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Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.28  Brasília Jan./Dec 2022  Epub Sep 05, 2022

https://doi.org/10.26512/lc28202243674 

Artigos

Permanência na educação superior: contribuições teóricas e práticas

La retención en la educación superior: aportes teóricos y práticos

1Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (2021). Pedagoga no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão.


Resumo

O presente artigo tem por objetivo contribuir com o debate sobre permanência na educação superior a partir de uma discussão conceitual que privilegia os dois principais modelos teóricos que tratam do tema. Os modelos de Vincent Tinto e Alain Coulon tratam dos processos de estranhamento do espaço acadêmico, de familiarização e posterior envolvimento ou integração, os quais são analisados sob perspectivas diferentes na tentativa de explicar, sociologicamente, como acontece esse processo. Discutimos sobre as limitações e potencialidades dos modelos citados de modo a subsidiar reflexões e ações que levem em consideração o papel dos envolvidos no processo de permanência na educação superior.

Palavras-chave Permanência; Educação superior; Modelos teóricos; Sociologia da educação

Resumen

Este artículo pretende contribuir al debate sobre la retención en la educación superior a partir de una discusión conceptual que privilegia los dos principales modelos teóricos que tratan el tema. Los modelos de Vincent Tinto y Alain Coulon abordan los procesos de alejamiento del espacio académico, familiarización y posterior implicación o integración, que se analizan desde diferentes perspectivas en un intento de explicar sociológicamente cómo se produce este proceso. Discutimos las limitaciones y potencialidades de los modelos mencionados para sustentar reflexiones y acciones que tomen en cuenta el rol de los involucrados en el proceso de retención en la educación superior.

Palabras clave Retención; Enseñanza superior; Modelos teóricos; Sociología de la educación

Abstract

This article aims to contribute to the debate on retention in higher education from a conceptual discussion that privileges the two main theoretical models that deal with the subject. Vincent Tinto and Alain Coulon's models deal with the processes of estrangement from the academic space, familiarization and subsequent involvement or integration, which are analyzed from different perspectives to explain, sociologically, how this process happens. We discuss the limitations and potential of the models mentioned in order to support reflections and actions that consider the role of those involved in the process of retention in higher education.

Keywords Retention; Higher education; Theoretical models; Sociology of education

Introdução

As transformações advindas da adoção de políticas de democratização na educação superior têm colocado, cada vez mais em evidência, as necessidades de pensar e discutir, de modo mais consistente, o processo de permanência nessa etapa de ensino. Expansão e democratização são as duas palavras que descrevem as mudanças pelas quais o ensino superior brasileiro passou nos últimos anos. No que se refere a esse contexto de expansão, Neves et al. (2018) afirmam que predominam, nos estudos desenvolvidos atualmente no Brasil, temas que visam compreender seus efeitos. A perspectiva teórica destes estudos tem estado direta ou indiretamente atrelada à relação entre desigualdade educacional e estratificação social. Outros temas, no entanto, têm sido pautados aos poucos no contexto brasileiro e, dentre eles, as autoras listaram alguns que ainda carecem de maior aprofundamento teórico, como os temas do acesso, permanência e evasão no ensino superior.

A necessidade de aprofundamento nessa temática já havia sido apontada anteriormente, tanto em relação aos processos que os estudantes percorrem a fim de se tornarem membros competentes da comunidade universitária (Teixeira, 2011; Carneiro & Sampaio, 2011) quanto em relação ao papel da instituição nesse processo (Heringer, 2013). Assim, tratar da permanência dos estudantes no ensino superior, que é uma parte de sua democratização, nos ajuda a pensar meios de lidar com questões relacionadas à evasão, retenção e ampliação das taxas de conclusão, bem como com a experiência universitária e a interação entre alunos e instituição.

A fim de contribuir com o debate sobre permanência na educação superior é que nos propomos a apresentar as contribuições teóricas da literatura internacional. A maioria dos modelos explicativos sobre permanência e desistência na educação superior, conforme veremos, é pensada a partir ou em contraposição ao modelo proposto por Tinto (1975; 1993). As perspectivas teóricas de Vincent Tinto e Alain Coulon terão especial destaque na discussão sobre permanência no ensino superior neste trabalho. Isto porque o modelo de Tinto tem mantido, ao longo dos anos, um status “quase-paradigmático” (Braxton et al., 2000, p. 569) nas pesquisas que tratam do tema enquanto o modelo de Coulon tem galgado crescente espaço nas pesquisas realizadas, nos últimos anos, no contexto brasileiro (Sampaio, 2011; Heringer et al., 2014; Santos et al., 2017).

Tinto e Coulon trazem, em seus modelos, os processos de estranhamento do espaço acadêmico, de familiarização e posterior envolvimento ou integração, os quais são analisados sob perspectivas diferentes na tentativa de explicar, sociologicamente, como esse processo se desenvolve. Veremos ainda que a literatura internacional nos ajuda a pensar o processo de permanência a partir da perspectiva da instituição e, nesse sentido, usa-se o termo retention, que diz respeito às ações praticadas por uma determinada instituição de ensino superior com o objetivo de evitar a saída precoce dos estudantes para que, dessa forma, consigam concluir seus respectivos cursos.

A seguir apresentaremos o modelo teórico de Vincent Tinto; a discussão teórica que o antecede, o modelo de Coulon, bem como as limitações e potencialidades dos modelos citados e, nesse sentido, como podem subsidiar reflexões e ações que levem em consideração o papel dos envolvidos no processo de permanência na educação superior no Brasil.

Metodologia

As reflexões propostas neste trabalho se estruturam a partir da análise de uma literatura específica que privilegia os dois principais modelos teóricos utilizados para pensar questões relativas à permanência no ensino superior. A escolha dos dois autores em detrimento de outros se deu, pois, ao fazermos uma revisão de literatura das pesquisas que levam em consideração o processo de permanência no ensino superior, identificamos que as noções de integração social e acadêmica (Tinto, 1975) e de afiliação estudantil (Coulon, 2008) são recorrentemente utilizadas nos textos que tratam do tema. Por vezes os referidos conceitos não eram propriamente aprofundados nas pesquisas. No que se refere às proposições de Tinto, por ainda não haver textos seus traduzidos para a língua portuguesa, as dificuldades de apropriação dos conceitos se tornam ainda maiores.

O esforço teórico de unir, em um mesmo texto, dois autores que pensaram modelos de permanência em contextos distintos e consideraram públicos diferentes se justifica: [1] pela relevância de suas proposições teóricas – já discutidas há décadas – para pensar contextos contemporâneos de permanência no ensino superior no Brasil; [2] pela proposta de facilitar o acesso aos modelos teóricos dos referidos autores através de uma exposição sintética, destacando suas principais limitações e potencialidades.

Entre os textos escolhidos de Tinto (1975; 1982; 1988; 1993; 1999; 2006; 2017), privilegiamos os que trazem maiores detalhes sobre as noções de integração social e acadêmica, a temporalidade do processo de integração, o papel institucional nesse processo e, mais recentemente, como o autor indica que as ações de retention por parte das universidades precisam levar em consideração a perspectiva dos estudantes. Em Coulon (2008; 2017), nos dois textos – sendo o primeiro de maneira mais ampliada e outro mais sintética – o autor traz a noção de afiliação estudantil, a temporalidade inerente a esse processo e a defesa de uma pedagogia da afiliação.

A discussão que antecede o modelo de Tinto

O modelo de evasão de Tinto (1975) faz uma aplicação da teoria do suicídio de Durkheim com o intuito de explicar as etapas de integração acadêmica e intelectual que podem ou não levar à desistência do ensino superior. No entanto, o primeiro pesquisador que fez uso da teoria de Durkheim para pensar a evasão no ensino superior foi William G. Spady (1970). Para tentar compreender este fenômeno, Spady (1970) parte de algumas revisões de literatura (Quadro 1) realizadas na década de 1960 e avalia que os estudos realizados até então careciam de coerência teórica e empírica. O autor se refere às generalizações a respeito da relação entre evasão e background familiar, habilidade e performance acadêmica como "confortáveis". Sugere que os trabalhos futuros sejam mais “ecléticos” em suas abordagens e mais explícitos ao estabelecerem relações entre os atributos dos estudantes e os do ambiente institucional.

Fonte: Spady (1970). Elaboração própria.

Quadro 1 Revisão de literatura sobre evasão no ensino superior nos Estados Unidos – década de 1960 

Spady (1970) aponta que, em geral, há duas definições operacionais sobre evasão que são aceitas: [1] é considerado desistente todo aquele que deixou a instituição na qual estava matriculado; [2] é considerado desistente todo aquele que não recebeu um diploma de ensino superior de qualquer instituição. A primeira definição, limitada ao nível da instituição, identifica pontualmente o que acontece a nível local e não permite pensar como essa desistência ocorre no sistema. Já a segunda definição requer que um grande número de dados seja coletado, de modo que é mais aplicável a pesquisas longitudinais que "seguem" o percurso do indivíduo por um dado tempo a fim de identificar por quais instituições porventura passou e se conseguiu concluir seu curso em algum momento.

No modelo de Spady (1970), além de fatores referentes à origem social dos estudantes (socioeconômicos e experiências acadêmicas anteriores), o autor leva em conta outros fatores na explicação do fenômeno da evasão no ensino superior, tais como: a influência do sexo do estudante na definição de objetivos e interesses educacionais, a relação entre disposições pessoais e “maturidade” do estudante para levar adiante o curso e a natureza das relações interpessoais desenvolvidas no ambiente acadêmico.

As interações que este estudante vivencia ocorrem dentro de dois sistemas que o autor nomeia como acadêmico e social. Há dois elementos importantes em cada um destes sistemas que podem influenciar na decisão de permanecer ou não no ensino superior. No sistema acadêmico estão as notas e o desenvolvimento intelectual. No sistema social, o primeiro elemento é uma condição chamada congruência normativa, já o segundo, apoio entre os pares.

No sistema acadêmico, as notas são uma referência prática e de mais fácil apreciação quanto ao desempenho do estudante. A percepção quanto ao desenvolvimento intelectual, no entanto, pode variar a depender dos objetivos educacionais de cada um, variando, também, os sentidos atribuídos, a exemplo daqueles que encaram o ensino superior como uma parte importante de seu desenvolvimento pessoal e os que não o veem como algo tão central.

Quanto ao sistema social, a congruência normativa tem a ver com uma noção de “sucesso” em que as disposições individuais do estudante (atitudes, interesse e características pessoais) são compatíveis com os atributos e influências do ambiente acadêmico. O apoio entre os pares é, na verdade, o estabelecimento de relacionamentos próximos com outras pessoas que também fazem parte desse sistema. Estes dois elementos do sistema social universitário são apontados por Spady (1970) como semelhantes aos componentes de integração social presentes na teoria do suicídio em Durkheim.

Ainda que o desligamento do ensino superior seja, claramente, uma maneira menos drástica de rejeitar a interação social, Spady (1970) acredita que as condições sociais que induzem a evasão são similares, isto é, falta de interação íntima e consistente com os outros, manutenção de valores e orientações diferentes dos pares e falta de senso de compatibilidade com um sistema social imediato.

O modelo teórico de Vincent Tinto

As contribuições de Spady (1970) foram de grande influência para o desenvolvimento do modelo teórico de evasão proposto por Tinto e Cullen (1973). No início da década de 1970, o Gabinete de Planejamento, Orçamento e Avaliação do Gabinete de Educação dos EUA solicitou a Vincent Tinto e John Cullen a elaboração de um relatório que constasse uma revisão e síntese teórica das pesquisas sobre evasão no ensino superior.

Dentre os objetivos do trabalho realizado pelos autores, eles deveriam desenvolver um modelo teórico sobre evasão que permitisse, ao mesmo tempo, realizar uma síntese da pesquisa que estavam fazendo e explicar, em termos longitudinais, o processo de evasão no ensino superior. No que se refere a esse relatório, extraímos dele apenas a discussão que os autores fazem do modelo teórico de evasão proposto.

Tinto e Cullen (1973) partem da mesma definição operacional apresentada por Spady (1970) em que evasão se refere [1] a pessoas que deixam a instituição em que estavam matriculados e [2] somente às pessoas que nunca receberam nenhum grau/diploma de nenhuma instituição de ensino superior. Para o desenvolvimento do seu próprio modelo teórico, os autores escolhem o primeiro conceito – mesmo sabendo de suas limitações – o qual considera mais a perspectiva da instituição e não a do aluno. Os autores pretendem desenvolver uma definição mais apropriada de evasão. Eles afirmam que essas concepções de evasão têm duas principais limitações: a tendência em se colocar o foco na eficiência da instituição (utilização dos recursos), ao invés de se preocupar mais com a eficácia (obtenção do resultado desejado), e o fato destas desconsiderarem a perspectiva do estudante.

Ao ignorar a perspectiva do estudante, negligenciam-se dois pontos: o fato de que os indivíduos que entram nas instituições possuem uma variedade de habilidades, interesses, motivações e níveis de comprometimento quanto ao objetivo de concluir o curso e que o ensino superior, de qualquer natureza, pode ser inadequado às necessidades, desejos e/ou interesses de um certo número de indivíduos que, ainda assim, vão à faculdade. Ignorar a perspectiva do indivíduo nesse processo implica em uma ideia de inferioridade daqueles que não prosseguem. Outro ponto, mais amplo, diz respeito à discussão que deve ser feita quanto à noção de educação superior como o único espaço para treinamento de alto nível após o ensino médio e que, portanto, reforça a tendência de expansão da educação superior ao invés de reconsiderar esse status (Tinto & Cullen, 1973).

O modelo apresentado por Tinto e Cullen (1973) baseia-se na teoria do suicídio de Durkheim e na perspectiva teórica que considera a análise dos custos e benefícios no desenvolvimento da ação. Os autores estão interessados em explicar e entender como características individuais, sociais e institucionais estão conectadas com o processo de desistência do ensino superior. Quanto à teoria do suicídio, Tinto e Cullen usam, analogamente, a perspectiva de Durkheim sobre integração social, ou melhor, à falta dela como fator importante para compreender esse processo de desligamento social. Para Durkheim as chances de suicídio se tornam maiores quando há insuficiência tanto na integração moral quanto na afiliação coletiva – a primeira referente ao compartilhamento de valores sociais e a última à interação com os outros.

Para os autores, o desligamento do ensino superior seria resultado tanto da falta de interação “consistente e recompensadora” com os demais pares quanto da manutenção de valores incompatíveis com os compartilhados com a maioria da comunidade acadêmica. A partir desse entendimento, assume-se que a falta de integração social na faculdade resultaria em baixo comprometimento com a instituição e, por conseguinte, aumentaria a probabilidade de desistência.

No âmbito institucional, é importante diferenciar a dimensão social e a dimensão acadêmica a fim de entender os tipos de desligamentos institucionais possíveis – em que o aluno decide sair ou quando a instituição desliga o aluno – e os diversos tipos de interações e demandas sociais e intelectuais a que os estudantes estão expostos, pois podem ser bem-sucedidos em uma dimensão e apresentar dificuldades na outra.

A aplicação da teoria do suicídio de Durkheim ao fenômeno do abandono escolar não produz, por si só, uma teoria que ajuda a explicar como indivíduos variados adotam várias formas de comportamento de abandono escolar. Pelo contrário, trata-se de um modelo descritivo que especifica um processo longitudinal de interações que pode produzir diferentes formas de persistência e comportamentos de abandono (Tinto, 1975).

A perspectiva de análise do custo-benefício aplicada à discussão da evasão no ensino superior adiciona, à teoria de Tinto e Cullen (1973), a influência de “eventos externos” ao ambiente acadêmico. É através desse ponto que os autores reconhecem que a decisão de abandonar a faculdade pode não ter relação direta com as interações que ocorrem na instituição universitária. Nessa perspectiva, tem-se como central a percepção do indivíduo a respeito da "realidade" que o cerca, a forma que a interpreta como mais ou menos benéfica, como mais ou menos compatível ao seu percurso no ensino superior. A percepção do indivíduo, entretanto, varia de acordo com características do próprio indivíduo e características do ambiente acadêmico que frequenta. Na interação do indivíduo com a instituição é que este avalia suas possibilidades de continuar ou não.

Assim, os autores propõem um modelo teórico de evasão multidimensional que resulta da interação entre indivíduo e instituição e é influenciado pelas características de ambos. Leva-se em conta, nesse modelo, as características individuais dos estudantes, seus antecedentes familiares e experiências educacionais anteriores e como estes influenciam expectativas e motivações em relação à experiência universitária. Um ponto considerado central na decisão do estudante de abandonar a faculdade é o “compromisso com a meta” [de se formar] em que, se julga, quanto maior o nível de comprometimento de um indivíduo com a meta de conclusão da faculdade, menor a probabilidade de abandoná-la. Esse compromisso com a conclusão do curso está integrado com o comprometimento com a instituição (Tinto & Cullen, 1973).

A forma como se trata do fenômeno da evasão no ensino superior pode variar a depender de quem seja a parte interessada no tema. Tinto (1982) aponta os três principais interessados nesse processo: os alunos, a instituição e o Estado. O ato de abandonar o ensino superior pode, nesse sentido, ser interpretado de diversas formas, a depender do perfil do aluno, de quem será afetado e de como alunos e instituição serão afetados após o ocorrido.

Esse desligamento, porém, pode ser interpretado de diversas formas. Os sentidos atribuídos à evasão por alunos e instituição podem divergir e ir além da noção de “fracasso”. Os objetivos e intenções do aluno ao ingressar no ensino superior devem ser levados em consideração. A depender dos objetivos, os estudantes poderão apresentar padrões diferentes de interação com a instituição. As diferenças se estendem, também, aos processos de evasão vivenciados por diferentes grupos de estudantes e nas diferentes áreas de conhecimento nas universidades (Tinto, 1982).

A evasão no início e no final do curso também podem apresentar características e motivações diferentes. É preciso saber se ela está atrelada a dificuldades no processo de transição do ensino médio para o ensino superior ou a “problemas de percurso” que se originaram dentro ou fora do espaço acadêmico. Tinto (1982) diz que a transição para o ensino superior é difícil para todos os estudantes, sejam eles considerados "típicos" – com dedicação exclusiva aos estudos –, sejam eles considerados "estrangeiros" ou "não típicos", isto é, os que não possuem dedicação exclusiva para os estudos, que precisam trabalhar e que fazem parte de grupos sociais em desvantagem.

No que se refere à perspectiva institucional em relação à evasão, em termos práticos, é muito mais simples reportar o desligamento institucional como abandono. Porém, para saber como a instituição interpreta suas “perdas”, é necessário ter conhecimento dos seus objetivos educacionais, qual perfil de aluno é “valorizado” pela instituição e, nesse sentido, o quanto lhe “interessa” sua permanência e conclusão do curso.

Tinto (1982) afirma que não se tem clareza se todos os desligamentos do ensino superior exigem igual atenção ou requerem formas semelhantes de ação por parte da instituição. A dificuldade em definir o que seria abandono passa por discernir quais tipos de desligamento – dentre todos os que podem ocorrer – devem ser considerados como tais no sentido estrito e quais tipos devem ser considerados o resultado normal do funcionamento da instituição.

Esse ponto colocado pelo autor indica o quão relevante é, para a compreensão do fenômeno da evasão, ter conhecimento dos valores e concepções institucionais mais gerais, uma vez que estes informam os padrões de interação entre alunos e professores, bem como entre estes, seus próprios pares e o restante da comunidade acadêmica. Além disso, avaliam se esse tipo de interação e ambiente – construído e compartilhado – é favorável para permanência e para que tipo de aluno.

Vê-se também que a seletividade de uma instituição não se encerra no processo de admissão e, nesse sentido, deve-se considerar que o planejamento e execução de ações de permanência tenham em vista os padrões e valores de seletividade – que variam não só por instituição, mas também por área de conhecimento.

Assim, pode-se dizer que a seletividade interna da instituição está diluída no percurso acadêmico através de critérios de concessão de auxílios financeiros e/ou bolsas de iniciação científica; critérios de participação em ligas e organizações acadêmicas ou outras atividades extracurriculares, organização curricular e de rotinas acadêmicas – leia-se, tempo demandado para dedicação aos estudos e/ou para investir em relacionamentos ou outras atividades –, dentre outras possibilidades de interação que possam gerar integração acadêmica e desenvolvimento intelectual para o estudante.

Tinto (1988) provê maior detalhamento do seu modelo teórico recorrendo à antropologia, mais especificamente à perspectiva dos ritos de passagem – tornar-se membro – em sociedades tribais proposta por Van Gennep (1960). Com isso, ele pretende destacar o que chama de dimensão temporal do processo de desligamento institucional, o qual se desdobraria em diferentes estágios nos anos iniciais do curso. Esses estágios dizem respeito às três subdivisões que Van Gennep faz da categoria “ritos de passagem”: separação, transição e incorporação. Esses três estágios representam as fases pelas quais o ingressante passa até se tornar um membro competente da comunidade universitária e devidamente comprometido com a conclusão do curso.

A fase da separação implica em uma dissociação, em vários graus, das comunidades com que o estudante mantinha algum vínculo antes da faculdade, tipicamente a sua escola de ensino médio ou local de residência. Geralmente, esse processo requer algum tipo de transformação que pode implicar na rejeição dos conhecimentos e normas aos quais estava ligado anteriormente. Essa fase também pode ser caracterizada como uma fase de desorientação. Esse processo será tão mais difícil quanto mais distante forem o ambiente e as demandas da faculdade em relação às características sociais e intelectuais da sua socialização anterior.

A fase da transição é caracterizada pela passagem do velho para o novo, das antigas associações com o passado para as esperadas associações com as comunidades do presente. É, na verdade, um estágio de fragilidade, pois os vínculos com a socialização passada estão frouxos e os vínculos com a comunidade atual ainda não estão consolidados. Os estudantes irão reagir de maneira diferente a esse período de estresse na sua trajetória.

Tinto (1988) indica que há um “fato inevitável” nesse ponto da trajetória: alguns estudantes não estarão dispostos a lidar com esse estresse da transição por não estarem suficientemente comprometidos nem com objetivos de ordem educacional, nem com a instituição que ingressaram. Outros, entretanto, estarão tão comprometidos que serão capazes de fazer qualquer coisa para permanecer. O autor aponta ainda que a instituição deveria se mobilizar para ajudar os estudantes a lidarem com essa etapa.

Após essas duas fases, vem a da incorporação, em que o estudante precisa reconhecer e adotar as normas apropriadas dessa nova comunidade. Por isso, deve estabelecer contato ativo com outros membros, sejam eles alunos ou professores, a fim de evitar o isolamento. Novos padrões de interação com os membros da comunidade acadêmica passam a ser estabelecidos e valorizados. Ainda que o estudante continue a manter contato com sua “antiga socialização”, isso ocorrerá a partir das lentes do seu novo grupo. Nessa perspectiva, o processo de desligamento institucional e de persistência institucional são duas faces da mesma moeda, na medida em que apontam para a passagem bem-sucedida (ou não) de uma fase para outra do “ritual de passagem”.

Apesar de se fazer uso desses três estágios típicos – ritos de passagem – para ilustrar a trajetória de persistência e permanência dos estudantes no ensino superior, deve-se observar que, ao contrário do que acontece em sociedades tradicionais (tribais), não há rituais formais, estabelecidos a princípio, para marcar a transição de uma fase para a outra. No contexto do ensino superior, a orientação acadêmica pode ser uma ferramenta importante nesse processo de ensinar percepções e posturas que, muitas vezes, não são óbvias aos estudantes, os quais, na maioria dos casos, costumam trilhar o seu caminho no “labirinto institucional” de forma individualizada, por sua conta e risco (Tinto, 1988).

O autor frisa que as ações institucionais que visam a permanência dos alunos no ensino superior devem se concentrar no primeiro ano, bem no início de suas trajetórias. Os estudantes continuarão tendo necessidades a serem supridas após o primeiro ano, no entanto, esse período tem se mostrado crítico no quesito permanência.

Tinto (1988) adiciona essa perspectiva dos ritos de passagem à sua teoria a fim de ampliar as possibilidades de análise. Reconhece, no entanto, que a visão anteriormente trabalhada, baseada na teoria do suicídio de Durkheim, tem sido muito mais recorrente nas pesquisas da área. A visão que deriva de Durkheim – presente em Spady (1970) e Tinto (1975) – se trata de um mapeamento de uma teoria geral da evasão que se propõe a explicar como as forças institucionais, em suas dimensões social e intelectual (acadêmica), dão forma ao processo de incorporação, isto é, integração do indivíduo na vida acadêmica. A intenção com o acréscimo da visão de Van Gennep (1960) é prover uma dimensão temporal, descrevendo os estágios longitudinais do processo de integração acadêmica.

Tinto (1988) afirma que não tem intenção de simplificar o complexo e fluido processo de desligamento institucional. Para o autor, esses estágios são “abstrações” utilizadas para facilitar o processo de análise desse fenômeno que varia de acordo com cada grupo de estudante[s] e área de conhecimento. Pode acontecer, ainda, que alguns estudantes não estejam apercebidos da transição necessária para se integrar à vida acadêmica. Outros podem vivenciar esses estágios de maneira isolada ou simultânea. De toda forma, fornecer informações de estágios ou eventos comuns à experiência universitária pode ser benéfico aos estudantes inseridos nesse processo e é nesse sentido que a noção de ritos de passagem é empregada.

Outro ponto que merece ser observado – e é também apontado pelo autor – é que essa teoria é pensada considerando um perfil de alunos jovens, recém-saídos do ensino médio. Não menciona adultos ou estudantes transferidos com alguma experiência prévia no ensino superior. No entanto, acredita que esses grupos estão sujeitos às mesmas fases, podendo, apenas, vivenciá-las de maneiras diferentes em virtude de suas características.

O envolvimento, tanto social quanto acadêmico, é considerado fundamental para a permanência, porém, segundo Tinto (2006), o que ainda não é tão claro é como promover essa integração em diferentes contextos e com estudantes diferentes a fim de promover a permanência, pois a estratégia mais recorrente para promover integração dos estudantes com a universidade, ou para suprir eventuais demandas de formação, é a dos “cursos adicionais”, os quais são criados conforme as demandas emergentes (Tinto, 1999).

Tinto (1999) aponta também que algumas instituições precisam encarar o problema da permanência mais seriamente em virtude das pequenas alterações (estruturais) e falta de mobilização na condução das ações e políticas institucionais nesse sentido. Ele aponta para quatro condições institucionais que se mostram importantes para promover permanência: [1] informação/orientação; [2] apoio acadêmico; [3] envolvimento e [4] aprendizado.

Por isso, quanto mais claras e consistentes as informações em relação às demandas institucionais, maior a probabilidade de os estudantes persistirem e se graduarem. Isso se dá pois os estudantes precisam entender o “roteiro para a conclusão” e saber como usar essas instruções a fim de decidir e atingir objetivos pessoais. O apoio acadêmico deve estar ao alcance dos estudantes e integrado aos demais espaços de interação que estes possuem com a instituição. Quanto ao envolvimento ou o “tornar-se membro”, este ponto está relacionado com a frequência e qualidade das interações com os professores, outros alunos e demais integrantes da comunidade acadêmica, o que tem se mostrado um importante preditor de persistência. O último ponto se refere ao aprendizado, pois, de acordo com o autor, estudantes que aprendem são estudantes que permanecem (Tinto, 1999).

O “envolvimento ativo” é colocado como a chave nesse processo, o qual seria capaz de promover aprendizagem, principalmente quando essa experiência ocorre através da interação com os pares, o que parece ser pouco comum para a maioria dos estudantes de primeiro ano, os quais costumam ter suas experiências de aprendizagem – sociais ou acadêmicas – de maneira isolada dos demais (Tinto, 1999).

Não há dúvida que muitos desafios se colocam para que as instituições promovam essas condições de permanência, principalmente se considerarmos que muitos estudantes precisam conjugar estudos e trabalho. Para estes, a sala de aula pode ser o único lugar onde encontram seus professores, seus colegas de curso e se envolvem com o currículo.

Por essa razão, Tinto (1999; 2006) diz que as ações de permanência devem não só incluir, como precisam começar pela sala de aula. Nesse contexto, instituição e corpo docente se tornam fundamentais na execução dessas ações, ainda que, conforme Tinto (2006), haja um desafio de outra ordem, pois os professores das universidades e do ensino superior, de um modo geral, são os únicos que não possuem formação específica para ensinar seus alunos.

O modelo teórico de Alain Coulon

A pesquisa realizada por Alain Coulon se deu na França com estudantes da Universidade Paris 8, com os quais realizou processos de escuta, conversas e observação em seus primeiros meses na instituição. Além disso, orientou os estudantes do primeiro ano, matriculados em seu curso, que escrevessem um diário durante os três primeiros meses do seu percurso universitário.

Coulon (2008, p. 31) considera que, após o ingresso na universidade, “aprender o ofício de estudante” é a tarefa mais importante, isto é, a relação que os novos estudantes estabelecem com as regras e os saberes universitários. Para explicar como isso ocorre, o autor descreve o processo de afiliação, baseando-se – também – na formulação de Van Gennep (1960). Coulon (2017) justifica que o trabalho de Van Gennep o ajudou a pensar e classificar a grande quantidade de dados que havia obtido através da investigação feita com estudantes de Paris 8. Segundo ele, as vivências destes poderiam ser interpretadas à luz dos ritos de passagem.

Coulon (2008) diz que o processo de afiliação se inicia a partir da entrada na universidade, quando ocorre a passagem do status de aluno para estudante, uma vez que, para o autor, uma pessoa que chega à universidade não adquire automaticamente o status de estudante – esse estágio inicial seria de demandante ao ensino superior. Para ele, há uma clara distinção entre o “ser aluno” e a condição de estudante. O aluno é aquele da educação básica, já o estudante seria o jovem que ingressa no nível superior. A entrada na vida universitária seria, nesse caso, uma passagem de um estado para o outro. A competência de ser estudante se adquire através de um ritual de iniciação a esse novo universo.

Aprender o ofício de estudante, mesmo se tratando de um status provisório, é uma tarefa essencial para a permanência deste na universidade. A afiliação, ou seja, a aquisição de um novo status social é um processo que ocorre em três tempos: (i) o tempo do estranhamento, (ii) o tempo da aprendizagem e (iii) o tempo da afiliação propriamente dita.

O primeiro ano é aquele para aprender a instituição e, nesse ano, Coulon (2008) defende – através da utilização de um artifício pedagógico – que os demandantes ao ensino superior devem unir seus esforços em torno de um objetivo: tornar-se estudante profissional. Esses esforços, no entanto, só fariam sentido mediante a existência de um projeto cuja perspectiva de futuro justificasse um emprego significativo de tempo e, somado a isso, a instituição proporcionasse condições que favorecessem a permanência.

Os estudantes passariam, basicamente, por três fases, que correspondem aos três tempos do processo de afiliação. A primeira é a fase da separação com o passado escolar ou tempo do estranhamento, em que o estudante ainda vê a universidade como um ambiente pouco familiar e precisa ser iniciado o processo de articulação entre a universidade e o futuro do estudante. A segunda é a fase da margem ou o tempo da aprendizagem. Nesse segundo momento, o percurso do estudante ainda é instável, pois ele não tem mais passado e ainda não tem futuro: trata-se de um período de atribuição de sentidos, da aprendizagem de uma (nova) perspectiva de futuro. Por último, temos a fase da admissão ou o tempo da afiliação. A duração dessa fase varia de acordo com a assimilação das regras e, a partir daqui, o risco de abandono vai se tornando cada vez mais distante.

A afiliação é tida como um processo de aprendizagem da autonomia que ocorre pela participação ativa do estudante em uma tarefa coletiva. Embora não sendo um processo plenamente acabado, é possível falar em afiliação quando em um dado momento a apreensão de determinadas disposições é suficiente para que haja um reconhecimento mútuo entre os sujeitos que fazem parte de um mesmo grupo ou da mesma instituição. No percurso em que o sujeito forja para si um habitus de estudante, ele vivencia um processo de familiarização progressiva, de elaboração de estratégias até, finalmente, conseguir instalar rotinas que são os primeiros sinais de afiliação.

A incorporação do habitus de estudante é, dessa forma, um processo de construção individualizada e coletiva, pois, por um lado, o estudante precisa decidir a medida do esforço que será empregado nesse processo e, por outro, precisa saber – em alguma medida – seguir instruções, ou seja, contar com a ajuda de outros na vivência e interpretação das regras mais fundamentais.

A hipótese de sucesso acadêmico está atrelada à medida da afiliação do estudante, ao saber operar com as regras propriamente administrativas e com o trabalho intelectual demandado pela universidade. Em relação ao aspecto intelectual do processo de afiliação, Coulon destaca três operações consideradas fundamentais para a realização deste: ler, escrever e pensar. Nessa perspectiva, “um estudante competente, do ponto de vista intelectual, sabe identificar os conteúdos do trabalho intelectual e, ao mesmo tempo, os códigos implícitos que os organizam, ouve o que não é dito e vê o que não está designado” (Coulon, 2008, p. 256).

Afiliar-se intelectualmente é, também, estabelecer vínculos entre a vivência privada e a vivência universitária, de modo a construir um laço dentro-fora. Existe um processo de afiliação intelectual em curso quando as percepções, práticas e hábitos até então valorizados pelo e no ambiente universitário deixam de ser exteriores ao estudante e vão sendo incorporados, deixando de ser um esforço e passando a ser algo “natural”.

Coulon (2017, p. 1247) concebe e propõe uma “pedagogia da afiliação” baseada em duas atividades: a escrita e a aprendizagem da metodologia documental. A escrita cotidiana ou o “diário de afiliação” é tido como um exercício importante para a apropriação da dimensão simbólica da experiência acadêmica, da relação do estudante com o saber. Construir o hábito da escrita promoveria afiliação, na medida em que as reflexões registradas no diário trariam clareza sobre as trajetórias individuais dos estudantes. Já a metodologia documental seria um meio – um curso – para os alunos aprenderem a utilizar os recursos da biblioteca, bem como melhorar suas habilidades de leitura, memória e organização com os estudos.

Potencialidades e limitações dos modelos de Tinto e Coulon

Os modelos teóricos de Tinto (1975; 1993) e Coulon (2008) tentam explicar sociologicamente como ocorre o processo de integração/afiliação universitária. Nos dois modelos, a dimensão temporal tem um espaço importante uma vez que ambos destacam que se tornar membro da comunidade universitária acontece de forma gradual e que aquele que ingressa no ensino superior precisa saber utilizar bem o tempo que dispõe para vivenciar esse novo ambiente. Essa dimensão temporal está ancorada na noção de ritos de passagem de Van Gennep (1960), em que ambos os autores a subdividem em três etapas que vão do estranhamento e passam pela familiarização até chegar em um “ponto ótimo”, no qual o risco de abandono se torna algo mais improvável.

Vemos na literatura que muitos autores (Astin, 1999; Bean, 1982; Braxton et al., 2000; Milem & Berger, 1997; Pascarella, 1980; Pascarella & Terenzini, 1979; Terenzini & Pascarella, 1980; Terenzini, 1982) que se propõem a discutir sobre permanência no ensino superior estabelecem um diálogo – direta ou indiretamente – com a teoria de Tinto. De maneira geral, esses autores expõem modelos de evasão/persistência estudantil. Em seus constructos, a interação aluno e instituição (experiência institucional) e os processos de integração acadêmica ganham diversos enfoques. São apresentadas diversas proposições a respeito de quais fatores (institucionais ou externos à instituição), características (do estudante ou da instituição) ou ações (institucionais ou dos estudantes) seriam mais ou menos relevantes tanto na explicação da evasão quanto para aumentar as probabilidades de persistência estudantil.

Há trabalhos que consideram a centralidade do processo de aprendizagem na promoção de envolvimento estudantil (Astin, 1999), outros privilegiam aspectos da interação entre aluno-professor e como esta influencia nas decisões de permanecer ou abandonar o ensino superior (Terenzini & Pascarella, 1980). Outros, ainda, tentam considerar o maior número de variáveis possíveis (Bean, 1982), levando em conta aspectos organizacionais (referentes à instituição), variáveis ambientais (fatores externos e de contexto social), variáveis atitudinais e de resultado. Cada modelo se propõe o mais compreensivo possível e aponta as variáveis que considera mais relevantes na explicação do fenômeno.

A hipótese da integração acadêmica e social proposta pelo modelo de Tinto – amplamente citado e aceito no meio acadêmico – tem sido testada, discutida e contraposta por diversos autores. Há, nesse sentido, os que buscam identificar quais variáveis seriam mais ou menos significativas nesse processo de integração e os que se contrapõem a esta perspectiva.

Braxton et al. (2000; 2008), além dos autores anteriormente citados, também dialogam com Tinto e corroboram com sua proposição integracionista, mais especificamente quanto à importância do ambiente de sala de aula e, por consequência, da interação aluno-professor nas ações de permanência e na construção de processos significativos para os estudantes.

Há também críticas ao uso da noção de “ritos de passagem” para pensar o processo de permanência dos estudantes. Tierney (1992) diz que há uma inadequação conceitual no modelo de Tinto e que a referida noção não é mais apropriada, principalmente em se tratando de perfis de alunos sub-representados no ensino superior, os quais, em certa medida, devem abandonar sua cultura e se apropriar de outra, dominante. O autor se opõe à ideia de integração e propõe um modelo alternativo em que as universidades seriam entidades multiculturais e, assim, promoveriam a diferença e não a conformidade.

Em linhas gerais, ambos os modelos trazem consigo uma noção de ajuste e conformação do estudante-ingressante ao ambiente universitário. Os autores tentam explicar o processo e acabam por não problematizar devidamente aspectos institucionais que não agregam nas trajetórias estudantis e, nesse sentido, não corroboram com os esforços de determinados grupos em permanecer e concluir seus cursos.

Outro ponto importante em ambos os modelos é a questão do tempo que deve ser dedicado às vivências universitárias. Tinto afirma que seu modelo foi pensado para estudantes “típicos”, ou seja, não trabalhadores e, por consequência, com tempo para se dedicarem aos estudos. Os estudantes que participaram da pesquisa de Coulon, por sua vez, podem ser considerados “atípicos”. Todavia, em nenhum dos modelos vemos a devida problematização do que significa “ter tempo” para se dedicar aos estudos e para apreender novos esquemas cognitivos e comportamentais inerentes à vida universitária.

Considerações finais

Afiliar-se ou integrar-se aos grupos que compõem o espaço universitário, mais que uma expectativa pessoal e institucional, é sinônimo de uma trajetória bem-sucedida. Coulon (2008, p. 261) é categórico ao afirmar que “tem sucesso o estudante que se afiliou”, isto é, aquele que entendeu as regras, soube interpretá-las e acioná-las conforme as demandas do cotidiano. A ideia de sucesso acadêmico está associada, de maneira ampla, a um processo de aprendizagem. Aprende-se a instituição, aprende-se o conteúdo e saberes específicos de uma área de conhecimento, aprende-se uma nova maneira de se relacionar com os pares e com a comunidade acadêmica e aprende-se uma nova perspectiva de mundo, a ter novas lentes.

O processo de permanência é, nesse sentido, e sob vários aspectos, um processo de aprendizagem. Nesse contexto, o apoio acadêmico ou apoio pedagógico ganha novos contornos e se coloca, à instituição universitária, um espaço privilegiado de ação junto aos estudantes a fim de que estes possam ter uma trajetória acadêmica repleta de oportunidades e condições efetivas de aprendizagem.

Tanto o processo de aprendizagem no ensino superior quanto o processo de permanência são uma construção coletiva que demanda ajustes tanto por parte dos estudantes quanto da instituição na consecução de um objetivo comum, a conclusão do curso. O apoio pedagógico, como ação de permanência, longe de ser a única resposta para o problema, configura-se como um recurso potente na construção de uma universidade que não deve perder de vista a sua responsabilidade no processo de ensino e aprendizagem dos seus estudantes.

Tinto (2017), mais recentemente, aponta que as ações de permanência não podem prescindir da perspectiva que os estudantes têm sobre o processo, a qual a literatura trata em termos de persistência (persistence). Destaca que é preciso ter atenção a alguns aspectos que podem influenciar na motivação dos estudantes – principalmente daqueles historicamente sub-representados no ensino superior – como as noções de auto-eficácia, senso de pertencimento e valor percebido do currículo[2].

Não se trata de desconsiderar a perspectiva institucional no processo de permanência. Pelo contrário, é o caso de agregar à perspectiva institucional a visão do estudante. Nesse sentido, à instituição, está posto o desafio de ajustar as suas lentes levando em consideração os alunos que recebe. Assim, não só ao estudante cabe assimilar a instituição, mas também a esta última cabe perceber os seus estudantes.

Referências

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[2]Em relação às noções de auto-eficácia e senso de pertencimento ver, respectivamente, Bandura (1977) e Herpen et al. (2020).

Recebido: 20 de Junho de 2022; Aceito: 29 de Agosto de 2022

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