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Linhas Críticas

versão impressa ISSN 1516-4896versão On-line ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.28  Brasília jan./dez 2022  Epub 30-Mar-2022

https://doi.org/10.26512/lc28202241638 

Artigos

Avaliação das aprendizagens: uma análise de produções acadêmicas brasileiras (2006-2020)

Evaluación del aprendizaje: un análisis de producción académica brasileña (2006-2020)

Assessment of learning: an analysis of Brazilian academic production (2006-2020)

1Doutoranda pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

2Doutora em Ciências da Educação pela Universidade do Porto (1998).

3Doutora em Ciências da Educação pela Universidade do Porto (2007).

4Doutor em Ciências da Educação pela Universidade do Porto (2014).


Resumo

A avaliação das aprendizagens e as suas (re)configurações conceituais têm acompanhado transformações político-educativas e sociais. Tendo esta situação por base, foi realizado um estudo que teve como objetivo mapear a produção acadêmica brasileira de Teses de Doutoramento e Dissertações de Mestrado, de 2006 a 2020, focadas nas relações entre políticas públicas de educação, concepções e práticas de avaliação. Os dados apontam para influências exercidas pelos organismos internacionais na definição das políticas da educação, traduzidas nas concepções de avaliação postuladas nos documentos oficiais e no distanciamento entre o que tem sido instituído, a concepção e as práticas efetivadas.

Palavras-chave Políticas da educação; Avaliação da aprendizagem; Estado da arte

Resumen

La evaluación de los aprendizajes y sus (re)configuraciones conceptuales vienen acompañando transformaciones políticas, educativas y sociales. A partir de esta situación, se llevó a cabo un estudio que tuvo como objetivo mapear la producción académica brasileña de Tesis de Doctorado y Disertaciones de Maestría, de 2006 a 2020, con foco en las relaciones entre políticas públicas de educación, concepciones y prácticas de evaluación. Los datos apuntan a influencias ejercidas por organismos internacionales en la definición de políticas educativas, traducidas en los conceptos de evaluación postulados en documentos oficiales y, en la distancia entre lo instituido, la concepción y las prácticas efectivas.

Palabras clave Políticas educativas; Evaluación del aprendizaje; Estado del arte

Abstract

The assessment of learning and its conceptual (re)configurations have been accompanying political, educational and social transformations. Based on this situation, a study was carried out that aimed to map the Brazilian academic production of Doctoral Theses and Master's Dissertations, from 2006 to 2020, focused on the relationships between public education policies, conceptions and evaluation practices. The data point to influences exerted by international organizations in the definition of education policies, translated into the evaluation concepts postulated in official documents and, in the distance between what has been instituted, the conception and the effective practices.

Keywords Education policies; Learning assessment; State of the art

Introdução

A avaliação das aprendizagens tem se constituído uma área de interesse acadêmico e político, por força das exigências e desafios postos aos sistemas educativos e às instituições escolares (Leite & Fernandes, 2002; Luckesi, 2006; Vasconcellos, 2006; Fernandes, 2009; Uler, 2010). No campo acadêmico se reconhece a existência de dificuldades em romper com perspectivas tradicionais que concebem a avaliação como medida e a associam apenas ao ato de classificação e seleção dos estudantes e a uma ação exclusivamente da responsabilidade dos professores (Black & Wiliam, 2006; Luckesi, 2006; Stobart, 2008; Wiliam, 2009; Marinho, 2014; Marinho et al., 2017).

O reconhecimento da importância da avaliação tem justificado estudos no âmbito da cultura da avaliação, que incluem, entre outros, o estabelecido em agendas internacionais, conduzidas por organismos multilaterais (Vianna, 2014; Cury, 2017). Por exemplo, no caso da América Latina, iniciaram-se reformas educacionais que têm obedecido às políticas da educação estabelecidas pelos organismos internacionais e implementadas com base em encontros internacionais promovidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com financiamento do Banco Mundial (Fartes, 2014; Vianna, 2014; Cury, 2017; Oliveira, 2020).

Diante deste cenário, no caso do Brasil, justifica-se a realização de estudos que permitam conhecer o estado da arte da avaliação (Poltronieri & Calderón, 2012), nomeadamente na influência destes organismos multilaterais na definição das políticas educacionais e no impacto causado na educação brasileira, no que concerne, principalmente, às concepções de escola, currículo e avaliação das aprendizagens (Libâneo et al., 2010; Libâneo, 2016; Cury, 2017; Lira & Hermida, 2018; Magalhães et al., 2019).

Com base nesta ideia por referência que se realizou um estudo com o objetivo de mapear produções acadêmicas de Teses e Dissertações relativas ao período de 2006 – 2020 no Brasil sobre a avaliação das aprendizagens. Este estudo responde às seguintes perguntas de investigação:

- Como os organismos internacionais têm influenciado a configuração das políticas educacionais no Brasil?

- Que relações existem entre as políticas de educação e as concepções de avaliação postuladas nos documentos oficiais?

- Qual a relação entre a concepção de avaliação dos documentos oficiais e as práticas avaliativas concretizadas pelos professores?

O recorte temporal de 2006 a 2020 justifica-se por corresponder a dois marcos político-legais: a implantação do ensino fundamental de nove anos (Brasil, 2006) e o processo de construção e implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2017a).

Para compreensão do contexto brasileiro, cumpre destacar o processo de reorganização do sistema educacional que marcou o país em 2006: o ensino fundamental de nove anos, implantado por meio da Lei Federal n.º 11.274/2006 (Brasil, 2006). Esta normativa alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 9.394/96 (Brasil, 1996), tornando obrigatória a matrícula da criança aos seis anos de idade no ensino fundamental e estabelecendo uma reestruturação que impôs, às redes escolares de todo o país,a necessidade de reconfigurar a organização e a oferta desta etapa de ensino.

No ano de 2017, após alguns anos de debate, foi publicada, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), a Resolução CNE/CP 02/2017 (Brasil, 2017b), cujo objetivo era de instituir e orientar a implantação da BNCC nas etapas e modalidades da educação básica, configurando-a, em seu artigo 5º, como “[…] referência nacional para os sistemas de ensino e para as instituições ou redes escolares públicas e privadas da Educação Básica, […] para construírem ou revisarem os seus currículos” (Brasil, 2017b, p. 5).

Neste sentido, e em linha com as perguntas de investigação enunciadas anteriormente, o presente artigo identifica relações existentes entre estes dois marcos político-legais e a produção do conhecimento em avaliação das aprendizagens no contexto do ensino fundamental, no referido período compreendido entre 2006 e 2020, trazendo estas relações para o debate. Adicionalmente identifica incongruências entre as políticas da educação, as concepções da avaliação das aprendizagens e as práticas avaliativas efetivadas no contexto escolar brasileiro.

O artigo está organizado em três seções. Na primeira discute-se concepções de avaliação das aprendizagens apoiando-se em autores nacionais e internacionais; na segunda são apresentados os procedimentos metodológicos utilizados na recolha dos dados empíricos; e na terceira seção são apresentados e analisados os dados recolhidos a partir das Teses de Doutoramento (TD) e Dissertações de Mestrado (DM) selecionadas em função do foco do estudo; nas considerações finais discute-se as principais constatações e contribuições elencadas pelos pesquisadores sobre a avaliação das aprendizagens no Brasil.

Concepções da Avaliação das Aprendizagens

O conceito de avaliação das aprendizagens tem evoluído em função da forma como é concebida a educação e o seu papel na sociedade. Enquanto prática e construção social, a avaliação desenvolve-se num dado contexto e tempo, trazendo consigo valores, crenças e concepções sociais que vão se (re)construindo e ressignificando cotidianamente, num processo complexo de “bricolagem” (Ball, 1994) que ocorre num ciclo contínuo de influências (Ball et al., 2016). Neste processo, as alterações que têm ocorrido traduzem (de certa forma) os contextos históricos, sociais e políticos em que se desenvolvem e, consequentemente, o percurso de concepções que se configuram a partir de diferentes visões do mundo, da pessoa e da sociedade (Marinho et al., 2014; Fernandes, 2018).

Apesar destas ressignificações, como concluem alguns estudos (Marinho et al., 2013, 2017; Cortesão & Torres, 2018), a concepção de avaliação que ainda subsiste nas escolas, e em muitos professores, continua sendo de medida que se concretiza por práticas orientadas para os resultados. Como referem Fernandes e Gaspar (2014, pp. 213-214), a avaliação das aprendizagens tem sido “[…] essencialmente orientada para a produção de classificações, com o protagonismo exclusivo do professor, sem a participação e o envolvimento dos alunos […]”. Como consequência desta orientação, a avaliação continua sendo associada às situações de “repetência” (Marinho et al., 2013) e continua sendo responsável por excluir uma significativa parte de alunos da escola. É contra esta perspectiva que Jacomini (2008, p. 4) propõe uma alteração conceitual que faça da avaliação um dispositivo promotor de aprendizagens:

A compreensão das práticas de reprovação escolar como construção histórica e o questionamento acerca de sua permanência numa escola para todos têm contribuído para se pensar a qualidade do ensino não mais numa perspectiva de seleção dos mais “aptos”, mas de proporcionar meios para todos se apropriarem dos conhecimentos escolares básicos.

A situação de reprovação, que compromete o princípio de uma educação de sucesso para todos, tem justificado a atenção de políticas de educação que reconhecem as potencialidades que podem decorrer de práticas avaliativas orientadas para a melhoria das aprendizagens. Esta orientação da avaliação, na perspectiva formativa, corresponde a uma concepção que circulou, sobretudo, a partir de finais da década de 1970 e década de 1980 (Abrecht, 1994) e que pretendeu entender a avaliação não apenas para “julgar ou para provar”, mas sim como “um processo de apoio à tomada de decisões" (Santos & Leite, 2019). Nesta visão, a avaliação trouxe às escolas e aos professores desafios, nomeadamente nos modos de organizar os processos de ensino-aprendizagem, que teriam de ser concebidos numa relação articulada com a avaliação. É no quadro desta compreensão que Perrenoud (1999; 2003), Luckesi (2003; 2006), Black e Wiliam (2006), Earl e Katz (2006), Vasconcellos (2006), Wiliam (2009), Fernandes (2018), Leite e Fernandes (2010; 2014) e Marinho et al. (2013; 2014) sustentam um entendimento da avaliação formativa ao serviço das aprendizagens e, portanto, ao serviço da concretização da qualidade social da educação (Leite & Fernandes, 2014).

No entanto, concretizar uma avaliação formativa requer, além das mudanças no âmbito do trabalho docente, mudanças da política institucional/organizacional. No que se refere às políticas educacionais e, especificamente, às políticas de avaliação, Broadfoot e Black (2004), já neste séc. XXI, consideraram que estamos em uma “era da avaliação”, isto é, uma “sociedade de avaliação” em que tudo se focaliza em avaliações assentes na certeza dos números e dos objetivos a atingir (Marinho et al., 2017) — uma era da testagem (Stobart, 2008). Apesar disto, Afonso (2000, p. 98) afirma que ela também pode “[…] constituir-se como espaço de solidariedade, reciprocidade e emancipação”. É neste sentido que Guerra (2003, p. 23) reconhece que a avaliação, para “[…] além de uma tarefa técnica, é também um fenômeno ético e político”.

Ainda em proximidade com esta visão, também Fernandes (2018) considera que não se pode separar a avaliação da política, porque ela ocorre sempre num contexto político, ou seja, a política está presente em todos os setores da vida social, pública e mesmo privada e integra as atividades diárias de cada cidadão, não havendo, assim, separação possível com a avaliação. De fato, e como já atrás foi afirmado, a avaliação é constituída de relações que se estabelecem na prática pedagógica, fortemente influenciada pelas concepções da pessoa humana, de educação e de sociedade, que podem levar a processos de inclusão, ou, em sentido contrário, de exclusão. Talvez por isto, Fernandes (2018, p. 33) reconheça que “[…] a avaliação pode ser um poderoso processo de transformação e de democratização da sociedade”. No entanto, para isto, é necessário caminhar no sentido de uma cultura de avaliação mais justa e comprometida com a aprendizagem e com o sucesso de todos os alunos (Marinho et al., 2014). É nesta lógica que o discurso acadêmico tem procurado compreender a avaliação das aprendizagens em diversos níveis da Educação, na sua relação com a melhoria (Moresi et al., 2020; Pedrosa et al., 2021).

Procedimentos metodológicos

O estudo, recorrendo à produção acadêmica brasileira sobre a avaliação das aprendizagens no ensino fundamental, no período compreendido entre 2006 e 2020, teve como objetivos identificar relações existentes entre dois marcos político-legais e trazer ao debate incongruências entre políticas da educação, concepções da avaliação das aprendizagens e práticas avaliativas que são concretizadas no contexto escolar brasileiro.

O procedimento de investigação seguido correspondeu à identificação de produção acadêmica na forma de TD (Tese de Doutorado) e DM (Dissertação de Mestrado), defendidas em instituições de ensino superior públicas brasileiras, considerando o marco temporal 2006 a 2020.

A recolha dos dados foi realizada no sítio da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações[5] (BDTD), utilizando-se, para a inclusão no corpus da investigação, os seguintes critérios: ser produção brasileira de TD ou DM, desenvolvida em instituições públicas, ter como lócus de pesquisa escolas de ensino fundamental da rede pública. É necessário destacar que algumas produções não estão disponíveis em acesso aberto do seu texto integral, na fonte de informação usada.

Usando o descritor “avaliação da aprendizagem” combinado com “ensino fundamental” e acrescido do marco temporal “2006 – 2020”, foram identificadas 1.720 publicações. No entanto, como um dos critérios estabelecidos é relativo à produção defendida em instituições públicas, e tendo como lócus escolas públicas, a amostra ficou reduzida a 08 TD e 76 DM. Após esta etapa, que envolveu análise dos títulos e leitura dos resumos das TD e DM, foi elaborada uma planilha com o intuito de catalogar as pesquisas, destacando: título, autor, ano de defesa, tipo de documento, resumo, palavras-chave. Após esta análise foram selecionadas 8 TD e 63 DM. O Gráfico 1 mostra a distribuição das produções científicas selecionadas para o estudo, por ano de publicação.

Fonte: os autores.

Gráfico 1 Produções científicas selecionadas: quantitativo de teses e dissertações por ano de defesa 

A observação do Gráfico 1 permite constatar que, dentre as produções selecionadas, os anos de 2017 e 2018 são os mais produtivos. Assim, em 2017 foram identificadas 1 Tese de Doutoramento (TD) e 9 Dissertações de Mestrado (DM); e em 2018, 2 TD e 7 DM, estes dois anos representando 13,49% do total do corpus empírico desta pesquisa. Posteriormente foi feita uma análise de conteúdo (Bogdan & Biklen, 1994; Bardin, 2009; Amado et al., 2017) em alguns dos campos destas publicações: resumo, introdução e resultados das produções científicas, sendo identificadas três categorias de focos temáticos que o Quadro 1 sistematiza:

Fonte: os autores.

Quadro 1 Categorização das produções científicas 

Estas produções científicas foram identificadas em 27 instituições públicas de ensino superior. A sua distribuição pelas diversas regiões brasileiras é sistematizada no Gráfico 2.

Fonte: os autores.

Gráfico 2 Produções científicas por instituição 

Apresentação e discussão dos dados

A produção científica centrada na avaliação das aprendizagens mostra a relevância que lhe é atribuída pela comunidade acadêmica, assim como os focos que têm sido valorizados pelos estudos desenvolvidos. No caso do estudo em questão, a análise dos trabalhos identificados assentou em três categorias: Práticas avaliativas, Concepções de avaliação, Políticas de avaliação.

A categoria “Práticas avaliativas” foi aquela que teve maior incidência nos estudos pesquisados. O enfoque nas “Práticas avaliativas” está presente em 7 TD e 36 DM, totalizando 43 produções científicas, como mostra o Quadro 2.

Fonte: os autores.

Quadro 2 Categoria “Práticas avaliativas” 

O procedimento para recolha de dados mais utilizado foi a entrevista semiestruturada (26), seguida da análise documental (19), da observação (16), e, com menor incidência, o inquérito por questionário (9). Em relação à metodologia seguida nos estudos, preponderou a abordagem qualitativa, sendo o estudo de caso, o procedimento metodológico mais utilizado.

As TD e as DM, classificadas na categoria “Práticas avaliativas”, tecem considerações sobre as práticas avaliativas desenvolvidas pelos professores, sustentando que a avaliação, como um dos elementos que compõe a organização do trabalho pedagógico, deve estar inserida no Projeto Político-Pedagógico da escola. Neste sentido, considera-se a inclusão de alunos com deficiência ou com defasagem idade/ano na escola (Castro, 2007; Caramão, 2009; Azevedo, 2010; Mendonça, 2014; Albuquerque, 2017; Alves, 2018; Muniz, 2018; Reis, 2018). Nesta orientação procuram desvelar as intencionalidades contidas na transposição para a prática em sala de aula das concepções acerca da avaliação das aprendizagens de professores que lecionam nos anos iniciais (Vieira, 2006; Furlanetto, 2007; Luis, 2007; Guerra, 2009; Marinho, 2009; Villar, 2009; Soares, 2011; Gonçalves, 2012; Barbosa, 2014; Silva, 2014; Baliero, 2015; Lima, 2015; Llata, 2015; Oliveira, 2016; Nascimento, 2017; Silva, 2017; Conceição, 2018; Magalhães, 2018), assim como daqueles que lecionam os diversos componentes curriculares nos anos finais do ensino fundamental (Farias, 2008; Rabelo, 2010; Silva, 2010; Dantas, 2011; Araujo, 2014; Silva, 2015; Cruz, 2017; Dantas, 2017; Viana, 2017; Oliveira, 2018; Vieira, 2018; Caixeta, 2019). Na perspectivação de processos de melhoria é defendida uma avaliação formativa, voltada para a aprendizagem e para o sucesso do estudante (Machado, 2006; Mello, 2014; Vidal, 2019), e é discutido o descompasso existente entre as propostas estabelecidas nas políticas públicas e as práticas pedagógicas efetivadas no ambiente escolar. Práticas avaliativas democráticas são sustentadas numa relação com a mudança de concepções dos intervenientes do processo educativo e da sociedade. Estas perspectivas são veiculadas por excertos de que são exemplos:

A tendência seletiva ainda está arraigada nas concepções que norteiam a prática avaliativa na escola, no entanto, vencer a "cultura de avaliação excludente" constitui-se um desafio para os educadores […]. Mudar a prática avaliativa torna-se ação complexa […]. (Machado, 2006, p. 193)

Portanto, só é possível refletir sobre a avaliação escolar quando se reflete também sobre toda a ação pedagógica, pois a avaliação não pode ser vista de forma desvinculada. É necessário considerá-la como um dos elementos centrais do trabalho pedagógico. (Marinho, 2009, p. 43)

A avaliação deve ser entendida como uma ferramenta a serviço da aprendizagem cujo objetivo é a melhoria das práticas educativas e a qualidade da educação, possibilitando identificar problemas, encontrar soluções, corrigir rumos […]. (Araujo, 2014, p. 29)

Relativamente às “Concepções de avaliação”, elas são o foco de 21 DM, não sendo identificadas em nenhuma TD. A distribuição destes estudos, por ano, está sistematizada no Quadro 3.

Fonte: os autores.

Quadro 3 Categoria “Concepções de avaliação” 

O procedimento para recolha de dados mais utilizado foi o inquérito por questionário (12), seguido da análise documental (11), entrevista semiestruturada (8) e observação (7). Alguns destes procedimentos foram usados para a realização de estudos de caso.

Integram esta categoria, os estudos que buscaram compreender: o processo avaliativo na sua relação com a aprendizagem (Azevedo, 2007; Ribeiro, 2012); concepções de avaliação da aprendizagem e sua relação com as práticas pedagógicas e avaliativas desenvolvidas pelos professores (Aguiar, 2009); relação entre concepções de aprendizagem e práticas avaliativas das professoras no uso e significado dado ao relatório, como instrumento avaliativo.

Ferreira (2019) discute concepções de avaliação da aprendizagem dos professores dos anos iniciais em Matemática; Araujo (2017) enfatiza o papel do professor de Matemática e do estudante no processo avaliativo; Lara (2014) utiliza o estado da arte como subsídio teórico para discutir o erro e a perspectiva da avaliação emancipatória; Oliveira (2011) buscou compreender percepções e significados da avaliação na perspectiva da família. Concepções acerca da avaliação das aprendizagens de professores que lecionam Matemática, Ciências e Arte, nos anos finais do ensino fundamental, foram foco dos estudos de Albuquerque (2012), Oliveira (2012), Justino (2013), Santos (2017) e Xavier (2017). Torres (2013) e Corrêa (2014) buscaram compreender concepções de avaliação da aprendizagem de professoras que atuam em escolas situadas em áreas rurais, reconhecendo a avaliação como um dos mecanismos responsáveis por toda a organização da ação pedagógica.

A ênfase nas concepções de avaliação dos professores dos anos finais do ensino fundamental é foco do estudo de Favarão (2012), que discute a contradição entre o discurso e a prática dos professores, no que diz respeito à compreensão e efetivação da ação avaliativa na prática pedagógica, destacando a necessidade de designar, no processo pedagógico, um novo significado ao erro, reconhecendo-o enquanto elemento que contribui para a efetivação das intervenções pedagógicas. Sibila (2012) faz também referência ao erro como aspecto central da avaliação da aprendizagem nos anos finais, e enquanto elemento informacional no desenvolvimento da ação pedagógica, relacionando-o com a promoção de feedback. O estudo de Guimarães (2010) buscou analisar concepções da avaliação da aprendizagem dos professores que lecionam o componente curricular Arte, e seus reflexos nos modelos pedagógicos adotados no contexto escolar. Covatti (2013) analisou concepções e práticas da avaliação nos dizeres dos professores de alunos com Dislexia, Transtornos de Déficit de Atenção com Hiperatividade e deficiência intelectual. Reis (2009) aponta avanços e fragilidades acerca da avaliação nas escolas seriadas e em ciclos. E Araujo (2009) analisou a avaliação além da sala de aula, buscando correlacionar a avaliação estabelecida no Projeto Pedagógico e a efetivada pela escola. O uso do mapa conceitual como ferramenta para a concretização da avaliação formativa foi investigado por Corrêa (2009). Os excertos que se seguem das produções acadêmicas referendam tais afirmações:

Concepções e práticas não emergem do nada, não brotam do vazio. São fundamentadas em crenças arraigadas, em concepções erigidas no decorrer do processo de formação pessoal e profissional, em percepções próprias acerca do como se ensina, se aprende e se avalia. O favorecimento de uma ou outra prática avaliativa é balizada pela concepção avaliativa de quem a exerce. A prevalência da primeira parece condenar os alunos a um desempenho copista e modelar, ao passo que a segunda ainda carece de efetivação nas práticas dos professores […]. (Guimarães, 2010, s.p.)

A realidade escolar é contraditória, assim como pode configurar-se contraditório o que dizem e fazem os professores, quando mergulhados nas suas rotinas de trabalho […]. (Favarão, 2012, p. 12)

Avaliar deixa de ser constatar, para se constituir em um procedimento de acompanhamento dos processos e resultados alcançados pelo aluno, a fim de constatar avanços e permanências, subsidiando intervenções – ou regulações – de maneira pertinente e oportuna. (Sibila, 2012, p. 39)

Como se infere, estas investigações permitem refletir sobre implicações da compreensão do erro e do feedback no processo de (re)construção do conhecimento e, consequentemente, nas atividades avaliativas, além de destacarem a importância do trabalho colaborativo no exercício de ação-reflexão-ação pelos professores, em função da melhoria da prática pedagógica, como demonstram os seguintes excertos:

Outra importante questão a ser considerada, no que concerne aos resíduos classificatórios, diz respeito à forma como o erro é concebido no processo de ensino e de aprendizagem. (Sibila, 2012, p. 43)

A caracterização das concepções dos sujeitos quanto à educação, […] avaliação da aprendizagem, […] revelou que a maioria ainda não se orienta por uma unidade teórica ou epistemológica, […] às vezes em um mesmo conceito “convivem” abordagens que se apoiam em referenciais distintos e até opostos […]. (Azevedo, 2007, p. 128)

Tendo como base uma perspectiva formativa da avaliação educacional, consideramos que os saberes do professor, em especial sua experiência, são elementos que influenciam sua prática e a tomada de decisões no cotidiano escolar e estão além de uma concepção específica de avaliação, pois englobam aspectos morais, sociais e culturais da própria história do professor. (Xavier, 2017, p. 55)

Em síntese, nesta categoria “Concepções de avaliação” prevaleceu a relevância do processo avaliativo em sua relação com a aprendizagem, tendo em vista as concepções que predominam entre os professores no contexto escolar.

No que concerne à categoria “Políticas de avaliação”, foi possível identificar 07 produções cuja distribuição por ano é apresentada no Quadro 4:

Fonte: os autores.

Quadro 4 Categoria “Políticas de avaliação” 

O procedimento para recolha de dados mais utilizado foi a entrevista semiestruturada (6), seguida da análise documental (5), da observação (2), e, com menor incidência, o inquérito por questionário (1) e o grupo focal (1). O estudo de caso foi o procedimento metodológico mais utilizado, tal como aconteceu nos estudos que tiveram os focos atrás apresentados.

As DM e a TD produzidas tecem considerações sobre as implicações da avaliação proposta pela organização do ensino em ciclos, na prática avaliativa do professor, considerando como elementos empíricos os dispositivos legais e oficiais. Estas produções buscaram desvelar as intencionalidades ocultas na avaliação das aprendizagens e sua relação intrínseca com o processo de ensino e aprendizagem (Barreto et al., 2001). Exemplificando, Amaral (2006), Melo (2006), Almeida (2008), Souza (2016), Fantinel (2018) e Fontenele (2019) tratam da organização do ensino em ciclos, adotada por algumas redes de ensino no país, a partir da promulgação da Lei n.º 9.394/96 (Brasil, 1996). Recorde-se que esta proposta de reorganização do ensino visava garantir a aprendizagem e combater o fracasso escolar. Amaral (2006) buscou investigar a efetividade dos relatórios descritivos de avaliação, produzidos pelos professores, e sua função no cotidiano escolar, enquanto Melo (2006), Almeida (2008), e Fontenele (2019) fazem uma análise das implicações da implementação da organização do ensino em ciclos, buscando compreender os procedimentos da prática avaliativa do professor. Na intenção de compreender estas considerações, convocamos o seguinte excerto:

Mudanças no processo avaliativo tornam-se, portanto, fundamentais na organização do ensino em ciclos, já que essa opção de organização do ensino prevê o acompanhamento do processo de aquisição do conhecimento pelo aluno e o respeito ao ritmo de aprendizagem. (Almeida, 2008, p. 46)

Ainda incluída nesta mesma categoria, Fantinel (2018) investigou a efetivação das práticas dos professores diante das orientações que têm sua origem nas políticas públicas para a avaliação, objetivando compreender as relações entre as políticas públicas de avaliação e as práticas avaliativas desenvolvidas no processo ensino e aprendizagem. Os sentidos e efeitos, no contexto da prática, do processo de implementação e efetivação das práticas avaliativas da política de ciclos são focos do estudo de Souza (2016), que busca desvelar as interferências e as consequências desta relação na concretização da avaliação, a favor das aprendizagens, destacadas no exceto a seguir:

[…] As mudanças lançadas pela Política de Ciclos ganham profundidade substancial, uma vez que convidam à reflexão e ao redirecionamento dos pensares e fazeres da prática educativa potencializando o rompimento com os velhos hábitos de organização do ensino e aprendizagem cerceada pelo currículo linear, engessado e por práticas de avaliação classificatória e de julgamento. (Souza, 2016, p. 193)

O estudo das diretrizes oficiais para a avaliação da aprendizagem de alunos com deficiência, na perspectiva da educação inclusiva, é o foco da investigação de Fernandes (2010).

No quadro dos resultados das investigações realizadas percebe-se que, nas produções sobre a avaliação das aprendizagens, os diversos autores debruçaram-se sobre a análise dos efeitos da avaliação das aprendizagens na prática pedagógica. No caso das categorias “Políticas de avaliação” e “Práticas avaliativas”, os estudos revelaram a existência de contradições entre as políticas públicas, a formação de professores e a prática pedagógica, ou seja, corroboraram a perspectiva de Jacomini (2014, p. 821) quando reconheceu existir um “[…] certo descompasso entre o legalmente proclamado e o que de fato é realizado nas escolas […]”. Os excertos seguintes ilustram estes aspectos:

A avaliação da aprendizagem como prática social desenvolvida no processo ensino-aprendizagem necessita ser entendida como elemento de discussão, visto que, algumas concepções apontam para a mudança, entretanto, suas práticas, com raras exceções, ainda são desenvolvidas de forma conservadora. (Aguiar, 2009, pp. 102-103)

Isso quer dizer que independentemente da organização do tempo escolar, existem evoluções, mas podemos pontuar algumas fragilidades e alguns avanços no que diz respeito à avaliação da aprendizagem. […] Mudar nossa concepção de avaliação quantitativa para uma avaliação qualitativa muda nossa prática pedagógica, independentemente da maneira como se organiza a escola. (Reis, 2009, p. 74)

[…] As práticas da avaliação na escola, de um modo geral, ainda, costumam ser orientadas por duas concepções pedagógicas antagônicas, de um lado, estão as teorias progressistas (avaliação interna, qualitativa, diagnóstica, permanente, etc.) e, de outro, as idealizações competitivas, classificatórias e meritocráticas […]. (Fontenele, 2019, p. 80)

Considerações Finais

A análise das produções acadêmicas realizada no estudo que este artigo apresenta demonstrou que a avaliação das aprendizagens tem constituído um tema de relativo interesse tanto das políticas de educação como de investigação. Reconhecendo-se que a avaliação tem um papel importante na configuração das orientações políticas e na regulação do trabalho docente, conceitos mais atuais a associam à melhoria das aprendizagens dos estudantes (Black & Wiliam, 2006; Earl & Katz, 2006; Wiliam, 2009). Em linha com esta evolução conceitual, foi também evidente a realização de trabalhos acadêmicos no sentido de identificar caminhos que possam contribuir para a materialização de uma avaliação formativa, como dispositivo ao serviço das aprendizagens e, consequentemente, como contributo para a concretização da qualidade social da educação (Leite & Fernandes, 2014).

A investigação realizada, ao centrar-se no período de 2006 a 2020, mostrou a trajetória das discussões científicas brasileiras sobre a avaliação das aprendizagens, especificamente, na etapa do ensino fundamental, e permitiu conhecer impactos de duas medidas políticas: a implantação do ensino fundamental de nove anos (Brasil, 2006) e o processo de construção e implantação da BNCC (Brasil, 2017a). Ao identificar relações entre as políticas de educação, concepções de avaliação postuladas nos documentos oficiais e a prática efetivada pelos professores, mostrou também como estas políticas são influenciadas por organismos internacionais (Ball et al., 2016).

Diante das análises realizadas, constatou-se que apenas uma das investigações aborda a implantação do ensino fundamental de nove anos, focando a grande maioria na organização do ensino por ciclos. Quanto à BNCC, em nenhum dos estudos há menção sobre esta relação.

No aprofundamento realizado acerca da relação entre a concepção de avaliação veiculada pelos documentos oficiais e a prática avaliativa concretizada pelos professores, ficaram evidentes as dissonâncias entre a concepção de avaliação formativa e a ação efetiva dos professores. Os dados revelaram também que ainda há “rituais” e procedimentos do ensino tradicional que fazem uso da avaliação como medida, classificação, seleção e exclusão. Estas práticas pedagógicas e avaliativas tradicionais são, todavia, contrariadas por tentativas de ruptura, o que permite perceber a importância e a urgência de caminhos de mudança que podem ser viabilizados pela formação docente, considerando os professores protagonistas desta mudança.

Os estudos revelam, em síntese, a importância de se trabalhar na mudança da “mentalidade curricular” dos professores (Leite & Fernandes, 2010), objetivando desenvolver práticas efetivas de avaliação formativa. Este é um desafio, quer para os professores, quer para os líderes/gestores educacionais, que requer uma mudança na cultura escolar, nomeadamente no âmbito do comprometimento de todos na concretização de uma educação inclusiva.

É de considerar que os dados apresentados permitiram uma visão ampla das TD e DM defendidas, especificamente, em instituições de ensino superior públicas. No entanto, a decisão de limitar o estudo apenas a estas instituições impediu a inserção de outras investigações que poderiam aprofundar a discussão sobre a avaliação das aprendizagens no Brasil.

Assim, buscaremos futuramente ampliar o presente foco de pesquisa, inserindo as produções acadêmicas realizadas em instituições privadas, no período estudado, de forma a ampliar e aprofundar a análise sobre a temática da avaliação.

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[5]Disponível em: https://bdtd.ibict.br/vufind

Recebido: 24 de Janeiro de 2022; Aceito: 23 de Março de 2022

Contribuição na elaboração do texto

Os autores contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.

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