SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28The World Bank's influence on the educational policy of the State of ParanáScience education and media: the diffusion of the twinning phenomenon in Cândido Godói author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Share


Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.28  Brasília Jan./Dec 2022  Epub May 24, 2022

https://doi.org/10.26512/lc28202241860 

Artigos

Implementação do SIMADE: análise da atuação dos diretores escolares

Implementación del SIMADE: análisis del desempeño de los directores escolares

Implementation of SIMADE: analysis of the performance of school principals

Carla da Conceição de Lima1 
http://orcid.org/0000-0003-0929-5450

1Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2019).


Resumo

Este artigo analisa a implementação do Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE) a partir da discricionariedade dos burocratas de médio escalão: os diretores da rede estadual. Metodologicamente trata-se de uma pesquisa quantitativa em que se constata: um distanciamento entre a formulação e a implementação da política; a produção de novas regras no tocante ao acesso e uso do sistema; a implementação voltada para o uso administrativo ou pedagógico do SIMADE. Portanto, há um contínuo exercício de discricionariedade, por meio do qual os diretores escolares constroem políticas diversas no contexto da rede estadual de Minas Gerais.

Palavras-chave Implementação de Política Pública; SIMADE; Diretor Escolar

Resumen

Este artículo analiza la implementación del Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE) a partir de la discrecionalidad de los burócratas de rango medio: los directores del sistema escolar. Metodológicamente, se trata de una investigación cuantitativa en la que se constata: un distanciamiento entre la formulación y la implementación de la política; la producción de nuevas reglas de acceso y uso del sistema; la implementación centrada en el uso administrativo o pedagógico del SIMADE. Por lo tanto, existe un ejercicio continuo de la discrecionalidad, mediante el cual los directores de las escuelas construyen diversas políticas en el contexto de la red pública estatal de Minas Gerais.

Palabras clave Implementación de Políticas Públicas; SIMADE; Director de la escuela

Abstract

This article analyzes the implementation of the Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE) from the discretion of middle-level bureaucrats: the principals of the state public schools. Methodologically, it is a quantitative research in which it is observed: a gap between the formulation and the implementation of the policy; the production of new rules regarding the access and use of the system; implementation aimed at the administrative or pedagogical use of SIMADE. Therefore, there is a continuous work of discretion through which school principals build different policies in the context of the public state network of Minas Gerais.

Keywords Public Policy Implementation; SIMADE; School Principal

Keywords Public Policy Implementation; SIMADE; School Principal

Abstract

This article analyzes the implementation of the Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE) from the discretion of middle-level bureaucrats: the principals of the state public schools. Methodologically, it is a quantitative research in which it is observed: a gap between the formulation and the implementation of the policy; the production of new rules regarding the access and use of the system; implementation aimed at the administrative or pedagogical use of SIMADE. Therefore, there is a continuous work of discretion through which school principals build different policies in the context of the public state network of Minas Gerais.

Keywords Public Policy Implementation; SIMADE; School Principal

Keywords Public Policy Implementation; SIMADE; School Principal

Introdução

O conceito de Política pública conta com diferentes definições. Algumas ressaltam o poder, os atores, as organizações, enquanto outras se voltam para a lógica de ação e intervenção do Estado em setores específicos (Dye, 1984; Höfling, 2001). De acordo com Souza (2003), política pública é “um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos” (Souza, 2003, p. 24). Envolvidas em interesses e disputas, as políticas públicas são elaboradas considerando aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais de uma determinada sociedade, que definem seus contornos e contextos, bem como os arranjos com diferentes instâncias.

Como referencial analítico, as pesquisas têm adotado o ciclo de políticas públicas (Mainardes et al., 2011) com fases que se sobrepõem ou se mesclam — Agenda, Formulação, Implementação e Avaliação —, ou a investigação em apenas uma destas fases (Lotta, 2014; 2015; Giusto & Ribeiro, 2019). E a menos proeminente nos estudos é a implementação, pois, tanto na literatura nacional quanto na internacional, há limitada quantidade de trabalhos que investigam os elementos e fatores que a influenciam (Dye, 1984; Oliveira, 2019; Muylaert, 2019).

Esta constatação também é encontrada nos estudos sobre a política pública Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE), sistema de gestão escolar implementado desde 2008 pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG), e em parceria com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF) [2] , nas escolas da rede pública estadual de Minas Gerais. Pesquisas sobre o SIMADE (Fonseca, 2014; Salgado, 2014; Tomaz, 2015; Balduti, 2017) apresentam as fases da política pública, mas a implementação é analisada de forma operacional, linear, privilegiando a hierarquização das atividades realizadas no sistema. Os modelos de análise destas pesquisas pouco estabelecem interlocução com os debates da literatura nacional e internacional e há restrita observação da atuação dos agentes educacionais e dos sentidos e significados que eles atribuem ao sistema e aos seus dados.

A implementação é um processo complexo, que envolve a subjetividade dos agentes que, ao interpretarem os textos das políticas públicas a partir de suas experiências, valores e crenças, tornam esta fase de grande imprevisibilidade (Lima, 2019). Em virtude disto há, na implementação, uma significativa margem de discricionariedade exercida pelos atores escolares, onde os limites efetivos de seu poder os deixam livres para fazer uma escolha entre possíveis cursos de ação e inação (Bonelli et al., 2019). De acordo com Mota et al. (2019), o exercício da discricionariedade é inevitável e necessário, visto que as regras formais não podem dar conta de todos os casos concretos, sendo imprescindível que o agente exerça seu poder para que a organização se amolde à realidade, funcione e atenda às pessoas. Segundo Lotta (2015), a discricionariedade passa a ser vista “[…] não apenas como uma evidência empírica, mas quase como um ideal normativo, na medida em que fica comprovada a importância da autonomia para o reconhecimento da realidade na implementação das políticas públicas” (Lotta, 2015, p. 28).

Na implementação do SIMADE a discricionariedade pode ser exercida pelos burocratas de médio escalão (BME), que possuem uma posição intermediária entre o topo e a base da estrutura organizacional, operacionalizando as políticas públicas que o alto escalão formula (Muylaert, 2019). Ou seja, são os “atores responsáveis por interagir com seus subordinados e garantir deles complacência para implementação das regras desenhadas por níveis superiores” (Fuster, 2016, p. 7). No contexto do SIMADE, este ator é o diretor, o qual, além de ter um papel essencial na organização do trabalho escolar, liderando e coordenando a rotina das unidades de ensino (Drabach & Souza, 2014), coloca “em ação os elementos do processo organizacional (planejamento, organização, avaliação) de forma integrada e articulada” (Soares & Teixeira, 2006, p. 157).

Tendo em vista a caracterização deste agente e a delimitação da fase de implementação de uma política pública, o objetivo deste artigo é analisar a implementação do SIMADE a partir da discricionariedade dos burocratas de médio escalão, os diretores escolares da rede pública estadual de Minas Gerais. Em última instância, busca-se compreender a burocracia de médio escalão no contexto educacional mineiro a partir do perfil, atuação e relações estabelecidas pelos diretores escolares no acesso e uso do SIMADE.

As fases da política pública SIMADE

Mesmo com a escassez de estudos sobre a política pública SIMADE (Lima, 2019), as pesquisas (Fonseca, 2014; Salgado, 2014; Tomaz, 2015; Balduti, 2017) permitem a observação da inter-relação entre as fases e as nuances políticas, históricas, econômicas e educacionais de Minas Gerais na instituição e implementação do SIMADE.

A fase Agenda, onde “as pautas são definidas de acordo com as demandas sociais, políticas ou econômicas, sobre a qual agem distintos interesses socioeconômicos” (Giusto & Ribeiro, 2019, p. 2), teve início entre 2007 e 2010, na segunda etapa do Choque de Gestão [3] , cujo intuito era melhorar a qualidade e reduzir custos dos serviços públicos mediante a reorganização do arranjo institucional e do modelo de gestão (Duarte et al., 2016). Neste período adotou-se a contratualização de resultados, com pactuação de objetivos e metas entre o governo e as instâncias intermediárias e locais, e o controle de resultados (Duarte et al., 2016).

Além da contratualização dos resultados, havia a necessidade de monitoramento em tempo real das escolas, de modo que fosse possível racionalizar gastos e melhorar os resultados educacionais, porque reiteradamente o Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública (SIMAVE [4] ) indicava um desempenho discente aquém do esperado. Ademais, era preciso avaliar de modo mais eficaz as ações e resultados das intervenções governamentais. Soma-se a isto a introdução das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), com iniciativas do governo federal, com o Programa Nacional de Tecnologia Educacional (PROINFO Integrado [5] ), e de Minas Gerais, com o Projeto Escolas em Rede, que distribuíram computador e internet nas escolas (Balduti, 2017).

É neste contexto que emerge o esboço da política pública SIMADE, com intuito de promover melhorias de rendimento e desempenho, reduzir os gastos nas escolas e usar os benefícios tecnológicos oferecidos pela TIC como, por exemplo, acompanhamento em tempo real e visualização dos dados em vários formatos, para instituir uma política de pactualização de resultados em que o diretor é o responsável por “prestar contas dos resultados educacionais, transformando-o no principal responsável pela efetiva concretização de metas e objetivos, quase sempre hierarquicamente definidos” (Duarte et al., 2016, p. 202).

Na etapa Formulação, “que especifica os planos de ação, também caracterizada por debates, articulações de interesses e tomadas de decisões” (Giusto & Ribeiro, 2019, p. 2), o SIMADE estabeleceu-se a partir da Resolução SEE n.º 1.180 (Minas Gerais, 2008), que determinou o desenho desta política pública. A formalização do processo foi decisiva e definiu o grau de centralização/descentralização, os mecanismos fiscalizatórios, as diretrizes e orientou a implantação, além da atuação dos burocratas de médio escalão, responsabilizando-os pelas inserções e atualizações dos dados de suas escolas.

A Resolução SEE n.º 1.180 (Minas Gerais, 2008, p. 1) promulga quanto à interpretação do papel do diretor no artigo 6º:

É responsabilidade do Diretor da Escola a entrada dos dados no SIMADE, a sua fidedignidade e a sua atualização periódica.

Parágrafo único. A alteração de dados do SIMADE só poderá ser feita por servidor que tenha autorização expressa do Diretor da Escola.

A resolução permitiu que o diretor atuasse como usuário do sistema, isto é, o burocrata de nível de rua (aqueles que atuam diretamente no contato com os usuários dos serviços públicos, afetando o desempenho, a qualidade e o acesso aos bens e serviços promovidos pelo governo), ou como um BME. Como constatado nas pesquisas de Fonseca (2014), Tomaz (2015) e Balduti (2017), no contexto escolar, poucos diretores (cerca de 20%) afirmam exercer esta dupla atuação, uma vez que em decorrência das tarefas diárias e da complexidade da função de diretor, o usuário do sistema é o secretário escolar e os demais integrantes da equipe da secretaria da escola. Portanto, no contexto do SIMADE, estes profissionais são os burocratas de nível de rua.

A fase seguinte, Implementação, é caracterizada como “o momento em que as diretrizes são colocadas efetivamente em prática junto ao público-alvo” (Giusto & Ribeiro, 2019, p. 2). Tradicionalmente, os estudos sobre implementação de políticas públicas tendiam a focalizar a execução das atividades instituídas de cima para baixo, como apontado por Lotta (2015) e Oliveira (2019), em uma perspectiva analítica denominada policy-centered. O objetivo da implementação era atingir metas previamente definidas no processo de formulação das políticas, sendo consideradas prescritivas e hierárquicas, como no modelo top down, no qual os atores eram subordinados aos tomadores de decisões e havia uma tradução automática entre decisão e ação. Poderiam ser também descritivas e flexíveis, como no modelo bottom up, que surgiu nas décadas seguintes e valoriza a observação da efetividade e avaliação das políticas, bem como os fatores que ocasionam falhas no processo de implementação. Em ambos os casos, ao se analisar a implementação, havia um distanciamento entre a formulação e a execução, separando administradores e executores, fazendo com que se considerasse a existência de distintas formas de implementação, com diferentes motivações e graus de autonomia dos implementadores (Muylaert, 2019; Oliveira, 2019).

Rompe-se, portanto, com a perspectiva linear em que as políticas públicas são implementadas conforme elaboradas e descritas na formulação, uma vez que há, na implementação, um processo de releituras, reinterpretações, mudanças de significados e traduções pelos atores, ao colocarem a política pública em prática. Esta perspectiva de política pública valoriza a negociação e a ação, sendo considerada uma segunda geração de estudos sobre implementação.

Estudos recentes (Lotta, 2015; Oliveira, 2019; Muylaert, 2019), sintetizando as contribuições dos modelos de análise anteriores, compreendem o processo de implementação como central e contínuo, no qual um dos elementos base de análise é a discricionariedade dos agentes implementadores e dos burocratas de médio escalão. Neste sentido, a discricionariedade “passa a ser focalizada em um movimento de olhar a implementação como um conjunto de tensões, interações e estratégias, que envolvem as tomadas de decisão” (Oliveira, 2019, p. 3).

A implementação do SIMADE, pautada no modelo top down, começou em janeiro de 2008, com a participação de 56 instrutores e 9 analistas [6] subordinados ao CAEd/UFJF, o qual, em parceria com SEE/MG, coordenou e acompanhou toda a implementação nas 3.920 escolas estaduais [7] . A partir de março de 2010, com o sistema já na versão on-line [8] , a implementação ficou a cargo dos técnicos das 43 [9] Superintendências Regionais de Ensino (SREs), embora o suporte [10] aos usuários do sistema ainda fosse realizado pelo CAEd. Em outubro de 2016, o SIMADE passou a ser administrado somente pela SEE/MG, embora o CAEd ainda fosse responsável pelo suporte aos usuários do sistema até dezembro do mesmo ano. Em janeiro de 2017, o SIMADE se tornou responsabilidade exclusiva da SEE/MG e o atendimento aos usuários passou a ser realizado pelas equipes das SREs (Balduti, 2017).

A fase da avaliação, “que se utiliza de algum instrumento de mensuração para verificar os resultados obtidos, comparando-os com as especificações formuladas e os objetivos planejados” (Giusto & Ribeiro, 2019, p. 2), tem sido realizada por meio de pesquisas mistas (Fonseca, 2014; Tomaz, 2015; Balduti, 2017) ou qualitativas (Salgado, 2014). Tais pesquisas indicam haver pouco detalhamento quanto à formulação da política, restando apenas o prescrito pela Resolução 1.180 (Minas Gerais, 2008), e que a implementação não apresenta interlocução com as demandas das escolas e com os profissionais à frente da gestão, posto que se utilizou o modelo top-down. Além disto, a avaliação foca nos efeitos do sistema, sem associá-los a uma análise das fases do ciclo de políticas públicas e burocratas implementadores de diferentes escalões envolvidos no desenvolvimento, acesso e uso do sistema. Há, portanto, necessidade de se introduzir na pauta analítica a atuação dos burocratas implementadores e sua discricionariedade na política pública SIMADE.

Burocratas de Médio Escalão: os diretores escolares da rede estadual de Minas Gerais

Nas últimas décadas, a literatura sobre políticas públicas fez avanços importantes na compreensão sobre o papel dos burocratas no processo de formulação das políticas. No entanto, os estudos focalizaram, especialmente, os burocratas de alto escalão e os de nível de rua, sendo estes os destaques do campo, desconsiderando a relevância dos burocratas de médio escalão em diferentes instâncias dos governos e da gestão pública e privada (Mota et al., 2019; Cavalcante et al., 2017).

Por ocuparem uma posição intermediária, os burocratas de médio escalão estão no “limbo” conceitual entre os modelos top-down e bottom-up, ao se situarem entre o topo e a base (Oliveira & Abrucio, 2018), pela variedade e heterogeneidade de atores em distintos contextos setoriais e institucionais, além das especificidades dos cargos (Pires, 2015). Os burocratas de médio escalão são difíceis de serem compreendidos porque sua definição se dá em relação à posição ocupada em cada política ou em cada estrutura governamental, em detrimento de características específicas, próprias e iguais em todos os órgãos e políticas públicas (Lotta et al., 2014).

No entanto, Lotta et al. (2014) e Oliveira (2019), em extensa revisão das publicações nacionais e internacionais, observam que a literatura vem realizando alguns progressos. Dentre eles, pode-se citar a percepção de semelhanças e diferenças entre os burocratas de médio escalão, já que cada contexto envolve realidades específicas que determinam quem são e o que fazem.

O referencial teórico sobre burocratas implementadores, oriundo das Ciências Políticas e recém-apropriado no campo da educação, em estudos sobre implementação (Lotta, 2014; Mota et al., 2019), compreende o diretor escolar – funcionário vinculado a uma unidade de ensino federal, estadual ou municipal, ocupante de um cargo comissionado – como BME. Por mais que o diretor escolar tenha contato diário com os discentes e/ou sua família/responsável (que são os beneficiários do serviço educacional) por meio de suas tarefas, o conjunto de suas atribuições são de profissionais que atuam no nível intermediário da hierarquia burocrática, ou seja, as tarefas do diretor fazem com que ele seja um elo entre o alto escalão e o nível de rua. Desta forma, baseando-se na literatura sobre agentes implementadores (Cavalcante & Lotta, 2015; Lotta et al., 2014; Muylaert, 2019), considera-se o diretor de escola um BME.

De acordo com Lotta et al. (2014, p. 465), os burocratas de médio escalão são “atores que desempenham função de gestão e direção intermediária (como gerentes, diretores, coordenadores ou supervisores) em burocracias públicas e privadas”, nos processos de implementação de políticas públicas. Os BME atuam para transformar as estratégias políticas em decisões operacionais e, para tal, estabelecer conexões horizontais (com colegas) e verticais (com subordinados e superiores hierárquicos), auxiliando também na compreensão de como a administração pública funciona (Cavalcante et al., 2017).

Na política pública SIMADE, os burocratas de médio escalão são os diretores escolares responsáveis pela manutenção e atualização periódica do sistema, atendendo aos desígnios da SEE/MG, bem como coordenando a atuação dos secretários escolares no uso do sistema. Em Minas Gerais, o cargo de diretor escolar é ocupado por funcionários públicos — contratados ou efetivos — que participaram de um processo de Certificação Ocupacional [11] . Este processo visa selecionar profissionais da educação que possuam conhecimento técnico, aferido por meio de prova, e que também sejam escolhidos pela comunidade escolar via eleição para assumir o cargo de diretor das escolas estaduais (Fonseca, 2014; Tomaz, 2015). Desta maneira, ao estar investido em um cargo público, o diretor exerce um papel administrativo que o vincula ao poder que o nomeou quanto à escola que dirige e representa, fazendo um elo entre o Estado e a comunidade escolar (Muylaert, 2019). Assim, o diretor se conecta ao alto escalão, SEE/MG, e à escola e a todos os atores que a compõem.

No cotidiano das escolas, os diretores como BME desempenham um duplo papel: técnico-gerencial e técnico-político. Como técnico-gerencial, “as ações dizem respeito a como esses burocratas traduzem as determinações estratégicas em ações cotidianas nas organizações, construindo padrões de procedimentos e gerenciando os serviços, portanto, os burocratas implementadores” (Lotta et al., 2014, p. 472). O segundo papel, técnico-político, diz respeito a “como esses atores constroem negociações e barganhas relacionadas aos processos em que estão envolvidos e sua relação com o alto escalão” (Lotta et al., 2014, p. 473). Este papel, entretanto, depende diretamente da posição do BME na cadeia de atores, entre a formulação e a implementação.

Portanto, a atuação dos agentes e as relações que estabelecem possibilitam compreender os processos de implementação das políticas públicas. De acordo com Lotta et al. (2014), a ausência na literatura sobre os burocratas de médio escalão merece maior atenção devido ao fato de oferecer ganhos analíticos e interpretativos importantes, além da compreensão dos efeitos na implementação e sua rede de interações e processos.

Caminhos metodológicos

Este artigo resulta de uma pesquisa desenvolvida no Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Tendo como objeto de estudo o SIMADE e a discricionariedade dos diretores escolares, esta pesquisa adotou a abordagem mista, combinando técnicas de coleta e análise qualitativa e quantitativa.

Para tal, em 2019 aplicou-se um questionário on-line para 3.444 diretores de escolas que ofertam o ensino regular e atendem 2.137.891 alunos da rede estadual de Minas Gerais. O instrumento foi composto de 38 questões que versavam sobre o perfil do respondente, acesso e uso do SIMADE. Por se tratar de uma pesquisa realizada com seres humanos, tanto a SEE/MG como cada diretor escolar assinaram, virtualmente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme solicitado pelo Comitê de Ética da PUC-Rio, ao qual este trabalho foi submetido e aprovado. Para preservar o anonimato dos respondentes foram atribuídos nomes fictícios a cada resposta dos diretores.

Os 586 questionários que retornaram respondidos pelos diretores escolares foram analisados por meio do software SPSS (versão 18), que possibilitou traçar o perfil dos respondentes e as características de acesso e uso do SIMADE, bem como identificar a discricionariedade exercida pelos burocratas de médio escalão.

Em seguida, selecionamos a questão aberta “Qual a sua responsabilidade em relação ao SIMADE?”, que possibilitou um espaço de expressão menos guiada do respondente sobre o tema, para compreender a discricionariedade do diretor. As 586 respostas foram compiladas a partir da análise de conteúdo que, segundo Carlomagno e Rocha (2016, p. 175), “se destina a classificar e categorizar qualquer tipo de conteúdo, reduzindo suas características a elementos-chave, de modo com que sejam comparáveis a uma série de outros elementos”. Para o tratamento dos dados, a técnica da análise categorial baseou-se em diferenciar os núcleos de sentido que constituem a comunicação para, posteriormente, reagrupá-los em categorias. Assim, encontramos duas categorias: administrativa, composta por 525 escolas; e pedagógica, formada por 27 escolas.

Características dos BME

Nas 586 escolas, 93,3% dos respondentes exercem a função de diretor escolar e apenas 6,7% ocupam a função de vice-diretor, sendo, predominantemente, mulheres (72,1%) que ascenderam à função por meio de processo seletivo e eleição (94,5%). No que diz respeito à cor, há predominância da cor branca (50,5%), seguida da parda (41,1%), resultado semelhante ao observado por Soares e Teixeira (2006). A média de idade é de 48 anos, embora as faixas etárias que predominam sejam a de 41 a 50 anos (39,9%) e de 51 a 60 anos (38,6%), semelhante ao resultado dos estudos de Tomaz (2015) e Balduti (2017).

Grande parte dos diretores (96,7%) já trabalharam como regentes na educação básica, com média de 15 anos, ao passo que como diretor de escola e na direção da escola atual (em que participa do survey), a média é de menos de 2 anos. Como cada mandato dura quatro anos, estes diretores e vice-diretores estão em seu primeiro mandato, como ilustrado no gráfico a seguir:

Fonte: Lima (2019, p. 85).

Gráfico 1 Tempo na direção desta escola[12] 

O gráfico também indica que há significativa rotatividade no cargo, pois, apenas 38,5% dos diretores estão há mais de 6 anos como diretor. Este resultado está associado à própria legislação do estado de Minas Gerais que, até 2018, possibilitava apenas uma reeleição consecutiva ao cargo de diretor. A ascensão ao cargo por processo seletivo e eleição, segundo Lima (2019), permite uma escolha mais consistente ao selecionar os melhores candidatos, usando a competência técnica e a apreciação da comunidade escolar.

No que se refere à escolaridade, os gestores são, majoritariamente, graduados em Pedagogia e Matemática, respectivamente 8% e 6%, Biologia, Letras e História, cerca de 5% cada [13] . Entre os diretores, conforme já observado em inúmeras pesquisas (Balduti, 2017; Tomaz, 2015), predominam os que possuem pós-graduação, cerca de 70%, e 6% concluíram o curso de Gestão Escolar, 5,4% de Supervisão, 4% de Matemática, 3,7% de Psicopedagogia e 3,1% de Inspeção Escolar.

Cerca de 60% dos diretores consideram que possuem boa relação de trabalho com os secretários escolares, sendo esta fundamental para o funcionamento da unidade escolar em âmbito administrativo e para o uso do SIMADE. Lima (2019) observa que a percepção sobre o ambiente está significativamente associada a um forte alinhamento dos atores escolares em relação à missão e à visão que compartilham sobre a unidade de ensino.

Dentre os 586 diretores, 65% afirmam dedicar entre 1 hora a 5 horas semanais às relações externas, que incluem reuniões e/ou contato com a Superintendência Regional de Ensino (SRE), que repassa as orientações da SEE/MG. Ou seja, fica mais fácil ter complacência com as regras e normas advindas dos burocratas de alto escalão (Fuster, 2016), às vezes de maneira inovadora e às vezes conservadora (Oliveira, 2019), isto é, com uma flexível margem de discricionariedade.

Estes resultados também destacam a dimensão relacional da atuação dos BME, os quais, por estarem no nível intermediário, com relações de trabalho horizontais e verticais, possuem informações que regulam seus relacionamentos, além de manter o fluxo frequente de monitoramento da escola (Cavalcante et al., 2017).

Eles constroem (ou produzem) sua posição por meio da gestão desses fluxos informacionais — eles cobram com maior ou menor intensidade, decidem o que “sobe” e o que “não sobe”, […], decidem como equilibrar os tensionamentos entre os diversos atores com os quais interagem, eles administram as providências e os encaminhamentos necessários. (Pires, 2015, p. 217)

Assim, são os burocratas de médio escalão que definem o funcionamento da escola, articulando as relações horizontais e verticais, construindo consenso entre os atores para alcançarem seus objetivos. São, portanto, um agente intermediário entre o alto escalão e os burocratas de nível de rua.

O papel dos diretores escolares na implementação do SIMADE

A implementação das políticas públicas, segundo Mota et al. (2019), deve ser considerada para observar a atuação dos atores, como também no potencial de ajustes que esta etapa representa em relação à formulação da política. No que tange ao uso do SIMADE, especificamente relacionado à frequência de acesso, apenas 7,84% dos diretores afirmaram não usar o sistema e aproximadamente 20% relatam que o uso ocorre através dos funcionários da secretaria, ou seja, eles não o acessam diretamente. Cerca de 70% dos diretores acessam frequentemente o sistema.

A formulação da política pública SIMADE deixa um espaço de decisão para que o diretor atue como usuário ou como um observador da inserção das informações, já que não explicita o que se espera dos usuários do SIMADE em relação ao acesso e ao uso do sistema e dos dados, tornando amplo o exercício da discricionariedade. Nota-se como diferença entre os observadores e usuários, a participação em curso de formação sobre o SIMADE, que pode fomentar a compreensão sobre o sistema e de sua importância para a gestão escolar. Ademais, os diretores observadores atuam em escolas que ofertam anos iniciais (82) ou ensino fundamental completo (93); ao passo que as escolas dos diretores usuários atendem ensino fundamental (355) ou ensino médio (43). Embora a frequência de uso do sistema dependa da forma como os diretores interpretam e compreendem sua ação na escola, difícil de captar pelo survey, estas respostas parecem indicar que a formação associada às etapas atendidas pode influenciar o uso do sistema.

Os burocratas de médio escalão gerenciam a lacuna existente na regra e usam práticas distintas, com adaptações e traduções de regulamentações, para alcançarem seus resultados (Lotta, 2014). Há, portanto, uma recontextualização do discurso original para um contexto em que é modificado, condensado e reelaborado (Oliveira, 2019) por cerca de 30% dos diretores, que compreendem não ser sua tarefa o acesso ao SIMADE.

Este resultado coaduna com a constatação de Cavalcante e Lotta (2015) e Cavalcante et al. (2017) de que o ambiente que o BME opera oferece distintas formas de atuação e discricionariedade em relação à política pública. As duas formas de acesso – por meio do secretário e pelo próprio diretor escolar – denotam respectivamente: (i) a proximidade dos diretores com os burocratas de nível de rua (neste caso os secretários escolares), visto que são eles os usuários do SIMADE e os atores que mantêm o diálogo com os beneficiários da política (os alunos e/ou pais ou responsáveis) e têm a atribuição de fornecer ao diretor todos os dados necessários para a gestão da escola; (ii) ao usar o sistema e, possivelmente, compreender seus dados, o diretor se aproxima mais dos burocratas de alto escalão porque, além de conhecer e monitorar os dados de sua própria escola, tem mais condições de entender as decisões políticas emanadas pelo burocratas de alto escalão. Cabe ressaltar, conforme observado por Cavalcante et al. (2017), que interação dentre os atores internos (diretores e secretários escolares) e externos (SEE/MG e SRE), a natureza técnica das decisões e o próprio grau de discricionariedade, podem trazer contornos diferenciados para o acesso ao sistema e para a administração pública.

Este resultado coaduna com as respostas dadas pelos diretores sobre sua responsabilidade em relação ao uso do SIMADE [14] . Selecionamos algumas respostas para ilustrar a percepção dos diretores:

(i) grupo de respostas 1 - manter atualizado e os dados corretos para uma análise verdadeira e concreta (Margarida, 44, diretora); designar e supervisionar a secretária responsável e realizar algumas ações mais específicas quando necessário (Jasmim, 40, diretora); acompanhar a inserção de dados fidedignos e sua constante atualização (João, 37, diretor); supervisionar, o serviço é realizado pela secretaria (José, 47, diretor); fazer cumprir todas as ações inerentes ao mesmo, fiscalizando o acesso pela secretária e pontualidade na alimentação dos dados (Rosa, 33, diretora); supervisionar, o serviço é realizado pela secretaria. (Amarílis, 42, diretora)

(ii) grupo de respostas 2 - abrir semanalmente juntamente com a equipe pedagógica para conferir frequência, evasão, desempenho pedagógico (Azaleia, 51, diretora); monitorar os índices de evasão, abandono e desempenho discente e elaborar planos de metas e ações para intervenção com o apoio da supervisora escolar (Camélia, 45, diretora); verificar, junto à equipe pedagógica, as estratégias que devem ser feitas para melhor rendimento dos alunos e diminuir a evasão escolar. (Paulo, 49, diretor)

No primeiro grupo, composto por 525 diretores, assume-se um papel de supervisão, fiscalizando a execução das tarefas, visando apenas o cumprimento das atividades que devem ser realizadas no SIMADE. O diretor, conforme observado por Muylaert (2019), exerce uma função bem definida em grande parte das políticas públicas, que é a tarefa de coordenação. Nesta perspectiva, como ressaltado por Tomaz (2015) e Salgado (2014), há um predomínio do uso técnico do sistema, ou seja, para fins de atender a Resolução 1.180 (Minas Gerais, 2008), que visa o controle da unidade escolar, além de contribuir para execução dos serviços escolares de forma padronizada. Particularmente, este tipo de percepção de responsabilidade propõe uma nova forma de regulamentação — centrada na definição e controle a priori dos resultados, cujo intuito é assegurar a coerência, o equilíbrio e a reprodução idêntica do uso do SIMADE por todas as escolas, por meio de práticas que permitam o controle e o registro do que ocorre nas unidades de ensino.

No segundo grupo, formado por 24 gestores, o uso do sistema tem foco nas informações que podem ser extraídas e podem contribuir para a melhoria da aprendizagem dos discentes e para a qualidade da educação. O aluno parece ser o foco e os dados extraídos podem facilitar o acompanhamento, possibilitando um monitoramento do desempenho do discente e da escola, que podem assegurar dados que permitam diagnosticar e propor estratégias para a melhoria da qualidade do ensino.

Neste contexto, o diretor, por meio dos dados do sistema, pode promover condições necessárias para a implementação de melhorias na escola, particularmente, as de cunho pedagógico. Parece-nos que os diretores do grupo 2, diferente daqueles do grupo 1, produzem uma nova regra que não se limita ao cumprimento sistemático e integral da Resolução 1.180 (Minas Gerais, 2008), ao usar o sistema para monitorar e tomar decisões dentro das escolas.

Embora estas duas categorias já sejam amplamente discutidas e constatadas na literatura que investiga o cotidiano da gestão escolar (Werle & Audino, 2015; Leal & Novaes, 2018) e como são apontadas como voltadas para o administrativo – prestação de contas, coleta de orçamentos, organização de horários e controle financeiro – e/ou pedagógico – currículo, avaliação, metodologia de ensino e análise de desempenho –, o estudo em tela indica que há falta de clareza no objetivo da formulação da política que pode estar ocasionando duas formas de implementação distintas e, consequentemente, dois usos do sistema a partir da discricionariedade dos diretores escolares.

Por um lado, visa-se o maior cumprimento das normas educacionais; e, por outro, a busca por melhor rendimento e melhor desempenho discente, que parece indicar que há valorização de uma gestão pedagógica da escola lastreada em dados fornecidos pelo sistema. “Embora haja regras e normas que moldem alguns padrões de atuação, ainda assim esses burocratas possuem autonomia para decidir como aplicá-las e inseri-las nas práticas da implementação” (Lotta, 2015, p. 46). Desta forma, o SIMADE é compreendido apenas como instrumento de padronização e controle, em detrimento de ser uma ferramenta pedagógica que influencia a eficiência educacional e a gestão da escola.

Este resultado corrobora a afirmação de Lotta et al. (2014), pois, a diversidade de contexto de implementação, mesmo sendo predominantemente escolas que atendem aos anos finais do ensino fundamental e ensino médio (60%), pode fazer com que uma mesma regulamentação produza resultados inteiramente diversos em realidades diferentes. Ou seja, o contexto da escola pode estar sendo impactado pelo tipo de uso do sistema, embora as ações, valores e referências dos diretores também influenciem e transformem o modo como a política foi concebida.

Além disto, tanto o acesso quanto a percepção da responsabilidade do diretor em relação ao uso do SIMADE estão relacionados à capacidade de influenciar decisões, como apontado por Cavalcante et al. (2017). Estas variáveis se materializam na política pública SIMADE, na verificação das escolas em que os diretores afirmam que o uso do SIMADE é compatível com a forma como os secretários também o fazem, ou seja, em 525 unidades de ensino, os diretores e secretários usam o sistema voltado para o administrativo. Segundo Lima (2019), devido às atribuições do cargo de secretário voltadas para a escrituração, registro e organização das informações, estes profissionais não se dedicam à dimensão pedagógica e, por isso, não vislumbram o SIMADE como pedagógico. Fica a hipótese de que, como 61,5% dos diretores estão no primeiro mandato ou no início do segundo, eles podem estar usando o sistema conforme a visão dos secretários escolares que coaduna com os propósitos da SEE/MG materializados na Resolução 1.180 (Minas Gerais, 2008).

Nestes casos, parece haver um considerável alinhamento entre diretores e secretários, que partilham percepções sobre o sistema numa relação produtiva de colaboração e que pode repercutir favoravelmente no clima escolar, como apontado por 60% dos diretores, e no uso do sistema e de seus dados. Afinal, o fato de os alinhamentos entre diretores e secretários serem voltados ao aspecto administrativo indica que a regulamentação proposta pelo Estado, desde o Choque de Gestão (Duarte et al., 2016), bem como a responsabilização dos diretores por resultados dos discentes (Drabach & Souza, 2014), ainda se faz muito presente.

Apesar de o uso pedagógico do SIMADE poder ser consequência de outros fatores que possuem um peso bem mais significativo na educação, como, por exemplo, a origem social dos estudantes e as ações didático-pedagógicas do professor (Soares & Teixeira, 2006), registramos a seguinte hipótese para futuros estudos: as 24 escolas podem ter em vista assegurar a qualidade educacional, via aumento do desempenho discente e equidade intraescolar, adotando ações pautadas em evidências fornecidas pelo SIMADE, uma vez que “um mesmo conjunto de práticas escolares pode atuar, concomitantemente, aumentando o desempenho médio das escolas e promovendo a equidade entre os discentes” (Lima, 2019).

O resultado das 24 escolas reflete, em oposição ao observado por Bonelli et al. (2019) na aplicação da Teoria da Agência [15] , em uma sincronicidade entre o uso do sistema por diretores e secretários que pode gerar estratégias informacionais, articulando, na perspectiva de cada ator, determinadas informações administrativas e/ou pedagógicas que permitam levantar evidências educacionais sobre a unidade de ensino e um uso dos dados do sistema significativo para o contexto da escola. Conforme observado por Giusto e Ribeiro (2019), ao analisar os burocratas de nível de rua, há, assim como para os BME, “uma liberdade de ação, especialmente quando diante de regras ambíguas e contraditórias” (Giusto & Ribeiro, 2019, p. 4), que permite que os secretários façam sua própria interpretação da política pública a partir de sua experiência prévia, algo que pode ser considerado no fornecimento de informações para o BME. Parece-nos que nestas escolas, mesmo tendo visões divergentes sobre o sistema, a atuação dos secretários escolares e do BME se articula e se complementa em prol dos resultados dos discentes.

Portanto, os diretores escolares são os responsáveis por coordenar a implementação da política pública SIMADE e, por vezes, articulam e constroem consensos entre os diferentes atores envolvidos, como nas escolas em que o uso do sistema é administrativo ou pedagógico. Por conta de seu posicionamento intermediário na estrutura organizacional, os diretores fazem com que as decisões sejam colocadas em ação, mas também exercem discricionariedade, que pode ter em vista melhorar a qualidade e equidade nas escolas da rede pública estadual de Minas Gerais.

Considerações finais

O Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE) permite que burocratas de médio escalão tenham uma significativa margem de discricionariedade no acesso e uso do sistema, que reverbera em novos sentidos e significados para a política pública e, consequentemente, para sua implementação. Além disto, a formulação desta política, estruturada de forma prescritiva e hierárquica, se distancia da implementação, já que aquela pouco explicitou sobre o acesso e, principalmente, sobre o uso do sistema, possibilitando grande margem de discricionariedade para os diretores e até mesmo o não acesso ao sistema. Tanto pelo acesso como pelo uso, ora o BME se aproxima do alto escalão, com um uso pedagógico que lhe permite monitorar o desempenho dos discentes e da escola; ora se aproxima dos burocratas do nível de rua, sendo um fiscalizador das ações desenvolvidas no sistema.

Ademais, na forma de implementação voltada para o uso administrativo do SIMADE, embasada na Resolução 1.180/2008 (Minas Gerais, 2008), os BME coadunam com o discurso proferido pelo alto escalão em uma perspectiva gerencialista, que preza pelo controle, padronização, eficiência no serviço público. Por outro lado, na implementação voltada para uma perspectiva pedagógica, há a produção de uma nova regra que não se limita ao cumprimento sistemático e integral da referida resolução, mas o uso dos dados do SIMADE para monitorar e tomar decisões dentro das escolas. Por ter sido instituído sob o bojo do Choque de Gestão, o SIMADE contribui para uma política pública maior, que é a educacional, sendo um meio para atingir determinados propósitos educacionais.

Os limites deste estudo, decorrentes da abordagem metodológica, demarcam pontos de partida para futuras pesquisas qualitativas, com possibilidades de investigar o uso dos dados administrativos e pedagógicos a partir de práticas e perfis do diretor; complexidade organizacional da escola (secretários e suas interações com a direção); etapas e perfis de alunos (nível socioeconômico, rendimento e etc.). Tais estudos podem revelar aspectos técnicos, políticos e gerenciais estabelecidos e executados pelos burocratas de alto escalão, além de fomentar evidências sobre a necessidade de formação dos diretores para uso do SIMADE.

Referências

Balduti, C. F. (2017). Possibilidades de aperfeiçoamento do Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE). [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Juiz de Fora]. Repositório Institucional da UFJF. http://mestrado.caedufjf.net/possibilidades-de-aperfeicoamento-do-sistema-mineiro-de-administracao-escolar-simadeLinks ]

Bonelli, F., Fernandes, A. S. A., Coêlho, D. B., & Palmeira, J. da S. (2019). A atuação dos burocratas de nível de rua na implementação de políticas públicas no Brasil: uma proposta de análise expandida. Cadernos EBAPE, 17(1), 800-816. http://doi.org/10.1590/1679-395177561. [ Links ]

Carlomagno, M. C., & Rocha, L. C. da. (2016). Como criar e classificar categorias para fazer análise de conteúdo: uma questão metodológica. Revista Eletrônica de Ciência Política, 7(1), 173-188. http://doi.org/10.5380/recp.v7i1 Links ]

Cavalcante, P. L., Lotta, G. S., & Yamada, E. M. K. (2017). O desempenho dos burocratas de médio escalão: determinantes do relacionamento e das suas atividades. Cadernos EBAPE.BR, 16(1), 14-34. http://doi.org/10.1590/1679-395167309Links ]

Cavalcante, P., & Lotta, G. (2015). Burocracia de Médio Escalão: perfil, trajetória e atuação. ENAP. https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/2063Links ]

Drabach, N. P., & Souza, A. R. de. (2014). Leituras sobre a gestão democrática e o “gerencialismo” na/da educação no Brasil. Revista Pedagógica, 16(33), 221-248. https://doi.org/10.22196/rp.v16i33.2851Links ]

Duarte, A., Augusto, M. H., & Jorge, T. (2016). Gestão escolar e o trabalho dos diretores em Minas Gerais. Poiésis, 10(17), 199-214. http://doi.org/10.19177/prppge.v10e172016199-214Links ]

Dye, T. R. (1984). Understanding Public Policy. PrenticeHall. [ Links ]

Fonseca, J. F. (2014). Gestão Escolar em Rede: estudo de caso de proposta de melhorias do Sistema Mineiro de Administração Escolar na Superintendência Regional de Ensino de Ouro Preto. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Juiz de Fora]. Repositório Institucional da UFJF. http://mestrado.caedufjf.net/gestao-escolar-em-rede-estudo-de-caso-e-proposta-de-melhorias-do-sistema-mineiro-de-administracao-escolar-na-superintendencia-regional-de-ensino-de-ouro-pretoLinks ]

Fuster, D. A. (2016). Burocracia e políticas públicas: uma análise da distribuição e ocupação dos cargos e funções em comissão da prefeitura de São Paulo. Em IX Congresso CONSAD de Gestão Pública, Brasília, DF, Brasil. http://consad.org.br/wp-content/uploads/2016/06/BC-Gest%C3%A3o-de-Pessoas-07.pdfLinks ]

Giusto, S. M. N. Di., & Ribeiro, V. M. (2019). Implementação de Políticas Públicas: conceito e principais fatores intervenientes. Revista de Estudios Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa, 4(2). https://doi.org/10.5212/retepe.v.4.007Links ]

Höfling, E. de M. (2001). Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, 23(55), 30-41. https://doi.org/10.1590/S0101-32622001000300003Links ]

Leal, I. O. J., & Novaes, I. L. (2018). O diretor de escola pública municipal frente às atribuições da gestão administrativa. Regae: Revista de Gestão e Avaliação Educacional, 7(14), 63-77. https://doi.org/10.5902/2318133830020Links ]

Lima, C. da C. de. (2019). Uso dos dados do Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE) pelos gestores das escolas públicas da Rede Estadual. [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro]. Repositório Institucional da PUC-Rio. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=50967@1# [ Links ]

Lotta, G. S. (2014). Agentes de implementação: uma forma de análise de políticas públicas. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 19(65), 186-206. http://doi.org/10.12660/cgpc.v19n65.10870Links ]

Lotta, G. S. (2015). Burocracia e implementação de políticas de saúde: os agentes comunitários na estratégia de saúde da família. Fiocruz. [ Links ]

Lotta, G. S., Pires, R. R. C., & Oliveira, V. E. O. (2014). Burocratas de médio escalão: novos olhares sobre velhos atores da produção de políticas públicas. Revista do Serviço Público, 65(4), 463-492. https://doi.org/10.21874/rsp.v65i4.562Links ]

Mainardes, J., Ferreira, M. dos S., & Tello, C. (2011). Análise de políticas: fundamentos e principais debates teórico-metodológicos. Em S. Balls, & J. Mainardes (Orgs.). Políticas Educacionais: questões e dilemas (pp. 143-174). Cortez. [ Links ]

Minas Gerais. (2008). Resolução SEE n.º 1.180 de 28 agosto de 2008 (Dispõe sobre as diretrizes e orientações para implantação, manutenção e atualização do Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE)). Diário Oficial do Estado de Minas Gerais. https://www2.educacao.mg.gov.br/images/documentos/1180_r.pdfLinks ]

Mota, M. O., Biar, L. de A., & Ramos, M. E. (2019). A implementação do Programa de Alfabetização na Idade Certa no Estado do Ceará. Revista de Estudios Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa, 4(1). https://doi.org/10.5212/retepe.v.4.008Links ]

Muylaert, N. da C. (2019). Diretores escolares: burocratas de nível de rua ou médio escalão? Revista Contemporânea de Educação, 14(31), 84-103. https://doi.org/10.20500/rce.v14i31.25954Links ]

Oliveira, A. C. P. de. (2019). Implementação das Políticas Educacionais: tendências das pesquisas publicadas (2007-2017). Revista de Estudios Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa, 4(1). https://doi.org/10.5212/retepe.v.4.009Links ]

Oliveira, V. E., & Abrucio, F.L. (2018). Burocracia de médio escalão e diretores de escola: um novo olhar sobre o conceito. Em R. Pires, G. S. Lotta & V. E. Oliveira (Orgs.). Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas (pp. 207-225). ENAP. http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3247Links ]

Pires, R. (2015). Por Dentro do PAC: arranjos, dinâmicas e instrumentos na perspectiva dos seus operadores. Em P. Cavalcante & G. H. Lotta (Orgs.). Burocracia de Médio Escalão: perfil, trajetória e atuação (pp. 177-222). ENAP. http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/2063Links ]

Salgado, A. F. C. (2014). Análise da gestão da informação no Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE) pelas superintendências regionais de ensino. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Juiz de Fora]. Repositório Institucional da UFJF. http://mestrado.caedufjf.net/analise-da-gestao-da-informacao-no-sistema-mineiro-de-administracao-escolar-simade-pelas-superintendencias-regionais-de-ensinoLinks ]

Soares, T. M., & Teixeira, L. H. G. (2006). Efeito do Perfil do Diretor na Gestão Escolar sobre a proficiência do aluno. Estudos em Avaliação Educacional, 17(34), 155-186. https://doi.org/10.18222/eae173420062121Links ]

Souza, C. (2003). Estado do campo da pesquisa em políticas públicas no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 18(51), 15-20. https://doi.org/10.1590/S0102-69092003000100003Links ]

Tomaz, P. A. (2015). Possibilidades de usos das informações do Sistema Mineiro de Administração Escolar na gestão das escolas. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Juiz de Fora]. Repositório Institucional da UFJF. http://mestrado.caedufjf.net/possibilidades-de-uso-das-informacoes-do-sistema-mineiro-de-administracao-escolar-na-gestao-das-escolasLinks ]

Werle, F. O. C., & Audino, J. F. (2015). Desafios na gestão escolar. RBPAE, 31(1), 125-144. https://doi.org/10.21573/vol31n12015.58921Links ]

[2]Atualmente denominado Fundação CAEd.

[3]A primeira etapa foi de 2003 a 2006 e tinha como objetivo obter o equilíbrio fiscal.

[4]Desde 2015 denomina-se Sistema Mineiro de Avaliação e Equidade da Educação (SIMAVE).

[5]Ampliou algumas diretrizes do Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO), buscando a universalização da informática educativa por meio do acesso a computadores e laboratórios de informática.

[6]Profissionais responsáveis pela implantação nas seis regiões de Minas Gerais.

[7]Total de escolas estaduais no ano de 2008.

[8]De 2008 até meados de 2010 o sistema era instalado no(s) computador(es).

[9]Atualmente são 47 SREs.

[10]Suporte telefônico, presencial e via e-mail.

[11]Avalia, por meio de prova, o conhecimento pedagógico, técnico e as competências necessárias ao cargo de diretor escolar.

[12]538 diretores responderam esta pergunta.

[13]253 diretores responderam esta pergunta.

[14]A pergunta “Qual a sua responsabilidade em relação ao SIMADE?”foi respondida por 552 diretores.

[15]Nos vários níveis hierárquicos podem ser identificadas relações entre os burocratas de alto e médio escalão e seus subordinados, nas quais podem ocorrer problemas informacionais.

Recebido: 04 de Fevereiro de 2022; Aceito: 27 de Abril de 2022

Creative Commons License Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons CC BY 4.0.