplinas distintas, do curso de Psicologia de uma universidade pública no interior do estado de São Paulo.

Delineamento metodológico

Este estudo se constitui metodologicamente como relato de experiência, com natureza descritiva e exploratória, a partir de duas disciplinas ministradas no curso de Psicologia de uma universidade pública do interior do estado de São Paulo.

Ambas as disciplinas ocorreram no segundo semestre de 2020 em temáticas distintas. A disciplina A tem por objetivo geral que os estudantes conheçam os mecanismos de ação e efeitos colaterais dos principais psicofármacos com finalidade terapêutica. De forma mais específica, espera-se que estes, ao final da disciplina, sejam capazes de definir as principais classes de fármacos psicotrópicos, interpretar alterações neurais envolvidas em transtornos psiquiátricos e usar conceitos de psicofarmacologia para lidar com situações da prática clínica em Psicologia. Conta com o acompanhamento de um docente responsável, aproximadamente 48 estudantes e um monitor.

A disciplina B tem por objetivo geral promover o desenvolvimento de habilidades de investigação científica aos estudantes, desde a definição de um problema de pesquisa relevante para a literatura científica de Psicologia, até a elaboração completa de um projeto de pesquisa. De forma mais específica, ao final da disciplina, os estudantes devem estar aptos a definir um problema de pesquisa a partir de um tema relevante para a literatura científica em Psicologia, revisar a literatura científica pertinente ao problema, fundamentando teoricamente a escolha das variáveis e justificando a relevância do problema de pesquisa; assim como identificar os métodos de pesquisa pertinentes para responder ao problema de pesquisa definido, definir os passos de um processo de coleta e análise de dados de acordo com a metodologia escolhida, refletir sobre os aspectos éticos envolvidos na condução de uma pesquisa com seres humanos e/ou animais não humanos e, por fim, redigir um projeto de pesquisa. Conta com o acompanhamento de quatro docentes responsáveis, aproximadamente 40 estudantes e um monitor.

A disciplina A foi estruturada de forma síncrona e assíncrona, com semanas intercaladas. Nessa disciplina, cada tema foi discutido ao longo de duas semanas: na primeira semana, os materiais de estudo eram disponibilizados em um ambiente virtual de aprendizagem, para que os alunos estudassem de forma assíncrona, enquanto na semana seguinte, uma aula síncrona sobre a mesma temática ocorria via Google Meet. A disciplina B foi intercalada, inicialmente da mesma forma. Porém, na segunda metade da disciplina B, por necessidade de adaptação das demandas dos estudantes, os encontros síncronos passaram a ocorrer semanalmente, visando a conclusão das atividades.

As duas disciplinas, em seu andamento no ensino remoto emergencial, utilizaram-se de diversas ferramentas on-line para sua condução:

  • Ambiente Virtual de Aprendizagem (Moodle): plataforma na qual foram disponibilizados os materiais educacionais, como por exemplo videoaulas, artigos científicos e capítulos de livros (recurso utilizado pelas disciplinas A e B);

  • WhatsApp: com intuito de comunicação rápida, criou-se um grupo com alunos, professores e monitores (recurso utilizado pelas disciplinas A e B);

  • E-mail: utilizado para avisos e contatos entre estudantes e professores (recurso utilizado pelas disciplinas A e B);

  • Socrative e Google Forms: ferramentas que permitem, respectivamente, a aplicação de questionários interativos com feedback em tempo real e formulários gerais (recursos utilizados pelas disciplinas A e B);

  • Google Meet: recurso de videoconferência utilizado para condução e gravação das aulas síncronas e atividades de monitoria (recurso utilizado pelas disciplinas A e B);

  • Google Drive: recurso de armazenamento em nuvem utilizado para organização dos materiais utilizados em aula (repositório de textos, apresentações e vídeos), para organização das atividades enviadas pelos estudantes ao longo da disciplina e para armazenamento dos vídeos das aulas gravadas (recurso utilizado apenas pela disciplina B).

Resultados

O relato foi estruturado em duas etapas descritivas, a saber: Etapa 1- Descrição das principais práticas de ensino adotadas e; Etapa 2- Descrição das percepções dos estudantes que remetem a autorregulação da aprendizagem.

Etapa 1- Descrição das principais práticas de ensino adotadas

Desta forma, duas disciplinas que eram ofertadas de forma presencial (ressalva à disciplina B que, antes da pandemia, já fazia uso dos recursos tecnológicos digitais, porém de forma intercalada com as atividades presenciais) foram totalmente adaptadas ao formato remoto frente às necessidades impostas pela pandemia da covid-19.

Diante do formato remoto e buscando alcançar os objetivos propostos em cada disciplina, uma estratégia utilizada foi a de separar, como já mencionado anteriormente, as atividades em síncronas (juntos, ao mesmo tempo e mediadas por tecnologia) e assíncronas (separados, em momentos distintos e mediadas por tecnologia).

Na disciplina A as atividades foram divididas entre o professor e uma monitora. Quanto aos alunos, haviam duas turmas que se diferenciavam apenas pelo dia do encontro síncrono, sendo a mesma aula apresentada para a primeira na segunda-feira e para a outra na sexta-feira. Os encontros síncronos aconteciam a cada 15 dias, com duração de aproximadamente duas horas, divididos em quatro momentos: questionário pré-aula expositiva, aula expositiva, interação com os estudantes (retirada de dúvidas) e reaplicação do questionário pós-aula expositiva. O questionário foi aplicado através da plataforma Socrative e apresentava de quatro a seis perguntas sobre o tema do dia. Esta atividade não tinha caráter avaliativo, somente auxiliava o controle do docente e da monitora acerca do aproveitamento dos alunos sobre o conteúdo apresentado. A aula expositiva era baseada no conteúdo previamente disponibilizado na plataforma educacional: capítulos de livros, estudos de casos retirados dos livros Casos clínicos em farmacologia (Toy et al., 2015), Casos clínicos do DSM-V (Barnhill, 2015) e vídeos relacionados ao tema. As aulas assíncronas aconteciam em semanas intercaladas às aulas síncronas e os materiais eram disponibilizados na plataforma educacional, tais como videoaulas e artigos científicos sobre o tema da semana. Os canais de comunicação eram utilizados para os alunos entrarem em contato tanto com a monitora quanto com o docente caso surgisse alguma dúvida.

Na disciplina B, a organização das atividades se deu de uma forma um pouco distinta. Isso ocorreu pelo motivo da separação da turma entre quatro docentes responsáveis pela disciplina. Sendo assim, de maneira síncrona, um primeiro encontro virtual ocorreu para a apresentação dos objetivos, cronograma e separação, por sorteio, das turmas entre os quatro docentes, sendo que cada um ficou responsável pelo acompanhamento de 10 alunos a partir de então. Inicialmente, as atividades síncronas — que ocorriam quinzenalmente e depois passaram para um registro semanal — eram utilizadas para: discussão do material disponibilizado pelo docente e apresentação do tema elencado para a semana referente a uma das etapas de um projeto de pesquisa científica (aspectos formais de construção e escrita). Nos períodos onde não havia encontros síncronos, os estudantes eram estimulados, através de entregas planejadas, a confeccionar seus projetos geralmente em duplas e também por etapas (Introdução, Objetivos, Método, Resultados e Discussão). Mais próximo do final da disciplina, junto da entrega do projeto final, o cronograma de atividades síncronas precisou ser revisto, visando oferecer maior apoio e retirada de dúvidas dos estudantes.

Sendo assim, em suma, as atividades assíncronas da disciplina B se baseavam em leituras indicadas; vídeos abordando aspectos relevantes para o desenvolvimento de projeto de pesquisa científica; planejamento, pesquisa, confecção e desenvolvimento dos projetos, a partir da entrega, em formato de atividade das etapas do mesmo; e treino de apresentação do projeto de pesquisa. Já as atividades síncronas se baseavam em breves apresentações dos docentes, com posterior discussão sobre o material de leitura indicado e retirada de dúvidas.

Na disciplina A, a avaliação foi realizada em dois momentos: no meio e no final do semestre. A primeira foi realizada através de questionário avaliativo com 15 questões de múltipla escolha disponibilizado no Moodle, formulado com base nos conteúdos apresentados e discutidos até a primeira metade da disciplina. A avaliação final foi uma atividade em grupo (no máximo cinco alunos), em que os alunos deveriam escolher um filme que tratava de um transtorno psíquico abordado em sala de aula. A lista dos filmes escolhidos está listada abaixo no Quadro 1. Nesta atividade, o aluno deveria descrever, em termos farmacológicos, o transtorno apresentado no filme, detalhar o mecanismo de ação e efeitos colaterais de algum psicofármaco utilizado com finalidade terapêutica ou como abuso de substâncias. É importante observar que 82% dos estudantes concordaram totalmente que os critérios e atividades de avaliação propostos foram adequados.

Fonte: os autores.

Quadro 1 Relação de filmes escolhidos pelos estudantes 

Além das questões que envolviam os conteúdos apresentados durante o semestre, a avaliação final contava com uma questão que integrava a teoria aprendida durante o semestre e o papel do psicólogo no tratamento do transtorno abordado pelo filme: “Seria possível utilizar alguma abordagem não farmacológica para sujeitos com o transtorno discutido? Caso positivo, descreva sucintamente” (questão retirada da avaliação final da disciplina A). O objetivo desta questão foi propiciar ao aluno a percepção da aplicabilidade do conteúdo apresentado e a atuação da futura profissão; nota-se que a resposta traz aspectos que transcendem a abordagem farmacológica e caminha para uma abordagem biopsicossocial, ou seja, busca compreender a depressão de maneira mais ampla, levando em consideração fatores biológicos, psicológicos e sociais. Vale lembrar que o foco da disciplina foi a de apresentar a neurobiologia da depressão. Dessa maneira, tal resposta exemplifica o processo de autorregulação, dado que o estudante mostra desenvolvimento de competências acadêmicas ao integrar conceitos psicológicos e sociais em uma temática com foco na neurobiologia.

Sim, além da abordagem farmacológica, podem ser empregadas psicoterapias diversas, sendo que as terapias cognitivo-comportamentais têm demonstrado grande eficácia para o tratamento de depressão. Para pacientes em casos graves e que não tiveram resposta satisfatória ao tratamento medicamentoso, podem ser empregadas a eletroconvulsoterapia (ECT) ou Estimulação Magnética Transcraniana repetitiva (EMTr). Além disso, a prática regular de exercícios e participação em atividades recreativas e sociais podem contribuir na melhora dos sintomas depressivos. (Estudante H, 2020)

As tecnologias educacionais baseadas em metodologias ativas favoreceram que o processo de aprendizagem fosse mais efetivo e autônomo, tendo em vista que a maioria dos estudantes avaliaram positivamente as estratégias utilizadas no desenvolvimento da disciplina.

A disciplina B contou com dois critérios avaliativos: (1) Desempenho e engajamento nas atividades práticas propostas ao longo da disciplina; e (2) Projeto final, contendo articulação adequada entre todas as suas etapas. Isto incluía, portanto, a confecção, entrega e apresentação do projeto elaborado, a participação ativa em momentos síncronos e a entrega das atividades requeridas ao longo do semestre. Logo, a data final se dava como consequência de um processo contínuo de construção da aprendizagem ativa dos estudantes. A disciplina também contou, ao final, com uma autoavaliação dos mesmos, como forma de refletir sobre desempenho e atuação individual.

Entende-se que a construção do projeto de pesquisa permitiu, ao longo do semestre, o uso recorrente — e horas sobreposto — de diferentes Metodologias Ativas. Primeiramente, a sala de aula invertida coube com bastante adequação, dado que os estudantes tinham contato com materiais (leituras, vídeos e atividades) previamente aos encontros síncronos combinados. A busca por referenciais teóricos para construir suas respectivas introduções e métodos demandava certo grau de autonomia, o qual era apenas mediado por docente e monitor. Além disso, a Aprendizagem Baseada em Projetos, a Aprendizagem entre Pares, a Aprendizagem Baseada em Equipes e a Aprendizagem Baseada em Problemas foram todas, de forma conjunta, utilizadas em todas o processo de construção dos projetos: os estudantes, em grupos, levantaram perguntas de pesquisa a serem respondidas, baseadas na literatura científica, propondo formas de alcançar respostas a partir de objetivos alcançáveis e delineamento metodológico (em todas suas etapas) adequado aos objetivos propostos.

A monitora da disciplina A auxiliou em três momentos: antes, durante e após as atividades da disciplina. Inicialmente, o plano de ensino foi elaborado em conjunto com o docente, alinhando os conteúdos a serem explorados ao novo formato, seleção bibliográfica e na organização de datas. No segundo momento, foram abertos os canais de comunicação para envio dos recados importantes, nos quais os estudantes puderam interagir a qualquer momento para tirar as dúvidas e enviar sugestões. Os recados eram enviados pela monitora utilizando via e-mail, WhatsApp e pelo mural de recados da plataforma educacional, garantindo que todos recebessem as informações. A interlocução entre o professor-aluno era realizada através destas vias de comunicação e tinha como objetivo estreitar a relação entre eles com o intermédio da monitoria.

A monitora participou de todos os encontros síncronos juntamente com o docente, e realizou quatro atividades expositivas durante o semestre. Nestas quatro atividades, a monitora ficou responsável, sob supervisão do docente, pela preparação e exposição síncrona do conteúdo. No que compete às atividades assíncronas, além de auxiliar na disponibilidade dos materiais, a monitora auxiliou o docente nas demandas que surgiram ao longo do semestre.

Com relação às avaliações, a monitora disponibilizou-se a tirar dúvidas sobre as questões e sobre a correção; colaborou propondo a avaliação final, com o intuito de integrar o conteúdo aprendido durante o semestre com as práticas profissionais futuras de Psicologia; além disso, ajudou na correção dos trabalhos e nas atribuições de notas. Por fim, a monitora auxiliou na elaboração de um questionário de avaliação da disciplina com o intuito de obter dos alunos um feedback sobre a metodologia aplicada, acerca da atuação do docente e sobre as atividades da monitoria na disciplina A.

Em todas as atividades exercidas pela monitora houve acompanhamento do docente, o que possibilitou ajuste e melhora constante na atuação e formação da própria monitora, contribuindo de forma relevante no caminho acadêmico. Tal fato refletiu no papel desenvolvido na monitoria, oferecendo segurança aos estudantes na atuação da monitora, o que corrobora com o resultado do questionário aplicado, que revelou que 93% dos estudantes concordaram ou concordaram fortemente que a atuação da monitora durante a disciplina foi adequada.

Na disciplina B, o monitor atuou em dois momentos e em dois contextos: antes do início das aulas e durante a disciplina; com os estudantes e com os docentes. No primeiro momento, a atuação do monitor se baseou na organização e apoio a todos os 4 docentes, conforme já explicitado brevemente, em relação às atividades que todos partilhavam, ou seja: organização das leituras e demais materiais básicos (no Moodle e Google Drive), envio de e-mail do início da disciplina, organização e envio do cronograma e disponibilização da sala virtual da aula inicial.

Após a separação da turma entre os quatro docentes, o monitor passou a acompanhar as atividades síncronas de apenas um grupo (um docente e 10 estudantes). Sendo assim, o monitor passou a ter atuação frente aos projetos que eram desenvolvidos, em etapas, oferecendo sua experiência para a escrita e agrupamento das etapas de um projeto de pesquisa. Vale destacar que, como cada projeto era único, a atuação do monitor era auxiliar na organização lógica e estrutural do trabalho, adequando cada etapa à próxima, buscando um sentido integrado e clareza na intercalação. Este trabalho ocorreu, ao longo de um semestre, também de forma síncrona e assíncrona, sendo que os estudantes tinham momentos específicos de monitoria (para retirada de dúvidas e avanço no trabalho final), mas também enviavam (via e-mail ou mensagens diretas por WhatsApp) questões, reflexões e materiais para correção ou sugestão do monitor.

A informação que merece destaque neste ponto é que a monitoria serviu como uma forma de aproximação entre docentes e discentes, dado que o monitor também era discente (mesmo que de pós-graduação). Neste sentido, algumas dúvidas eram tiradas primeiro com o monitor ou nem mesmo chegavam ao docente. O mesmo ocorreu com algumas atividades e com o projeto final, sendo que os estudantes pediam uma correção prévia antes do envio ao docente — portanto, os momentos e encontros de monitoria serviam, também, como acolhimento e apoio ao desenvolvimento do estudante pesquisador. Outro aspecto relevante a ser destacado é que, pelo contexto da disciplina B, o monitor pós-graduando também servia como modelo de pesquisador para aqueles(as) que, de certa forma, ingressaram nesta atividade envolvendo pesquisa científica.

Em síntese, entende-se que as práticas de ensino adotadas foram potencializadoras da autorregulação da aprendizagem no sentido que, de forma geral, possibilitaram o movimento no estudante, em diferentes momentos, de autonomia na estruturação, monitoramento e avaliação de seu próprio processo de aprendizagem. De forma específica (tanto na disciplina A, quanto na disciplina B), isso ocorreu a partir do uso estruturado das Metodologias Ativas de: (1) Sala de Aula Invertida, pela qual os estudantes foram previamente expostos aos conteúdos a serem trabalhados nos encontros síncronos, possibilitando reflexões e retirada de dúvidas; (2) Aprendizagem Baseada em Projetos (majoritariamente na disciplina B), pela qual os estudantes partiam suas construções da resolução de algum problema levantados por eles próprios; (3) Aprendizagem entre Pares e Aprendizagem Baseada em Equipes, pelas quais os próprios estudantes, ao trabalharem em grupos, avançaram na compreensão das temáticas estudadas a partir da explicação para e reflexão conjunta com seus pares. Além disso, a figura dos monitores pôde auxiliar na organização das disciplinas, atuando como mediadores, facilitando a comunicação, aproximando os discentes dos conhecimentos específicos abordados, estimulando o uso de estratégias de aprendizagem alinhadas com as práticas de ensino dos docentes promotoras da autorregulação da aprendizagem apresentadas nesta seção.

Etapa 2 - Descrição das percepções dos estudantes que remetem a autorregulação da aprendizagem

No final da disciplina A os estudantes foram convidados a responderem um questionário utilizando uma escala likert (1 = discorda fortemente à 5 = concorda fortemente) para relatar a autopercepção da metodologia aplicada na disciplina.

Quando questionados sobre o formato de aula mais adequado para a disciplina A durante o ERE, 100% dos estudantes optaram pela combinação de atividades síncronas e assíncronas (não houve interesse por atividades estritamente síncronas ou estritamente assíncronas). Além disso, quando questionados sobre o formato de aula mais adequado para a disciplina A após a pandemia, 64% dos estudantes optaram pela combinação de aulas gravadas e presenciais, enquanto 36% demonstraram interesse em aulas exclusivamente presenciais. Essa observação é coerente com a de que práticas de ensino que favorecem a autorregulação da aprendizagem são efetivas para o enfrentamento das dificuldades vividas no ensino remoto emergencial.

De maneira geral, os estudantes tiveram uma boa impressão da metodologia adotada na disciplina A. Cerca de 57% concordaram ou concordaram totalmente (32% responderam que nem concordam nem discordam) que o método de ensino utilizado ajudou a desenvolver habilidades de estudo (exemplo: "dediquei mais horas ao estudo" ou "busquei referências bibliográficas adicionais"). Cerca de 91% dos estudantes concordam ou concordam totalmente que a metodologia utilizada na disciplina A foi interessante e inovadora. Com relação ao uso de questões de múltipla escolha no início e no final das aulas síncronas, 78-86% dos estudantes concordam ou concordam totalmente que: sentiram que aprenderam mais durante as aulas com essa estratégia, que prestaram mais atenção nas aulas e que foram capazes de identificar os conceitos mais importantes da aula.

Na disciplina B, destaca-se que 80% da turma identificou positivamente as relações entre teoria e prática viabilizadas ao longo da disciplina (50% responderam que frequentemente e 30% responderam que sempre), tal relação se fazia pertinente, por conta do objetivo geral e prático de elaboração de projetos de pesquisa. Com relação à prática de devolutiva das atividades desenvolvidas pelos estudantes em relação ao delineamento das etapas de um projeto de pesquisa, 50% responderam que sempre houve devolutiva e 33,3% responderam que frequentemente e 16,7% eventualmente. Vale ressaltar que o monitor atuou ativamente nesta prática. De modo geral, 90% dos estudantes manifestaram que as atividades propostas foram efetivas para construção das aprendizagens previstas e 92% consideraram que a disciplina foi importante para sua formação integral no curso.

As percepções indicaram o desenvolvimento de competências de monitoramento e avaliação da própria aprendizagem dos estudantes, remetendo à autorregulação. De forma específica, pôde-se verificar indicadores de autonomia no momento em que, na disciplina A, a turma opinou ativamente, quando questionada, em relação ao formato da disciplina, em relação à sincronicidade e ao tipo de material oferecido (aulas). Além disso, a própria percepção majoritariamente positiva das estratégias em ambas as disciplinas descritas anteriormente, associadas ao elevado desempenho acadêmico que foi observado também em ambas (100% de aprovação), pode ser interpretada como um indicador de que as práticas de ensino criaram condições para que os estudantes pudessem desenvolver um processo consciente e voluntário de gestão do próprio comportamento, dos sentimentos e pensamentos voltado para a obtenção de metas pessoais e alcance dos objetivos propostos pelas disciplinas.

Discussão e Considerações finais

O presente estudo corrobora com a literatura, uma vez que foi encontrada uma relação entre as práticas de ensino mediada por metodologias ativas e estratégias de autorregulação da aprendizagem, em duas turmas, de duas disciplinas distintas, do curso de Psicologia de uma Universidade pública no interior do estado de São Paulo. Em linhas gerais, os estudantes, ao serem expostos às práticas, demonstraram estratégias autorreguladas, relacionadas à organização de seus estudos, monitoramento de seus progressos e constante análise e aprimoramento de seu desempenho acadêmico voltado ao alcance dos objetivos propostos pelas disciplinas (Zimmerman, 2008; Pintrich, 2004).

Em um cenário como o apresentado pela pandemia da covid-19, evidencia-se a importância do direcionamento das práticas de ensino pautadas nas metodologias ativas como meio de superar obstáculos na trajetória do uso de tecnologias na prática pedagógica. O ERE impulsionou um constante movimento de replanejamento das práticas de ensino, tendo em vista a criação e adaptação de estratégias de ensino aplicáveis ao ambiente remoto com recursos pedagógicos digitais, como apresentado por Behar (2020). O envolvimento dos alunos nas atividades e as aulas remotas com metodologias ativas valorizaram o repertório de conhecimentos prévios dos estudantes, encorajando a iniciativa e o senso de responsabilidade dos mesmos.

No contexto deste estudo, a adoção de metodologias ativas favoreceu o delineamento de práticas de ensino efetivas no ERE, conforme destacado por Fonseca e Neto (2017); Arruda e Siqueira (2021). O uso de questões de múltipla escolha antes e após as aulas síncronas (metodologia adotada na disciplina A) forneceu um feedback em tempo real para o professor e para os estudantes. Essa metodologia, associada com TDICs, permitiu que o percentual de respostas corretas e incorretas no primeiro questionário pudesse ser usado como um guia para o professor sobre o que precisava ser enfatizado durante a aula. Por outro lado, a segunda rodada das mesmas questões de múltipla escolha fornece um feedback particular sobre o desempenho dos estudantes.

Ademais, destaca-se que as tecnologias educacionais embasadas em metodologias ativas, relatadas nesse estudo, favoreceu o processo de ensino e aprendizagem de forma mais eficaz e autônoma, com foco no desenvolvimento humano voltado especialmente para a realidade vivenciada no contexto da pandemia da covid-19. Entretanto, é importante analisar o papel do estudante neste processo mediado pelas metodologias ativas. A análise das respostas dos estudantes para a afirmação “sempre estudei o material sugerido antes das aulas” mostra que nem todos seguiram a metodologia proposta: cerca de 46% dos estudantes indicaram concordar ou concordar totalmente com a afirmação, seguido de 25% que nem concordam nem discordam e 29% que discordam ou discordam totalmente. Dessa maneira, fica evidente que uma boa parcela dos estudantes não fez uso do material disponibilizado em momentos assíncronos, o que limita a utilização de métodos de ensino que requerem os alunos como protagonistas de sua própria aprendizagem.

Outra prática que merece destaque é a monitoria. Observa-se que, nas duas disciplinas, a monitoria viabilizou um espaço para reflexão dos estudantes para que estes pudessem expor suas dificuldades e seus progressos de maneira acolhedora, corroborando Frison e Moraes (2010), que reconhecem as contribuições da monitoria para a autorregulação das aprendizagens. De acordo com Zimmerman (2008), a construção deste espaço é fundamental para que os estudantes desenvolvam uma aprendizagem autorregulada. De modo complementar, os professores puderam exercer as funções de mediação e coordenação das aprendizagens e, além de ampliarem as oportunidades de aprendizagem dos estudantes, viabilizaram experiências profissionais aos futuros educadores (pós-graduandos que assumiram o papel de monitores).

É importante considerar que as grandes adversidades impostas pela pandemia geraram um ambiente ansiogênico entre os indivíduos mais jovens (Padovan-Neto et al., 2021), incluindo estudantes universitários. No contexto educacional, níveis elevados de ansiedade correlacionam com rupturas no processo de aprendizagem. Contudo, as relações estabelecidas entre discentes e docentes nestas disciplinas evidenciaram que, mesmo diante de condições adversas, considerar a centralidade da autonomia dos estudantes na promoção da aprendizagem pode ser uma alternativa possível e necessária (Maciel & Alliprandini, 2018).

Por fim, essa discussão mostra-se pertinente, especialmente por considerar a complexidade dos processos envolvidos com a autorregulação da aprendizagem de estudantes do ensino superior (Boruchovitch & Santos, 2015), e por ressaltar a necessidade de entender e de aprofundar as articulações entre a autorregulação da aprendizagem e as práticas de ensino pautadas nas metodologias ativas, como alternativa para superar os desafios educacionais da atualidade.

Esse estudo constatou que práticas de ensino pautadas em metodologias ativas, categorizadas nas dimensões do autoestudo, monitoria e feedback, revelaram uma congruência com estratégias de aprendizagem autorregulada de estudantes universitários. Percebe-se a importância de compreender e incentivar a ampliação dos estudos que investiguem outros fatores, especialmente em nível institucional, que possam impactar o desempenho acadêmico no ensino superior. Assim sendo, destaca-se a importância de outros estudos relacionados a outros constructos relativos à aprendizagem, como autoeficácia, ansiedade e motivação, para que outras relações possam ser evidenciadas.

As atividades realizadas remotamente nas duas disciplinas permitiram oportunidades de aprendizado para os docentes e discentes, que levaram à uma percepção positiva da oferta no modelo ERE e ao reconhecimento da importância de os estudantes assumirem protagonismo, demonstrando engajamento neste processo, mesmo diante das adversidades e dos novos desafios impostos pela pandemia. Entretanto, vale destacar que outras variáveis contextuais importantes para o alcance dos objetivos das disciplinas não foram consideradas neste estudo, como por exemplo questões relacionadas ao acesso à internet, à disponibilidade de equipamentos para acompanhamento das aulas remotas e o contato prévio dos docentes com determinadas tecnologias digitais.

De modo geral, as experiências relatadas consideraram as metodologias ativas mediadas pelas tecnologias digitais como possibilidade para a construção de conhecimentos no contexto universitário, considerando seu potencial na promoção da autorregulação dos estudantes, a fim de superar obstáculos à aprendizagem potencializados pelo contexto pandêmico, avançando em novos rumos para o ensino.

Espera-se contribuir para uma melhor compreensão das relações entre práticas de ensino e as estratégias de aprendizagem, no âmbito da aprendizagem autorregulada, ampliando o debate sobre a necessária renovação das práticas adotadas no ensino superior brasileiro, como possibilidade de superação das adversidades vivenciadas em tempos de pandemia.

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Recebido: 25 de Julho de 2021; Aceito: 25 de Outubro de 2021

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