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Linhas Críticas

Print version ISSN 1516-4896On-line version ISSN 1981-0431

Linhas Críticas vol.28  Brasília Jan./Dec 2022  Epub Nov 18, 2022

https://doi.org/10.26512/lc28202243453 

Artigos

Influências do professor na constituição do aluno leitor: algumas constatações

Las influencias del profesor en la formación del estudiante lector: algunas constataciones

The teacher influence on the constitution of student reader: some verifications

1Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras – Português e Inglês do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), Campus Feliz.

2Doutora em Letras pela Universidade de Passo Fundo (2018). Professora de Língua Portuguesa, Língua Espanhola e Literatura do IFRS, Campus Feliz.


Resumo

Este texto traz resultados da pesquisa quanti-qualitativa sobre o perfil leitor de ingressantes no ensino médio oriundos de escolas públicas municipais de Feliz/RS e a contribuição de seus professores para essa construção. Teorias da área da leitura embasam a análise dos dados coletados nesta pesquisa e são comparados com a anterior, realizada com docentes da mesma rede. Como descobertas, a maioria dos alunos possui memórias positivas de leitura e as ações proporcionadas pelos professores interferem positivamente na formação do leitor.

Palavras-chave Leitura; Escola; Mediação

Resumen

Este texto presenta datos de una encuesta que analisa cómo se contituyen los estudiantes lectores de secundária de esculas públicas de Feliz/RS y de qué manera el trabaljo del profesor hace la diferencia en la formación lectora del alumno. Las teorias de la lectura contrubuyen con las discusiones. Valiendóse desta encuesta y de análises, descripciones y comparaciones con respuestas de los profesores en encuesta anterior, se nota que la mayoria de los estudiantes tuvieron experiencias productivas de lectura. El trabajo de los profesores, fué positivo para la formación lectora de sus alumnos.

Palabras clave Lectura; Escuela; Mediación

Abstract

The text presents results from quantitative-qualitative research on the reader profile of high school students who came from public schools in Feliz/RS and the contribution of their teachers to this construction. Theories about reading collaborated to the analysis of data which were compared with another research carried out with professors from the same teaching level. As findings, most students have positive memories of reading and the actions provided by the teachers contributed to the reader formation of their students.

Keywords Reading; School; Mediation

Introdução

Em uma sociedade que valoriza o consumo voraz, a velocidade das informações e a necessidade da conexão, a escola se vê, cada vez mais, desafiada a inovar suas ações pedagógicas. Contudo, com o sucateamento da educação, com as migalhas recebidas do governo, que mal sustentam os prédios, como, então, cuidar das pessoas e de suas complexidades e diferenças de aprendizagem? Como aprender/ensinar nesse cenário tão desigual?

Mesmo com muitas barreiras sociais, econômicas e tecnológicas, os professores fazem verdadeiros milagres e se reinventam. Criam estratégias e fazem de suas aulas verdadeiros laboratórios com experimentos os mais inusitados possíveis, em busca de resultados que nem sempre vêm. Contudo, os estudantes aí estão, à espera das poções mágicas do saber. Mal sabem eles que são os verdadeiros portadores do conhecimento e que precisam, apenas, de motivação para deixar fluir e dar a conhecer suas capacidades.

É, então, neste cenário desafiador para a educação escolar que a leitura procura cumprir seu necessário papel. Mas qual é mesmo essa atribuição? O senso comum confere a ela a incumbência de oferecer informações e conhecimentos úteis, conforme explica Núcio Ondine (2016), em sua obra A utilidade do inútil. Assim, a educação escolar deve sempre servir para algo. E, no caso da leitura do texto literário, essa prática carrega em si “um para quê vai servir?”, e é exatamente isso que contribui para o afastamento entre livros e leitores.

A escolarização da leitura literária é necessária, quando adequada. Professores e mediadores culturais precisam estar atentos aos modos de conduzir a atividade a fim de não afastar os jovens leitores deste tão importante contato. É, pois, a escola que cumpre a tarefa que a maioria das famílias não pode, não quer ou não tem condições de fazer, que é apresentar a literatura tanto canônica quanto a marginal e as inúmeras práticas culturais aos estudantes. Se não for na escola, muitos dos estudantes não terão contato com os clássicos, por exemplo. Assim, estar atento à condução das atividades de mediação de leitura que ocorrem nas escolas é de fundamental importância, pois uma experiência ruim com o texto pode repelir leitores.

Nesse sentido, enquanto professora e estudante da área de Letras, julgamos ser importante levantar informações acerca das experiências de mediação de leitura que os estudantes de primeiros anos dos cursos técnicos e que são oriundos das escolas municipais de Feliz/RS tiveram, quando discentes, naquela rede de ensino. Como no ano de 2020 realizou-se pesquisa sobre leitura e mediação com os professores que atuam nesta mesma rede de ensino, cruzamos, agora, os dados que coletamos com os estudantes, a fim de perceber em que ponto as informações dialogam ou não, e em que medida o curso de Licenciatura em Letras Português/Inglês do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), campus Feliz/RS poderá contribuir positivamente para auxiliar os professores e alunos em suas demandas/necessidades, através das atividades extensionistas que realizam na comunidade. Os dados foram analisados à luz das contribuições teóricas de Rildo Cosson (2009), Annie Rouxel (2013), Lucia Santaella (2013), Magda Soares (1999) e Zoara Failla (2020).

Dessa forma, este artigo se estrutura de modo a apresentar, primeiramente, a metodologia da pesquisa realizada. Na sequência, apresenta os estudantes que participaram do estudo e como se constituem enquanto sujeitos leitores. Como próxima etapa, destaca-se a relação existente entre os dados coletados em pesquisa anterior com os professores destes mesmos alunos e o que dizem acerca da experiência que vivenciaram com eles ter ou não contribuído para sua formação leitora. Como última parte, as considerações finais trazem a percepção das pesquisadoras acerca das descobertas desta pesquisa que dialoga com a anterior e em que medida são importantes para o diálogo acerca da leitura do texto literário na escola e fora dela.

Primeiros contatos

No ano de 2021, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul – campus Feliz, recebeu, no Ensino Médio, oito alunos oriundos das duas escolas municipais de Feliz: Cônego Alberto Swhade e Alfredo Spier. No entanto, apenas sete destes alunos aceitaram participar da pesquisa, três meninas e quatro meninos. Após os trâmites burocráticos que garantem a ética da pesquisa, deu-se início à investigação. O questionário elaborado para a coleta dos dados foi composto por 13 perguntas, tanto de múltipla escolha, quanto de respostas abertas. Com as perguntas, objetivou-se traçar o perfil leitor desses estudantes no que diz respeito à quantidade de livros que leem, gênero/autores escolhidos e atividades de mediação leitora realizadas na escola que mais lhes marcaram e em que medida essas escolhas e memórias têm a influência de seus professores do Ensino Fundamental. Com esse questionamento, almejou-se trazer dados que pudessem servir de comparativo ao que foi descoberto em pesquisa anterior com os professores que atuavam com estes estudantes.

Quanto à análise dos dados, dividimos em blocos, de acordo com a temática das questões. O primeiro refere-se ao perfil inicial dos entrevistados, sendo composto por três questões. A segunda divisão diz respeito às motivações leitoras dos alunos e contém seis perguntas. Por fim, a última seção, com cinco questões, discorre acerca do perfil dos professores-leitores dos estudantes.

Para a identificação de cada participante nas discussões, escolheu-se codinomes que remetem a personagens de clássicos da literatura brasileira. Por tratar-se de uma pesquisa na área da educação literária, julgamos ser pertinente esta escolha, visto que permitiu a identificação dos entrevistados sem expor suas identidades. Assim, os participantes foram nominados como: Capitu, Gabriela Silva, Iracema, Macunaíma, Jeca Tatu, Pedro Terra e Brás Cubas.

Quem são os alunos leitores?

De modo a identificar o perfil dos estudantes, nesta primeira etapa do questionário, a indagação foi sobre suas idades, se cursaram os anos finais do Ensino Fundamental na mesma escola e se possuem a leitura como uma atividade constante. Os entrevistados, aqui denominados Capitu, Macunaíma, Jeca Tatu e Pedro Terra, possuem todos 16 anos e finalizaram o Ensino Fundamental na mesma instituição. Já Iracema e Gabriela da Silva possuem 15 anos e também cursaram os anos finais na mesma instituição. Brás Cubas, de 15 anos, foi o único estudante que não realizou os últimos anos de seu Ensino Fundamental na mesma escola.

Acerca do último questionamento desta primeira etapa, que se refere ao fato de os estudantes considerarem-se leitores ou não, notou-se que apenas Gabriela da Silva não possui a leitura como uma prática que realiza frequentemente. Os demais entrevistados: Capitu, Macunaíma, Jeca Tatu, Pedro Terra, Brás Cubas e Iracema afirmaram ler regularmente, o que representa 85,7% dos estudantes.

Este dado, para além de animador, corrobora o que afirmaram os docentes de Língua Portuguesa, das séries finais, das escolas da rede municipal de Feliz/RS (professores destes estudantes). A pesquisa anteriormente realizada por Alves e Branchi (2021) revelou que dois dos três professores que atuam nessas escolas são leitores, o que corresponde a 67% dos respondentes. Além disso, 100% dos docentes leem teorias relacionadas ao texto literário e/ou mediação leitora. Com isso, percebe-se que, possivelmente, a figura do professor-leitor na formação dos estudantes foi presença positiva em sua constituição enquanto leitores.

Motivações leitoras

A etapa seguinte do questionário compreende as questões quatro a nove. Nesta seção buscou-se compreender os aspectos intrínsecos ao perfil-leitor dos estudantes, a respeito da quantidade de livros que leem mensalmente e de suas motivações para a leitura. Ademais, almejou-se entender se os familiares dos entrevistados eram leitores, além de indagar acerca dos meios que suas famílias realizavam as leituras.

A pergunta de número quatro questionou sobre a quantidade de livros que os alunos leem, aproximadamente, por mês. A partir desse questionamento, surgem dados que permitem verificar se os estudantes são leitores ou não. Quanto a esse ponto, as pesquisas realizadas pelo Instituto Pró-Livro (IPL), coordenadas por Zoara Failla (2020), consideram como leitor os sujeitos que leram, por completo ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. Não leitor seriam aqueles que declararam não terem lido nenhum livro neste mesmo período. Na presente pesquisa, indo ao encontro do que apresenta o IPL, considera-se como leitor aquele que declara ter a leitura com uma atividade que realiza frequentemente.

Acerca das respostas obtidas com o questionamento, Gabriela da Silva foi a única estudante que afirmou não ser leitora. Já os demais entrevistados (Capitu, Macunaíma, Jeca Tatu, Pedro Terra, Brás Cubas e Iracema) relataram ler frequentemente. No que diz respeito à quantidade de obras, Macunaíma e Jeca Tatu declararam que leem em torno de dois livros ou mais mensalmente; enquanto Pedro Terra e Brás realizam a leitura de uma obra durante o mês.

Em suma, 66,7% dos entrevistados leem duas obras e 33,3% leem um livro mensalmente. Este dado tão positivo chamou-nos a atenção, pois contraria o senso comum acerca da relação entre os jovens e a leitura do texto literário. Muitos analistas de plantão afirmam que o vínculo entre a literatura e os adolescentes é extremamente frágil, em decorrência do advento das tecnologias em suas vidas e cotidiano. Nesse ínterim, grande parte da sociedade acredita que os jovens somente têm preferência por atividades midiáticas, como vídeos do Youtube ou filmes, que podem ser facilmente assistidos em plataformas de streaming, e, por vezes, mais atrativos do que um livro. Assim, sobre os jovens, por estarem mais próximos dessa cultura informatizada, principalmente nos meios de comunicação:

[…] se ouvem queixas sobre o tema: "os jovens não leem mais", "é preciso ler", até mesmo "deve -se amar a leitura", o que faz, evidentemente, com que todos fujam dela. Lamentam, sobretudo, que se deixe de ler os grandes textos supostamente edificantes, desse "patrimônio comum", como dizem, espécie de totem unificador em torno do qual seria sensato que nos uníssemos. (Petit, 2008, p. 19)

De acordo com as ideias sensacionalistas, propagadas sobretudo nos meios de comunicação, principalmente pelas mídias digitais, os jovens não são leitores. Ademais, também lamentam a não leitura de textos clássicos, que seriam os únicos capazes de unificá-los e universalizá-los enquanto seres humanos. Porém, o que mostra esta pesquisa e os estudos de Michèle Petit (2008) vai de encontro a esta ideia. Diz a pesquisadora que se a proporção geral de leitores assíduos diminuiu, a juventude continua sendo o período da vida em que a atividade de leitura é mais intensa.

Em suma, as tecnologias afetaram as maneiras de se ler e produzir literatura. A qualidade e a imersão têm ficado em segundo plano, privilegiando-se a quantidade e textos mais rápidos de serem lidos, conforme cita Leyla Perrone-Moisés (2016). Porém, os jovens ainda são os que mais leem. Por isso, aqui especificamente, entra o importante papel do professor de Língua Portuguesa e mediador de leitura do texto literário, que deve oferecer obras diversificadas aos jovens, a fim de despontar o potencial leitor dos adolescentes, além de permitir o acesso à literariedade através da imersão no texto. Dessa forma, mesmo em uma realidade cada vez mais acelerada, eles podem silenciar seus interiores e dialogar com as leituras realizadas.

Ao encontro dessas ideias, cabe trazer à discussão os estudos na área da tecnologia, de Lucia Santaella (2013), acerca da ubiquidade do leitor contemporâneo. A autora frisa que, sendo fruto de uma pós-modernidade dominada pelo bombardeamento incessante de novidades, as informações podem ser acessadas com dispositivos móveis a todo instante, em qualquer lugar. Os chamados leitores ubíquos trouxeram, assim, novas maneiras de ler os textos e o mundo. Eles possuem um perfil cognitivo que responde ao mesmo tempo distintos focos sem demorar-se reflexivamente em nenhum deles.

Dessa forma, os leitores ubíquos são aqueles que leem enquanto estão no ônibus, pelo celular, ou durante os minutos em que aguardam ser chamados para uma consulta médica que está atrasada; mas não enquanto descansam em uma rede ou em uma poltrona confortável, com um tempo destinado exclusivamente para isso. Assim, conforme Santaella (2013), os leitores ubíquos – os leitores da pós-modernidade – são aqueles que transitam por inúmeros textos ao mesmo tempo, que podem estar em diferentes lugares. São leitores bem informados, conhecedores das letras e das artes, consumidores de múltiplos textos. Assim, cabe questionar: como a escola se prepara para receber esta geração de leitores?

Quando se analisa a rapidez com que os adolescentes mantêm contato com os diferentes textos no dia a dia, bem como o modo e os lugares que ocorre esta interação, surgem os questionamentos acerca do quanto estas leituras são, realmente, proveitosas/exitosas/experienciadas de fato. Visto que não se debruçam por muito tempo em um único texto, talvez, a experiência da leitura, a que se refere Jorge Larrosa (2003), seja prejudicada. Pois segundo o autor, é preciso silenciamento e pausa para que a experiência realmente aconteça; para que algo nos passe.

Por isso, torna-se importante a correta escolarização do texto literário, para que os momentos de contato com a leitura tornem-se verdadeiras experiências para os estudantes. Nesse sentido, o que percebemos com a pesquisa realizada com os professores, por Alves e Branchi, 2021, é que, de modo geral, esses profissionais empenham-se na realização de atividades que possam mover os estudantes de seu lugar comum.

Como descrevem Alves e Branchi (2021), cada professor em particular utiliza diferentes métodos para atender a diversidade de seus alunos, desde os mais tradicionais modos de trabalhar um texto até as mais provocadoras interações. Criam estratégias interessantes, testando-as, refazendo-as, buscando sempre interpelar seus estudantes para a leitura. No entanto, o método empregado por uma das participantes daquela investigação pode parecer ou deixar entrever um certo descaso para com a leitura do texto literário na escola, devido à falta de uma pré-seleção de obras. A metodologia empregada por ela deixava o aluno escolher aleatoriamente, sem orientação e/ou mediação alguma. Deixar a aula de leitura cair no trivial pode ser um caminho para o afastamento do leitor dos livros.

Apesar disso, o que destacam Alves e Branchi (2021), de modo bastante otimista, é que os professores entrevistados na pesquisa anterior são, em sua maioria, leitores de literatura e de teorias que a explicam, analisam e debatem, sendo esse um aspecto muito relevante para a construção docente de um profissional da área da literatura, pois, como ensinar literatura sem lê-la, conhecê-la e compreendê-la? Além disso, são profissionais que participam de projetos de leitura, que buscam formar novos leitores. Por isso, o perfil docente dos entrevistados alinha-se com a procura constante pela melhoria de práticas pedagógicas, que visam o correto trabalho com a leitura. São, portanto, professores leitores e que almejam sempre um aprimoramento profissional.

Ao analisar o posicionamento da estudante Gabriela da Silva, que não considera ter a leitura como uma atividade que realiza frequentemente, ao ser perguntada sobre as possíveis motivações para não ler, relatou que o motivo para isso é a falta de acesso a livros de seu interesse. Assim, percebe-se que a estudante não é uma leitora, não por não ter gosto pela leitura, mas sim por não poder acessar os materiais que gosta. Acerca dessa questão, a pesquisadora Maria do Rosário Mortatti Magnani (2001) afirma que, “para ser leitor é preciso, além de ser alfabetizado, ter tempo para ler, dinheiro para comprar livros ou bibliotecas de fácil acesso e com acervo que interesse e goste de ler” (Magnani, 2001, p. 65). Portanto, para a formação de um leitor, obras que lhe sejam atrativas tornam-se indispensáveis.

Assim, professores-mediadores precisam estar atentos, tanto ao gosto dos estudantes como às obras pertencentes ao cânone ou àquelas que, por suas características estéticas e potencialmente humanizadoras, precisam ser abordadas em sala de aula. O interesse do estudante não pode ser desconsiderado, pois além de fazer parte de sua subjetividade, pode servir como uma ponte aos livros que o docente deseja trabalhar em suas aulas. Porém, a linha entre a permissividade e a obrigatoriedade é muito tênue; faz-se necessária a flexibilidade, ou seja, o professor não deve seguir apenas um ou outro caminho e postura, mas deve, sim, ser maleável em suas escolhas que afetam os estudantes.

Ao serem questionados sobre como é a atividade da leitura em suas casas, as respostas foram bem equilibradas. Capitu, Macunaíma, Iracema e Brás Cubas convivem com leitores em suas residências - o que representa 57,1% dos entrevistados. Em contraponto, 42,9% dos estudantes - Jeca Tatu, Gabriela da Silva e Pedro Terra não possuem leitores em seus lares.

De acordo com o professor e pesquisador Rildo Cosson (2009), a escola, ao lado da família, é a responsável por promover o letramento literário dos estudantes, através da escolarização da literatura. Dessa forma, a família constitui-se como um grande pilar na formação leitora, pois é a esfera primária de convivência das crianças, que, muitas vezes, aprendem pelo exemplo de leitores em suas casas. No caso da pesquisa que descrevemos aqui, a maioria convive com pessoas que leem - o que é positivo, pois

O processo de formação do leitor está vinculado, num primeiro momento, às características físicas (dimensões materiais) e sociais (interações humanas) do contexto familiar, isto é, presença de livros, de leitores e situações de leitura, que configura um quadro específico de estimulação sócio-cultural. (Silva, 1983, p. 56)

A convivência com livros e leitores na família é importante para o amadurecimento e formação do leitor. Além de esta ser a primeira esfera social da criança/adolescente e, portanto, a base para a criação da sua subjetividade, pode andar lado-a-lado com o papel do professor-mediador de leitura, fortalecendo o vínculo dos estudantes com os livros.

A questão seguinte diz respeito aos meios de leitura utilizados pela família. Assim, 100% dos alunos que possuem leitores em suas residências (Capitu, Macunaíma, Iracema e Brás Cubas) afirmaram que eles leem apenas através de meios impressos. Este dado corrobora a realidade nacional, que aponta 92% de preferência por leituras em meios físicos em detrimento das plataformas digitais (Failla, 2020, p. 88).

Na questão sobre os tipos de leituras realizadas, as respostas foram amplas. Na família de Capitu, textos literários, informativos, jornalísticos e teóricos/técnicos relacionados a estudos acadêmicos são os mais comuns. Já nas famílias de Macunaíma e Iracema são contempladas as leituras de textos literários. Brás Cubas menciona ocorrer leituras do texto literário, informativas e teóricas/técnicas, relacionadas a seus estudos acadêmicos. Destaca-se, então, que todos os familiares dos estudantes mencionados leem livros de literatura. Este dado pode ser considerado favorável no que diz respeito à formação do letramento literário dos adolescentes, já que o diálogo sobre livro pode ser estabelecido nos lares.

Corroborando essa mesma ideia, Costa et al. (2016), em uma pesquisa acerca do papel do suporte familiar no desempenho em leitura e escrita de crianças do Ensino Fundamental, afirmam que a família é um grupo que dispõe de dinâmicas e características particulares, que tem como principal função a socialização de seus membros por meio da transmissão de cultura e educação, tornando-se, assim, agente da manutenção da continuidade cultural. Por isso, essa esfera primária de convivência pode auxiliar no processo de leitura da criança/adolescente, dando suporte e motivação para a aquisição e desenvolvimento de habilidade de leitura e, também, de escrita.

Os professores-leitores dos estudantes

A última etapa do questionário refere-se à descrição feita pelos estudantes acerca de seus professores e compreende as questões de número nove a treze. Estes dados permitem a comparação com os já coletados no ano anterior (com os professores) de modo a observar se, realmente, os estudantes foram tocados de forma positiva pelos métodos de seus docentes.

A primeira pergunta desta etapa diz respeito à maneira utilizada pelos professores para abordar a leitura. Para respondê-la, os estudantes poderiam assinalar (um ou mais) tópicos. Também solicitamos que, ao assinarem, contassem alguma experiência leitora que tiveram com os professores.

A partir desta primeira questão, o que se esperava dos estudantes - se levarmos em consideração os dados coletados no ano anterior, com os professores - é que as respostas fossem animadoras no que tange a mediação de leitura, visto que os docentes disseram abordar estratégias bastante diversificadas em suas aulas. Nossa hipótese inicial confirma-se, pois verificamos a partir do que os jovens responderam que parte dos docentes leem com os seus alunos em sala de aula, realizam debates, socialização de interpretações, selecionam materiais diversificados como textos em diferentes plataformas, obras de arte, etc. e buscam, posteriormente, relacionar os textos com outros objetos semióticos, como filmes, pinturas, ou até mesmo outras obras.

Corroborando a defesa dessa diversidade no trabalho com a literatura, Magnani (2001) sustenta que ao valer-se de diferentes textos, abordagens, métodos e gêneros em sala de aula o professor contribui para que o aluno encontre diferentes significados e a posterior ampliação do seu horizonte de compreensão de leitura. Por isso, nessa mesma perspectiva, é válido ressaltar que entre o 6º e 8º anos, o estudante atinge o estágio de desenvolvimento que Jean Piaget (1983) denomina como operações intelectuais abstratas; formação da personalidade e da inserção afetiva e intelectual na sociedade dos adultos.

No que diz respeito à forma que os docentes conduziam as aulas de leitura, Jeca Tatu e Pedro Terra declararam que os professores apenas indicavam-lhe leituras para, posteriormente, cobrá-las em provas, não havendo, assim, mediação alguma. Acerca do que pensavam sobre os métodos empregados, curiosamente, Pedro Terra relatou gostar, dizendo que “a experiência foi muito boa”, apesar de apenas ter sido exposto a aulas mais tradicionais. Já Jeca Tatu, diferentemente, afirmou que as experiências que teve com seus docentes e a respectiva forma de mediação literária por eles utilizada “foram chatas, pois os livros que eles mandavam a gente ler não eram interessantes”. Nesse sentido, a fala do estudante demonstra que o professor se colocar no papel de cumpridor de exigência pedagógica e não de mediador de leitura.

A partir disso, nota-se que os métodos empregados pelos docentes, assim como a afirmação de Jeca Tatu tornam-se não muito agradáveis aos estudantes. Isso porque ler apenas para ser cobrado em provas não contempla as múltiplas interpretações que um texto literário pode oferecer. Ademais, a utilização de apenas uma forma de se abordar/trabalhar a leitura pode transformar as aulas em experiências “chatas”, como afirmou Jeca Tatu. Pela descrição, as aulas aparentavam ser monótonas e o professor parecia não encantar os estudantes com o texto literário, pois realizava uma seleção de obras que não levava em conta o gosto dos estudantes.

Por meio da fala do estudante, questiona-se: deve o professor realizar avaliações a partir de textos lidos em aula? Acredita-se que não se trata de proibi-la ou bani-la da sala de aula. No entanto, quando a prova se torna o único método de abordagem do texto literário em sala de aula e há uma seleção não variada e não adequada de obras, corre-se o perigo de tornar os momentos de contato com o texto como algo penoso ou pavoroso aos estudantes, afastando-os dos livros, como bem assinalou o estudante Jeca Tatu.

Sobre os efeitos negativos de uma seleção limitada de autores e obras, Magda Soares (1999) afirma que isso pode fazer com que os estudantes pensem que livros literários são apenas aqueles canonizados, que a escola tende a priorizar. Isso torna a escolarização da literatura inadequada além de afastar os estudantes dos livros, pois não privilegia o gosto pela literatura - que deveria ser, para a pesquisadora, preconizado em sala de aula.

Já Capitu e Macunaíma, por sua vez, afirmaram que os professores realizavam diferentes abordagens, assinalando todas as opções disponíveis. Capitu reforçou a resposta relatando acerca de uma experiência em um “Café Literário”. Nesta aula, ela e seus colegas conversaram sobre um livro previamente lido. Relata que esta foi “uma das melhores experiências que eu tive, pois pude perceber várias coisas sobre o livro, algumas novas, e também outros pontos de vista”. Macunaíma comentou que “foram experiências muito proveitosas, com exceção de quando havia pouco tempo para realizar a leitura individual de certo texto”.

O que se vê, então, é que os estudantes entrevistados gostavam das aulas daquele professor. Capitu salienta a importância da troca de interpretações acerca das obras literárias - materiais ricos em polissemia. Acerca deste modo de abordagem dos textos mencionados pela estudante, é relevante destacar que vai ao encontro do que Victor Heringer, docente participante da pesquisa anterior menciona, quando ele diz que “solicita a participação dos discentes com opiniões e interpretações e realiza a ligação da leitura com outros textos, filmes, obras e contextos culturais e sociais”. Nesse sentido, conclui-se que as abordagens utilizadas pelo professor para mediar o texto literário foram realmente significativas para a estudante, pois permaneceram em sua memória.

Na perspectiva de mediar o texto literário visando a formação do letramento, tornam-se pertinentes as pesquisas de Cosson (2009) acerca do letramento literário, que se configura como um processo contínuo de apropriação da linguagem literária, e que se dá na medida em que leva em conta os três processos de leitura citados por ele como sendo a antecipação, a decifração e a interpretação. Assim, ler para atingir o letramento literário significa ler, compreender e refletir acerca do lido. Diante dessa perspectiva, o que percebemos é uma tentativa constante do docente Victor Heringer em estimular/formar a educação literária dos estudantes, por meio de aulas participativas e metodologicamente pensadas/elaboradas. Ademais, o professor buscava seguir os três processos de leitura continuamente, tornando suas aulas inesquecíveis aos alunos.

A respeito do que afirmou Macunaíma, sobre a falta de tempo para realizar as leituras propostas em sala de aula, é válido destacar que a professora O Dom da Infância também citou que possuía um curto tempo para o desenvolvimento das atividades que planejava - uma das problemáticas já identificadas por muitos pesquisadores da área da leitura. Neide Luzia de Rezende (2013), por exemplo, afirma que “talvez um dos maiores problemas da leitura do texto literário na escola - que vejo, insisto como possibilidade - não se encontre na resistência dos alunos à leitura, mas na falta de espaço-tempo na escola para esse conteúdo que insere fruição, reflexão e elaboração […]” (Rezende, 2013, p. 111).

Sobre a forma que as aulas ocorriam, Iracema e Brás Cubas assinalaram que seus professores encaminhavam leituras para avaliá-las em provas, além de ler oralmente para/com os alunos. Além disso, Iracema frisou que estas avaliações saiam da monotonia das demais matérias que estudava, o que contribuía para seu gosto pela leitura. Brás Cubas, por sua vez, enfatizou em sua fala uma experiência para a qual seu professor solicitou a retirada de um livro da biblioteca. Ele escolheu Um Estudo em Vermelho, de Sir Arthur Connan Doyle, o qual foi lido e comentado com a turma, o que parece ter lhe agradado bastante.

Os alunos aludem a atividades marcantes, e trazem dados relevantes. Iracema relata sobre uma atividade simples: a leitura de um texto e uma posterior avaliação que a fez sair da inércia das demais disciplinas escolares. Assim, trabalhar com a leitura do texto literário em sala de aula não exige planejamentos exaustivos ou impossíveis. Muitas vezes, apenas a execução de uma metodologia que coloque o texto no centro poderá (co) mover os estudantes a ponto de tirá-los de seus lugares comuns de modo a fazê-los interagir entre si e consigo mesmos.

Brás Cubas destaca a importância dos momentos de leitura individual na escola e do uso da biblioteca. Essa afirmação aponta para a percepção de que nessas situações, o leitor é provocado a pensar a respeito do seu gosto por determinados gêneros e tipologias textuais, além de selecionar/escolher livros - o que reforça a sua formação enquanto leitor do texto literário. Nesse sentido, Teresa Colomer (2007) destaca que o incentivo à leitura individual é um dos pontos fundamentais para o desenvolvimento das principais competências do leitor do texto literário. Além de garantir que todos os estudantes tenham acesso aos livros, a leitura silenciosa na escola também permite que o aluno se perceba como um leitor, auxiliando-o a encontrar o seu próprio gosto por determinadas obras literárias. Nesse sentido, a fala de Brás Cubas ratifica o quanto suas competências leitoras puderam ser desenvolvidas com essa atividade, pois ele já possui um gosto formado (livros de investigação) e aprecia as idas à biblioteca e suas respectivas atividades.

Por fim, Gabriela da Silva relatou que, assim como os demais estudantes, seus professores orientavam leituras para cobrá-las em provas. Porém, a aluna afirmou que participava da “Hora da Leitura”, um projeto que visava propiciar alguns momentos de fruição literária para os estudantes. A aluna também destacou momentos em que ia para a biblioteca ler ou retirar livros para serem lidos em casa. Além disso, as atividades de resenha e apresentação de leituras realizadas para seus colegas lhe marcaram positivamente.

Indo ao encontro do que disse a aluna, o docente O Dom da Infância, na pesquisa realizada no último ano, mencionou a implementação da “Hora da Leitura” em sua escola, na tentativa de proporcionar mais contato com o texto literário e incentivar a leitura através de vinte minutos semanais, com um cronograma pré-estabelecido. No entanto, o docente afirma que a “intenção é muito boa, porém o material oferecido traz livros, na sacola de leitura, que não são possíveis de serem lidos em 20 minutos, além de não ter uma proposta clara, com intenção pedagógica, para melhor aproveitamento do tempo” (Alves & Branchi, 2021).

As ideias que o docente e a estudante trazem são bastante pertinentes para que se pense a proposta de “leitura livre” na escola. De um lado, a aluna afirmou gostar da maneira que a atividade “Hora da Leitura” é realizada na escola, pois possibilita alguns momentos (mesmo que poucos) de fruição do literário. De outro lado, há o professor que vê a falta de direcionamento na atividade, além de livros inadequados, devido ao pouco tempo destinado à leitura. Apesar de essa forma de trabalho ter agradado à estudante, não se pode esquecer que atividades leitoras necessitam de um direcionamento/objetivo para terem maior êxito e desenvolver a competência literária do estudante, que é impulsionada, segundo Pedro Cerrillo (2016), pelo processo de construção de sentidos em que se constitui a leitura compreensiva e a consequente leitura interpretativa do texto.

Nessa mesma perspectiva, Teresa Colomer (2007) reforça que a leitura na escola nunca é livre por completo, pois sempre exige seguir um roteiro, uma metodologia e um planejamento, mesmo em atividades nas quais a leitura livre é promovida. A movimentação em torno dos livros nunca é ingênua e exige do professor a utilização de determinados instrumentos para que a evolução dos alunos possa ser acompanhada. Assim, sobre as práticas docentes relatadas pelos estudantes, todos apontaram a leitura ou atividades que envolviam o texto literário como sendo suas favoritas, mesmo que a pergunta permitisse o apontamento de outro exercício realizado durante as aulas de Língua Portuguesa, como estudar tópicos de gramática, por exemplo.

A primeira entrevistada, Capitu, relatou que gostava de saber o ponto de vista dos demais colegas/professores a respeito de leituras. Macunaíma, por sua vez, gostava de criar redações e textos literários. Nessa mesma perspectiva, Iracema informou que apreciava os momentos de leitura de textos de caráter literário, assim como Gabriela da Silva, que destaca positivamente “A Hora da Leitura” e Brás Cubas, que gostava de ler contos e diferentes histórias. Diferentemente de seus colegas, o entrevistado Jeca Tatu apreciava mais o ato de comentar sobre os textos que lia. Pedro Terra, por sua vez, expôs que as aulas de Português/leitura que teve foram complicadas, porém, vivenciou experiências consideradas, por ele, como “legais”, sem explicitar melhor o sentido do termo.

Este dado aponta que, apesar das dificuldades, os alunos participaram aulas de leitura que lhes foram significativas. Neste ponto, a criação textual e a discussão sobre textos também foram citadas, para além da leitura. Essas atividades podem auxiliar na expansão do arcabouço literário do estudante, pois permitem uma reflexão acerca do lido, visto que a leitura pressupõe a participação ativa do leitor na constituição dos sentidos linguísticos. Isso ocorre, principalmente, em atividades nas quais essas significações são discutidas e os alunos são convidados a pensar e externar suas ideias sobre o lido, já que podem compartilhar seus pensamentos de maneira escrita/falada.

Sobre o que os entrevistados dizem acerca das atividades que menos gostavam nas aulas de leitura/ Português, as respostas foram curiosas. Capitu, Gabriela da Silva e Iracema mencionaram a dificuldade em apresentar trabalhos ou explicar conteúdos estudados. Macunaíma, por sua vez, citou que não gostava de estudar sobre as classes de palavras. Já Jeca Tatu e Brás Cubas mencionaram questões relacionadas à leitura, como “ler sobre assuntos que não provocavam uma reflexão, ou ler apenas por ler'' e “eu não gosto de ler quando o único objetivo é tirar uma boa nota na prova”, respectivamente. Destacam-se, ainda, as respostas de Jeca Tatu e Brás Cubas que afirmaram não gostar de atividades leitoras desprovidas de significados. Nas práticas que descreveram, os estudantes eram apenas orientados a ler sem serem interpelados a desvendarem a plurissignificação dos textos literários, o que dizem tornar as situações de leitura meramente formais e desinteressantes.

Consideramos que as atividades de leitura não podem (ou não deveriam) estar desvinculadas da polissemia literária, justamente pela existência de infinitas possibilidades de significações em um único texto. Ao excluir esse caráter da educação literária, as aulas são transformadas em situações meramente formais e triviais. Ao encontro da ideia de abordagem plurissignificativa do texto está Cerrillo (2007), que destaca a necessidade de o leitor perceber a leitura como um ato de prazer e criatividade, como uma prática de vida e também um ato de liberdade que pode contribuir para o seu desenvolvimento pessoal.

Quando questionados se percebiam a existência de um leitor em seus professores; ou seja, se liam ou apenas mandavam ler, 85,7% dos estudantes (Capitu, Macunaíma, Iracema, Jeca Tatu, Gabriela da Silva e Brás Cubas) afirmaram que seus docentes liam. Somente 14,3% (Pedro Terra) não possuía professores leitores. Como a maior parte dos estudantes percebeu a existência de um leitor em seus docentes, destaca-se que esse dado corrobora com o que responderam os professores na outra pesquisa, pois aproximadamente 67% dos entrevistados afirmava ser leitor, sendo eles Úrsula e Victor. Apenas O Dom da Infância se considerava pouco leitor, justificando esse fato pela falta de tempo para dedicar-se à fruição literária.

Na perspectiva da formação do professor leitor, Tania Rösing e Regina Zilberman (2009) afirmam que, para que um docente seja capaz de mediar o texto literário de uma maneira significativa, ele precisa estar em constante atualização e ter prazer pela leitura. Assim, dizem as pesquisadoras que para ser um bom professor de Literatura e mediador de leitura do texto literário é necessário que este docente seja um leitor, além de dominar os conteúdos necessário para a sua prática, buscando constante atualização - o que pode ser feito através de leituras teóricas sobre a formação de leitores e da participação em cursos e capacitações, por exemplo. Felizmente, apesar de não possuir tanto tempo para isso, por causa de sua extensa jornada de trabalho, O Dom de Infância procura, sempre que possível, estudar sobre as maneiras mais adequadas de trabalhar com a educação literária e buscar criar aulas lúdicas para seus alunos, além de gostar de literatura. Por isso, o docente demonstra que, possivelmente, é um professor capaz de fascinar seus estudantes com a magia do literário de que fala Cerrillo (2007).

Na questão final da entrevista, os estudantes responderam sobre a motivação recebida (ou não) de seus professores para realizar práticas de leitura. Capitu e Macunaíma afirmaram sentirem-se motivados, porém, não justificaram suas afirmações. Iracema, por sua vez, além de assegurar que era encorajada a ler por seu professor de Português dos anos finais do Ensino Fundamental, reiterou que ele organizava momentos de trocas, como o “Café literário”, que ela gostava muito. Assim, fica explícito o quão envolvida com o seu próprio processo de formação leitora ela estava, em virtude do projeto de leitura desenvolvido pelo professor. Isso acontece porque, quando são metodologicamente planejados, os projetos de leitura podem ampliar o horizonte de expectativas dos leitores. Nesse sentido, eles são convidados a repensarem as significações do texto de forma conjunta formando, assim, uma comunidade interpretativa que fortalece a constituição leitora de cada participante.

Gabriela da Silva e Pedro Terra também percebiam que seus professores os estimulavam para a leitura. Os dois estudantes mencionam que a perspectiva de formação humana e subjetiva era realçada pelos docentes, que buscavam explicitar que a leitura poderia auxiliar no seu desenvolvimento como seres humanos, além de demonstrar que auxiliava no aprimoramento da escrita, da criatividade e na interpretação de seus próprios mundos. Assim, esses docentes mostram-se interessados em não apenas propiciar aos estudantes a capacidade de realizarem leituras mecânicas dos textos, mas sim, queriam que realizassem leituras críticas do mundo, explicitando a relação entre os livros lidos e a realidade por eles vivida.

Por fim, indo de encontro ao relato dos demais entrevistados, Jeca Tatu afirmou não se sentir motivado a ler por seu(s) docente(s) dos anos finais do Ensino Fundamental, pois somente “mandava lermos livros que ele achava interessante”. De acordo com a mesma ideia, Brás Cubas também confirmou não sentir que seu professor o instigava à leitura, pois o aluno informou que gosta de ter interpretações próprias das histórias, e nas entendê-las/interpretá-las s somente de acordo com a visão do professor.

A fala de Jeca Tatu corrobora com o grande dilema que os mediadores de leitura enfrentam, diariamente, quando o assunto é a seleção de obras para serem lidas e estudadas em sala de aula. Qual caminho seguir? Deixar que o aluno leia apenas aquilo que gosta? Permitir, apenas, as leituras consideradas mais adequadas? Escolher por eles? Há uma tendência totalizadora que, ou permite a escolha livre de livros sem nenhum critério de seleção e deixa a aula cair no trivial, ou determina quais os livros a serem lidos, excluindo a voz do estudante. O docente pode utilizar do gosto do estudante como um ponto de partida para chegar a obras com grande qualidade estética. Tratando da abordagem dos clássicos, por exemplo, o professor pode estabelecer uma

Relação da obra com outros objetos semióticos da mesma época-um poema, um quadro, uma música; uma confrontação da obra com adaptações contemporâneas, que funcionam também como “texto de leitores […]; vai e vem entre uma obra do passado e sua reescrita contemporânea; leitura de um clássico em comparação com uma obra do presente que aborde a mesma problemática. (Rouxel, 2013, p. 27)

Ao abrir-se às perspectivas dos adolescentes, pode ser criada uma aula de literatura que vise formar um sujeito leitor livre, responsável e crítico, com uma personalidade sensível e inteligente, aberta aos outros e ao mundo. As relações com os livros que fazem parte da cultura jovem, como Harry Potter, de J. K. Rowling, podem ser ótimas maneiras de instigar os alunos pela leitura das obras clássicas, pois partem de um contexto por eles conhecido.

Brás Cubas destaca que seu professor impunha sua visão acerca da leitura, algo comum a muitos docentes que, na tentativa de instigarem o aluno por determinada história, acabam por inculcar suas próprias interpretações sobre o entendimento dos discentes, o que para além de aborrecê-los ou entristecê-los é, ainda, uma forma de menosprezar sua capacidade interpretativa. O que se percebe, ainda, no depoimento do estudante é o desejo de ser o protagonista de suas próprias leituras e interpretações. Essa fala revela a maturidade leitora do jovem que não se vê satisfeito com a direção interpretativa dada pelo mediador e quer ter o direito de pensar à sua maneira. Desse modo, evidencia-se que esse estudante tem a capacidade crítica que se espera de um leitor proficiente, que não aceita passivamente o que lhe dizem, mas que questiona, que duvida, que transgride em nome da liberdade de pensamento.

Considerações finais

Diante do que aqui se discutiu, há uma constatação: os estudantes participantes dessa pesquisa são leitores de literatura. Representando quase 70% dos entrevistados, esses alunos possuem a leitura como uma atividade que realizam frequentemente. Ademais, para além de serem leitores, leem dois livros ou mais mensalmente, sendo que apenas uma estudante afirma não ler por falta de acesso a livros de seu interesse. Também são sujeitos que possuem familiares que leem, o que indica uma possível relação entre estes dados.

Tais descobertas ratificam o já constatado com os professores destes alunos, na pesquisa realizada em 2020, por Alves e Branchi (2021), pois eles mostraram-se, em sua maioria, bastante engajados em promover atividades de leitura significativas. Nessa mesma perspectiva, o que se constata é que a maioria dos alunos afirmam ter tido experiências positivas de leitura no ensino fundamental, com ressalva a um entrevistado, que relatou não ter gostado desses momentos por ter que ler apenas materiais selecionados pelo professor. Assim, apesar de os resultados gerais terem sido positivos, esta última constatação gera um certo desconforto, pois os mediadores precisam abrir-se aos gostos dos estudantes para, aos poucos, adentrar nas complexidades e no cânone. Ações pontuais de leitura com esses estudantes são necessárias para que percebam na Literatura um espaço de deleite e divertimento, para além de apenas obrigatório.

Outra descoberta que merece destaque é que os estudantes realmente possuem gosto pela leitura. Ao serem questionados sobre o que mais gostavam nas aulas de Português, todos os alunos responderam que apreciavam momentos de contato com textos, fossem esses ler, comentar sobre leituras ou, até mesmo, realizar produções textuais. Essa situação indica que os professores dos entrevistados conseguiram cativar os estudantes pela leitura, firmando-lhes o gosto, um dos pilares básicos para a formação de um leitor.

É de relevância que se retome o debate de que as pesquisas na área da leitura trabalham com o imponderável, ou seja, com aquilo que possui um valor inestimável, sendo impossível medir precisamente em resultados numéricos. No entanto, isso não invalida ou torna essas análises menos valiosas para o cenário científico, pois trazem inúmeras descobertas acerca de leitores em específico, dando-nos coordenadas para o planejamento de ações futuras. E é nessa mesma perspectiva que caminham as constatações dessa pesquisa, pois, com ela pode-se analisar a constituição dos alunos leitores de maneira detalhada, além de permitir a comparação dos dados coletados com os resultados do estudo realizado em 2020, com os professores desses mesmos estudantes. Assim, é possível pensar/repensar estratégias, juntamente com as escolas públicas municipais de Feliz e o setor de ensino do IFRS - campus Feliz, para atingir esse público em específico, seja através de projetos extensionistas que levem ações de mediação de leitura para os espaços escolares e/ou de formação continuada de professores.

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Recebido: 30 de Maio de 2022; Aceito: 10 de Novembro de 2022

Contribuição na elaboração do texto

autora 1 - elaboração do corpo do texto (seções de análise), aplicação do questionário, análise dos dados; autora 2 - orientação, elaboração dos questionários, elaboração da introdução, resumo e conclusão, revisão e consolidação do manuscrito.

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