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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.28  Brasília jan./dez 2022  Epub 11-Fev-2022

https://doi.org/10.26512/lc28202240626 

Artigos

Institutos Federais: vontade de universidade ou à vontade da universidade?

Institutos Federales: ¿voluntad de universidad o a la voluntad de la universidad?

Federal Institutes: desire to be university or subjected to the university?

1Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) (2020). Técnico Administrativo em Educação do Departamento de Medicina da UFSCar.

2Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2005). Professor Associado IV do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos.


Resumo

O objetivo é caracterizar o campus São Carlos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e suas relações com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Metodologicamente, cruzamos análise de documentos com a de entrevistas realizadas com doze servidores. Verificamos um elo político-partidário entre as instituições e os governos municipal e federal. Apontamos para um atendimento tardio aos balizadores normativos e prejuízo para a identidade do IFSP. Tais aspectos obliteram a perspectiva de uma atuação em rede e reverberam em expectativas conflitantes dos servidores.

Palavras-chave Institutos Federais; Identidade; Política

Resumen

El objetivo es caracterizar el campus São Carlos del Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología de São Paulo (IFSP) y sus relaciones con la Universidad Federal de São Carlos (UFSCar). Metodológicamente, cruzamos el análisis de documentos con el de entrevistas realizadas a doce servidores. Verificamos un vínculo político-partidista entre las instituciones y los gobiernos municipal y federal. Señalamos una asistencia tardía a las balizas normativas y daño a la identidad de lo IFSP. Dichos aspectos dificultan la perspectiva de una actuación de una red y reverberan en expectativas conflictivas de los servidores.

Palabras clave Institutos Federales; Identidad; Política

Abstract

The objective is to characterize the São Carlos campus of the Federal Institute of Education, Science and Technology of São Paulo (IFSP) and its relations with the Federal University of São Carlos (UFSCar). Methodologically, we crossed the analysis of documents with that of interviews carried out with twelve servers. We verified a political-partisan link between the institutions and the municipal and federal governments. We point to a late attendance to the normative beacons and damage to the identity of the IFSP. Such aspects obliterate the perspective of a network performance and reverberate in conflicting expectations of the servers.

Keywords Federal Institutes; Identity; Policy

Introdução

A Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica (RFEPT) no Brasil esteve marcada por várias reestruturações e reconfigurações em seus diferentes governos e momentos históricos. No entanto, a disputa sobre sua concepção e prática sempre esteve presente, expressa em uma dualidade entre uma educação integral, politécnica, e a de uma educação instrumental voltada para uma ocupação técnica e de subsistência. A partir do discurso de uma concepção progressista de educação, a Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (Brasil, 2008), inaugurou o modelo Instituto Federal, concebido e implementado no Governo Lula. Nos últimos treze anos, o Brasil contou com sua mais expressiva expansão no segmento da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), bem como da reestruturação de suas instituições, cuja maior atração, sem dúvidas, foi a criação dos Institutos Federais (IFs).

O modelo IF, enquanto novidade, está sujeito à reiteração e reconfiguração de distintas interpretações e disputas, o que pode aprimorar o modelo, mas também apartá-lo de sua função profissionalizante original, e assim, dificultar sua continuidade. Esta compreensão já fora anunciada por seus propositores, na época de sua implementação (Pacheco et al., 2010), corroborada recentemente em um de seus congressos (Loureiro, 2020), cujos profissionais e estudiosos ressaltaram suas fragilidades a partir de considerações do Banco Mundial (BM, 2017), como o elevado custo para a formação de um aluno nos IFs, ainda que contestadas por suas entidades representativas (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica [CONIF], 2017).

Outrossim, houve esforços de seus gestores para a consolidação de sua atuação em Rede de modo a fortalecer uma identidade institucional e mitigar incongruências nestas instituições, e por conseguinte, o risco de sua descontinuidade. O respeito ao cumprimento dos balizadores de cursos tornou-se emergencial, sobretudo a partir de 2016, na ocasião da orientação expressa da Rede, e a modalidade de Ensino Médio Integrado (EMI), o “carro chefe” dessas instituições (Loureiro, 2020). Ainda a exemplo do que ocorreu com a Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) nestas instituições, consideramos que a expansão tenha ocorrido de forma precarizada, como nos sinalizam o Tribunal de Contas da União (Brasil, 2012), a partir da carência de servidores.

Compreendemos que os IFs estão inseridos em um campo de investigação caracterizado por uma série de discussões ideológicas e de mudanças produtivas nas práticas e relações da EPT, o que dificulta a constituição de uma identidade institucional (Moraes & Kipnis, 2017). A perspectiva da atuação em Rede é fundamental, segundo seus propositores e alguns de seus gestores, tanto para a identidade do modelo, como para a sua consolidação (Pacheco et al., 2010; Moraes, 2016). Assim, a despeito de uma vocação regional, algumas diretrizes são norteadoras de suas atuações. Existem, contudo, questões comuns, a despeito de particularidades. Destacamos, neste sentido, os balizadores da Rede, que preconiza a oferta de 50% de cursos de Ensino Médio, preferencialmente de modo integrado, 20% de cursos de licenciaturas e 30% de outros cursos, distribuídos entre bacharelados, tecnologias, pós-graduação lato . stricto sensu e cursos de formação rápida (Brasil, 2008). Os balizadores, são, portanto, as diretrizes basilares da atuação dessas instituições.

Este estudo versa sobre a identidade de uma das unidades do IFSP. Trata-se de um campusque revelou particularidades em relação a outros campi que integram a RFEPT. O enfoque que pretendemos demonstrar concentra-se em sua correlação política com segmentos incomuns a outros institutos. Tal contexto foi engendrado no momento de expansão da Rede, no qual o campusmanteve uma relação de alinhamento político-partidário com governos Municipal e Federal, e ainda com a Universidade Federal de São Carlos, que o alojou e foi sua principal parceira durante quase dez anos. Respaldamos nossa consideração no fato de que dois ex-reitores da Universidade foram também ex-prefeitos do município, conforme indicam documentos e matérias jornalísticas (Loureiro, 2020). Newton Lima foi reitor da UFSCar entre 1992 e 1996 e prefeito do município entre 2001 e 2008. Oswaldo Batista Duarte Filho foi reitor da UFSCar entre 2000 e 2008 e prefeito do município entre 2009 e 2012. Ambos filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT). Nos anos seguintes, houve uma mudança na conjuntura política do município e da universidade.

Trata-se de um caso sui generis, tendo em vista a sua excepcionalidade em uma Rede composta por 661 unidades distribuídas em 38 IFs em todo o território nacional (Ministério da Educação [MEC], 2018), isto é, o único instituto que esteve inserido no interior de uma universidade por mais de uma década, tendo-a como sua principal parceira, ao invés do município, como ocorre comumente em outros IFs. Nosso estudo objetivou, de modo geral, caracterizar o campus São Carlos do IFSP e demonstrar como tem sido construída a identidade da instituição e, especificamente, como a influência de sua relação com a universidade a afeta. Para a consecução dos objetivos, foram analisados documentos referentes à legislação dos IFs, bem como dados institucionais, que foram cruzados com questionários e entrevistas com servidores do IFSP São Carlos. A seguir, a apresentação de uma breve explanação do histórico e da caracterização do IFSP São Carlos.

IFSP São Carlos: histórico e caracterização

São Carlos está localizada na região centro-leste do estado de São Paulo e é referência por sua pujante produção acadêmica, sobretudo ensejada por suas universidades e empresas do ramo tecnológico. Trata-se do município com o maior índice relativo de doutores no país. Não por acaso, o campus pesquisado possui um corpo de servidores altamente qualificado, na época com quarenta professores doutores e trinta e sete mestres, um dos maiores índices nos IFs (Plataforma Nilo Peçanha, 2019). Essa configuração, somada ao histórico de cursos do campus, predominantemente superiores, corrobora o que Moraes (2016) denomina de “vontade de universidade” nos IFs que, em linhas gerais, representa o direcionamento de oferta para cursos superiores e a tentativa de implantação de um modelo de pesquisa semelhante ao universitário. O modelo IF, apesar de ser uma autarquia federal como a universidade, deve priorizar a educação básica, e se distingue desta pela verticalização entre diferentes níveis e modalidades de ensino, bem como pelas dinamizações do Arranjo Produtivo Local (Loureiro, 2020).

A partir da Portaria n.º 1.008, de 29 de outubro de 2007 (MEC, 2007), foi autorizado o funcionamento do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) São Carlos, iniciativa do prefeito Newton Lima, do PT, com vistas a atender demandas do polo aeronáutico no nível tecnológico. O curso que inaugurou o CEFET São Carlos, no entanto, foi o de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, o que acreditamos que tenha ocorrido por burocracias de órgãos, como a Agência Nacional de Aviação Civil. A partir da promulgação da lei 11.892 (Brasil, 2008), com cerca de um semestre de existência, o CEFET São Carlos tornou-se um campus do IFSP. A Figura 1apresenta o histórico de cursos do IFSP São Carlos.

Fonte: Loureiro (2020, p. 231).

Figura 1 Histórico de cursos no IFSP São Carlos 

O campus teve uma trajetória influenciada pelos interesses de desenvolvimento tecnológico, pesquisa acadêmica e ensino superior, conforme relatos dos entrevistados, apresentados na seção IFSP São Carlos: vontade de universidade ou à vontade da universidade? Contudo destacamos alguns incidentes críticos que reconfiguraram a sua trajetória inicial.

Desde a sua criação, enquanto CEFET, o campus São Carlos foi planejado para comportar dois eixos tecnológicos: a Indústria e a Informática. Campus este concebido a partir de uma forte presença política municipal e da UFSCar, conforme indicam matérias jornalísticas (Loureiro, 2020) e documentos institucionais, como o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) (IFSP, 2017) e o Projeto Político Pedagógico (PPP) (IFSP, 2015). Em uma linha temporal, esta seria a “primeira identidade” do IFSP São Carlos, com vocação tecnológica aliada aos interesses de pesquisa e de ensino superior fomentados por uma proximidade física, política e simbólica com a UFSCar e o Poder Público Municipal.

Nesse ínterim, a partir dos perfis de alguns docentes no campus, somado ao contexto político organizacional e a acirradas disputas, tanto na Reitoria da UFSCar e na Prefeitura, como internas, e com uma nova direção do campus (gestão 2013-2016), nasceu o terceiro eixo tecnológico, a Gestão, que até o momento atual concentra o menor número de docentes. A partir de então, o campus São Carlos foi reorganizado em três eixos, com destaque para cursos tecnológicos, isso tudo ainda no período do seu funcionamento no interior da UFSCar, e não em sede própria. O viés voltado ao ensino superior permaneceu.

Neste contexto, disputas foram travadas para a obtenção de vagas docentes que, de acordo com esse estudo, revelaram-se contornadas por uma hierarquia interna. O IFSP São Carlos, até o momento de consolidação do eixo da Gestão junto aos dois eixos anteriores, foi planejado e modelado para atender às perspectivas político- pedagógicas destes eixos, e portanto, com um quantitativo (e qualitativo) docente que compreendemos que inviabilizaria a atuação com alguns níveis e/ou modalidades de ensino, como por exemplo a licenciatura, a formação de professores e o EMI. Com o nascimento do eixo, foram efetivados, em 2013, o Curso Superior em Tecnologia em Processos Gerenciais, e em 2015, o Curso Técnico de Qualidade. Aqui, consideramos a primeira transição estrutural do campus, ou em outras palavras, um incidente crítico do histórico do IFSP São Carlos.

Compreendemos que essas características organizacionais de implantação e desenvolvimento, permeadas por questões políticas (internas e externas), podem desviá-lo de suas premissas e configurar paradoxos de sua identidade híbrida e relativamente sui generis. Ou ainda, que não seria razoável, e em certa medida conflitivo, pensar uma instituição de educação profissional com certa ênfase no ensino superior, em município e região internacionalmente reconhecidos neste segmento, por meio de suas renomadas universidades estaduais e federal.

Apesar de existirem as normativas da Rede, apenas a partir de 2016 houve a orientação expressa de atendimento aos balizadores de cursos, fato que dava aos campi a possibilidade de legislarem em causa própria, por intermédio da intencionalidade de seus servidores. Com a determinação top-down da RFEPT, e por conseguinte da reitoria do IFSP (Loureiro, 2020), o campus São Carlos teve que se readequar, desconsiderando a vontade e as expectativas de parte expressiva de seu corpo docente, conforme inferimos das entrevistas. Nesse contexto, é efetivado, em 2016, o chamado Núcleo Comum (NC) e seu contingente docente.

Esse período representa a demarcação de um choque cultural e identitário no campusonde, de um lado, existem os professores veteranos das áreas técnicas/ tecnológicas que, em maior parte, defendem que o IFSP São Carlos possui uma estrutura modelada para atender, prioritária ou adequadamente, à educação tecnológica, e de outro lado, o expressivo contingente docente das chamadas áreas propedêuticas que demonstraram acreditar que a instituição deve atender tanto o ensino tecnológico, como o ensino técnico, especialmente na modalidade integrada, mais próxima, portanto, das diretrizes conceptivas da Rede.

O ingresso do grupo de professores do NC foi complexo, vieram a contragosto para uma instituição que prezava por seu perfil tecnológico, coexistente às expectativas acadêmicas e de pesquisa de parte de seus docentes, cuja UFSCar era referência significativa. Com a coesão e o fortalecimento deste grupo, doravante o protagonismo em instâncias deliberativas, foi criado um curso de especialização voltado à formação de professores, constituído integralmente por docentes do NC, que “supre” a lacuna de licenciaturas (Loureiro, 2020), calcanhar de Aquiles no campus. Observamos um choque cultural, sobretudo a partir do protagonismo de docentes das humanidades, o que tem ressignificado valores e posturas amalgamados e metamorfoseado a identidade do IFSP São Carlos. Alguns professores veteranos relataram mudar a visão da instituição e até mesmo a forma de lidar com alunos, com base nas experiências compartilhadas com este grupo docente (Loureiro, 2020).

A transição de identidade foi fortalecida com a posterior mudança do campus para sua sede própria, em área pertencente à UFSCar, mas desta relativamente desmembrada, em novembro de 2016. Assim, servidores, veteranos e novatos, e alunos passaram a conviver em um novo espaço e com uma nova configuração que vem a atender ao balizador do EMI e que muda, substancialmente, a estrutura e a identidade do campus, o que o torna, a partir de então, com uma identidade mais próxima daquilo que as diretrizes propõem, especialmente depois do recém- implementado curso de formação de professores na modalidade especialização. Constatamos o que denominamos de “segunda identidade” em construção, oportunizada por outros dois incidentes críticos, quase concomitantes e coincidentes: a mudança para o novo prédio e a efetivação do EMI.

O histórico e a caracterização do campus nos levam a questionar sobre sua condição, influências de seu elo político-partidário original e desdobramentos subsequentes, especialmente a partir das impressões de seus servidores, com distintas biografias e vivências na instituição. Deste modo, foi realizado um estudo de caso (Yin, 2015) no IFSP São Carlos em que recorremos a reportagens sobre a instituição e sua intrínseca correlação político-partidária com a gestão do município na época de sua implementação, a documentos do Ministério da Educação e Cultura, dados objetivos institucionais, como PDI (IFSP, 2017) e PPP (IFSP, 2015), que cruzamos com questionários e entrevistas realizados com servidores da instituição. A seguir, será apresentado o método da pesquisa.

Método

Para a obtenção dos dados, foi aplicado um questionário a todo o corpo docente do IFSP São Carlos, composto por noventa e cinco professores, entre efetivos e substitutos. Tivemos trinta e três respondentes e realizamos doze entrevistas semiestruturadas, sendo dez com professores e duas com servidores técnico-administrativos (TAEs). Entre os professores, buscamos contemplar todos os eixos tecnológicos do campus. O Quadro 1apresenta o perfil dos profissionais entrevistados.

Fonte: os autores.

Quadro 1 Breve apresentação dos servidores entrevistados 

Optamos por um maior número de professores do NC devido às suas experiências pregressas no IFSP, pretéritas ao atual campus de atuação. Esta perspectiva possibilitou um olhar aprimorado desses sujeitos sobre a instituição e maior acurácia no que a diferencia de outros campi. Quanto aos aspectos éticos, submetemos o projeto de pesquisa para a apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da UFSCar, aprovado sob o parecer número 2.251.111 em 31 de agosto de 2017, Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) n.º 72789317.1.0000.5504. Garantiu-se o cuidado com o sigilo dos participantes e foram adotados códigos para identificá-los: utilizamos P1, para o Professor 1; T1 para o Técnico-Administrativo 1; e assim sucessivamente.

Utilizamos um questionário com 33 questões fechadas no intuito de apreender o perfil dos professores e os indicadores que apontassem, neste recorte, suas percepções acerca da identidade do IFSP em que atuam. Neste sentido, questões que abarcaram o perfil do professor do IFSP São Carlos e sua atuação profissional (tipo de formação profissional/propedêutica), eixo tecnológico que está vinculado, distribuição da carga horária e suas impressões acerca de questões institucionais (como a efetividade do modelo IF na prática, estrutura, missão, entre outros), assim como elementos constituintes da organização do trabalho e seus possíveis desdobramentos nas vivências desses sujeitos.

Ainda para a construção dos dados a partir de entrevistas, optamos pelo modelo semiestruturado. Foi elaborado um roteiro com o tema geral trabalho, subjetividade e identidade, e subtemas, como as percepções sobre o modelo IF, os aspectos organizacionais e a correlação UFSCar-IFSP. As análises das entrevistas foram feitas à luz da análise de conteúdo (Bardin, 2016). Para o tratamento e a análise dos dados, seguimos as principais etapas organizativas da análise do conteúdo (leitura flutuante; sistematização e categorização/recategorização; inferência; interpretação). Amparados no que foi exposto nesta seção, apresentamos a seguir a discussão dos resultados encontrados.

IFSP São Carlos: vontade de universidade ou à vontade da universidade?

Nosso estudo indica que não há outros campi no âmbito dos IFs cuja instalação esteja no interior de universidades, exceto o recente caso em Sorocaba, com outro campus da mesma universidade. As parcerias, propostas nos documentos oficiais, comumente são pactuadas com os municípios onde estas instituições estão localizadas. Tal contexto ensejou dinâmicas que se revelaram influentes na identidade do campus. Confirmamos que existem aspectos positivos da relação IFSP-Universidade, como por exemplo a utilização de espaços na universidade pelos profissionais e alunos do IFSP, cuja estrutura jamais comportaria a dimensão de uma universidade pública. Possíveis parcerias interinstitucionais entre grupos de pesquisas também podem ser muito proveitosas para ambas as instituições. Ainda a possibilidade da convergência, senão otimização orçamentária entre duas instituições federais, foi mencionada por P4, P5, P6 e P7.

Neste sentido, a utilização do restaurante universitário e de laboratórios da universidade pelos servidores e alunos do IFSP. No entanto, a predominância nos discursos dos entrevistados esboçou um contexto adversante desta relação. Destacamos três aspectos recorrentes entre a maior parte dos entrevistados da relação IFSP-UFSCar: a fragilidade da parceria político-partidária, ocasionada pelas mudanças de gestão da universidade e do município e seus desdobramentos; o prejuízo para a identidade da instituição, especialmente pela imiscuição dos objetivos e interesses das duas instituições e como reverberam em servidores e alunos; e o atendimento tardio e prejudicado aos balizadores normativos. São Carlos atendia apenas a 32,1% nos indicadores de cursos técnicos por campus, um dos mais baixos do Estado (Plataforma Nilo Peçanha, 2019). Doravante, recorremos a alguns relatos emblemáticos dos entrevistados que sustentam nossas análises.

P2 apontou críticas à localização do campus do IFSP no interior da UFSCar, pois diferentemente dos outros campi do IFSP, o campus de São Carlos não estabeleceu uma parceria com a prefeitura do município, mas com a universidade, a partir da convergência político-partidária entre as instituições.

O campus daqui tem essa natureza muito intrínseca com a UFSCar e isso já foi diferente de todas as outras instituições. Ao invés de fazer uma parceria com a cidade, há uma parceria com o campus da UFSCar, onde Newton Lima (ex-reitor) era prefeito e Barba era reitor. Então, cedeu um pedaço do campus. Na minha opinião, isso já não começou bem porque não começou igual aos outros e propiciou tipos de fala “mas foi prometido que o campus São Carlos seria diferente”. (P2)

O município contou com dois prefeitos que foram reitores da UFSCar. As parcerias foram fragilizadas a partir de 2013, com a eleição de Paulo Altomani para a prefeitura, filiado ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e posteriormente, com a eleição e reeleição de Airton Garcia, pelo Partido Social Liberal (PSL). De acordo com relatos, a maior fragilização, contudo, se deu quando Wanda Hoffmann[3] assumiu a reitoria da Universidade em 2016.

Segundo relato do entrevistado, houve uma promessa do IFSP São Carlos de ser mais afinado ao perfil de universidade, ensejado pelas condutas personalistas da gestão inicial do campus e liderança de Lima (PT), o que prejudicaria enxergar-se como instituição.

Um dos efeitos mais emblemáticos dessa relação de dependência com a UFSCar é a atual localização do campus, que está em área cedida pela universidade, apontado pela maioria dos entrevistados como um aspecto deletério para a instituição, tanto por reforçar sua dependência, como por seu distanciamento dos fluxos urbanos e demais escolas, equipamentos públicos e instituições do município. As mudanças de gestão, inerentes às recomposições, senão fragilidades de parcerias políticas internas e externas, de acordo com as percepções dos entrevistados, envolvem aspectos como reconfigurações da utilização de espaços e de recursos e cisão política. No caso do acesso precário, há um entendimento que indica a falta de apoio do Poder Público Municipal. Com a mudança de reitoria universitária, algumas contas que eram custeadas por esta tiveram que ser assumidas pelo IFSP, bem como a descontinuidade na utilização da biblioteca, de laboratórios e até do convênio com o restaurante, aspectos que afetam a dinâmica institucional e os sujeitos que a compõem (Loureiro, 2020), conforme indicam os relatos seguintes.

Esse acordo foi controverso, porque o que parecia ser uma situação ideal, acabou se tornando uma situação assim terrível pra gente! […] Nossa quadra não é coberta e não temos refeitório. Muitos alunos almoçam sentados no chão no prédio, isso é uma cena que me incomoda demais […]. Nós não temos um anfiteatro. (P8)

Aquela ideia de se instalar uma unidade federal no interior de outra era a de poder compartilhar recursos públicos. Essa ideia não se manteve por conta da mudança de gestão da universidade. Não podemos mais contar com a ideia de compartilhar equipamentos que nós não temos. Nós não temos um auditório, então por que que não foi previsto construir um auditório no campus? Porque a universidade tem vários, então não fazia sentido na época de planejamento do campus investir um recurso público na construção de um auditório se a universidade tem vários e poderia ser feito o compartilhamento desses espaços. E hoje em dia não ter um auditório, isso faz muita falta. (P7)

Segundo o relato de T1, a ausência de um anfiteatro no IFSP São Carlos leva os alunos a realizarem a sessão solene de colação de grau na UFSCar. Para o servidor, essa mescla institucional é emblemática do ponto de vista identitário.

O golpe de 2016 representou o declínio do petismo, berço do modelo conceptivo dos IFs, e a assunção de uma agenda conservadora e privatista. Isso culminou na fragilização dos IFs, sobretudo pela restrição orçamentária e pelo contingenciamento de recursos. Esse contexto ainda coincidiu com a mudança de reitoria da universidade, esta não vinculada ao PT como seus últimos antecessores, que foi apontada como principal aspecto da mudança na tônica da relação IFSP- UFSCar.

Além disso dificultar a identidade do IF, o fato de estar dentro da UFSCar, foi uma parceria política que na ocasião o reitor da UFSCar era membro do PT e esta parceria foi feita num acordo, e este acordo, por incrível que pareça, tinha prazo de validade. E essa validade venceu e ele não foi renovado. (P8)

Sobre o aspecto do “orçamento comum” (federal), concordamos com os relatos de P4, P5, P6 e de P7 (Loureiro, 2020) acerca da utilização da infraestrutura já instalada na UFSCar por profissionais e alunos do IFSP, justificado, inclusive, em documentos institucionais do IFSP (2015; 2017).

O funcionamento do IFSP São Carlos “tem se dado por meio de uma parceria para a utilização racional de recursos materiais da Universidade Federal de São Carlos, da Prefeitura de São Carlos e o CEFET” (IFSP, 2015, p. 32).

No entanto não podemos perder de vista que são instituições distintas e que se trata de uma exceção, quando consideramos a realidade nacional dos IFs e a questão orçamentária para a educação pública, tão fragilizada. Acreditamos que para melhor discutir essa “parceria”, suas possibilidades e limites, seria necessário acessar documentos e depoimentos dos protagonistas envolvidos à época. Consideramos esta questão, portanto, como uma limitação do nosso estudo. O que pudemos comprovar neste meandro foi a mudança da relação entre IFSP- Universidade com a mudança de reitoria da UFSCar, o que culminou em muitos desacordos, conflitos e constrangimentos. Entre os relatos, destacamos o ressentimento dos servidores face à indisposição da nova reitoria da universidade em cumprir os acordos pactuados, tendo em vista que o IFSP foi privado de alguns espaços (Loureiro, 2020).

Ao mencionar a cultura organizacional das universidades, as entrevistadas P1 e P4 reforçam nossa premissa de que o IFSP São Carlos é um campus notadamente com cultura universitária. Na perspectiva das professoras, o maior impacto dessa parceria seria no aspecto da identidade da instituição, já que, não raro, tanto profissionais como alunos do IFSP eram confundidos com os da UFSCar. “Nossos alunos falavam que estudavam na UFSCar” (P4).

A nossa presença na UFSCar era algo muito confuso para a nossa identidade enquanto IF. Tinham alunos do IF que usavam uniforme da UFSCar. Eles achavam que eram alunos da UFSCar! Eu procurava conversar com os alunos sobre isso, mas havia uma relutância de poucos professores em quebrar isso. Para mim era muito estranho. (P1)

Ainda sobre a identidade dos IFs de um modo geral, já sabemos tratar-se de um elemento complexo, tema recorrente em eventos acadêmico-científicos entre seus atores. No caso de São Carlos, esta complexidade se amplifica e ganha contornos particulares, já que o IFSP possui um cordão umbilical com a “progenitora” UFSCar, o que gera relações de dependência, senão de subserviência, seja para a utilização de salas de aula, auditório para eventos, restaurante universitário, seja pela relativa invisibilidade do campus. Essas relações constituem motivo de “estranhamento” para T1 e de “incômodo” para P1.

Eu sentia assim, que éramos um incômodo para a UFSCar, pois queríamos expandir algumas coisas e não tinha sala, era uma disputa por espaço. (P1)

O IFSP foi um pouco tirado da UFSCar. Para a UFSCar, a gente estava lá atrapalhando, nesses termos, atrapalhando! Então, eu sinto, por mais que a gente esteja em uma área da UFSCar, a gente foi expulso de lá de dentro! (T1)

Vale ressaltar que P3 sugeriu que colhêssemos depoimentos de servidores que já tivessem atuado em mais de um campus dos IFs. Essa comparação, a partir de experiências noutros locais onde inexiste o vínculo com a universidade, poderia ampliar a compreensão sobre nosso objeto de estudo, além de reforçar nosso argumento da influência da UFSCar sobre a identidade e a dinâmica organizacional do IFSP São Carlos. P1, P2, P7 e P8 são professores que já atuaram em mais de um campus. Enquanto para P1 ocorrem incômodo e certo estranhamento, P2 identifica um possível argumento desta “diferenciação” do campus São Carlos, tendo em vista que lhe foi “prometido que seria diferente”, comprometido com cursos superiores e pesquisa nos moldes do modelo universitário. P7 e P8 também apontaram influências dessa parceria para o IFSP São Carlos, onde destacamos o relato de P8 sobre a (con)fusão, não casual, em trabalhar na “Federal”. Essas são as narrativas predominantes nos discursos, o que nos leva a entender o distanciamento do IFSP São Carlos da perspectiva de uma atuação em Rede, tão cara à RFEPT.

Quando alguém pergunta para um aluno, onde você estuda? Ai, eu estudo na UFSCar! Pois existe o status de estudar em uma instituição que já tem 50 anos na cidade, reconhecida internacionalmente. Os professores também gostam desse status, de dar aula na UFSCar. Era muito comum ouvir isso no discurso, aí onde você trabalha? Ah, na UFSCar, num instituto que é dentro da UFSCar. A referência faz com que estas identidades se mesclem. E toda a questão do status da instituição, de isso tudo se misturar propositalmente, por parte dos servidores e de alunos, num fortalecimento deste discurso. (P8)

Ainda sobre a possibilidade de o campus ser fora da área cedida pela UFSCar, o relato de T1 revela um aspecto muito interessante: a possível estratégia da universidade para facilitar a sua expansão.

A principal interessada em tirar o IFSP da UFSCar era a própria UFSCar! A UFSCar começou a construção de um Centro de Convenções, cuja obra está parada, e um Biotério. Então, olha só, a estratégia da UFSCar: vamos jogar o IFSP lá no meio do mato, eles que briguem com a Prefeitura pra conseguir acesso e aí, a partir disso a gente pode expandir a UFSCar pra lá. Eu vejo a nossa saída e vinda pra esse local como nada aleatória. Acho que foi estratégico para a UFSCar pensando na expansão, já que isso não é tão simples, não pode abrir qualquer coisa em qualquer lugar. (T1)

Outro aspecto que emergiu em nossa pesquisa foi a atual localização do campus, desde 2016, em uma área do cerrado no final da UFSCar. É um local afastado do fluxo urbano da cidade e de difícil acesso, fato reiterado por todos os servidores entrevistados. A entrevistada P5 disse o seguinte: “Olha onde nós estamos, você já viu o transporte público pra chegar aqui? Só aí já fecha a discussão. Aqui não é o melhor lugar para um campus. Essas coisas são políticas”. Para P4, a atual localização do IFSP é de difícil acesso e especialmente perigoso por ofertar cursos noturnos e ter que lidar com grupos mais vulneráveis, como mulheres e adolescentes. Destacamos a realidade de T2, uma mulher que, assim como P4, não possui veículo próprio, depende do transporte público e/ou privado. O ônibus do IFSP/UFSCar possui a mesma linha urbana, faz a primeira parada na UFSCar, para depois contornar a universidade e seguir para o IFSP. O acesso interno é impossibilitado por conta da área do cerrado. Não raro, T2 não consegue pegar o ônibus para o IFSP/UFSCar em seu horário matutino, tendo em vista que está sempre lotado com o público da Universidade.

Eu trabalho até a noite. Volto de bicicleta pelo cerrado no escuro. Além dos animais como cobra, aranha, onça, eu tenho muito medo de pessoas que possam estar ali. Antes, eu trabalhava até o último horário, então eu vinha de ônibus, apenas eu e o motorista do ônibus na calada da noite, um homem, e eu me sentia muito insegura, imagine, passar por todo esse espaço vazio até chegar em algum lugar, eu vinha morrendo de medo todas as vezes, mesmo estando no ônibus. […] Mesmo que seja de dia, no meio do cerrado não tem ninguém, se tiver alguém, você pode gritar, fazer o que você quiser que ninguém vai te ouvir. É uma situação estressante. (T2)

Trata-se de um caso grave de recorrentes exposições de uma trabalhadora a riscos de diferentes naturezas, dada a localização do campus em área isolada, com acesso precário e dificultado pela indisponibilidade do transporte público ao IFSP. Colhemos relatos de apenas alguns casos a este respeito. A relevância da questão, certamente, abre possibilidades para outras investigações com maiores amplitudes a todos os usuários da instituição.

Conforme discorremos durante esse estudo, apontamos para a influência que a UFSCar exerce sobre o IFSP São Carlos. Tal influência alcança dimensões como a adesão sindical do professorado a uma entidade historicamente representativa dos docentes da UFSCar, e o próprio transporte público, que por conta do “trajeto comum” pode inviabilizar o acesso para alunos, servidores e comunidade que busquem o IFSP (Loureiro, 2020). Assim, até no trajeto/transporte, o IFSP funde-se à UFSCar.

O acesso dificultoso e precário do campus, na compreensão de P6, mantém relação com a falta de apoio do Poder Público Municipal. Para o professor, a falta de iluminação no acesso já acarretou quedas de motos e até capotamento de um carro.

É muito problemático o acesso, quando chove alaga. O aluno que precisa ter acesso a pé ou de bicicleta ele corre riscos, porque tem curvas ali. Não tem uma calçada, não tem acostamento. Mesmo com iluminação, é escuro. Estamos escondidos dentro da UFSCar. Estamos escondidos na cidade. (P8)

Quando questionados acerca da existência de outro campusdo IFSP instalado nas dependências de outro campus da UFSCar, a maior parte dos entrevistados mostrou-se surpresa. Entre estes, o relato de P2, que demonstrou a existência de alianças políticas ainda mais extensas entre os atores das duas instituições.

Não, eu não sabia. Então, aí você vê que tem uma coisa assim, estranha. O Newton Lima (ex-reitor, ex-prefeito e ex-deputado federal) é assessor do Modena, o reitor atual do IFSP, então, com certeza eles têm um laço. (P2)

Para T2, a ausência de parceria do IFSP São Carlos com o município é a razão de algumas dessas fragilidades e dificuldades neste contexto, o que vai ao encontro das visões de P2 e P5, já apontadas nessa seção.

O aspecto, porém, que consideramos essencial a destacar é a oferta (ou o constrangimento) de cursos no IFSP São Carlos. Conforme consta em lei, os institutos possuem um balizador, o 50/20/30, respectivamente, em: cursos técnicos; licenciaturas e formação de professores; e, tecnologias, bacharelados e cursos de pós-graduação. Trouxemos os relatos de alguns entrevistados para tentar clarificar esta questão. Para P5, por exemplo, “a formação do campus não permite pensar em licenciatura”. Tal argumento revela o quanto o IFSP São Carlos, desde a sua criação, se amolda à vontade da universidade, tal qual é incitado no desejo e na vontade docente, ao mesmo tempo em que o desvia de sua natureza conceptiva.

Com a maior parte das licenciaturas que estão sendo oferecidas na UFSCar, seria inviável oferecermos. Ofertar licenciatura em matemática, concorre com a UFSCar. Uma licenciatura em línguas, concorre com a UFSCar, então, não tem muitas opções. E se você for pra algo muito diferente, mesmo tendo aqui história, ciências, você tem que ter um núcleo estruturado pra esse tipo de licenciatura que compete com os setenta docentes que estão distribuídos em três áreas. (P5)

Os relatos de P4 convergem com a visão apontada por P5, de que a questão colocada é o Termo de Parceria que impede a concorrência com os cursos ofertados pela universidade, assim como pela questão estrutural, cujo número máximo de professores limita que se possa ofertar cursos que não estejam ligados aos três eixos em questão.

Na hora de você construir o corpo docente, existe uma limitação. O máximo que cada campus pode ter são setenta. E essa discussão é feita, baseada nos eixos tecnológicos, onde se faz uma consulta pública e atenda o Arranjo Produtivo Local. Nós não temos licenciaturas, porque quando nós fomos fundados, isso se deu no interior da UFSCar e foi feito um Termo de Parceria entre a UFSCar e o IF. E uma das condições era a de que os cursos ofertados pelo IF não poderiam ser os mesmos ofertados pela UFSCar. Isso nos limita muito. (P4)

O depoimento de P4 levanta outro aspecto relacionado a esta determinação do balizador, a criação da Especialização de Educação em Ciência, Tecnologia e Sociedade, ofertada recentemente pelo IFSP São Carlos, como forma de “suprir essa lacuna” da ausência de licenciaturas no campus. O relato de P6 e P7 também apontam o curso de especialização, contudo, a partir de perspectivas distintas. Tanto para P6 como para P4, a oferta dessa especialização foi ensejada pela limitação que a parceria com a universidade coloca. Para P4, para “suprir a lacuna” da licenciatura. Já para P6, a ausência de licenciaturas se dá pela questão da oferta/demanda, materializada na utilização racional dos recursos.

Então, hoje não atendemos esse balizador de 20% por conta dessa questão de construção pelos profissionais do campus. Já tivemos até problemas internos com outros campi, pois é questionado. Por que São Carlos não atende a Licenciatura? E nossa dificuldade, dado o Termo de Parceria, nos limita. Não podemos, por exemplo, ofertar uma licenciatura em matemática. Poderíamos, mas gera concorrência com a UFSCar. Para tentar “suprir” essa lacuna, em troca, a gente criou uma Especialização de Educação em Ciência, Tecnologia e Sociedade, recente, que vai trabalhar com Formação de Professores. (P4)

Ou ainda como P2 compreende essa relação (limitante) entre as instituições:

[…] talvez tenha sido feito algum acordo, a gente engole o EMI, mas não ofertaremos licenciatura, não sei, ou vai ter a graduação que a gente quer, enfim, eu não sei nada porque eu não participei dessa discussão, na época. (P2)

Assim informalmente, a conversa inicial de ter o IF dentro da UFSCar foi que o IF não criasse cursos que fossem concorrentes, até por uma questão lógica. Seria muita irresponsabilidade criar um curso de licenciatura em educação, se temos um curso de licenciatura em educação aqui. Se temos pedagogia. Então, esse foi um acordo inicial, não sei se foi formalizado ou não, mas se fala muito. Hoje nós temos uma especialização que é justamente para a formação de professor. (P6)

Ainda para P7, não se trata de ofertar ou não a licenciatura pela concorrência, mas:

A legislação não diz especificamente que deve ser licenciatura, mas que deve ser formação de professores, e aí a gente na verdade contribuiria para ter uma rede pública de oferta de formação de professores em diversos níveis. (P7)

Pela quantidade de professores formados aqui havia uma demanda grande em pós-graduação em um nível intermediário entre a graduação e o mestrado e de fato a gente conseguiu atender. […] entendemos que estamos contribuindo para formar e qualificar de forma bastante positiva profissionais no campo da educação, muito mais do que se estivéssemos ofertando uma licenciatura. E tem outra questão, não temos uma força de trabalho suficiente para abrir uma licenciatura. […] o corpo docente que a gente tem do NC está ocupado com o EM e outros cursos, Física, Matemática e Letras trabalham em outros cursos além do EM e os demais professores ou estão com sua carga horária bastante tomada pelos cursos de EM ou o que sobra de carga horária não é suficiente para ofertar um curso de licenciatura. (P7)

Ao consultar a Plataforma Nilo Peçanha a partir do ano base de 2018, constatamos que, no IFSP, vinte e oito campi ofertam licenciatura, totalizando cinquenta e cinco cursos. Ao considerar seus trinta e sete campi, verificamos que nove não ofertavam cursos de licenciatura, o que representa um percentual de 24,32% (Plataforma Nilo Peçanha, 2019). Como podemos verificar nas percepções dos professores, a não oferta de licenciaturas no campus está associada a aspectos que perpassam desde a utilização racional dos recursos, o cumprimento da lei/ balizadores ao ofertar um curso de formação de professores, ainda que na pós-graduação, e o cumprimento do Termo de Parceria pactuado com a UFSCar, presente no PDI do IFSP, publicado em 2017.

[…] o campus São Carlos, em decorrência de seus eixos tecnológicos de atuação, sua proximidade com a Universidade Federal de São Carlos, bem como seu quantitativo de força de trabalho docente, não irá ofertar neste momento, curso de licenciatura. (IFSP, 2017, pp. 88-89)

Esse contexto deriva um incidente crítico na instituição que, assim como nas demais unidades, teve que acatar, “a fórceps”, a determinação da Rede em ofertar o EMI que, a reboque, trouxe, em 2016, um expressivo contingente docente de áreas propedêuticas, fato que tem afetado a identidade do campus, já comprometida por sua relação intrínseca com a UFSCar e histórico de seus reitores com o Partido dos Trabalhadores, metamorfoseando-a e aproximando-a do que a Rede preconiza, a despeito do choque cultural na instituição (Loureiro, 2020) e sob a existência de expectativas contraditórias e conflitantes de docentes de distintas áreas e eixos de atuação neste IFSP.

À guisa da conclusão

Apontamos nesse estudo algumas características e especificidades do IFSP São Carlos e de sua relação com a UFSCar. Por meio da percepção dos servidores do campus, compreendemos que o IFSP São Carlos tem apresentado algumas rupturas e continuidades identitárias, desde a sua implantação, em 2008. E a relação intrínseca com a UFSCar tem sido influente e constitutiva nessas identidades, seja pela dependência espacial/física, seja pela oferta/não oferta de um ou outro nível e/ou modalidade de educação, ou ainda por sua “desvinculação” e atual configuração em seu “prédio próprio”, em área cedida pela universidade. Trata-se, portanto, de um contexto permeado por contradições e idiossincrasias que os sujeitos do IFSP compreendem a partir de diferentes percepções, o que limita, senão confunde, ainda mais, a identidade da instituição. Existe uma relação de vinculação e de dependência que, mesmo com a separação física dos espaços prediais, a influência da universidade no campus se faz presente, ainda que em menor grau. Entre sentimentos, como a confusão, o estranhamento e o incômodo, alguns sujeitos conseguiram melhor perlaborar algumas situações e conflitos, outros nem tanto, o que reverbera na subjetividade dos sujeitos e dificulta a consolidação de uma identidade institucional melhor definida e compartilhada por seus membros, e o mais preocupante, vulnerabilizar sua sobrevida frente a argumentos, como o apresentado pelo Banco Mundial, em 2017, que considerou elevado o custo para a formação de um aluno nestas instituições.

A partir do que foi apresentado, compreendemos que as percepções das relações entre UFSCar e IFSP oscilam entre os entrevistados, embora a maior parte considere sérias críticas acerca deste envolvimento. Alguns professores enalteceram a relação inicial, de apoio da universidade ao “nascimento” do IFSP em São Carlos. Outros atribuem o esgarçamento da relação a aspectos essencialmente políticos e personalistas, como a referenciada mudança da reitoria na universidade, aspectos que esboçam a natureza de um campus que nasceu amoldado para atender às dinâmicas de uma cultura universitária, ainda que codependente desta. A maior parte dos professores indicaram as dificuldades da localização do campus, com destaque para a precarização de seu acesso. Consideramos, ainda, a configuração de um campus vocacionado ao atendimento do ensino superior tecnológico que, tardiamente, e a fórceps, tem revisto sua atuação, principalmente no atendimento do EMI, mais próximo, portanto, do que preconiza a Rede.

A ampliação do acesso à educação ao povo brasileiro é, sem dúvidas, uma das marcas do lulopetismo. Uma ampliação, contudo, que tem se revelado precarizada, a exemplo do que ocorreu com as universidades no REUNI, com a dissonância entre o número de matrículas e de servidores. Conclui-se que o modelo IF, com pouco mais de uma década de vida, revela idiossincrasias e reveses em sua consolidação, o que reverbera em sua identidade e no cotidiano de seus trabalhadores, que não estão incólumes de disputas, constrangimentos e de uma vida laboral permeada por sofrimentos e insatisfações. Uma identidade institucional híbrida se expressa em identidades profissionais relativamente díspares e conflituosas, e vice-versa. Contexto este que confere um verdadeiro fermento para o reforço de argumentos políticos e ideológicos que ameaçam a sua missão original, e até mesmo sua sobrevida.

Referências

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[3]Em 2020, Wanda Hoffmann perdeu a disputa para reitoria da UFSCar e não foi reeleita. Atualmente, ocupa o cargo de Secretária Municipal de Educação na Gestão do Prefeito Airton Garcia, filiado ao PSL.

Recebido: 04 de Novembro de 2021; Aceito: 09 de Fevereiro de 2022

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autor 1, pesquisa bibliográfica e empírica, construção e análise de dados, redação, consolidação; autor 2, orientação da pesquisa e da análise de dados, redação do resumo.

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