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Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.28  Brasília Jan./Dec 2022  Epub Apr 20, 2022

https://doi.org/10.26512/lc28202242239 

Artigos

O estágio curricular supervisionado das licenciaturas na pandemia: percepções de professores formadores

La pasantía curricular supervisada en cursos de formación docente en la pandemia: percepciones de profesores formadores

The supervised curricular internship at teacher education in the pandemic: perceptions of teacher educators

Wanderson Diogo Andrade da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-9583-0845

Ana Júlia Soares Santana2 
http://orcid.org/0000-0002-0827-8416

Maria Danielle Araújo Mota3 
http://orcid.org/0000-0001-7305-6476

1Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (2020). Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor substituto da Universidade Regional do Cariri.

2Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) (2021). Mestranda em Ensino e Formação de Professores pela UFAL.

3Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (2019). Professora adjunta da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).


Resumo

Este estudo exploratório investigou e analisou percepções de 16 formadores responsáveis pelo Estágio Curricular Supervisionado em licenciaturas de diferentes Instituições públicas de Educação Superior, considerando os desafios e as possibilidades da sua realização no contexto da pandemia da covid-19. O questionário semiestruturado aplicado revelou que 5 professores não ofertaram o estágio nesse modelo por visualizarem mais prejuízos do que contribuições à formação dos licenciandos. Os dados apontam algumas perspectivas, mas também receios em relação à adoção do Ensino Remoto Emergencial no estágio pelo fato de que os estudantes não puderam vivenciar presencialmente a docência nas escolas.

Palavras-chave Estágio supervisionado; Pandemia; Formação docente; Professores Formadores

Resumen

Este estudio exploratorio investigó y analizó las percepciones de 16 formadores responsables por la pasantía curricular supervisada en cursos de formación docente en diferentes Instituciones públicas de Educación Superior, considerando los desafíos y las posibilidades de su realización en el contexto de pandemia de covid-19. El cuestionario semiestructurado aplicado reveló que 5 profesores no ofrecieron la pasantía en este modelo, al visualizar más pérdidas que contribuciones a la formación de los estudiantes. Los datos apuntan algunas perspectivas, pero también incredulidad, en relación a la adopción de la Enseñanza Remota de Emergencia en la pasantía por el hecho de que los estudiantes no he experimentado presencialmente la docencia en las escuelas.

Palabras clave Pasantía supervisada; Pandemia; Formación docente; Profesores formadores

Abstract

This exploratory study investigated and analyzed the perceptions of 16 teacher educators responsible for the Supervised Curricular Internship in teacher education from different public Higher Education Institutions, considering the challenges and possibilities of their implementation in the context of the covid-19 pandemic. A semi-structured questionnaire revealed that 5 teachers did not offer an internship in this model due to the perception that it would cause more harm than contribute to the education of the students. The data indicate some prospects, but also the fear to adopt Emergency Remote Teaching in the internship due to the fact that students have not experienced the in-person teaching practice in schools.

Keywords Supervised internship; Pandemic; Teacher education; Teacher educators

Introdução

O Estágio Curricular Supervisionado (ECS) representa uma rica e importante etapa formativa nos cursos de formação de professores por oportunizar aos licenciandos experiências reflexivas acerca da docência e os seus desafios. Contribuindo para a construção da identidade profissional docente, o estágio há tempos se faz presente nas licenciaturas e suas diferentes configurações são tomadas como objeto de estudo nas pesquisas acadêmicas que apontam obstáculos e possibilidades para um exercício crítico da profissão.

Inicialmente, a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno (CNE/CP) 1, de 18 de fevereiro de 2002 (Brasil, 2002a) e a Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002 (Brasil, 2002b), proporcionaram maior visibilidade aos estágios e, consequentemente, sua melhor organização curricular nas licenciaturas quando instituíram a obrigatoriedade de que os cursos de formação de professores reservassem, no mínimo, 400 horas de ECS a serem vivenciadas pelos futuros professores a partir da segunda metade da graduação.

“O estágio tem compromisso com a práxis docente, como espaço de problematização das contradições existentes em busca da sistematização dos conhecimentos produzidos” (Pimenta & Lima, 2019, p. 14), induzindo a integração e a aproximação entre a Educação Básica e a Educação Superior. Os desafios para que as finalidades do estágio se concretizem na formação de professores são constantes e múltiplos, exigindo esforços de todos os agentes nele envolvidos para que se torne uma experiência significativa aos futuros professores e não seja percebido, erroneamente, como a hora da prática (Lima, 2004), isto é, como uma ação mecânica de imitação acrítica de modelos existentes e que não possui importância para a formação docente.

Os desafios do estágio na formação docente têm se mostrado ainda maiores diante da pandemia da covid-19, decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2019, fazendo com que as atividades presenciais dos diversos setores da sociedade, incluindo a educação, fossem suspensas. Na educação, as instituições de ensino passaram a adotar o Ensino Remoto Emergencial (ERE) para que suas atividades não fossem totalmente interrompidas, embora esse modelo de ensino tenha revelado desigualdades entre os estudantes em relação à aquisição e ao uso de recursos tecnológicos necessários para a implantação do ERE.

Os estágios, nesse contexto, foram modificados para que os licenciandos, mesmo virtualmente, pudessem desenvolver as atividades propostas durante essa etapa da graduação. Os professores formadores responsáveis pelos diferentes componentes de estágio ressignificaram as formas de trabalho junto aos estudantes por se tratar de uma realidade até então inimaginável na contemporaneidade. A pandemia fez com que as instituições de ensino, dentro de um cenário de incertezas, adotassem diversas medidas visando garantir a continuidade do processo de ensino-aprendizagem. Diante dessa realidade, como os professores formadores se organizaram para vivenciar o ECS nos diferentes cursos de licenciatura em face da pandemia da covid-19 e do ERE?

Para responder a esse questionamento, buscamos, neste estudo, investigar e analisar as percepções de formadores de professores responsáveis por componentes curriculares de estágio de diferentes cursos de licenciaturas, considerando os desafios e as possibilidades postas pela pandemia em relação à formação de professores no ERE.

Contribuições do Estágio Curricular Supervisionado para a formação de professores

A importância atribuída ao ECS na formação de professores resulta das diversas investigações que apresentam as contribuições desse momento formativo para a constituição da profissionalidade docente, “[…] tendo em vista que demanda dos estagiários a articulação permanente entre teoria e prática nos movimentos de problematização da realidade escolar e de busca por respostas aos problemas que levantam no desenvolvimento de suas atividades” (Freitas et al., 2017, p. 37).

Para além de uma disciplina que integra a matriz curricular das licenciaturas, o estágio se configura como um campo de conhecimento com estatuto epistemológico de instrumentalização da práxis docente (Pimenta & Lima, 2017). Desse modo, os professores formadores responsáveis pelos componentes de estágio “[…] desempenham papéis centrais nesse contexto, pois suas concepções e práticas pedagógicas irão influenciar diretamente na formação dos alunos, direcionando-os para caminhos, às vezes, pouco críticos e reflexivos da docência” (Silva et al., 2021, p. 3), caso não sejam planejadas atividades que, de fato, oportunizem aos futuros professores uma formação crítica sobre a profissão docente.

O planejamento do estágio é destacado por Brito (2020) como uma condição importante para garantir a qualidade desse processo formativo, pois o seu potencial encontra-se atrelado às ações planejadas de forma integrada entre as instituições formadoras e as escolas-campo, oferecendo vantagens para a aproximação entre esses espaços, a sistematização dos processos formativos por meio do diagnóstico da escola, a avaliação processual das atividades de estágio e as mudanças realizadas, quando necessárias, para fortalecer as experiências dos estagiários.

Nesse sentido, a parceria entre a universidade e a escola para a realização dos estágios e a consequente mobilização dos saberes docentes nos estudantes das licenciaturas é, de acordo com Souza Neto et al. (2021), uma necessidade e uma relação propícia para acompanhar os estagiários, realizar pesquisas tendo o ensino como objeto de estudo, bem como desenvolver a prática pedagógica a partir de experiências concretas nas escolas.

Conforme Pimenta (2019), o professor que se busca formar deve ser capaz de atuar criticamente diante dos desafios identificados em seu espaço de trabalho; conhecer os aspectos sociais e políticos que circundam sua prática; conhecer a realidade dos estudantes que atende; possuir conhecimentos que permitam fazer análises críticas e levar à compreensão e ao desenvolvimento de práticas de ensino que resultem em aprendizagens significativas; participar ativamente da escola e não apenas na sala de aula; e propor melhorias para o coletivo do qual faz parte.

O ECS conta, basicamente, com três atores: o professor formador da Instituição de Educação Superior (IES), o professor supervisor da escola de Educação Básica e o estudante estagiário – futuro professor, e é um componente curricular que se ocupa de estudar, analisar, problematizar, refletir e propor soluções no contexto do ensino-aprendizagem (Pimenta et al., 2019). Esse olhar remete à ideia de que se faz necessário um diálogo entre os envolvidos no estágio, posto que o licenciando, por si só, pode não atingir os objetivos propostos neste componente curricular sem os contributos dos professores formadores de ambas as instituições de ensino.

Para além da relação entre as instituições de ensino e os sujeitos que as compõem, se faz necessário destacar o entrelaçamento entre a teoria e a prática, tendo em vista que o ECS ocupa a centralidade na articulação entre essas esferas (Lüdke & Scott, 2018), sendo essa unidade de grande importância para a formação de professores em que o estágio assume o papel de campo de conhecimento, transpondo a simples visão de uma atividade prática dos cursos de licenciatura (Pimenta, 2019). Essa visão deve ser extinta do campo do estágio, visto que a profissão docente exige que o professor articule teoria e prática dentro do contexto em que se insere, sendo essas dimensões indissociáveis. Desse modo:

O reducionismo dos estágios às perspectivas da prática instrumental e do criticismo expõe os problemas na formação profissional docente. A dissociação entre teoria e prática aí presente resulta em um empobrecimento das práticas nas escolas, o que evidencia a necessidade de explicitar por que o estágio é unidade de teoria e prática (e não teoria ou prática). (Pimenta & Lima, 2017, p. 33)

Em vista disso, tem-se um cenário de possibilidades promovidas pelo ECS que, segundo Pimenta (2019), é resultado dos estudos envolvendo o estágio sob diferentes perspectivas, tais como: (i) estágio como e com pesquisa; (ii) estágio para aproximar as IES e escolas de Educação Básica; e (iii) estágio e a práxis na formação docente. Essas três dimensões de estágio confluem para um mesmo ponto, que é a contribuição para a formação reflexiva de professores autônomos para a tomada das suas decisões pedagógicas dentro do espaço escolar.

Nesse sentido, as contribuições advindas do ECS se relacionam com o desenvolvimento de uma postura investigativa que permite ao professor desenvolver pesquisas e construir conhecimentos para superar a reprodução de modelos pragmáticos e possibilite a transformação da realidade por meio da práxis educativa (Pimenta, 2019). Logo, o estágio não deve apresentar uma receita com práticas a ser seguida pelos licenciandos, mas criar condições para investigar, compreender e modificar, sempre que necessário e para melhor, seu ambiente de trabalho e as formas de ensinar e aprender.

Em relação às atividades, o ECS nas licenciaturas é comumente estruturado em três etapas, que são: i) reconhecer/caracterizar a escola, onde os estagiários podem explorar o ambiente físico da escola e como ele influencia a prática docente, bem como a organização, funcionamento e os sujeitos que fazem a escola; ii) observação, de maneira a possibilitar a identificação de comportamentos durante os processos de ensino-aprendizagem, além das práticas e acontecimentos durante as aulas; iii) e a regência, caracterizada pelas aulas ministradas pelo estagiário devidamente planejadas e supervisionadas (Santos & Freire, 2017). Vale ressaltar que essas atividades devem ser sempre desenvolvidas de maneira orgânica, pois no estágio não há um modelo pronto a ser seguido, representando um espaço formativo para o desenvolvimento de uma prática docente reflexiva diante dos desafios atuais e futuros da profissão docente. Nesse sentido, conforme Silva et al. (2021, p. 6):

A partir do ECS concebido como um local de reflexão do futuro profissional, alinhado ao diálogo com a escola, o licenciando construirá sua identidade docente, oportunizando o permanente debate sobre o que é se constituir profissionalmente como professor e intelectual.

Partindo desse pressuposto, a construção da identidade docente perpassa pelas crenças e concepções dos professores, mas também por habilidades que podem ser desenvolvidas durante as atividades de estágio, de forma que esse docente perceba o que está dando certo e, portanto, deve permanecer em sua prática, ou o que precisa ser alterado, bem como compreender que a profissão docente se faz na coletividade. Sendo assim, o ECS pode oferecer grandes contribuições para a contínua construção da identidade docente ao inserir os licenciandos nas escolas para vivenciar a realidade do trabalho docente de modo investigativo, reflexivo e propositor.

A construção e análise dos dados

O estudo exploratório, de abordagem qualitativa, foi desenvolvido a partir da aplicação de um questionário semiestruturado que tratava do perfil dos participantes e suas percepções acerca da realização do ECS no contexto da pandemia da covid-19. O questionário foi aplicado de forma virtual, através do Google Forms, durante os meses de novembro e dezembro de 2020, isto é, no mesmo ano em que foi decretada a pandemia e as instituições de ensino, assim como seus professores, ainda buscavam alternativas para desenvolver suas atividades de forma virtual, dada a exigência de distanciamento social para evitar a propagação do vírus causador da covid-19.

Junto ao questionário foi enviado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos participantes, também em formato virtual, em concordância com os princípios éticos da pesquisa em educação (Mainardes & Carvalho, 2019), apresentando o objetivo da pesquisa, dentre outras informações necessárias à ciência dos participantes. Para a geração dos dados, o questionário foi enviado em quatro grupos de redes sociais (2 do WhatsApp e 2 do Facebook), dos quais os autores fazem parte, compostos por professores da Educação Superior, permitindo obter respostas de participantes de diferentes regiões, instituições e realidades, sendo obtidas 16 respostas.

Por não existir a intenção de obter uma amostra probabilística, entendemos que esse número foi significativo no instante em que os grupos aos quais o questionário foi direcionado não eram compostos exclusivamente por professores vinculados ao ECS de cursos de licenciatura, e esse era o critério de participação. Não houve respostas de professores das regiões Sul, Sudeste e Norte, apenas do Nordeste e Centro-Oeste, embora os grupos tivessem professores de todas as regiões do país, nem de professores vinculados à IES privadas, mesmo não havendo restrição à participação destes no estudo, os quais também faziam parte dos grupos das redes sociais em questão.

Os participantes estão identificados neste estudo pelo termo “Docente”, seguido de um número que varia entre 1 a 16, de acordo com a ordem das respostas obtidas no questionário. A faixa etária dos participantes é diversa: 1 professor possui idade entre 20 a 25 anos, 2 entre 31 a 40 anos, 6 entre 41 a 50 anos, 6 entre 51 a 60 anos e 1 acima de 61 anos. Os participantes possuem um perfil heterogêneo, o que permitiu conhecer distintas perspectivas em relação ao ECS em diferentes cursos de licenciatura diante do ERE. O Quadro 1 apresenta algumas características dos participantes.

Fonte: os autores.

Quadro 1 Perfil dos participantes da pesquisa 

Dentre os docentes participantes, apenas 1 é professor substituto (Docente 8), sendo os demais concursados. Ainda, 9 são doutores, 6 são mestres e 1 é especialista e encontram-se distribuídos em diferentes IES públicas e estados brasileiros, havendo uma maior prevalência no Ceará e Alagoas. O material textual obtido com a aplicação do questionário foi analisado com base em seus significados e suas singularidades (Olabuenaga & Ispizua, 1989) e resultou em três categorias emergentes, apresentas e discutidas nos tópicos a seguir.

Contribuições do estágio não presencial para a formação docente dos licenciandos

O ECS tem assumido, historicamente, diferentes configurações nos cursos de formação de professores, mas ainda é comum identificar concepções de que o estágio, além de ser um momento de colocar em prática tudo aquilo que se viu na teoria durante toda a graduação, o que é uma percepção errônea e está atrelada à perspectiva técnica, serve para que os licenciandos imitem as práticas realizadas pelos professores das escolas em que realizam os estágios, e “o pressuposto dessa concepção é que a realidade do ensino é imutável e os alunos que frequentam a escola também são” (Pimenta & Lima, 2017, p. 28). Dessa forma, não há necessidade de que os estagiários reflitam sobre a prática que irão exercer, muito menos busquem modificá-la para atender a diversidade de estudantes que integra a escola.

Ainda presente nas licenciaturas, esse entendimento tem sido modificado com os avanços das pesquisas sobre o estágio, além dos contributos da Didática e de outros campos do conhecimento, resultando no fortalecimento do ECS, que tem caminhado para a superação da dicotomia posta entre teoria e prática na formação docente. O seu esvaziamento, quando visto como hora da prática (Lima, 2004), tem dado lugar a experiências que problematizam a realidade na qual os futuros professores estão inseridos, entendendo a dinâmica do processo de ensino-aprendizagem e como fatores sociais, econômicos, culturais, dentre outros, influenciam esse processo.

O que se busca com essas experiências é a superação do estágio como uma atividade burocrática, para que seja compreendido como um espaço-tempo formativo e promotor da aprendizagem da profissão docente. A pandemia da covid-19, no entanto, tem se mostrado como um grande desafio para que essa superação não seja perdida, visto que a realização total do estágio no formato não presencial não é algo comum nos cursos de formação de professores, inclusive entre os cursos à distância, cujos estágios são realizados de forma presencial nas escolas de Educação Básica.

A situação atípica da pandemia tem confrontado, cotidianamente, os professores e os cursos de licenciatura em relação ao uso das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDICs), assim como tem revelado as desigualdades socioeconômicas entre os estudantes pelo fato de que muitos deles, tanto da Educação Básica quanto da Educação Superior, não possuíam os equipamentos tecnológicos para acompanhar os estudos no regime de ERE nem os conhecimentos necessários para lidarem com essas tecnologias. Diante desse cenário, torna-se importante conhecer como o os estágios realizados de forma não presencial podem contribuir, ou não, para a formação dos licenciandos.

Essa pergunta foi feita aos professores formadores que participaram deste estudo, cujas respostas confluem para o reconhecimento de que, mesmo com as dificuldades do ERE, o estágio pode ser desenvolvido no contexto da pandemia, trazendo alguma contribuição, por menor que seja, a esses futuros professores, conforme observado nas respostas representativas a seguir.

Acredito, que mesmo com a grande perda da qualidade do ensino, nossos alunos de estágio precisam vivenciar este momento. Sabemos que momentos como estes tem levado nossos estagiários a vivenciarem experiências utilizando as TDICs, elaboração de vídeos-aula, atividades mais flexibilizadas para alunos com dificuldades e com necessidades especiais, trabalharem com algumas plataformas e aplicativos, etc. Este modelo de ensino remoto também tem contribuído com a formação dos futuros professores. (Docente 2)

Em relação às contribuições do estágio de forma remota, algumas atividades são possíveis e podem trazer aprendizado, como: observações e realização de regências em ambiente virtual (Google meet), participação em reuniões semanais de planejamento (também de forma virtual), participação em semanas pedagógicas, dentre outras atividades escolares, além de aulas e seminários temáticos com o docente da Universidade. (Docente 6)

A preparação do licenciando com estágio na forma remota é importante, até mesmo para futuramente desenvolver atividades híbridas, entretanto, ocupar a carga horária prática totalmente com atividades remotas, o aluno perderá muitas oportunidades de aprendizado. (Docente 8)

Apesar de ser uma realidade muito complicada, o estágio de forma não presencial pode possibilitar mais familiaridade do futuro professor com as Tecnologias da informação e comunicação - TICs. Mas no geral, acredito que ele deixa mais lacunas do que aprendizado ao licenciando. (Docente 16)

Nota-se a existência de possibilidades do estágio não presencial no contexto da pandemia à medida que permite aos licenciandos refletirem sobre situações atípicas, como a da própria pandemia, mobilizando nos professores conhecimentos e habilidades para o uso dos recursos disponíveis e que melhor irão servir para aquele determinado momento. Dentre esses recursos destaca-se nas respostas dos participantes o uso das TDICs por permitir que o ensino-aprendizagem ocorra em espaços não presenciais, evitando que haja a contaminação de professores e estudantes com o vírus causador da covid-19, por exemplo.

O distanciamento da formação de professores com as TDICs é um problema discutido há tempos no Brasil, embora tenha sido mais evidenciado no atual contexto da pandemia. O que se pretende não é apenas ensinar o professor a utilizar as tecnologias digitais em seu trabalho, mas explorá-las para que contribuam com novas formas de ensinar e aprender. Isso demanda processos de planejamento e avaliação bem estruturados, cuja formação docente poderá oportunizar elementos que colaborem com esses processos, pois do contrário, havendo apenas a substituição do quadro e do pincel pelo computador conectado à internet, sem mudanças atitudinais, pedagógicas e metodológicas do professor, Lopes e Fürkotter (2016) afirmam que não haverá inovação, mas a reprodução do ensino bancário, agora com uma nova roupagem.

Destaca-se a observação feita pelo Docente 6, que coaduna com a percepção do Docente 8, ao afirmar que o curso em que leciona “só ofertou uma única disciplina de estágio [não presencial] por entendermos que a oferta de todos os estágios poderia trazer prejuízo em termos de aprendizagem e vivência prática do cotidiano escolar” (Docente 6), sendo este ofertado por decisão do colegiado do curso para que os estudantes que iriam colar grau no semestre vigente não fossem prejudicados. Ao analisarmos a resposta na íntegra desse formador, nota-se que mesmo reconhecendo que o estágio não presencial permite que os estudantes realizem diversas atividades de docência e que não havia outra alternativa senão a sua realização pelos licenciandos, a percepção que fica é que o estágio não presencial poderia trazer mais prejuízos do que benefícios à formação dos futuros professores pelo fato de que não iriam vivenciar presencialmente o cotidiano da prática docente no “chão da escola”.

O Docente 10 também coaduna com esse entendimento de que as experiências presenciais são mais significativas do que as virtuais quando afirma que “a teoria e a prática devem estar integradas na formação docente. Sem campo de observação e exercício docente fica difícil uma boa contribuição”. Em outras palavras, o que se vê é uma descrença das experiências de ensino-aprendizagem de forma virtual em comparação com o formato presencial comumente vivenciado por professores e estudantes.

De fato, o presencial e o virtual são experiências que possuem significados diferentes, cada uma com suas particularidades, mas diante da realidade de uma pandemia, que no ano da realização deste estudo, em 2020, não havia vacinas nem medicamentos contra a covid-19 e causou a morte de mais de 230 mil pessoas no Brasil (Levy, 2021), acreditamos que negar as possibilidades do estágio de forma não presencial seria impedir que os estudantes vivenciassem, como futuros professores, aquele momento a fim de refletir sobre os desafios da docência postos pela própria pandemia.

Funcionamento do ECS e as orientações das IES no contexto da pandemia

O ECS desenvolvido em um cenário de pandemia carrega características e adequações únicas no que tange ao planejamento e execução de atividades de forma remota, indo além da transposição do espaço físico para o virtual, se fazendo necessário repensar esse componente curricular (Souza & Ferreira, 2020). Dessa forma, a condução das instituições de ensino quanto ao desenvolvimento das atividades de estágio no contexto da pandemia, com a adoção do ERE, é de grande relevância para que seja assegurado o mínimo de qualidade nessas experiências formativas aos estudantes das licenciaturas.

Em vista disso, os professores foram perguntados quanto aos instrumentos normativos (decretos, portarias, resoluções e documentos afins) para orientar o ECS de forma não presencial criados pelas suas respectivas IES. Dentre as respostas obtidas, apenas os Docentes 12 e 15 afirmaram que as instituições em que trabalham não tinham, até então, elaborado orientações para a adoção do ERE, e o Docente 9 afirmou que foi criada uma resolução voltada apenas para os estudantes concluintes que precisavam cursar o último estágio, não havendo discussão sobre a sua realização para os demais estudantes. As outras respostas indicam que foram criados instrumentos normativos em suas instituições, mas parte dos professores destaca uma superficialidade nesses instrumentos, pouco contribuindo para que as atividades de estágio fossem planejadas com mais qualidade, conforme algumas das respostas apresentadas a seguir.

Sim. A Pró-Reitoria de Ensino (PROEN) divulgou uma nota técnica n.9, de 10 de agosto de 2020 onde solicita às coordenações de curso que façam a readequação do ensino presencial agora para o remoto. Foi feito um caderno de orientações. (Docente 3)

Sim. Abrandou a quantidade de horas exigidas no estágio e nada mais. (Docente 4)

Sim. A Universidade realizou uma reunião com os coordenadores de estágio de todos os cursos (bacharelado e licenciatura) no sentido de escutar opiniões e construir um documento de apresentação e especificação de atividades remotas e/ou híbridas junto ao Conselho Estadual de Educação (CEE) para formalização e reconhecimento dessas atividades (remotas e/ou híbrida), dependendo da especificidade de cada curso. Para isso, cada coordenador respondeu um formulário indicando as respectivas situações para que o setor responsável possa compilar os dados e elaborar o documento para envio ao CEE. (Docente 6)

Sim. Revitalizou o fórum de estágio para reunir os professores e discutir o estágio supervisionado. (Docente 10)

Verifica-se que a preocupação institucional para adequar o ECS ao ERE devido à pandemia não teve a mesma intensidade entre as IES que criaram instrumentos normativos. Por se tratar de uma realidade que exigiu alternativas para validar o funcionamento deste componente curricular (Souza & Ferreira, 2020), o esperado seria uma discussão coletiva sobre os impactos da pandemia nas atividades de estágio e como essa experiência poderia ser significativa para os estudantes, mesmo sem terem o contato presencial com as escolas de Educação Básica.

Os Docentes 3, 6, 7 e 10, por exemplo, indicam que houve discussões a fim de que o estágio pudesse ocorrer de forma não presencial, considerando as normativas das IES de que fazem parte, enquanto os Docentes 1, 4, 5 e 16 revelam fragilidades e superficialidades nas orientações institucionais para os estágios das licenciaturas na pandemia, comprometendo a organização e realização das atividades desse componente curricular. Outro problema é apontado pelo Docente 10, expondo que as instruções “para o curso da Licenciatura ficaram a desejar. Estamos trabalhando só a parte teórica”, e essa posição se contrapõe à perspectiva de estágio como articulação da teoria e da prática defendida por Pimenta (2019).

Quando indagados sobre como estava sendo a experiência do ECS de forma não presencial entre os cursos que optaram por não interromper essas atividades mediante a adoção do ERE, alguns docentes destacaram experiências positivas e outras negativas, além daqueles que declararam não terem desenvolvido atividades de ECS nesse período, conforme as respostas a seguir.

Vejo que, com exceção dos problemas relativos à avaliação dos alunos, acesso a internet e falta de equipamentos para alguns alunos assistirem as aulas, tem sido uma experiência boa para nós e os alunos vivenciarmos esta realidade. Não sabemos como será daqui para frente!! Vejo que a qualidade do ensino não é a mesma que a presencial, mas não podemos ficar fora desse processo. Precisamos contribuir de alguma forma com a sociedade e as escolas públicas. (Docente 2)

Dadas as condições de excepcionalidade, a experiência está sendo satisfatória porque apenas uma disciplina foi ofertada e com uma quantidade pequena de estagiários, de modo que não houve dificuldades para formalização dos estágios nas escolas campo. Somado a isso […] está havendo uma participação efetiva dos licenciandos em algumas atividades remotas das escolas. (Docente 6)

Trabalho com o estágio em gestão. A experiência constituiu um desafio e, ao mesmo tempo, foi muito gratificante. Realizamos lives semanais com gestores da seduc, das ures [sic] e das principais escolas públicas do Estado. Foram momentos de muita aprendizagem para os estagiários. Mas é claro que ficou a lacuna por conta da não ida ao chão da escola. (Docente 7)

Apesar das dificuldades existentes na adoção do ERE, as quais já eram esperadas, as atividades de estágio não presencial têm trazido reflexões para a formação dos estudantes das licenciaturas. Essa aproximação dos cursos com os problemas da docência na contemporaneidade, tais como a pandemia, condiz com uma formação de professores que oferece condições para conhecer a realidade dos estudantes que atende (Pimenta, 2019), seja ela qual for, assim como para vivenciar situações atípicas na docência e que demandam do professor habilidades e conhecimentos que lhes permitam lidar com elas.

Os Docentes 8, 9, 12, 13 e 15 afirmaram que as atividades de estágio nos cursos que lecionam não estavam sendo realizadas de forma não presencial, mesmo a maioria desses professores pertencer à IES que criaram instrumentos normativos para a adequação das atividades de ensino ao contexto da pandemia. Dentre os diversos aspectos que contribuíram para a paralisação das atividades dos componentes de estágio nas licenciaturas que esses professores lecionam, destacamos a resposta do Docente 9, quando afirma: “Reconhecemos as dificuldades da instituição com internet e principalmente das escolas que também possuem suas limitações, o momento exige compreensão e empatia de todos e todas”, e do Docente 13, que diz ter iniciado as aulas de estágio não presencial, mas foi decidido pela IES que “todas as aulas do ano 2020 foram canceladas, considerando que nem todos os alunos estavam participando das aulas e o fórum [da Universidade] vai discutir como será o estágio em 2021”, ou seja, passado um ano do início da pandemia.

Por sua vez, os Docentes 1, 11 e 16 se queixam das dificuldades que foi desenvolver atividades de estágio junto aos estudantes de forma não presencial, especialmente em virtude de questões como o uso das tecnologias digitais. Isso tem feito com que formadores como o Docente 10, por exemplo, tenha realizado apenas atividades “teóricas”, conforme destacou, dissociada da prática, revelando uma concepção preocupante que dicotomiza esse componente curricular e não vê a possibilidade de que o ERE permita a efetivação da práxis. Por outro lado, mesmo diante das incertezas, o Docente 14 destacou: “[…] pelo menos os licenciandos estão vivendo uma situação ímpar de aprendizagem diante do imprevisto. Eles têm mais facilidade de utilizar os recursos tecnológicos disponíveis. Em síntese, há muitas perdas e alguns ganhos”.

As tecnologias digitais assumem um importante papel na efetivação das experiências planejadas pelos professores formadores e que deverão ser vivenciadas pelos estudantes das licenciaturas. À medida que esses recursos são vistos como a possibilidade mais viável de não interromper totalmente as atividades de ensino na pandemia, sendo adotado o ERE, também são vistos como um dos principais obstáculos para que haja uma migração do ensino presencial para o não presencial, pois professores e estudantes, tanto da Educação Superior quanto da Educação Básica, possuem limitações, de diversas ordens, para lidarem com esses recursos. Entre os professores essa questão é ainda mais latente, pois as atividades não presenciais devem ser planejadas visando ao pleno desenvolvimento dos seus estudantes.

Nessas circunstâncias, o uso de tecnologias digitais no ensino demanda escolhas de recursos e procedimentos a serem efetivadas, exigindo apropriação tecnológica e pedagógica pelos docentes a fim de que tenham clareza sobre a finalidade a ser alcançada na relação pedagógica com os estudantes. (Gomes et al., 2021, p. 8)

Em virtude do que foi apresentado, é notável que a organização e o planejamento institucionais são fundamentais para a garantia de um melhor aproveitamento do ECS de forma não presencial, assim como as condições adequadas para ser desenvolvido no que tange à existência de recursos tecnológicos disponíveis. Esse cenário tem gestado desafios, mas também possibilidades de ensinar e aprender, conforme já destacado por alguns professores, cuja discussão será aprofundada no próximo tópico.

Desafios e possibilidades da realização do ECS mediado pelo ERE

De acordo com Ferraz e Ferreira (2021), embora o ERE impossibilite a interação presencial com a escola e com os seus sujeitos, comprometendo o processo formativo e investigativo da docência, ele pode promover um processo de ressignificação das formas de ensinar e aprender, permitindo a vivência da docência em ambientes virtuais e para pensar diferentes formas de mediar a construção do conhecimento. Nessa perspectiva, buscamos conhecer quais desafios e possibilidades os professores formadores identificaram nas atividades de ECS não presencial em relação ao presencial mediante a migração para o ERE.

As respostas indicam que o estágio não presencial na pandemia gerou mais desafios do que possibilidades que poderiam contribuir com a formação dos licenciandos. A maior parte desses desafios, conforme as respostas, resultou do uso das tecnologias digitais para ensinar e aprender em um contexto onde uma parcela significativa dos estudantes não possui acesso aos equipamentos para assistir as aulas, aliada ao fato de que, historicamente, os professores, seja da Educação Básica ou Superior, não possuem formação que os permitam explorar esses recursos na prática pedagógica de forma inovadora, conforme destacou o Docente 13, ao afirmar que “falta aos professores a formação tecnológica necessária para o uso dos vários aplicativos disponíveis na internet”.

Partindo dessa ótica, Bandeira e Mota (2021) apontam que o ERE tem contribuído para a formação docente por possibilitar a construção de um profissional mais familiarizado com as TDICs em comparação com os professores que concluíram a graduação antes da pandemia e que não vivenciaram o cenário de ERE durante sua formação. Contudo, destacamos que o contexto da pandemia tem resultado mais em uma aprendizagem pelo uso do instrumento do que por meio de análises críticas sobre as tecnologias digitais na educação como parte do currículo dos cursos de licenciatura. Mesmo assim, acreditamos que realizar o ECS de forma não presencial pode oportunizar experiências importantes e significativas para os licenciandos em relação aos desafios da docência quanto às tecnologias digitais, embora a falta ou a dificuldade de acesso à internet e aos recursos materiais seja um grande desafio para a manutenção do ERE e, consequentemente, para o ECS, o que pode limitar a realização das atividades formativas desse componente curricular.

É certo que os desafios relacionados à interação dessas tecnologias com a docência só serão superados mediante a criação de políticas públicas educacionais que visem trabalhar com os professores conhecimentos e habilidades para um melhor uso destas, tanto na formação inicial quanto na continuada, assim como permitir que os estudantes tenham acesso facilitado aos recursos tecnológicos. Nesse sentido, Santos e Santos (2020) refletem que dentro da radicalidade da pandemia foram tomadas decisões rápidas sem a formação especializada para esse cenário, gerando ainda mais incertezas, mas também reconhece que essa é uma possibilidade de se repensar a formação de professores com o direcionamento para as tecnologias digitais no ensino.

As respostas dos formadores apresentadas a seguir dão indícios de preocupações em relação à qualidade da formação dos licenciandos que não puderam vivenciar as atividades de estágio de forma presencial, o que os formadores acreditam fazer diferença na formação docente.

O contato direto com os alunos, olho a olho. Os alunos não conseguem se esquivar no presencial. A distância, é só não responder, ou não ligar a câmera ou simplesmente sair da conexão. Presencialmente, é possível, fazer atividades práticas, de escritas, de fala; vitualmente depende de inúmeras condições. (Docente 4)

Ao meu ver, a principal diferença e desvantagem do estágio não presencial é a falta da vivência direta dos estagiários com os alunos das escolas e outras atividades escolares, fato que pode trazer prejuízos formativos em alguns pontos cruciais, como, por exemplo: gestão de sala de aula, observação de aulas com situações presenciais comuns e realização de regências com as eventuais dificuldades encontradas em uma aula presencial. (Docente 6)

O estudante não vivência o futuro campo de trabalho. É péssimo remotamente. (Docente 10)

No presencial, há o alarido de crianças, jovens e adultos. Ao conduzir a aula, a gente olha nos olhos das pessoas e sente a interação. No remoto, impossível saber, difícil ouvir, complicado mediar a interação. No presencial, tratamos os fundamentos teóricos no diálogo. No remoto, os autores estão lá, postados. Não é fácil abrir um diálogo que flua de modo consistente. (Docente 14)

Falta sobretudo o acompanhamento real, no chão da escola pelo estagiário. Essa vivência dentro da escola, na sala de aula, nos momentos de planejamento, de festas comemorativas, no desenvolvimento de vários projetos da escola, tudo isso possibilita um grande aprendizado para o estagiário. (Docente 16)

É fato que não há como transpor para o ERE as experiências que seriam obtidas no espaço físico da escola em condições de ensino presencial, mas deve-se pensar o ECS “à luz de estratégias que considerem as atividades formativas do ensino remoto, tanto já integrantes ao currículo do curso, ou propostas a partir da necessidade de replanejamento advinda da pandemia” (Souza & Ferreira, 2020, p. 3). Dessa forma, o ECS não presencial pode transcender as perspectivas do que falta para a formação docente, focalizando no que pode ser feito para manter os processos formativos essenciais, tais como a práxis transformadora da realidade (Pimenta, 2019).

Diante do exposto, é possível inferir que as respostas dos formadores apresentadas neste estudo se encontram inclinadas para duas vertentes: as dificuldades e limitações do ECS virtual em face da ausência das relações orgânicas que são estabelecidas presencialmente no cotidiano da escola e que são importantes para que os licenciandos identifiquem e reflitam no seu fazer docente; e as perspectivas e os desafios da interação de professores e estudantes com as tecnologias digitais, indicando a importância da inserção dessa temática na formação docente, sobretudo considerando o fato de que essa interação na pandemia se deu com características involuntárias e de forma emergencial, e não através de um processo mais reflexivo e com menos tensões.

Considerações finais

A pandemia da covid-19 tem modificado significativamente as formas de ensinar e aprender vigentes nas instituições de ensino, especialmente gerando desafios para a docência, que se viu, constantemente, questionada em relação à formação dos professores e às suas condições de trabalho diante da migração das atividades presenciais para o virtual com a adoção do ERE. Assim, este estudo investigou e analisou percepções de professores formadores responsáveis por componentes curriculares de estágio em diferentes cursos de licenciatura, considerando os desafios e as possibilidades postas pela pandemia para a formação docente.

Os dados revelam questões importantes sobre o ECS das licenciaturas na pandemia, iniciando pelas incertezas que os formadores tiveram diante da reorganização desse componente curricular para que as atividades pudessem acontecer de forma não presencial, passando pelos debates e movimentos institucionais que visaram e ainda visam se adaptar à uma rotina moldada por uma pandemia, até chegar na identificação de possibilidades formativas para os estudantes das licenciaturas durante o estágio, permitindo reflexões e ressignificações na docência diante dos seus desafios.

A dissociação entre teoria e prática ainda é uma percepção presente entre alguns dos professores formadores que participaram deste estudo, embora em menor quantidade, mas que, ao nosso ver, denota um fator que pode dificultar ainda mais com que esses profissionais permitam que os seus estudantes vivenciem, da melhor forma possível, essa situação atípica da pandemia na docência. Os desafios podem superar as possibilidades, conforme verificou-se nas respostas dos participantes, mas acreditamos que estes não podem anular a existência das atividades não presenciais de estágio e seus contributos à formação dos licenciandos.

Entendemos que o estágio não pode ser deixado de lado no contexto virtual em virtude da impossibilidade de os estudantes das licenciaturas vivenciarem a rotina escolar para além da sala de aula, conforme acontece no estágio presencial. Assim, os professores formadores assumem um importante papel nesse contexto por serem os responsáveis pelo planejamento das atividades que os licenciandos deverão realizar, as quais devem ser significativas e gerar contribuições para a construção da identidade docente. Emerge, ainda, a necessidade de aproximar a formação docente das tecnologias digitais, em condições mais reflexivas e não apenas por imposição da emergência de uma pandemia ou situação similar, para que professores e estudantes possam vivenciar mais possibilidades do que dificuldades no ensino-aprendizagem não presencial.

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Recebido: 08 de Março de 2022; Aceito: 19 de Abril de 2022

Contribuição na elaboração do manuscrito

Os autores contribuíram igualmente na elaboração do manuscrito.

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