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Linhas Críticas

versión impresa ISSN 1516-4896versión On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.28  Brasília ene./dic 2022  Epub 29-Mar-2022

https://doi.org/10.26512/lc28202240745 

Artigos

A pesquisa visual na Educação Ambiental: produção audiovisual como procedimento investigativo

Investigación visual en Educación Ambiental: la producción audiovisual como procedimiento de investigación

Visual research in Environmental Education: audiovisual production as an investigative procedure

1Mestre em Educação Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) (2019). Doutoranda em Educação Ambiental pela FURG.

2Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista (1998). Professor titular da Universidade Federal do Rio Grande.


Resumo

Como parte de um doutorado a ser concluído em 2023, compartilhamos alguns dos primeiros resultados: o estado de conhecimento sobre a prática de pesquisa no campo da Educação Ambiental (EA) referente aos trabalhos que utilizam, como procedimento de investigação, a produção audiovisual. A partir de um estudo que, inicialmente, foi aberto a outros campos do conhecimento, oportunizando o acesso a autores/as, teorias, métodos e temas de pesquisa, damos enfoque ao campo da EA. Concluímos que ele apresenta uma grande lacuna epistêmica sobre o assunto até o presente momento.

Palavras-chave Educação Ambiental; Linguagem e Educação; Estado do Conhecimento

Resumen

Como parte de un doctorado que se completará en 2023, compartimos algunos de sus primeros resultados: el estado del conocimiento sobre la práctica investigadora en el campo de la Educación Ambiental sobre trabajos que utilizan la producción audiovisual como procedimiento de investigación. Desde el estudio que, inicialmente, se abrió a otros campos, dando acceso a autores/as, teorías, métodos y temas de investigación, nos enfocamos en el campo de la Educación Ambiental concluyendo que tiene un gran vacío epistémico sobre el tema hasta ahora.

Palabras clave Educación Ambiental; Lengua y Educación; Estado del Conocimiento

Abstract

As part of a doctorade that will be completed in 2023, we share some of its first results: the state of knowledge about research practice in the field of Environmental Education on works tha use audiovisual production as a research procedure. From the study that initially opened up to other areas of knowledge, giving access to authors, theories, methods and research topics, we focused on the field of Environmental Education, concluding that it has a large epistemic gap on the subject so far.

Keywords Environmental Education; Language and Education; State of Knowledge

Introdução

O presente texto[3] tem o objetivo de apresentar uma atualização dos caminhos de uma tese ainda em curso a partir de uma de suas etapas: a construção do estado do conhecimento, fase que, segundo Romanowski (2002), pode aprofundar a compreensão sobre o recorte da pesquisa. A tese trata dos modos de pesquisa em Educação Ambiental (EA) envolvidos com a produção audiovisual e da qualidade do Cinema como método de produção de conhecimento para o campo, contribuindo para a validação de outras possibilidades de pesquisa científica que estão, de alguma maneira, mais aproximadas das demandas da contemporaneidade. Por outra via, intenciona utilizar o canal de comunicação do cinema, como potência de inserção em diferentes grupos sociais, para disseminar conhecimentos sobre a EA que impulsionem a sustentabilidade.

Dessa forma, apresentamos alguns dos primeiros dados coletados por este procedimento, os quais já apontam para resultados relevantes sobre o tema. Tal movimento auxiliou na observação extensa do universo da cultura audiovisual em teses e dissertações no Brasil – setor selecionado para o atual estado do conhecimento –; viabilizou a apreensão de um possível uso do cinema como metodologia de pesquisa no campo da Educação e da Educação Ambiental e, por outro lado, revelou uma grande lacuna no campo: o baixo número de literatura especializada, sistematizações e demais reflexões sobre a utilização desta ferramenta para a produção de conhecimento em EA relacionada à pesquisa científica.

A partir dos resultados parciais desta pesquisa, então, é que anunciamos a dificuldade de capturar movimentos metodológicos pelo insuficiente número de materiais que operam por meio de tal perspectiva. Concluímos, assim, que a produção audiovisual, como procedimento de investigação, necessita de maiores espaços para debate.

Pesquisa Visual

A pesquisa visual, como uma investigação a partir de métodos cientificamente validados pela comunidade acadêmica, já tem uma longa história nas Ciências Sociais. E tais registros e diálogos não giram somente em torno das pesquisas em si, mas também em relação às revisões desses pensamentos, organizações e outras contribuições que fazem com que a linha de pesquisa evolua.

O conhecido trabalho do cineasta/etnólogo Jean Rouch, por exemplo, iniciou-se em 1940, na França. Com mais de 100 filmes, alimentou o campo da Antropologia e, mais adiante, inspirou estudiosos/as a formular novos pensamentos sobre a sua prática específica. Em uma área na qual já se argumentava sobre possibilidades como “Antropologia Visual” e “Antropologia Fílmica”, as novas definições apontaram, ainda, para a ideia de uma “Antropologia Partilhada”, criando outros segmentos para o campo (Freire & Lourdou, 2009).

Já o trabalho dos pesquisadores Sol Worth e John Adair, realizado nos Estados Unidos e intitulado “Pelos olhos dos Navajos”, foi defendido em 1972 (Worth & Adair, 1997). Os pesquisadores estavam em busca de verificar a seguinte hipótese: “[…] a estrutura da linguagem que se fala condiciona a maneira como se vê e compreende o mundo em torno de si” (Banks, 2009, p. 16). Para isso, entregaram câmeras nas mãos de pessoas navajos que viviam em comunidades consideradas tradicionais e pediram para que gravassem cenas de seus cotidianos. O resultado da pesquisa, “[…] a linguagem é uma guia para a realidade social” (Banks, 2009, p. 16), foi considerado raso. Contudo, os métodos identificados e empregados para chegar a essa conclusão foram sublinhados como revolucionários e, 20 anos mais tarde, o projeto recebeu uma cuidadosa revisão por Dick Chalfen, conduzindo-o à ideia de que o debate merecia maior atenção (Banks, 2009).

Os dois trabalhos citados representam correntes já estabelecidas nas Ciências Sociais. Segundo Banks (2009), a mais antiga pode ser entendida como Pesquisa Visual a partir de um estudo sociológico de imagens, em que o/a pesquisador/a trabalha em torno da coleta e do estudo de imagens produzidas ou consumidas pelos/as sujeitos/as da pesquisa. Já a outra corrente é compreendida como Pesquisa Visual com o uso de imagens para estudar a sociedade, envolvendo a criação de imagens pelo/a próprio/a pesquisador/a social, independentemente dos/as sujeitos/as da pesquisa.

Há ainda, segundo o autor, uma terceira via de pensamento sobre o assunto, tratando-se da criação e do estudo de imagens colaborativas, a qual está mais conectada com a contemporaneidade. Não é um tema sobre o qual vamos aqui nos estender, no entanto, vale saber que os estudos sobre os tipos de pesquisa realizada por meio de imagens em movimento continuam evoluindo nas Ciências Sociais. Por outro lado, quando nos encaminhamos para outro setor, o das Ciências Humanas, tais descobertas parecem ser notadas de forma mais lenta.

Destacamos um trecho do livro de Rosália Duarte, pesquisadora da confluência entre o cinema e a educação, que, já no início do século XXI, constatava:

O reconhecimento da importância social do cinema ainda não se reflete, de forma significativa, nas pesquisas que desenvolvemos na área da educação. A discreta publicação de artigos sobre o tema em nossos periódicos sugere que os pesquisadores dessa área ainda dão pouca atenção aos filmes como objeto de estudo. (Duarte, 2002, p. 97)

Duarte não chega a comentar sobre a existência de possíveis correntes da pesquisa visual na Educação em seu livro, mas relembra pesquisas realizadas com o uso do cinema a partir da perspectiva da análise de filmes. Como exemplo, tem-se o trabalho defendido por Mary Dalton (1996), nos Estados Unidos, que tratou do perfil da imagem de professores/as e currículos a partir de produções audiovisuais que ela considerou como representantes de 60 anos da indústria hollywoodiana. Projetos acadêmicos produzidos a partir de outros pontos de vista metodológicos não são citados pela pensadora.

Na segunda década do século XXI, dados já apontavam em outra direção, demonstrando o avanço da utilização do cinema na educação, como exemplifica Costa em relação à sua coleta de dados sobre o tema:

As respostas são as mais variadas possíveis, gerando inúmeras perspectivas. O tema já foi abordado com base na criação de espaços para a aprendizagem, no qual o audiovisual foi inserido no centro como foco de análise. Já foram produzidos trabalhos teóricos no acompanhamento de exibições de filmes em diversos espaços e com propósitos variados, por exemplo, em presídios (Cavalcante, 2011), no ensino de Ciências (Candéo, 2013), na educação de jovens e adultos (Silva, 2010), no ensino de Línguas, espanhol (Stefani, 2010) e inglês (Ferraz, 2006). Outros autores preferiram fazer leituras teóricas analisando obras cinematográficas (Kitamura, 2011; Condorelli, 2011; Correia, 2015). Como também na análise da produção de filmes como espaço de aprendizagem (Dias, 2002; Costa, 2010; Godoy, 2013; Tomazi, 2015), incorporando na produção a base teórica marxista (Nascimento, 2014) e descrevendo a condição da produção audiovisual em uma universidade (Neto, 2000). Os festivais de cinema também são foco de observação e análise (Ferreira, 2013). (Costa, 2016, p. 30)

Assim, Costa (2016) mostra uma larga inserção da produção audiovisual na educação e não somente a partir de trabalhos teóricos de visualização de filmes, mas com propósitos e acercamentos diversificados. De maneira mais específica, acena também para a Educação Ambiental: “De modo genérico, percebe-se que a produção audiovisual e a EA carregam ontologias e ações políticas variadas, apresentando uma ação mediadora do olhar científico e técnico” (Costa, 2016, p. 235).

Com o olhar direcionado estritamente para o campo da EA e concordando com Costa (2016), autores/as como Victor Pulido Capurro e Edith Olivera Carhuaz (2018) explicam que esta é uma área complexa e que pode gerar controvérsia. Afinal, enquanto para uns/umas investigadores/as existe uma relação direta entre as atitudes e o comportamento diante das questões ambientais; para outros/as há de se considerar, ainda, fatores como contexto geográfico, cultural e geracional. Por esse motivo, “[…] es imprescindible dar a conocer propuestas metodológicas que brinden calidad em enseñanza de la educación ambiental em las aulas” (Capurro & Carhuaz, 2018, p. 336).

A análise sobre porquê o campo das Ciências Humanas, mais especificamente, a Educação, aparentemente faz menor uso da produção audiovisual como procedimento de pesquisa ainda está em curso pelo processo de doutoramento. As primeiras pistas apontam tanto para uma questão de tradição, que se reproduz sem problematizações, como também para uma inegável insegurança por parte da comunidade acadêmica. A pesquisadora Gonçalves, que desenvolveu seu trabalho utilizando alguns recursos audiovisuais, destaca a esse respeito: “Quando os processos tendem ao artístico, ao sedutor, à emoção, à intimidade, há desconfiança e descrédito por parte da comunidade científica” (Gonçalves, 2013, p. 138).

E por concordar com as palavras da autora em relação às mesmas sensações durante o cumprimento de rituais acadêmicos, é que criamos fôlego para trabalhar na criação de um corpo que reduza esta lacuna no campo da Educação, mais especificamente no campo da Educação Ambiental, em que apresentamos os primeiros passos de uma pesquisa: um estado do conhecimento sobre o uso do audiovisual na EA.

Estado do Conhecimento: dados parciais

A etapa da pesquisa que se refere à produção de um estado de conhecimento pode produzir um balanço e encaminhar um mapeamento importante tanto para a execução do trabalho atual do/a pesquisador/a, como para auxiliar futuras pesquisas que operem no mesmo universo. Nesse sentido, cria material “[…] que desvende e examine o conhecimento já elaborado, apontando os enfoques, os temas mais pesquisados e as lacunas existentes” (Romanowski & Ens, 2006, p. 38).

O presente estudo, de caráter descritivo e analítico por um processo qualitativo, seguiu procedimentos baseados no trabalho de Romanowski (2002), quando foram cumpridas determinadas sistematizações favoráveis à coleta de dados, utilizando, como primeiro banco de pesquisa, a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Assim, foram selecionados descritores que direcionaram a busca por materiais e, em seguida, foi realizado um levantamento das teses e dissertações encontradas. Nesse sentido, utilizamos as palavras: a) audiovisual; b) cinema+documentário; c) cultura audiovisual; d) pesquisa visual; e) educação audiovisual e e) alfabetização audiovisual.

O passo seguinte foi realizar uma leitura dos resumos e das palavras-chave que permitisse uma primeira triagem para, logo em seguida, partir para a segunda triagem, com leitura aprofundada do acervo produzido até então, composto por 840 trabalhos.

A partir de uma organização que considerou enfoques temáticos e perspectivas metodológicas, chegou-se ao delineamento de 50 materiais, entre teses e dissertações, publicadas de 2006 a 2020, de diferentes campos do conhecimento, de distintas universidades do Brasil.

Apresentamos, abaixo, um panorama geral dos resultados coletados por meio desse processo. Estes, em primeira instância, foram inseridos no relatório da qualificação de tese e também em trabalhos divulgados em eventos acadêmicos – dois movimentos que geraram debates bastante profícuos para a evolução do trabalho. Afinal, foi a partir de tais diálogos que pudemos promover uma atualização de nosso ponto de vista metodológico. Neste texto, não nos estendemos à discussão de tais mudanças e encaminhamos o discurso já a partir das novas formulações epistêmicas.

Vale lembrar que, inicialmente, mantivemos o processo aberto a outros campos disciplinares para, somente ao final, afunilá-lo à Educação Ambiental.

Análise de dados coletados

Os cinquenta trabalhos que passaram a compor o acervo da tese ajudaram no contorno de duas perspectivas metodológicas: a) a criação de imagens para estudar processos educativos e/ou um tema específico pelo/a próprio/a pesquisador/a; b) o estudo de imagens produzidas por sujeitos/as de pesquisa, ao mesmo tempo em que o/a pesquisador/a utiliza-se de recursos audiovisuais para compor o escopo metodológico da investigação ou participa ativamente das criações junto ao público-alvo, para além de oferecer direções.

Aproveitamos o ensejo para mencionar que, como uma das escolhas metodológicas durante a construção do estado do conhecimento, está a não inserção de trabalhos acadêmicos que utilizaram como perspectiva a análise de filmes, uma vez que a tese em questão tem o seu enfoque em modelos de criação de imagens para a construção de conhecimento em EA. Cabe informar, porém, que a análise de filmes, assim como nas Ciências Sociais (Banks, 2009), é o segmento com maior número de trabalhos nas Ciências Humanas, de modo que um recorte mais restrito é mais favorável às investigações.

Seguindo nesta organização, pudemos destacar as localizações disciplinares mais recorrentes: Educação, Artes Visuais, Informática na Educação, Comunicação, Geografia, Ensino de História e Educação em Ciências. Entre as temáticas gerais das teses e dissertações que puderam ser observadas, a grosso modo, estão: “acervos audiovisuais”, “videogames”, “educação à distância”, “análise de narrativas”, entre outros.

Já as linhas de pesquisa que emergiram dos próprios materiais, isto é, a partir da leitura de seções como “resumo”, “introdução” e “escopo teórico”, estão representadas no gráfico abaixo:

Fonte: os autores.

Gráfico 1 Linhas de pesquisa apresentadas pelos 50 trabalhos em acervo. 

Por outro ângulo, se fez necessário reconhecer, para traçar um caminho lógico que permitisse a compreensão dos métodos empregados e anunciados anteriormente, o escopo teórico das pesquisas no que se refere à linguagem audiovisual. O objetivo foi desvelar quais são os/as autores/as e publicações mais consultadas pelos/as estudiosos/as envolvidos/as com o tema.

Fonte: os autores.

Quadro 1 Autores/as e publicações mais consultadas pelos/as pesquisadores/as que compõem o acervo. 

O quadro acima apresenta as publicações mais vezes referenciadas entre os 50 trabalhos acadêmicos, entre teses e dissertações, por ordem e quantidade de menções. Como pode ser visto, os autores Bill Nichols (2005), Ismail Xavier (1983), Joan Ferrés (1996), Jacques Aumont (1993), Arlindo Machado (1997) e Sergei Eisenstein (1990) tiveram suas obras constantemente consultadas pelos/as pesquisadores/as que constam no acervo em questão.

Os dados acima apresentados estão, neste momento, sendo discutidos no relatório final de tese ainda não publicado à comunidade acadêmica e, por conta do formato atual deste texto, deixamos tal discussão para futuras oportunidades. Afinal, antecipadamente anunciamos que, aqui, daríamos vazão ao único trabalho de Educação Ambiental destacado durante a construção do acervo do estado do conhecimento.

Análise de dados em Educação Ambiental

Em um primeiro momento, vale lembrar que a Educação Ambiental tem duas dimensões importantes de atuação, que se interconectam e se influenciam: uma conexão com os pensamentos político e científico de maneira intrínseca. Para maiores reflexões sobre o tema, destaca-se sua história de lutas publicada a partir da década de 60 (Carson, 2010; Dias, 2013) e a leitura sobre o crescimento da produção acadêmica, principalmente brasileira e mexicana, com a defesa de inúmeras dissertações de mestrado e teses de doutorado no campo (Lorenzetti & Delizoicov, 2009).

Dessa forma, para fazer uma avaliação sobre as suas comunicações, é necessário observar as duas faces que se entrelaçam. E, por isso, pensar na pesquisa visual em publicações originadas na Educação Ambiental parece até mesmo um fato trivial. Isso porque, em uma rápida busca por endereços eletrônicos das principais ONGs que integraram a dimensão política da EA ao longo dos anos – como a World WideFund For Nature (WWF), nos Estados Unidos, e a Ecoar para a Cidadania, no Brasil – é possível conhecer inúmeros produtos visuais, com o objetivo de formação e conscientização, de diferentes correntes em EA.

Observando sua atuação política a partir de uma aliança acadêmica concreta, realizada por meio dos Ministérios da Educação (MEC) e do Meio Ambiente (MMA) em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) a partir dos anos 2000, destaca-se a concepção de um tema gerador, a Educomunicação Socioambiental: um encontro do paradigma da Educomunicação com a Educação Ambiental (Gattás, 2015), que revela um pleno interesse do campo pelo universo da comunicação.

Ainda assim, apesar da recorrência de recursos visuais para as operações do campo, durante a busca na primeira base de dados destacada para a atual fase de pesquisa, foi acusado somente um [4] trabalho em EA. Este utilizou a perspectiva metodológica “b”: o estudo de imagens produzidas por sujeitos/as de pesquisa, ao mesmo tempo em que fez uso de recursos audiovisuais para compor o escopo metodológico da investigação. O material, de autoria de Cláudio Tarouco de Azevedo (2013), foi defendido no Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande (PPGEA/FURG).

O trabalho de Azevedo, intitulado “Por uma educação biorrizomática: cartografando devires e clinamens através de processos de criação e poéticas audiovisuais”, possui, como temática geral, “processos de criação em EA”. Sua linha de pesquisa é a “Não Formal” e o problema gira em torno da ideia de “como transcender o uso do vídeo em educação para além do registro que lhe é intrínseco?” (Azevedo, 2013, p. 9).

Sua base teórica seguiu dois caminhos aproximados. O primeiro refere-se à Arte/Educação Ambiental: um encontro das artes com a EA que estimula pesquisadores/as a introduzir mais criatividade nas novas metodologias, abandonando os modelos tradicionais e buscando novas alternativas (Sato & Passos, 2009). O segundo relaciona-se à Educação Estético-Ambiental, que coloca a Arte como meio fundamental para o desenvolvimento de processos educativos, abordando a palavra “estética” como referente ao estudo e à conceituação das belezas (Estevez, 2003). Nesse sentido, os/as autores/as mais consultados/as são: Michèle Sato e Luiz Augusto Passos (2009), Luciana Netto Dolci e Suzana Inês Mollon (2015) e João Francisco Duarte Júnior (2004).

Ao seguir este movimento epistêmico – que comporta mais uma série de outros/as autores/as e conceitos e que não cabe aqui detalhar – o autor anuncia que seu trabalho se trata de uma pesquisa-intervenção, configurando um campo de análise por meio de cartografia de caráter interventivo a partir do dispositivo do audiovisual. Dessa maneira, propõe a análise de um filme e a explicação de uma linguagem audiovisual, a câmera subjetiva, dando início a um de seus campos com o grupo focal (estudantes e educadores/as), moradores/as do entorno da comunidade Povo Novo, em Rio Grande, no Rio Grande do Sul.

O filme indicado pelo autor, Arca Russa (Sokurov, 2000), é uma produção de 97 minutos que se passa inteiramente no Museu Hermitage, de São Petersburgo, com o objetivo de refletir sobre a história do País a partir das artes. É recorrentemente utilizado por educadores/as como uma ilustração do que teriam sido 300 anos de história da Rússia. Entre os/as estudantes e interessados/as em cinema, é utilizado também como a primeira referência de um longa-metragem gravado em uma única tomada, realizada a partir de plano-sequência e câmera subjetiva. Dessa forma, justifica a sua escolha como criação de repertório para a produção que seria estimulada na prática audiovisual do autor da tese.

A ideia era que os/as envolvidos/as debatessem coletivamente sobre o filme e a técnica nele empregada, tendo como ponto de partida três conceitos: a experiência estética; o audiovisual e o olhar não humano. O objetivo era observar “a mudança de percepção dos participantes em relação à experiência estética vivenciada; observar a apropriação e utilização do audiovisual como fonte de produção de dados para a pesquisa em EA” (Azevedo, 2013, pp. 153-154).

Apesar da apresentação de termos e procedimentos técnicos, Azevedo narra que, durante a experiência, todos/as poderiam se sentir libertos/as da técnica mais refinada para buscar um movimento descongestionado das formas convencionais da comunicação verbal, em que se pretendia promover um “encontro de cada um com a sua visão metafórica. Nessa experiência estética, é importante considerar que existe incondicionalmente uma experiência cinestésica provocada pela câmera” (Azevedo, 2013, p. 154).

Tal oficina de experimentação, que tinha como tema central a exploração do suporte e do olhar não humano, tem características muito interessantes e que justificam a escolha da expressão por meio da câmera subjetiva. Segundo o autor, a proposta era promover a produção de vídeos em que os/as envolvidos/as imaginassem a perspectiva de uma árvore, de um mineral ou de um outro animal, que não o humano.

Para analisar seus dados, além das produções audiovisuais – exibição, criação e análise coletiva dos produtos gerados – Azevedo utilizou cobertura fotográfica da oficina, registro audiovisual próprio e questionários de avaliação, os quais chamou de pré-teste e pós-teste. No primeiro, seguindo uma escala de cinco pontos para categorizar as respostas, inseriu sempre um "por quê?" logo em seguida às perguntas objetivas, criando um panorama quantitativo e qualitativo sobre cada assunto. Após análise do pré-teste, concluiu que “a tentativa de olhar o mundo por meio de uma perspectiva não humana pouco contribuiu para uma mudança de percepção dos participantes em primeiro momento” (Azevedo, 2013, p. 166).

Esse retorno deu-se porque, face às perguntas do teste – que correspondiam aos temas utilizados como argumento dos filmes, isto é, “o modo vegetariano é uma forma de preservação ambiental” – muitos/as participantes responderam não concordar. Entretanto, discordamos de Azevedo quando ele frisa que “[…] a tentativa de olhar o mundo por meio de uma perspectiva não humana […]” ou seja, por meio da produção de vídeo com câmera subjetiva na gravação dos vídeos em que os/as participantes se colocavam no papel de outras formas de vida, “[…] pouco contribuiu para uma mudança de percepção” (Azevedo, 2013, p. 166).

Walter Benjamin (1996), que analisa a estética cinematográfica, explica que, devido à natureza da técnica, ela permite uma ampliação da percepção sensível que pode revelar aspectos da realidade. Contudo, esse aumento do conhecimento, quando no papel de mediação, isto é, de realizador/a que representa seu meio através de um inconsciente ótico, tende a ingressar em um “mundo estranho”, que solicita um pouco mais de tempo e manejo dessa diferente linguagem para que se percebam as nuances de um produto próprio.

Afinal, tratam-se de duas experiências completamente distintas: recepcionar uma mídia (produzida por outro/a) e autoanalisar uma concepção. As observações dos presentes autores/as como educadores/as que atuam por meio da produção audiovisual retornam o mesmo tipo de resultado: “se ver” na tela aciona outras camadas da percepção sensível, pois não há deslocamento entre composição-criador/a.

Em outro momento, Azevedo comenta que, com referência ao uso do vídeo, um/a dos/as participantes de seu estudo entendeu que “serve mais para projetos de ensino do que de pesquisa. Outro participante comenta que o uso do vídeo ‘diversifica a coleta de dados’” (Azevedo, 2013, p. 163). Depois reitera: “No entanto, o contato com a ferramenta do vídeo parece ter ampliado o leque de possibilidades na produção de dados […]” (Azevedo, 2013, p. 163), pois, da mesma forma que algumas pessoas do seu grupo focal concordaram que o vídeo serviria mais para projetos de ensino do que para a pesquisa, sentiram também que ajudou a explorar novas possibilidades de utilização do vídeo em EA, mesclando elementos da criatividade com o rigor acadêmico, por assim dizer.

Podemos perceber que, durante o período da pesquisa de Azevedo, a produção audiovisual como procedimento de pesquisa, apesar de já não figurar como algo novo no interior da academia, ainda enfrentava dificuldades diante da percepção de educadores/as, habituados/as às maneiras tradicionais de coleta de dados, em primeiro contato com essa nova forma de investigação. Outrossim, para o autor, o recurso que ele denomina como “poéticas audiovisuais” não foi relevante somente como um mediador metodológico, mas também, quando assim direcionado, como dispositivo capaz de produzir significados atrelados a uma melhor qualidade de vida para a natureza.

Nesse sentido, ele explica que, após os experimentos, foi possível perceber que existem diferentes vias de utilização de poéticas audiovisuais e processos de criação para promover cuidado, relações saudáveis e acionar transversalidades capazes de encaminhar novas perspectivas para a vida, além de produzir novos conhecimentos a partir dos artefatos criados pelos grupos que participaram de seus estudos. Para ele, essa é uma questão principal no tipo de uso que se pode fazer das tecnologias e na intenção de pesquisas: “uma visão solidária pode fluir a ecopráxis da pesquisa. As tecnologias podem ser solução de conflitos, pois elas são construídas por nós. Assim, nosso foco deve ser como a utilizamos” (Azevedo, 2013, p. 314).

Considerações

Aqui apresentamos a coleta que é resultado da primeira fase de construção do estado do conhecimento de uma tese em curso. Neste processo, entre os 50 trabalhos destacados após a sistematização inspirada em Romanowski (2002), apenas um título se originou do campo da Educação Ambiental – motivo que anima aos/às presentes os/as autores/as a ampliar as buscas em outras bases de dados.

A experiência da leitura do trabalho de Azevedo (2013) – única recorrência do campo da EA – contribuiu para diversas reflexões acerca do projeto que se pretende desenvolver em formato de tese a ser publicada em 2023. Assim como nos outros materiais catalogados, o objetivo foi conhecer a abordagem e o tratamento realizados, trabalhos teóricos e metodológicos que criaram estrutura para viabilização da pesquisa – além de procedimentos e técnicas criadas e/ou reelaboradas a partir do corpo epistêmico.

Também fez parte dos estudos conhecer reflexões que levaram a diferentes questionamentos, para os quais, em alguns casos, já pudemos elencar respostas para “pensar junto” e, de alguma maneira, abrir diálogos com os/as autores/as que emprestaram suas pesquisas. Dado o tempo em que algumas delas foram defendidas, alguns desenlaces já se tornaram possíveis. Outros, tomamos como possibilidades de seguir questionando.

Neste momento da investigação, concluímos que a literatura especializada em pesquisa visual para a educação não se encontra, ainda, em estágio avançado de discussões. Tal linha metodológica continua muito mais ativa em outros campos disciplinares, que possuem mais tempo de tradição, como a Antropologia, a Sociologia e outros posicionados nas Ciências Sociais.

Quando falamos em trabalhos publicados em EA, podemos observar que métodos específicos para a Pesquisa Visual direcionada para esta área ainda são escassos. E isso não representa uma falta de adesão do campo, uma vez que mencionamos a existência de um tema gerador intitulado Educomunicação Socioambiental (Gattás, 2015) e a larga divulgação de materiais visuais usados como ferramentas de formação e capacitação em EA, especialmente, em sua dimensão política.

Isso conduz à principal lacuna de interesse encontrada pelos/as presentes autores/as no campo. Ainda que necessite de maiores espaços de reflexão e tempo de maturação, seguimos trabalhando para preenchê-la a partir desse primeiro passo.

Referências

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[3]O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/2019) e do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande (PPGEA/FURG).

[4]A partir de tal resultado, os/as autores/as da pesquisa tomaram como necessária a inclusão de mais uma base de dados para a construção do estado do conhecimento da tese, a ser explorada durante o processo de doutoramento.

Recebido: 21 de Dezembro de 2021; Aceito: 23 de Março de 2022

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Contribuição na elaboração do texto: autora 1 - escrita de todas as seções; autor 2 - revisão e consolidação.

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