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Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.28  Brasília Jan./Dec 2022  Epub Feb 02, 2022

https://doi.org/10.26512/lc28202240530 

Artigos

Pós-estruturalismos e educação: condições de produção conceitual de um campo

Postestructuralismos y educación: condiciones para la producción conceptual de um campo

Poststructuralisms and education: conditions for the conceptual production of a field

Déborah Cristina Barbosa Ferreira1 
http://orcid.org/0000-0001-9024-222X

Rita Tatiana Cardoso Erbs2 
http://orcid.org/0000-0002-6274-1678

1Mestra em Educação pela Universidade Federal de Goiás – Regional Catalão (2021).

2Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2009). Professora efetiva da Universidade Federal de Catalão.


Resumo

Este trabalho analisa contextos e conceitos constituintes do movimento filosófico pós-estruturalista a fim de abordar suas condições de produção, bem como implicações para a educação contemporânea. Nos agenciamentos conceituais atrelados à filosofia, os pós-estruturalismos estão em campo de criação, no tempo, ressoando quebras para o campo educacional, o que reflete nos sujeitos, visto que estes passam a serem autores numa atualidade criadora. Neste contexto, destaca-se a noção de sujeito, uma vez que, neste viés filosófico, tal concepção confronta nuances educacionais formais cristalizadas, sinalizando desafios ao relacionar pós-estruturalismos e educação.

Palavras-chave Pós-estruturalismos; Educação; Condições de produção; Sujeito

Resumen

Este trabajo analiza contextos y conceptos del movimiento filosófico postestructuralista el fin de abordar sus condiciones de producción, como implicaciones para la educación contemporánea. En los ensamblajes conceptuales ligados a la filosofía, los postestructuralismos están en el campo de la creación, en el tiempo, rupturas resonantes para el campo educativo, con los sujetos convirtiéndose en autores en una actualidad creativa. En este contexto, se destaca la noción de sujeto, ya que, en este sesgo filosófico, tal concepción confronta matices educativos formales cristalizados, señalando desafíos en la relación postestructuralismo en y educación.

Palabras clave Postestructuralismos; Educación; Condiciones de producción; Sujeto

Abstract

This work analyzes contexts and concepts that constitute the post-structuralist philosophical movement in order to address production conditions, as well as some implications for contemporary education. In conceptual assemblages linked to philosophy, post-structuralisms are in the field of creation, in time, resounding breaks for the educational field, with subjects becoming authors in a creative actuality. In this context, the notion of subject stands out, since, in this philosophical bias, confronts crystallized formal educational nuances, signaling challenges in relating post-structuralism and education.

Keywords Poststructuralisms; Education; Production conditions; Subject

Introdução

Os estudos pós-estruturalistas impactam as pesquisas em Educação no Brasil desde 1993. De início, emergiram apresentações de trabalhos na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Segundo Paraíso (2004), os primeiros trabalhos apresentados nos eventos desta associação, referentes ao campo dos pós-estruturalismos, estavam relacionados, sobretudo, aos estudos do filósofo Michel Foucault (1926-1984). Podemos denominar esse primeiro momento de estudos como a primeira onda pós-estruturalista na Educação no Brasil, marcada por problematizar e apontar o esgotamento da perspectiva crítica na área, bem como pela realização de críticas às perspectivas humanistas e racionalistas (Paraíso, 2004).

Juntamente aos estudos pós-estruturalistas que reivindicaram uma renovação da perspectiva crítica, ainda na década de 1990, houve apresentações de trabalhos pela ANPEd que, para além de apontarem problematizações sobre o campo crítico, tornaram-se independentes desta vertente teórica. A nova perspectiva dentro dos pós-estruturalismos no Brasil ganhou força no final da década de 1990 e início dos anos 2000. Podemos considerar esta transição e sua efetivação como uma segunda onda de estudos de tal vertente, sendo que as produções acadêmicas e seus autores (as) investiram em recursos escritos que perpassavam o estímulo à imaginação, além de abrangerem a atuação do leitor à experimentação. Ademais, com o advento da segunda onda, deslocaram-se noções do filósofo francês contemporâneo Gilles Deleuze (1925-1995), bem como de Félix Guattari (1930-1992) (Vinci, 2016).

As filosofias da diferença ofertam conceitos para os campos pós-estruturalistas, os quais foram e são deslocados, neste caso, para pensar a Educação ou mesmo para agenciar outros modos de pensar e atuar junto à Educação formal. Neste movimento filosófico da diferença, cada filósofo atua em campo distinto, frisando que a primeira geração de filósofos franceses não travou um debate específico direcionado para o campo educacional. No entanto, investigou-se a respeito da diferença, ao mesmo tempo em que foram propostas rupturas por meio das atuações filosóficas. Para além da triangulação da filosofia crítica, fenomenologia e do viés lógico, o que aqui se denomina pós-estruturalismo inclui essa primeira geração advinda da geração 60, como denomina Gallo (2003), que Nietzsche claramente se debruça sem traçar uma definição, contudo, estabelecendo pontos de contato e auxiliando a perspectiva da diferença. Não sendo uma escola ou um método, este movimento ou pensamento na Filosofia francesa emergiu na década de 1960, representando alguns/algumas filósofos (as) que, segundo Peters (2000), se subdividiram em gerações, constituindo a primeira e a segunda, ambas divulgadas nas universidades francesas. São parte de tais gerações Jacques Derrida (1930-2004), Michel Foucault (1926-1984), Julia Kristeva (1941-atual), Jean François Lyotard (1924-1998), Gilles Deleuze (1925-1995), Luce Irigaray (1930-atual), Jean Baudrillard (1929-2007), entre outros (as).

Acerca de alguns desses (as) filósofos (as) apontados (as), pode-se descrever suas atuações, como no caso de Derrida, cuja produção visibiliza uma perspectiva filosófica de desconstrução da escrita, da textualidade e de tradições. Já o filósofo Foucault articulou a compreensão acerca das relações de poder, do discurso e da constituição do sujeito em uma história descontínua que evidencia elementos diferenciais. Partindo para Deleuze, é possível encontrar estudos acerca do desejo e do pensamento, conceitos estes investigados, a partir do questionamento de como algumas filosofias concebiam o pensar ou o exercício de pensamento (Machado, 1990). Cabe aqui destacar que Deleuze traçou linhas para discutir uma filosofia enquanto produção e criação. Estas perspectivas filosóficas potencializam a discussão da diferença como uma ferramenta com potencial de desconstrução, que indica o movimento rizomático que é próprio da vida, sendo uma das problematizações evidenciadas nas elaborações deleuzianas, refletindo sobre a noção acerca de inícios verdadeiros ou mesmo a epistemologia. Desta forma, estes elementos são colocados sob suspeita, especificamente, a busca por um início, um meio e um fim fixos, bem como a continuidade linear em cadeia, questões afirmativas supostamente seguras e cristalizadas de narrativas, nas quais é atribuído o status de verdade ou verdadeiro (Deleuze, 1988; Perrone-Moisés, 2004; Foucault, 2005; Williams, 2012; Andrade, 2012).

Para os pós-estruturalismos, as narrativas advindas dos racionalismos, juntamente a seus status de verdadeiro, reduziriam as atuações do ser no mundo. Podem ser observadas também, nestas narrativas, as relações de poder e as morais fixadas em supostas narrativas verdadeiras, principalmente as de cunho universalista. Assim, são encontrados sujeitos permeados por aspectos direcionados às pautas das identidades, em morais e códigos de conduta, no normal e no racional.

Ao contrário das argumentações e justificativas para se usar os termos pós-estruturalismo (s) ou pós-estruturalista (s) como opção didática, entendendo que são menções comumente utilizadas em muitos trabalhos, optou-se, aqui, em propor uma abordagem de tais objetos enquanto constructos, ou seja, a partir de acontecimentos que se agenciam em uma pluralidade de aspectos e narrativas.

Buscando fomentar uma discussão a respeito de algumas implicações da relação entre Educação e estudos pós-estruturalistas, este estudo tem o objetivo de apresentar e discutir noções dos pós-estruturalismos em interface com a Educação, sendo dispostas e discutidas as concepções de atuação e criação que, nesta perspectiva filosófica, podem ser visualizadas nos contextos em que os (as) já supracitados (as) filósofos (as) produziram seus estudos, destacando, ademais, como é abordado e discutido o conceito de sujeito, para o qual este artigo dirige especial atenção. A partir de tais noções, no decorrer do texto são sinalizadas algumas implicações conceituais para a compreensão da Educação formal contemporânea. Para tanto, essas noções serão esmiuçadas em diálogo com alguns contextos e produções conceituais de filósofos da diferença ou pós-estruturalistas. Para mais, será levantado o diálogo com a Educação formal, sintetizando em subtítulos as interações e possíveis discussões envolvendo os pós-estruturalismos na sua relação atuante com a vida e com a Educação, enquanto perspectiva que agencia aspectos filosóficos, históricos, políticos e conceitos inspirados, sobretudo, nas filosofias da diferença.

Pós-estruturalismos em produção com a vida

Discorrer acerca dos pós-estruturalismos exige abordar o estruturalismo francês, o qual emerge na década de 1960, perpassando por disciplinas e perspectivas teóricas que buscavam se afirmar como científicas em seus constructos. Nessa direção, Thiollent (1998), ao abordar testemunhos de estudantes franceses na década de 1960, em Paris, forneceu indícios do período de emergência dos pós-estruturalistas, configurando bases para se discutir como pensavam alguns teóricos, principalmente relacionados à área de Humanidades. Em outros termos:

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo, movimento intelectual que, em filosofia, ciências sociais e psicanálise, pretendia alcançar um maior grau de cientificidade a partir da elucidação e, se possível, da formalização das estruturas invariantes que estão por trás dos discursos ou das atividades humanas. A ideia começou em linguística, na qual vigorava a análise estrutural e a semiótica, alastrou-se em antropologia sob a influência de Claude Lévi-Strauss. A psicanálise foi "estruturalizada" por Jacques Lacan. O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser. (Thiollent, 1998, p. 87)

De forma pontual, expõem-se esses pensamentos da seguinte forma, elegendo, aqui, a década referida como pano de fundo histórico das produções e elaborações filosóficas e acadêmicas:

Na década de 60, as ciências sociais, especialmente, sociologia, antropologia e filosofia, ficaram em evidência. Havia uma intensa atividade na Sorbonne, em Nanterre e em outras universidades. Bourdieu & Passeron (1964) haviam publicado Les héritiers sobre a vida estudante, e preparavam o famoso livro La reproduction, sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar. Touraine desenvolvia a sociologia do trabalho, pensava a produção da sociedade pós-industrial (1968, 1969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais, especialmente novos movimentos (estudantes, mulheres, ecologia etc). Lefebvre (1968) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana. Balandier discutia as questões de modernidade e tradição em antropologia e sociologia da descolonização (os países africanos sob domínio francês se tomaram formalmente independentes a partir de 1962). Naville e Friedmann dominavam a área de sociologia do trabalho. Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirações. Em antropologia, reinava Lévi-Strauss, tido como mentor do estruturalismo. Barthes era muito citado na área de semiologia e crítica literária. Baudrillard começou a ser conhecido. (Thiollent, 1998, p. 87)

No que diz respeito ao período de 1968, em Paris, França, os estruturalismos estavam postos ao mesmo tempo em que se produzia este pensar e atuar em “pós” de “pós-estrutura”, uma vez que esta já se fazia presente, inserindo novas tramas na teia social de relações, atuando em micro resistências e no enfrentamento de grandes narrativas, em pleno período de efervescências e de atuações políticas descentralizadas e horizontais em Paris, conhecido como maio de 1968. Deste modo, podemos dizer que as produções filosóficas são impactadas por forças intrínsecas aos acontecimentos e períodos históricos, não sendo, portanto, fechadas em si mesmas. Filósofos (as) que outrora se contentavam com a reflexão restrita às universidades, neste contexto, fizeram-se presentes nas ruas, como visualizado na citação abaixo:

Em 1968, grandes filósofos como Sartre e Foucault saíram às ruas, participando de manifestações. Filosoficamente, manifestaram maior preocupação com os problemas da época. No período pós-68, Sartre deu apoio, um momento, ao movimento maoísta Gaúche Prolétarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos, doentes mentais e outros marginalizados. [Foucault ainda] participou do GIP (Groupe Information Prisons). (Thiollent, 1998, p. 89)

Em Paris as mobilizações forçaram ações de estudantes e trabalhadores, com parte do campo intelectual mobilizado. A partir dessa efervescência de crise mundial, a Filosofia francesa, posteriormente, experimentou a busca pela superação do estruturalismo francês com maior evidência, dentre estes (as) filósofos (as) estava Gilles Deleuze, cujo impacto foi notório aos pós-estruturalismos, no campo filosófico e na atuação política-filosófica. Em meio a passagem pelo período de 1968 e das agitações parisienses em distintos momentos Deleuze extrapolou o campo intelectual, conforme:

[…] do início até o fim, desde seus primeiros trabalhos sobre Hume até as suas últimas reflexões sobre o virtual, toda a sua obra circunscreve-se no espaço do político, aquele da reabertura incessante das forças de criatividade e do enfraquecimento das limitações institucionais. Sem dúvida, sua travessia de maio de 1968 e seu encontro, em seguida, com Félix Guattari, aumentaram a visibilidade desse engajamento político. (Dosse, 2010, p. 152)

Os engajamentos políticos de Gilles Deleuze em suas obras demostram teor expressivo de criatividade e enfraquecimento de dominações e poderes dogmáticos, abrangendo não apenas o campo da Filosofia, mas também outros campos, como o da Arte. O dogmatismo, para esta perspectiva, mostra-se enquanto práticas e forças sempre dispostas a estarem centralizadas e à prontidão para repetirem sempre o mesmo pensamento e a mesma lógica dominadora. Em Filosofia, Deleuze opôs-se a revirar “ossadas” conceituais de filósofos e pensadores para repeti-los, haja vista que para ele existiriam contextos e atualidades outras que provocariam outros conceitos. Em suma, criar conceitos seria a função dos filósofos, não se restringindo apenas à repetição.

Em 1968, Deleuze publicou sua tese Différence et répétition (Diferença e Repetição), traduzida no Brasil por Roberto Machado e Luiz Orlandi (Deleuze, 1968; 1988), obra que demarcou um novo ciclo em suas produções acadêmicas, uma vez que discute nuances dogmáticas na Filosofia Ocidental. Além das produções acadêmicas, o autor participou de debates políticos, incluindo entrevistas sobre a Palestina realizadas em 1978 (Deleuze, 2016). Segundo Dosse (2010), Deleuze trabalhava na Universidade de Lyon no período em que declarou publicamente apoio aos estudantes, sendo, na ocasião, o único docente do departamento de Filosofia dessa instituição a declarar apoio às assembleias estudantis em 1968.

Partindo de tais fatos, alguns (algumas) filósofos (as) pós-estruturalistas da primeira geração adentraram lutas políticas, tais como em movimentos artísticos, organizações psiquiátricas e anarquistas, caminhando junto a proposições e práticas ativas que viram enfraquecer movimentos outros de esquerda, cujos modelos pautavam-se em centralismo e verticalidade. No período de maio de 1968, observou-se a “[…] ausência de unidade ideológica ou organizacional centralizadora” (Williams, 2012, p. 39), constituindo um momento histórico de emergência das filosofias da diferença e de outros movimentos antidogmáticos. A inclusão da questão do desejo para Deleuze e Guattari pode ser entendida como advinda desse período, não como cenário determinante, mas disposto em períodos que coincidem, visto que estes filósofos fazem discussões entrelaçando as questões sobre poder e desejo em suas produções filosóficas, como aponta Peters (2000) e Thiollent (1998).

De encontro às práticas de resistência política do período de 1968, na França, a noção de poder para os pós-estruturalismos não se restringiu a formas fixas relacionadas às instituições, organizações sociais, ao governo ou similar, tampouco às leis, posto que era preciso visar o poder no nível das relações. O aspecto político enquanto campo de utopia, de acordo com o que já se conhece, foi substituído por um virtual, isto é, por uma abertura ao desconhecido, em tom de democracia por vias de transformação criativa que se faz resistência ao capitalismo e à democracia liberal, gestando o novo, uma esquerda (não utópica), com o desejo ativo, sem fixar a imagem de como as relações devem ser, portanto, sem modelos (Williams, 2012).

Foucault (2005), em entrevista com temática acerca do estruturalismo e pós-estruturalismo, concedida em 1983, comentou acerca do período da década de 1960, em especial, discutindo o maio de 1968, dando mais pistas das produções filosóficas da diferença ou pós-estruturalistas do período referido:

O que se passou em 1968 na França, e creio também em outros países, é ao mesmo tempo extremamente interessante e muito ambíguo: e ambíguo porque interessante: trata-se, por um lado, de movimentos que frequentemente estavam impregnados de uma forte referência ao marxismo e que, simultaneamente, exerciam uma crítica violenta ao marxismo dogmático dos partidos e das instituições. E o jogo que pôde existir de fato entre uma certa forma de pensamento não marxista e essas referências marxistas foi o espaço no qual se desenvolveram os movimentos estudantis, que levaram o discurso revolucionário marxista ao cúmulo do exagero e que eram, ao mesmo tempo, frequentemente inspirados por uma violência antidogmática contradizendo esse tipo de discurso. (Foucault, 2005, pp. 308-309)

Nesta condição social não mais bastava o centralismo marxista ou, ainda, o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS, com o olhar para o futuro e criação de modelos grandiosos, visualizando grandes empreitadas revolucionárias. Logo, buscava-se outros olhares e, principalmente, experiências não modeláveis, como foi o caso específico do desdobramento pós-estruturalista na Filosofia e nas múltiplas atuações dos movimentos sociais, cujas relações divergentes e, ao mesmo tempo, fortalecedoras de redes, entram em cena para fazer com, construir junto. Portanto, historicamente e filosoficamente, havia ali (em 1968) um período de passagem, como aponta Andrade (2012), mesmo que não fosse uma passagem completa, mas, ao menos um ensaio que contou com práticas focadas em construções no presente resistentes ao capitalismo econômico e ao autoritarismo político, compondo práticas menores que, mesmo assim, não significaram ter pouco impacto social.

Ao final de junho de 1968 as mobilizações estudantis em Paris resultaram em substituições e reduções das ênfases no positivismo, no funcionalismo estruturalista, adentrando em cena estudos acadêmicos com perspectivas na fenomenologia, na psicanálise, da teoria crítica, dos anarquismos. No embrião do pós-estruturalismo, havendo leituras de filósofos da diferença, Friedrich Nietzsche destaca-se como um exemplo que, contribuiu, de modo antidogmático, para pensar e lançar experiências de autogestão, juntamente aos anarquismos. De modo geral, a Educação em Ciências Humanas e Sociais teria sido voltada para superar a didática centrada na transmissão de um conhecimento pré-estabelecido, sendo estimulada por professores (as) inspirados (as) nas práticas e conceitos emergidos em maio de 1968, ressaltando a dimensão política das relações pedagógicas (Thiollent, 1998).

Desde modo, é possível observar que a emergência do pensamento filosófico da diferença francês se situa na história. Afirma-se que as atuações políticas de alguns (algumas) destes (as) filósofos (as), bem como o modo como lidaram com suas filosofias, a exemplo das aberturas antidogmáticas para a criação do novo, mobilizando a suspeita frente às cristalizações em práticas e concepções, se assemelham aos próprios movimentos contestatórios do período de 1968.

As desconstruções pós-estruturalistas fazem oposição às pretensões científicas e filosóficas de persistir em um centro fixo de entendimento. Segundo Vinci (2016), a partir de 1960, este pensamento filosófico influenciou disciplinas e foi traduzido para várias línguas, com experimentações na Arte, na Ciência e na Filosofia. O termo pós-estruturalismo foi cunhado nos Estados Unidos nos anos de 1980, sendo este país apontado como um dos polos de estudos dos autores de tal filosofia, inicialmente no pós-guerra, em meio a movimentações de cunho reivindicatórias.

As concepções de sociedade e organização política dos pós-estruturalismos atravessam a Filosofia e outros campos, os desejos e as construções, para buscar gerar outros modos de vida. As operações desse campo perpassam transformações e capilarizações em redes, a partir de uma política da vida cotidiana, como aponta Peters (2000), abrangendo, sobretudo, uma atualidade na experiência, que pode ser encontrada em suas filosofias e que também pode ser resgatada em uma historicidade concreta.

O sujeito nos pós-estruturalismos e a Educação. revisitando conceitos

Os pós-estruturalismos em Educação problematizam as Ciências e a Filosofia, apontando modos morais de conceber verdades prontas e anteriores aos sujeitos. Assim, a problematização ocorre em relação às perspectivas estruturalistas. Reale e Antiseri (2006) apontam que os estruturalismos não seriam somente perspectivas científicas, mas também um campo filosófico, uma vez que tratariam dos temas acerca do ser e da história. Aponta-se também a problemática estruturalista no que se refere à sua noção do pensamento, negacionista do sujeito. Nesse sentido, as noções de estrutura perpassam por uma inteligibilidade organizativa que confere semelhanças entre apreensor e apreendido. O foco, portanto, é no objeto apreendido, o qual apenas é reconhecido por uma inteligibilidade que representa e assimila. Destarte, mesmo que a visão estruturalista não assuma um sujeito em construção, volta-se, de modo implícito, para uma noção de sujeito estático e reprodutor.

Os estruturalismos, no plural, como adverte Sales (2003), principalmente o da cultura francesa, possuem denominador comum, se dirigem para noções de estrutura com natureza ordenativa das diferenças, pondo-as em ordem a partir da ideia de similaridade e identidade, pautada em uma inteligibilidade de modelos supostamente previsíveis para conhecer resultados prescritos. Toda essa abstração foi posta como verdadeira nas Ciências Humanas a fim de legitimar um modo de fazer ciência, fundamentado, como disse Deleuze (1988), em um senso comum e em um bom senso de cunho dogmático, este que as próprias Filosofia e Ciência, por muito tempo, objetivaram combater.

Deleuze (2005), no texto Em que se pode reconhecer o estruturalismo?, descreve uma linha tênue dentro do estruturalismo em relação ao pós-estruturalismo. Em outros termos, o pós-estruturalismo não teria sentido como um momento emergente após a queda do estruturalismo, mas sim como um “pós” que impulsiona rupturas por dentro do estruturalismo. Sua perspectiva pode ser chamada, ainda, de estruturalismo radical, uma vez que não usa o termo pós-estruturalismo, mas indica uma radicalidade dentro do estruturalismo cientificista, apontando ainda para aspectos de criação e de implicação do desejo dos sujeitos em produção. Neste ensaio, Deleuze não aborda o que é, a fim de constatar ou reafirmar uma estrutura, pelo contrário, soa como uma ironia. Desta forma, o filósofo fornece pistas para pensar essa estrutura em termos de linguagem:

[…] só há estrutura daquilo que é linguagem, nem que seja uma linguagem esotérica ou mesmo não-verbal. Só há estrutura do inconsciente na medida em que o inconsciente fala e é linguagem. Só há estrutura dos corpos à medida que se julga que os corpos falam com uma linguagem que é o dos sintomas. As próprias coisas só têm estrutura à medida que mantém um discurso silencioso, que é a linguagem dos signos. (Deleuze, 2005, pp. 211-212)

Elenca-se, junto a Deleuze, uma noção que se dá pela interação da linguagem com os signos da diferença, concomitantemente a uma atualização da estrutura e dos sentidos. Deleuze (2003) entendeu os signos enquanto circuitos abertos de produção de sentidos e de interpretação, independentemente da linguagem enquanto estrutura normativa. Signos e linguagem operam no pensamento, no que violenta e move o pensamento a pensar, por conseguinte, naquilo que perpassa a produção dos sujeitos no mundo. A estrutura, para Deleuze, é uma virtualidade do campo da linguagem, uma realidade múltipla que se integra ao virtual, se diferindo de concepção e de estrutura absolutamente condicionada e determinante, identitária e moralmente estável.

Para Peters (2000), o cientificismo estruturalista nas Ciências Humanas e Sociais seriam adeptos aos megaparadigmas e meganarrativas racionais e universais. Contudo, para esse autor, as narrativas e paradigmas estruturalistas também possuem construções não apenas lineares, mas descontínuas, ainda que dissimulem linearidades e linhas narrativas. Assim, os estruturalismos não se atentariam para as suas próprias concepções enquanto construções a serem problematizadas continuamente. Portanto, estariam essas meganarrativas no campo das construções, bem como no campo da legitimação de um discurso, mesmo que não se admitisse isso no próprio campo estruturalista, como aponta Peters (2000):

[… das] histórias que as culturas contam sobre suas próprias práticas e crenças, com a finalidade de legitimá-las. Elas funcionam como uma história unificada e singular, cujo propósito é legitimar ou fundar uma série de práticas, uma auto-imagem cultural, um discurso ou uma instituição. (Peters, 2000, p. 18)

Deste modo, os pós-estruturalismos problematizam os estruturalismos e as noções metafísicas enraizadas, além das abstrações e pressuposições que naturalizam aspectos, principalmente aqueles relacionados ao ser, ao pensamento e a um eu que supostamente opera apenas enquanto identificação de verdades postas, não dispondo o sujeito enquanto autor no campo da criação.

Os pós-estruturalismos se distanciam de concepções modernas, iluministas, humanistas e principalmente do estruturalismo francês do início do século XX (Peters, 2000). Em relação ao humanismo teórico, os pós-estruturalismos, segundo Peters (2000), apontam para os limites do humano, por esta abordagem humanista não conseguir alcançar o que foi proposto ao início. Para o campo pós-estruturalista, o espaço de uma vida humana não poderia se restringir ao nascimento e à morte dos corpos, uma vez que estes estão conectados com infinitas relações de linguagem, de genética, de mundos, de interação com outras formas de vida e de seres. Nessa direção, a consciência e o saber seriam apenas duas perspectivas e propostas de uso dos registros dispostos, não as únicas existentes e tampouco as mais legítimas entre as espécies.

Diante disso, como pensar uma Educação que abranja às complexidades e multiplicidades de mundos e seres? Não temos aqui respostas para essa pergunta, contudo, o próprio ato de problematizar aqui importa para gerar a inquietude necessária afim de buscarmos outros modos de vida junto à Educação, aqui entendida especificamente como a Educação formal e escolar. Seria uma questão válida, partindo do fato de que muitas vezes o que se passa em uma escola é considerado como vida escolar, separada dos contextos de vida e dos desejos de quem a constrói permanentemente. Haveria uma vida intraescolar e outra vida extraescolar, ou isso seria apenas uma separação abstrata do que impreterivelmente está em relação?

Rumo a essa idealização, o sujeito intraescolar é atravessado por normatizações e papéis pré-arranjados do que ensinar e como ensinar, do que aprender e como aprender, alheio a qualquer força que provoque ruptura nesta prescrição, seja ela da ordem de novas práticas, seja da ordem do desejo que apontaria outros olhares e nuances para o aprender e para o ensinar. Segundo Peters (2000), para os pós-estruturalistas, o sujeito não é tido enquanto ser da autoconsciência, pelo contrário, é tido em uma complexidade histórica e cultural, dependente do sistema linguístico discursivamente constituído, visto em termos concretos, temporais, como ser-no-mundo que “[…] chega, fisiologicamente falando, à vida e enfrenta a morte e a extinção como corpo, mas que é, entretanto, infinitamente maleável e flexível, estando submetido às práticas e às estratégias de normalização e individuação que caracterizam as instituições modernas” (Peters, 2000, p. 32). Este sujeito está em atuação com a vida, a mesma que possibilita sua expressão junto ao que o mundo e que o violenta, não podendo, assim, ser prescrito, uma vez que se produz continuamente.

Problematizar o discurso da inteligibilidade da consciência não significa descartar os aspectos intelectuais e cognitivos existentes, mas sim questionar as justificativas atribuídas ao uso de alguns desses registros, empregados para explicar uma hierarquia, assim como uma verdade, um “bem”, uma moral, como aponta Uberti (2006, p. 107), ao abordar críticas que geralmente o campo dos pós-estruturalismos recebem de outros campos teóricos-filosóficos:

[…] não está em questão a possibilidade de abster-se do que chamamos de conquistas intelectuais ou capacidades cognitivas humanas. Não se está dizendo que a razão produz nada (ao contrário) e, muito menos que, por esse motivo, ela deveria ou poderia não ser usada. Isso seria um despropósito. A referência não é essa. Antes, discute-se sobre o sentido que lhe damos, os valores de uso, as responsabilidades e as finalidades que lhe atribuímos.

Dessas finalidades, pode-se citar a constituição de sujeitos seguindo critérios de mecanismos de saber-poder. A transformação de indivíduo para sujeito, na perspectiva das instituições modernas, envolve uma formatação por meio das normas, modelando o sujeito. O sujeito da cognição, o sujeito mnemônico, o sujeito apreensor de verdades e da exterioridade são alguns tipos de sujeitos mais valorizados na instituição escolar (Marques, 2017). Para os pós-estruturalismos, não existe sujeitos pré-fabricados, nem razão verdadeira, mas razões e sujeitos que se produzem nas contingências históricas. Deleuze (1988) aponta que as produções realizadas sobre o mundo e a vida seriam produções junto com o mundo e com a vida. Verdades lógicas racionalistas usam recursos morais e abstratos para legitimar um saber e um apreender de verdades externas, atuando, assim, como filosofia embebida na moralidade e no senso comum.

Para Deleuze (1988), por muito tempo o aprender foi visto em relação ao campo do saber, ou seja, das soluções e da repetição. No entanto, não caberia mais compreender esse aprender enquanto algo formatado, seria importante conceber o aprender como pensar no pensamento e no imanente junto ao mundo. O aprender aqui é entendido enquanto problema, considerando que se atua no que faz pensar e no que busca por interpretação. Essa perspectiva provoca estrondos na existência escolar, acionando atuações marcadas por problematizações, não existindo respostas fixas ou mesmo soluções. Deslocada para o campo dos processos educativos formais, essa visão impede que se ofereçam problemas alheios e prontos aos estudantes, buscando romper e, ao mesmo tempo, problematizar atividades, como caracterizado por Carreira (2010), prescritas do início ao fim. O objetivo deste viés na Educação, portanto, é o de provocar criações e outras práticas continuamente, não havendo proposição de método, a fim de não dogmatizar os processos, incluindo, para tanto, o campo relacional enquanto produtor de outros mundos, junto a uma variedade de registros, a depender do campo do desejo que atravessa os sujeitos. Deste modo, a escola compõe atuações inclusivas e considera, sobretudo, as diferenças.

Abordar o campo do sujeito ainda é necessário, pois não há sujeitos ou mesmo eus naturais já postos. Portanto, as suspeitas pós-estruturalistas buscam não essencializar essa perspectiva, como apontado por Williams (2012, p. 23):

[…] não é que o pós-estruturalismo rejeite o caráter [self], o sujeito, o “eu” ou a intersubjetividade […] Ao invés disso, eles devem ser vistos como tomando lugar em contextos históricos, linguísticos e experienciais mais amplos. Não é que não exista um “eu”, é que ele não pode reivindicar-se como âmago seguro.

Logo, o sujeito da aprendizagem escolar é fruto de seu contexto e de construções históricas pactuadas em determinada cultura. Outro aspecto marcante das perspectivas pós-estruturalistas consiste em não operar juntamente aos binarismos. Não se trataria, por exemplo, de escolher entre diferença ou totalidade, singular ou plural, particular ou geral, uma vez que este jogo de supostos opostos coexistiria em diferentes combinações e ambiguidades. Essas mesmas perspectivas binárias fazem parte do pensamento ocidental filosófico e de suas vertentes. Os pós-estruturalismos muitas vezes são percebidos por outras vertentes teóricas-filosóficas a partir de um olhar binário, como bem explorado por Uberti (2006), sendo, portanto, aspecto a ser superado para que possa problematizar esse campo de estudos de forma mais ampla e continuamente, para além dos binarismos. Assim,

Nossa concepção está imersa numa visão binária de bem e mal. Para esta racionalidade binária, conforme Heidegger (1991), o fato de pensar contra a lógica é defender o ilógico, pensar contra os valores é destituí-lo de importância, falar contra o humanismo é glorificar a barbárie, e assim por diante. As produções filosóficas situadas no campo pós-estruturalista não podem ser avaliadas a partir de tais critérios. (Uberti, 2006, p. 108)

Completando a argumentação, destaca-se a necessidade de ponderar os elementos da racionalidade que nutre os binarismos, conforme:

Se determinada perspectiva filosófica não propõe algo para intervir na sociedade, é porque quer acabar com ela. Se detecta a imprevisibilidade e reconhece que algumas coisas não são controláveis pela ciência, está defendendo o caos. Se questiona as verdades, afirma que tudo é mentira. Se critica a razão, defende que tudo é irracional e sem sentido. Se fala em construção discursiva, é porque não existe a fome. Se fala na morte do sujeito, é porque está delirando, cometendo o suicídio, sendo contraditório. (Uberti, 2006, p. 109)

Portanto, o olhar binário reduz as problematizações e sua multiplicidade rizomática. Posições dogmáticas fazem demarcações do quão longe se pode ir para discutir e para pensar o mundo, colocando barreiras para buscar transver o que vivemos e para vivermos junto a outros registros. Basta lembrarmos que qualquer posicionamento pode ser, antes de qualquer coisa, moral. É temido que essa problematização nunca tenha fim, e isto é, de fato, uma das intenções dos pós-estruturalismos, ao proporem que valores, práticas e pensamentos estejam em permanente mobilidade, sem modelos, sendo, assim, uma busca por um pensamento e prática rizomáticos.

Para Uberti (2006), a ênfase na diferença e multiplicidade não se daria em sentido de apologia ou numa noção fixa, ao contrário, a busca seria pela ambiguidade, pois “[…] as diferenças não são fixas, não constituem normalizações universais, tampouco comportam características abstração que atravessam o tempo” (Uberti, 2006, p. 99). Argumenta-se a não essencialização, a não abstração que o próprio entendimento de diferença e multiplicidade efetuam, estando em movimento pelo problema. Esta autora vai ao encontro do que Deleuze (2001) expõe ao unir noções de experiência com o transcendental que pauta a experiência e o imanente, em que o fazer é proposto como provocativo do pensar e este pensar gerador de outros fazeres e outros modos de viver, em meio a estabilidades e imprevistos, virtualidades e atualidades múltiplas (Deleuze, 2001; Schopke, 2004; Uberti, 2006).

O aprender construído da produção dos problemas, em Deleuze, não oferta modelos ou métodos para a educação ou para a aprendizagem. Pensa-se o aprender como uma ação e não mais é relacionado ao saber que busca configurar por uma busca por inculcação de verdades. O aprender é um conceito filosófico em aberto, em transformação, inspirando a deixar que os sujeitos atuem e produzam junto às forças e memórias que violentam o pensamento, por meio de signos e problemas, não totalmente conscientes e voluntários (Deleuze, 1988; 2003).

Colocadas as posições até aqui, entendendo-as como posições mais profundas do que simples oposições, entende-se que dizer de produções e da mobilidade pós-estruturalista faz-se necessário, já que existem concepções excludentes pertencentes a sistemas morais, políticos e filosóficos, como aponta Williams (2012), concepções estas que desafiam cotidianamente e que precisam ser problematizadas em suas causas e efeitos políticos. De forma mais explícita:

Esta série de argumentos e oposições não são meramente teóricos. Os argumentos filosóficos têm consequências e paralelos em disputas políticas e morais familiares. Se a esquerda em política é definida como uma política para os que estão à margem, para os excluídos e para os que são definidos como inferiores e assim mantidos, então o pós-estruturalismo é uma política de esquerda. (Williams, 2012, p. 20, grifos do autor)

Defronte ao exposto, cabe aos pós-estruturalismos agenciar práticas que impliquem as complexas relações humanas, sociais, ambientais e de subjetividade, atuando em um momento particular, “[…] não porque seriam causas dotadas de um bem eterno e absoluto” (Williams, 2012, p. 21), mas por se tratarem de elementos relevantes a uma atuação na atualidade, junto ao desejo, às relações, problematizando permanentemente a vida, as práticas e suas diferentes faces entrelaçadas, seja na Educação formal ou em qualquer outro âmbito, uma vez que estão em constante interação e construção, conjuntamente aos sujeitos.

Considerações finais

Adentrando o campo dos pós-estruturalismos e das filosofias da diferença observamos atuações com a vida enquanto construções múltiplas com a história e acontecimentos que se deram em meio a manifestações antidogmáticas, contra centralismos do poder político. Junto às demandas do período de 1960 em Paris, França, emergiram atuações horizontais de diferentes grupos organizados e articulados, num contexto de efervescência e experimentação, inclusive para filósofos (as) e filosofias, como a emergente filosofia da diferença que deu início, mais tarde, ao campo pós-estruturalista.

Os pós-estruturalismos chegam no Brasil não apenas dentro das universidades, mas em movimentos reivindicatórios, como em movimentos antipsiquiátricos, passando a ser vigente no meio educativo formal e nas pesquisas que propõem problematizar as relações de saber-poder, caminhando até estudos que enfatizavam criações de outros modos de compreender a escola e de pensar o aprendizado. Pensar a criação do novo em solo escolar desafia modelos cristalizados e atuações que seguem um formato social de repetição e habituação acerca do que está posto como verdadeiro. O olhar de suspeita na escola, proposto pelas filosofias da diferença e dos pós-estruturalismos em Educação, não propõe modelos a serem seguidos para que haja mudanças e transformações escolares. Uma das propostas que se pode apontar é a de suspeitar e problematizar continuamente as práticas, as concepções e tudo aquilo que perpassa o âmbito escolar, incluindo um conjunto de operações sociais dogmatizantes, tendo em vista que a escola não está descolada da vida e de todas as relações entrelaçadas em rede.

Os estruturalismos usaram de grandes narrativas para explicar o que fomos, o que somos, o que seremos, os detalhes do que vamos enfrentar, o que devemos enfrentar, como construir os enfrentamentos, com direções apontadas, minuciosamente estudadas, elaborações que nos indica o grau de prescrições descoladas da vida. Dentro dos binarismos do pensamento ocidental, coloca-se macro versus micro, indivíduo versus sociedade, individual versus coletivo, como se pudéssemos separar tais colocações e cada lado se colocasse à disposição como instância separada da outra. Contudo, o desejo e o sentido não cabem na discussão apenas individual ou apenas total, das causas e de uma grande determinação.

Um dos eixos argumentativos pós-estruturalistas mais consistentes problematiza a pretensão de conceber o humano enquanto detentor de uma racionalidade verdadeira que apreende algo exterior como ele é, em sua constituição. Esta explicação coloca o humano em posição de centro enquanto espécie, um ser que supostamente detém o poder de apreensão de uma verdade externa pronta, ignorando o sujeito produtor e criador junto ao mundo. Outra problematização se dá para o emprego de métodos que supõem entender como os alunos aprendem na escola. Por isso, neste campo pós-estruturalista é possível se perguntar: até que ponto conhecemos o outro para aplicar tais métodos? Se não conhecemos, o que temos nas escolas se refere ao fato de que uns simulam ensinar e outros fingem aprender? Portanto, que aprender é esse que tem sido estimulado? Onde está o sujeito autor-criador?

Os pós-estruturalismos apontam que o conhecimento perpassa sentidos que não necessariamente são representações precisas de realidade, sendo, portanto, aproximações. Os sujeitos não apenas identificariam essas verdades prontas e disponíveis, mas se produziriam e produziriam verdades junto ao mundo, no imanente, com possibilidades de criar o novo, de romper com a repetição e com o que se julga ser a verdade. Ao colocar certezas tidas como absolutas no domínio da dúvida, não significa que se jogue fora valores e verdades ou que os pós-estruturalismos sejam relativistas, há sim verdades a serem construídas, de todo modo, não são fixas, associadas a elementos que movem os desejos no ato da interpretação, além do movimento intrínseco para a produção dos sujeitos no mundo.

Deste modo, é lançado o desafio para que se possa olhar, sentir e experimentar outras possibilidades de práticas e outras noções e modos de ver os sujeitos, considerando que estes não podem ser tidos como sujeitos teóricos pré-arranjados e pré-formatados. As atuações necessitam constituir-se pela experiência e pela inclusão das diferenças, de modo que o aprender não mais se submeta ao saber e aos problemas verticalizados, mastigados e alheios. Ciência, Educação Filosofia e Arte também são colocadas em abertura para outras construções, para trazer outros modos de formação de valores, na pretensão de discutir a questão da participação nos processos somada ao desejo, ampliando olhares e problemas.

Portanto, não há como desvincular as noções de processos, produções e criação da perspectiva filosófica pós-estruturalista, na qual sujeitos são aqueles que criam o novo, se encontrando em uma atualidade diferencial para a autocriação, mediados pelo mundo e pelo desejo. Relacionado ao campo da produção de si no mundo, o campo pós-estruturalista pode ser visualizado enquanto produtor junto a historicidade. Já a filosofia agencia aquilo que força o pensar a partir da experiência e da abertura para se problematizar a qualquer tempo. Destarte, a Educação formalizada é pensada como potencializadora de produção de outros modos de vida, podendo ser construída ativamente por todos os autores nela inseridos.

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Recebido: 27 de Outubro de 2021; Aceito: 25 de Janeiro de 2022

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As autoras contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.

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