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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.13  Curitiba  2019  Epub 18-Jul-2022

https://doi.org/10.5380/jpe.v13i0.67205 

Artigos

A nova Lei de Gestão Democrática da rede pública estadual de educação básica do Acre e a mudança no perfil de diretor escolar

The new Democratic Management Law of the state public basic education network of Acre and the change in the profile of school principal

La nueva Ley de Gestión Democrática de la red pública departamental de educación básica del Acre y el cambio en el perfil de director escolar

Karolyne Borges De Melo1 
http://orcid.org/0000-0002-5195-5144

Lúcia De Fátima Melo2 
http://orcid.org/0000-0001-9823-9973

Ednacelí Abreu Damasceno3 
http://orcid.org/0000-0002-3859-6423

1Possui mestrado em educação pelo programa de pesquisa e pós graduação (UFAC)

2Profa Dra do Pograma de Pós Graduação da Universidade Federal do Acre (UFAC)

3Profa Dra do Pograma de Pós Graduação da Universidade Federal do Acre (UFAC)


Resumo

O artigo faz uma análise da nova Lei de Gestão Democrática das unidades escolares da rede pública estadual de educação básica do estado do Acre, Lei nº 3.141/2016, que substituiu a Lei nº 1.513/2003, dando ênfase à mudança no perfil do novo diretor escolar estadual, que passou anão exigir a formação docente para direção da escola. Para esta análise, é pertinente considerar o contexto de reforma vivida pelo Estado brasileironas últimas décadas e as influências de tais reformas nas instituições e nos serviços públicos de natureza educacional, configurada na concepção de uma Nova Gestão Pública - NGP. A redução dos custos da gestão e a ampliação da produtividade na administração pública sob a lógica da iniciativa privada determinaram alterações relevantes na política educacional no Brasil, influenciando diretamente no funcionamento e na rotina das escolas e podem ser consideradas determinantes também nas reformas educacionais empreendidas no Acre. As bases teóricas se sustentam em Oliveira (2011), Ball (2004; 2005), Souza (2006), Paro (2015), dentre outras. A pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa, de cunho bibliográfica e documental. Os aspectos conclusivos apontam que a mudança no perfil do diretor se constitui como inconstitucional, portanto, ilegal, além de um retrocesso histórico por desconsiderar e desvalorizar toda a luta pela formação docente no país e no estado do Acre.

Palavras-chaves: Reforma Educacional; Gestão democrática; Perfil do Diretor Escolar

Abstract

The article analyzes the new Law on Democratic Management of the school units of the state public basic education network in the State of Acre, Law No. 3,141 / 2016, which replaced Law No. 1,513 / 2003, emphasizing the change in the profile of the new school principal, which does not require teacher training for the direction of the school. According to our analysis, it is pertinent to consider the context of reform experienced by the Brazilian State in the last decades and the influences of such reform in the institutions and public services of educational nature, configured in the conception of a New Public Management - NGP. The reduction of management costs and the increase of productivity in public administration under the logic of private initiative have determined relevant changes in educational policy in Brazil, directly influencing the functioning and routine of schools and can be considered determinant also in the educational reforms undertaken in Acre. The theoretical references are based on Oliveira (2011), Ball (2004; 2005), Souza (2006), Paro (2015), among others. The research followed a qualitative, bibliographical and documentary approach. The conclusive aspects point out that the change in the profile of the principal is constituted as unconstitutional, therefore illegal, as well as a historical retrocession for disregarding and devaluing the whole struggle for teacher training in the country and in the state of Acre.

Keywords Educational Reform; Democratic management; Profile of the School Principal

Resumen

El artículo hace un análisis de la nueva Ley de Gestión Democrática de las unidades escolares de la red pública departamental de educación básica del estado de Acre, Ley nº 3.141 / 2016, que sustituyó a la Ley nº 1.513 / 2003, dando énfasis al cambio en el perfil del nuevo director escolar, que pasó a no exigir la formación docente para la dirección de la escuela. Para este análisis, es pertinente considerar el contexto de reforma vivida por el Estado Brasileño en las últimas décadas y las influencias de tales reformas en las instituciones y en los servicios públicos de naturaleza educativa, configurada en la concepción de una Nueva Gestión Pública - NGP. La reducción de los costos de la gestión y la ampliación de la productividad en la administración pública bajo la lógica de la iniciativa privada determinaron cambios relevantes en la política educativa en Brasil, influenciando directamente en el funcionamiento y en la rutina de las escuelas y pueden ser consideradas determinantes también en las reformas educativas emprendidas en Acre. Las bases teóricas se sostienen en Oliveira (2011), Ball (2004; 2005), Souza (2006), Paro (2015), entre otras. La investigación siguió un abordaje cualitativo, de cuño bibliográfico y documental. Los aspectos conclusivos apuntan que el cambio en el perfil del director es inconstitucional, por lo tanto, ilegal, además de un retroceso histórico por desconsiderar y desvalorizar toda la lucha por la formación docente en el país y en el estado de Acre.

Palabras claves: Reforma Educativa; Gestión democrática; Perfil delDirector Escolar

Introdução

As mudanças na rede educacional acriana de ensino ensejadas por uma nova lei de gestão democrática encontram-se relacionadas a elementos estruturais que determinaram a (re)organização das concepções do Estado, novas formas de gestão dos serviços públicos e de compreensão da escola e do papel de seus dirigentes. Tais acontecimentos foram marcados por reformas educacionais promovidas principalmente a partir da década de 1990, dentro do contexto da chamada reforma do Estado que advoga o discurso de uma Nova Gestão Pública (NGP) em oposição àvelha administração pública, devendo se basear num modelo gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento da cidadania, absorvendo a lógica e os princípios da iniciativa privada.

A pesquisa que deu origem a este artigo realizou um estudo sobre a Gestão Democrática da escola na Rede Pública de educação básica do Acre e sua base legal4, procurando fazer uma análise comparativa das mudanças propostas pela nova Lei de Gestão Democrática da Rede Pública Estadual de Educação Básica do Acre (Lei nº 3.141/2016) em relação à lei anterior (Lei nº 1.513/2003), com atenção especial à mudança do perfil do novo diretor escolar, que passou a não exigir a formação docente para ocupar a função, possibilitando que servidores nãodocentes com formação em nível superior na área de administração pública, administração escolar ou processos escolares possam concorrer à função.

A reforma do Estado e a gestão escolar no contexto da Nova Gestão Pública

O movimento de organização da nova ordem mundial como resposta às crises estruturais do capitalismo, principalmente a crise de 1970, impactou diretamente no processo de reforma do Estado e no mundo do trabalho, resultando em mudanças significativas nos serviços públicos, mas especialmente nas políticas educacionais.

As reformas na administração pública e nas políticas educacionais refletiram fortemente no Brasil e nos demais países da América Latina e Caribe5e podem ser consideradas como resultantes de uma política neoliberal engendrada para superar as sucessivas crises do capitalismo, em especial a crise de 1970.

A forte crise do capitalismo em 1929, ou Grande Depressão, com reflexos em todos os países, forçou uma reorganização do Estado e do modo de produção vigente, momento em que se consolida o fordismo, modelo americano de produção baseado nos princípios de Henry Ford, que determinou o regime capitalista no período pós-guerra, de 1945 a 1973, organizado a partir das análises das causas da crise que propõe o controle da força de trabalho, das tecnologias e dos hábitos de consumo social, assim sintetizado por Frigotto (2015, p. 74)

a) Uma determinada forma de organização do trabalho fundada em bases tecnológicas que se pautam por um refinamento do sistema de máquinas de caráter rígido, com divisão específica do trabalho, um determinado patamar de conhecimento e uma determinada composição da força de trabalho; b) um determinado regime de acumulação, fundado numa estrutura de relações que buscou compatibilizar produção em grande escala e consumo de massa num determinado nível de lucro; c) e, por fim, um determinado modo de regulação social que compreende a base ideológico-política de produção de valores, normas, instituições que atuam no plano do controle das relações sociais gerais, dos conflitos intercapitalistas e nas relações capital-trabalho.

O autor aponta que, diante dessa nova crise estrutural do capital, combinando recessão, baixa nas taxas de crescimento econômico e elevação das taxas de inflação, é que se desenha a crise do Estado de Bem-Estar Social, justamente porque este modelo passou a ser considerado o responsável direto pelo crescimento da burocracia, pela interferência no controle e gestão das políticas públicas.

Nesse cenário, ganha força uma conformação do Estado com a interferência mínima na economia, o chamado estado mínimo, num cenário em que se torna necessário ainda a reestruturação produtiva para a recuperação econômica, ensejando a necessidade de configuração de um novo tipo de trabalhador, bem como de novas tecnologias, dando origem a uma nova divisão internacional do trabalho.

Assim, no final da década de 1980, a Inglaterra e os Estados Unidos, liderados por Thatcher6 e Reagan7, respectivamente, já começavam a se constituir como novo modelo de reforma do Estado, assentados na política ideológica da Nova Direita8, pela busca do redimensionamento do papel do Estado na condução das políticas públicas e sociais como forma de atender aos anseios de retomada do desenvolvimento do capital e ampliação dos mercados, conformando uma reforma na gestão pública pela adoção dos princípios de eficiência e produtividade, o que caracteriza a Nova Gestão Pública (NGP), conceitosurgido na década de 1980, mas que ganharia força na década seguinte.

Sob esses novos princípios de gestão, o Estado tem seu poder modificado, reduzido, sendo reduzida ou realinhada também a prestação dos serviços sociais, os quais devem ser entendidos como produtos, administrados sob a lógica do mercado, em que o cidadão passa a ser cliente. E, no cenário educacional, os clientes são os alunos, os pais, a comunidade escolar, os funcionários da instituição e os órgãos reguladores, por exemplo.

Ball (2004, p. 1109) comenta que os acordos estabelecidos entre os Estado e os parceiros privados representam um novo tipo de controle e mensuração pelos resultados/produtos ofertados, além de determinar a transferência de responsabilidade pela prestação dos serviços públicos para as empresas e estimular a concorrência pelo “melhor serviço”

[...] a mudança da responsabilidade (do Estado) para a realização com a mensuração e a auditoria abre a possibilidade de duas outras mudanças políticas. Primeiro, uma vez livre da responsabilidade exclusiva pela prestação direta de serviços, o Estado pode considerar vários prestadores potenciais de serviços - públicos, voluntários e privados. Isso introduz contestabilidade e concorrência entre prestadores potenciais na base de “o melhor serviço” e/ou valor pelo dinheiro, e envolve o uso de modelos comerciais de licitação e contratação. Segundo, isso também permite considerar modelos alternativos de financiamento, e a participação de financiadores privados para desenvolver a infra-estrutura do setor público.

Utilizando-se de um discurso progressista de modernidade e desenvolvimento dos países, essas mudanças têm na descentralização e na busca por uma gestão por resultados suas principais marcas, com medidas que tendem a alterar, especialmente na educação, as práticas escolares, desconsiderando, geralmente, os contextos socioeconômicos e educacionais de cada país.A educação é considerada, então, como fundamental para o progresso da sociedade, tornando-se necessária para aumentar a instrução da população e a formação dos jovens diante das novas necessidades modernas e do mercado.

Essa nova organização do trabalho escolar que supervaloriza as características da administração gerencial se realiza a partir da adoção de princípios e conceitos, tais como controle e acompanhamento dos resultados por meio de avaliações, accountability, performatividade, responsabilização e competitividade, num ambiente de regulação em que o sucesso ou o fracasso escolar recaem principalmente sobre a figura do diretor escolar e do docente, desconsiderando muitos elementos importantes da condução democrática, largamente defendida pelos educadores, que visam a melhoria da qualidade da educação e dos processos educativos, contemplando “condições de trabalho, formação e remuneração docente” (MELO; TORRES, 2017, p.815).

No Brasil, passou a ser implantada, a partir de 1995, com a Reforma do Estado Brasileiro9, sob a influência do processo de reforma em curso nos países centrais, e sustentada no discurso de adequação ao processo de globalização mundial e promoção de desenvolvimento econômico-social para o país. Sobre esse conjunto de reforma no Brasil e na América Latina, Tiramonti (2000, p. 118) comenta

No início da década de 1990 os governos nacionais iniciaram um processo de modernização da educação que implicou mudanças importantes nos modos de gestão do sistema e das escolas, nos conteúdos, nas formas de financiamento, na estrutura acadêmica e no conjunto de princípios e valores que orientam o dever ser educativo, sem que para isso tenham se modificado a distância relativa entre as camadas e, principalmente, as diferenças qualitativas na formação que recebem.

É possível perceber ainda a influência das questões econômicas na definição do papel do Estado ante as políticaspúblicas e sociais, principalmente a educação, quando analisamos a ação dos Organismos internacionais, por exemplo, o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) no apontamento de metas e objetivos para os países, e que tal atingimento determina a capacidade de serem competitivos no cenário mundial, possibilitando, com isso, o acesso aos recursos/financiamentos, o que é primordial num cenário de crise.

Nesse novo cenário de reforma, a política educacional se efetiva a partir da descentralização administrativa, financeira e pedagógica, com o discurso de ampliação e fortalecimento da autonomia.

Oliveira (2011, p. 33) reforça que a nova regulação no contexto educacional se efetiva geralmente sobre o trabalho docente, a carreira e a formação dos professores. A autora analisa que a ampliação da autonomia escolar, pela descentralização, exige da escola o desafio de alcançar melhores resultados, aumentando a cobrança e responsabilização sobre os docentes e alunos, sem que as condições sejam ofertadas/ melhoradas.

A ampliação da autonomia traduz-se em autorresponsabilização dos docentes que passam a responder diretamente pela gestão (que deve permanentemente envolver a comunidade) e indiretamente pelo financiamento, uma vez que a avaliação e o financiamento passam a estar vinculados ao desempenho e eficiência dos sistemas.

Essa tendência de modernização e busca por uma administração educacional mais eficiente pode ser relacionada à recente aprovação de uma nova Lei de Gestão Democrática das Escolas no Estado do Acre, a Lei nº 3.141, de 22 de julho de 2016, que substitui a Lei nº 1.513, de 11 de novembro de 2003, ambas intituladas leis de gestão democrática.

A gestão escolar no estado do Acre nocontexto da Nova Gestão Pública

O processo de reforma administrativa analisado por esta pesquisa teve início no final da década de 1990, com a ascensão do primeiro governo de esquerda à frente doestado do Acre10.Com ênfase no novo conceito de florestania11, o governo de Jorge Viana (PT) apostou no crescimento econômico e social do povo acriano calçado num modelo de desenvolvimento sustentável, o que lhe fez adotar a logomarca “Governo da Floresta”, conforme estudo de Damasceno (2010, p.52)

Este programa trazia como elemento central a implantação de um novo modelo de desenvolvimento econômico, fomentado pela exploração racional dos recursos regionais, como por exemplo, o manejo florestal. Tal elemento requeria, necessariamente, a adoção de políticas públicas voltadas, tanto para a elevação dos níveis sociais de vida e renda da população acriana, quanto para a proteção e desenvolvimento do meio ambiente.

A reforma que se pretendia, além de modernizar a gestão, visava reestruturar o aparelho do Estado implantando no serviço público uma nova lógica de funcionamento baseada na eficiência e efetividade, consolidada por um Planejamento Estratégico (PES), concebido dentro das concepções de Carlos Matus12 e que tinha como eixo o trinômio Projeto-Recursos-Governabilidade.

Na educação, utilizando-se também do PES, a gestão da Secretaria de Estado de Educação, liderada pelo professor Arnóbio Marques (que viria a ser o sucessor de Jorge Viana no governo estadual em 2006-2010), tinha como objetivo mudar os rumos da educação pública no Acre, para superar o contexto educacional marcado por baixos salários, condições precárias de funcionamento, resultados inexpressivos, num cenário marcado pelo pessimismo entre os educadores acrianos.

Em relação à gestão escolar, foi proposta e aprovada a Lei 1.513/2003. Essa lei apresentou uma concepção de gestão democrática, em seu Artigo 1º, afirmando que faz parte do processo intencional e sistemático de chegar a uma decisão e fazê-la funcionar, mobilizando meios e procedimentos para se atingir os objetivos da instituição escolar, envolvendo os aspectos pedagógicos, técnico-administrativos e gerenciais do processo escolar.Sobre os princípios previstos na Lei nº 1.513, estão

I -garantia de centralidade da escola no sistema; II - gestão descentralizada com autonomia para as unidades de ensino elaborarem e implementarem seus projetos pedagógicos, políticos e administrativos, respeitando a legislação vigente; III - gestão participativa que garanta a presença de todos os segmentos nos processos de elaboração das políticas das unidades de ensino e em suas instâncias decisórias, bem como de estratégias de acompanhamento das ações a serem implementadas; IV - gestão de responsabilidade com definição clara de competências e efetiva implementação de prestações de contas respeitando a legislação vigente; V - gestão de resultados com processos definidos de acompanhamento e avaliação permanentes; e VI -gestão estratégica com foco voltado para a qualidade do ensino (ACRE, 2003).

Percebe-se claramente nessa regulamentação a influência dos elementos característicos da Nova Gestão Pública, ou novo gerencialismo, que tem na descentralização de poder e, ao mesmo tempo, na responsabilização pelos resultados e na nova regulação, suas marcas mais latentes, “na tentativa de tornar o Estado menos burocrático e mais gerencial, primando pela eficiência, pelos resultados (accountability) ao mesmo tempo em que tenta conciliar com uma gestão intitulada de democrática” (DAMASCENO, 2010, p. 61).Por essa lei, a escola ficou organizada conforme a representação abaixo:

Fonte:DAMASCENO, 2010, p. 62.

Figura 1 Organização Escolar (Lei de gestão nº 1.513/2003) 

Nesse desenho institucional, a escola tem no Conselho Escolar a instância máxima deliberativa e consultiva e o diretor reúne maior centralidade sobre os processos administrativos e pedagógicos.

Governo Tião Viana e a nova Lei de Gestão Democrática nº 3.141/2016: discussão e aprovação

Foi na gestão do governador Sebastião Viana (2011-2018) que foi aprovada a atual lei de gestão democrática das unidades escolares da rede pública estadual de educação básica (Lei 3.141/2016). Muito embora o governo Tião Viana dê continuidade à reforma administrativa e educacional iniciada em 1999, não se pode afirmar que a lógica que preside esses três governos seja idêntica, pois o atual governo vai executar programas e projetos na educação como desdobramento das diretrizes e incentivos da esfera federal, o que pode ser explicado pelo reflexo da crise financeira e política intensificada no país desde 2014, culminando em 2016com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), ou mesmo por uma priorização de ações em outras áreas da administração pública.

O processo de reforma da lei previu discussão e tramitação legislativa,com início em 2 maio de 2016, por iniciativa do líder do governo na Assembleia Legislativa do Acre (ALEAC), deputado Daniel Sant’Ana13 (PT), com o encaminhamento do anteprojeto de lei por meio da Indicação nº 91/2016 ao Executivo estadual. Assim, o texto foi encaminhado ao governo estadual numa versão bem incipiente, distante do conteúdo que foi aprovado em pouco mais de doismeses.

A discussão na sociedade para a construção da lei foi iniciada por meio da realização de audiências públicas abertas e definidas para acontecerem em cinco regionais do Acre, e também esteve aberta à consulta pública para contribuições/sugestões da nova lei de gestão pela internet, numa página do Facebook, onde estava disponível o texto do anteprojeto de lei para download, bem como formulário eletrônico para envio de propostas à assessoria do deputado proponente.

Das dezoito participações com fala na audiência pública da capital e demais municípios de abrangência, oponto de maior discussão girou em torno das alterações do perfil do diretor escolar no Acre.Nesse ponto, recorremos a Ball (2005) para relacionar essa mudança trazida pela nova lei a um processo que o autor analisa como estando em curso acerca da formação da identidade profissional da educação dentro do novo contexto de gerencialismo e performatividade (BALL, 2005, p. 542), respondendo às demandas impostas pelo tecnicismo e modernização na escola, com a mensuração e atingimento dos resultados que se estipulam para a escola, em que o autor vai chamar de pós-profissionalismo

[...] Esses pós-profissionalismos se reduzem, em última instância, à obediência a regras geradas de forma exógena; e, segundo, eles relegam o profissionalismo a uma forma de desempenho (performance), em que o que conta como prática profissional resume-se a satisfazer julgamentos fixos e impostos a partir de fora. Os critérios de qualidade ou de boa prática são fechados e completos - em contraste com a necessidade de raciocínio moral e incerteza adequada.

O pós-profissionalismo se traduz não como o “profissionalismo do profissional”, mas como uma opinião externa ao que é o profissional ou seu desempenho. “Ao profissional cabe a responsabilidade por seu desempenho, mas não o julgamento sobre se esse desempenho é “correto” ou “apropriado”, apenas se satisfaz os critérios de auditoria” (BALL, 2005. p. 543).

Ou seja, não cabe ao profissional concordar com a finalidade ou objetivo a que é submetido nesse novo contexto, mas tão somente ao atingimento das metas a que foi chamado, num cenário em que o profissional da educação é expectador e não mais protagonista do processo de ensino, ao que podemos relacionar, pela nova lei, à tarefa primordial do novo diretor escolar de administração, reduzidas, nesse caso, às demais tarefas mais pedagógicas e políticas.

Mudança do perfil do dirigente escolar no Acre

Na nova lei de gestão democrática da rede educacional do Acre, percebemos que a organização pedagógico-administrativa, antes composta pelo conselho escolar e diretor, passou a ser realizada pelas seguintes instâncias e respectivas funções: I - Direção escolar: diretor; coordenador de ensino; coordenador administrativo; coordenadores pedagógicos e secretário escolar. II - Conselho escolar; e III - Comitê executivo, conforme organograma a seguir:

Fonte: Elaborado pelas autoras com base na Lei nº 3.141/2016.

Figura 2 Organização Escolar (Lei de Gestão nº 3.141/2016) 

Nessa mudança, verifica-se uma ampliação da gestão escolar, antes exercida pelo Conselho Escolar e diretor, agora,além da responsabilidade destes dois entes, somam-se os coordenadores: administrativo, de ensino e pedagógico, e do secretário escolar; além do Comitê executivo, novidade presente na lei e que demanda uma análise mais circunstanciada, o que no momento extrapola os limites deste artigo.

Observamos como aspecto mais polêmico da nova legislação, conforme explicitado nos registros das audiências públicas para a discussão da reforma da lei, a mudança que se refere aos critérios exigidos para o exercício da função de diretor escolar. Pela nova regra, poderão participar todos os professores e servidores não docentes que atendam aos seguintes critérios

fazer parte do quadro efetivo de pessoal dos profissionais da educação com, no mínimo, três anos de vínculo funcional; ter licenciatura plena, no caso de professores; licenciatura plena ou formação de nível superior na área de administração pública, administração escolar ou processos escolares, no caso de servidores não-docentes; não se encontrar em período de estágio probatório, exigido em lei; e não ter sido condenado ou sofrido qualquer espécie de penalidade administrativa em sindicância ou processo administrativo disciplinar nos últimos cinco anos (ACRE, 2016, grifo nosso).

Assim, não mais se exige na rede acrianade ensino público a formação docente para a investidura na função de diretor escolar, podendo participar do processo de eleição servidores com formação em administração pública (curso de nível superior de bacharelado), administração escolar14 (nível de especialização) ou processos escolares15 (curso superior tecnológico), oferecidos mais comumente na modalidade Educação a Distância (EAD).

Para exemplificar essa mudança proposta pela nova lei em relação à lei de gestão anterior, podemos observar no Quadro 1 as exigências para o provimento da função e seu novo perfil.

Quadro 1 Perfil do Diretor Escolar do Acre(Lei nº 1.513/2003 e Lei nº 3.141/2016) 

Aspecto analisado Lei nº 1.513 (2003) Lei 3.141 (2016)
Perfil do diretor Licenciatura plena com o mínimo de cinco anos de efetivo exercício de magistério. Licenciatura plena, no caso de professores; licenciatura plena ou formação de nível superior na área de administração pública, administração escolar ou processos escolares, no caso de servidores não-docentes. Ter, no mínimo, três anos de vínculo
funcional.

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nas Leis (1.513/2003 e 3.141/2016).

Pelo Quadro 2, vemos retratadas as atribuições do diretor pelas duas legislações da rede estadual.

Quadro 2 Atribuições do Diretor Escolar (Lei nº 1.513/2003 e Lei nº 3.141/2016) 

Aspecto analisado Lei nº 1.513 (2003) Lei 3.141 (2016)
Atribuições do diretor I - responder juridicamente pela unidade de ensino junto às instâncias do sistema (SEE e CEE);
- coordenar a elaboração e/ou revisão do projeto político pedagógico da escola, entregando proposta para apreciação e aprovação do Conselho Escolar até o mês de julho de cada ano;
- coordenar o processo de
- exercer a direção da unidade escolar;
- indicar o coordenador de ensino e os coordenadores pedagógicos, dentre os servidores docentes; e o coordenador administrativo e o secretário escolar, dentre os servidores não-docentes, todos do quadro de pessoal efetivo da SEE eaprovados, quando for o caso, em processo de certificação específico
para o exercício da função;
elaboração e/ou revisão do regimento interno da escola, ficando o mês de agosto de cada ano como prazo máximo para apresentá-lo à apreciação e aprovação do Conselho Escolar; IV - coordenar a elaboração e implementação do plano de desenvolvimento da escola até o final do mês de março de cada ano e enviá-lo para apreciação e aprovação do Conselho Escolar; V - estabelecer a cada semestre e pactuar com a SEE, metas de rendimento escolar a serem atingidas;
- encaminhar bimestralmente ao Conselho Escolar e à SEE relatórios sobre rendimento escolar;
- enviar ao Conselho Escolar e à SEE as estratégias de intervenção mediante os problemas constatados no bimestre;
- apresentar ao Conselho Escolar e à SEE, semestralmente, prestação de contas dos recursos recebidos e gastos pela unidade de ensino; IX - ser responsável pela manutenção e conservação do espaço físico da unidade de ensino;
- entregar semestralmente, para o Conselho Escolar e SEE, relatório sobre as condições de manutenção e conservação do espaço físico da unidade de ensino;
- ser responsável pela elaboração do quadro de lotação da unidade de ensino, assiduidade e frequência do quadro de pessoal, observando critérios contidos em instrução normativa elaborada pela SEE; XII - enviar semestralmente para a SEE o quadro de lotação da unidade de ensino, observando critérios de padrões básicos contidos em instrução normativa elaborada pela SEE; XIII - ser responsável pela execução e monitoramento interno da aplicação do projeto político pedagógico, do PDE e
do regimento interno da escola; XIV - assinar declarações,
- cumprir dois turnos diários de trabalho na escola, com escala semanal que possibilite sua presença, alternadamente, em todos os turnos de funcionamento da unidade escolar, nos casos em que estas funcionam em mais de dois turnos;
- ser responsável pelo cumprimento dos dias letivos e da carga horária prevista em lei, bem como pela manutenção da escola aberta nos dias de aula ou quando necessário;
- fixar, no mural da escola, a escala de trabalho da equipe gestora, contemplando todos os turnos, e enviá-la, mensalmente, para o setor responsável da SEE;
- responder juridicamente pela unidade escolar e seus anexos junto às instâncias do sistema estadual de educação;
- responder juridicamente pela unidade escolar e seus anexos junto às instâncias do sistema estadual de educação;
- apresentar, bimestralmente, ao conselho escolar os relatórios do Sistema Integrado de Monitoramento e Avaliação Educacional - SIMAEd, sobretudo o resultado do rendimento e desempenho dos alunos;
- informar às equipes de acompanhamento escolar da SEE as estratégias de intervenção adotadas, mediante os problemas constatados no bimestre;
- ser responsável pelo monitoramento e controle de assiduidade do quadro de pessoal da unidade escolar, observando critérios contidos em instrução normativa elaborada pela SEE;
- ser responsável pela gestão pedagógica da unidade escolar e seus anexos, pela execução e monitoramento.
do Projeto Político Pedagógico - PPP, do Plano de Desenvolvimento da Escola - PDE e do Regimento Escolar
- RE;
XI - assinar declarações, ofícios, certificados, diplomas, históricos escolares, transferências e outros documentos da escola e de outras que não tenham equipes gestoras
XVII ofícios, certificados, históricos escolares, transferências e outros documentos, garantindo- lhes legitimidade;
XV - ser responsável pelo cumprimento dos duzentos dias letivos ou o mínimo de oitocentas horas estabelecidos por lei e pela manutenção das escolas abertas nos dias de aula; XVI - participar das reuniões pedagógicas, cursos e encontros promovidos pelos órgãos centrais do sistema, compartilhando as informações recebidas nas unidades de ensino;
- elaborar o calendário escolar, juntamente com os coordenadores de ensino e os coordenadores de turno; e
- submeter à apreciação do Conselho Escolar as transgressões disciplinares de funcionários, alunos e membros do magistério integrantes do quadro da escola.
XII constituídas, cuja responsabilidade lhe tiver sido atribuída, garantindo- lhes legitimidade;
- participar das reuniões pedagógicas, cursos, formações;
- ser responsável pela organização, execução e monitoramento de toda oferta de matrículas do ensino na unidade escolar, nos diferentes níveis, segmentos, modalidades e programas;
- submeter à apreciação da direção escolar as ocorrências de infrações disciplinares cometidas por docentes e demais servidores lotados na escola, conforme a legislação vigente; e
- encaminhar ao CEE o PPP da escola, para fins de reconhecimento dos cursos, autorização de funcionamento e credenciamento das unidades escolares.

Fonte: Elaborado pelas autoras com base nas leis nº 1.513/2003 e 3.141/2016.

Analisando as principais alterações, vemos que pela nova lei de gestão o diretor escolar não mais responde juridicamente pela unidade de ensino junto às instâncias do sistema (SEE e CEE), como previa o texto da antiga Lei nº 1.513/2003, no Art. 35, que trata das atribuições do diretor das unidades de ensino, no capítulo I: “responder juridicamente pela unidade de ensino junto às instâncias do sistema (SEE e CEE)” (ACRE, 2003), sendo essa atribuição agora do Comitê executivo, pela nova Lei nº 3.141. Tal alteração explicita, ao nosso ver, uma tentativa de compartilhar o poder de decisão e, mais ainda, a redução da responsabilização antes centrada na figura do diretor, e agora compartilhada pela gestão ampliada da escola, em que o diretor também participa como presidente, mas de forma colegiada.

Em relação à lei anterior (1.513/2003), destacam-se como adicionadas às atribuições do diretor na nova lei de gestão as seguintes

I - exercer a direção da unidade escolar; XIII - ser responsável pela organização, execução e monitoramento de toda oferta de matrículas do ensino na unidade escolar, nos diferentes níveis, segmentos, modalidades e programas; XV - encaminhar ao CEE o PPP da escola, para fins de reconhecimento dos cursos, autorização de funcionamento e credenciamento das unidades escolares (ACRE, 2016).

Sobre as atribuições na nova lei, percebemos que houve uma redistribuição de atribuições que eram específicas do diretor, mas que agora são compartilhadas pela gestão escolar ampliada, com tarefas que dizem respeito tanto à parte administrativa, como manutenção do espaço e frequência dos profissionais da escola, por exemplo, quanto a questões mais ligadas aos resultados e metas da escola.

Analisando a reforma na gestão democrática acriana, à luz da legislação educacional brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96), que trata da formação dos profissionais em seu Artigo 64, estabelece que

A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional (BRASIL, 1996).

Ou seja, pelos termos das normas da LDB, fica reconhecida a experiência docente como pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer funções de magistério. Em relação a tal formação em nível de especialização, deve ser respeitada uma base comum nacional, que essa legislação não define. Nesse caso, ficam excluídos os candidatos formados somente em administração pública, exigindo tão somente a formação complementar, ou seja, em nível de especialização latu sensu ou de formação superior técnica nas áreas de supervisão escolar ou administração escolar, como regulamenta a nova lei de gestão democrática no Acre.

O texto da Constituição Federal de 1988 é mais explícito na regulamentação quanto ao perfil para a função, como vemos no artigo 67, § 2º, determinando a lei

Para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201 da Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Pelo texto constitucional, portanto, não resta dúvida de que a direção escolar é uma função do magistério, uma defesa assumida pública e oficialmente pela representação do Sindicato dos Professores do Acre (SINPROACRE), por ocasião das audiências públicas realizadas na capital para discutir a lei. Cabe ressaltar que essa manifestação contrária ao que propunha a então minuta da lei foi defendida por outros participantes das audiências realizadas no interior do estado, sendo, contudo, referendada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Acre - SINTEAC.

Essa mudança, ao nosso ver, representa um retrocesso histórico e, conforme aponta Saviani (1996, p. 208), que caracteriza a tarefa do diretor voltada primeiramente ao ensino, antes de suas atribuições ligadas à administração

A escola é uma instituição de natureza educativa. Ao diretor cabe, então, o papel de garantir o cumprimento da função educativa que é a razão de ser da escola. Nesse sentido, é preciso dizer que o diretor de escola é, antes de tudo, um educador; antes de ser administrador ele é um educador.

Assim, entendemos que a formação docente deve ser pré-requisito para se ocupar as funções do magistério, mesmo aquelas ligadas à direção/administração escolar, por reconhecermos a escola enquanto espaço primeiro do ensinar, do fazer pedagógico, exigindo para esse fim que seus diretores sejam, antes de tudo, professores.

Desconsiderando a docência como pré-requisito para a direção escolar, a nova lei de gestãoacriana descaracteriza a função primeira do diretor, que é ensinar. Na função educativa de dirigir uma escola, o diretor é, antes de administrador, um educador por excelência que deve garantir o funcionamento da escola, mas, acima de tudo, que dá as condições para que o trabalho do professor aconteça na sala de aula.

Resumida ao exercício do administrar, ao contrário, o diretor que não compreende o todo do trabalho envolvido no ato do ensinar, desconhecendo o funcionamento dessa “engrenagem”, age e decide, possivelmente, de forma descontextualizada e distanciada da missão educativa, o que pode ter fortes repercussões na formação dos alunos, como analisa Paro (2015, p. 20)

A administração não é um processo desligado da atividade educacional, mas, pelo contrário, acha-se inextricavelmente envolvido nela, de tal forma que o diretor precisa estar sempre atento às consequências educativas de suas decisões e de seus atos. Quando desempenha sua função, quando decide alguma coisa, o diretor é antes um educador preocupado com o bem estar dos alunos, que um administrador em busca de eficiência.

Analisando a importância da figura do diretor de escola, é oportuno afirmar que ele é considerado o grande responsável pela administração escolar, tanto porque é ele quem coordena todo o trabalho na escola como também porque cabe a ele incentivar a equipe para o atingimento dos objetivos escolares. Perante a comunidade, também é do diretor a responsabilidade de garantir o bom funcionamento da escola, o que caracteriza sua relevância social e política e eleva o nível de exigência sobre o seu desempenho.

Sobre as finalidades da escola, citamos novamente Paro (2015, p. 43) que reflete sobre o caráter político e administrativo da direção escolar, apontando como necessária a adequação entre as atividades consideradas como meio (administrativas) e fins (educativas) da educação na atuação do diretor. Dessa forma, o autor busca considerar as variáveis que interferem no exercício do diretor, o qual, como funcionário e representante do Estado na escola

É o responsável último por uma administração que tem por objeto a escola, cuja atividade-fim, o processo pedagógico, condiciona as atividades-meio e exige, para que ambas se desenvolvam com rigor administrativo, determinada visão de educação e determinadas condições materiais de realização que não lhe são satisfatoriamente providas quer pelo Estado quer pela sociedade de modo geral.

Nos estudos sobre o perfil e as formas de escolhas dos diretores escolares praticados atualmente no Brasil, recorremos à análise de Souza (2006, p. 172) que destaca em dois os principais tipos, que são aqueles voltados às questões burocráticas/administrativas da escola e outro mais preocupado com as questões pedagógicas.

[...] os resultados da lida administrativa são mais imediatos e demandam menos investimentos pessoal do diretor. Ademais, o controle sobre as questões administrativas e sobre os recursos (financeiros, materiais) concentra parte razoável do poder em disputa na escola, o que certamente também interessa ao diretor (...). Mas, de outro lado, há também as relações com o Estado, o qual parece exigir uma carga de tarefas administrativas mais intensas dos dirigentes escolares.

Pela afirmação do autor, percebemos que as demandas de cunho mais administrativo acabam dominando a atenção do diretor escolar na atualidade, mas podem resultar também numa dicotomia entre os modelos gerencial e o democrático, em que exige-se do diretor uma atuação como o detentor do poder político e dominação; e, ainda, como o profissional dotado de capacidades, com organização técnica e eficiência, respondendo às exigências administrativas e pedagógicas cobradas para alcançar os resultados coletivos e individuais que se esperam da organização/instituição.

Considerações finais

Após o percurso realizado nesta pesquisa, pudemos considerar que a mudança que trata do perfil do diretor escolar no Acre fere diretamente a legislação maior da educação nacional, a LDB 9.394/96, no texto em que explicita que a função de direção escolar é prerrogativa do magistério, e, além disso, desconsidera e desvaloriza toda a luta pela formação docente no país e no estado do Acre.

Diante do que foi revelado no estudo, consideramos que o modelo gerencialista de gestão pública tem chegado às escolas acrianas pelas últimas reformas educacionais, ainda que de forma implícita. A nova Lei de Gestão Democrática se caracterizacomo um indicativo de implantação de uma nova cultura organizacional nas escolas, que tem como princípio a racionalidade técnica e o controle do trabalho escolar.

Esse novo modelo de funcionamento da escola se ancora num discurso sutil de busca por resultados e da pseudoparticipação da comunidade na escola, e se caracteriza especialmente pela sobrecarga do diretor nas atribuições mais relacionadas à administração, limitando sua atuação nas atividades de dimensões pedagógicas e políticas.

O próximo processo de seleção de diretores na rede pública de ensino acriana tem previsão para acontecer no ano de 2020, quando, então, essas novas regras serão aplicadas e teremos elementos empíricos para uma análise mais consistente do reflexo, desdobramentos e possíveis implicações da mudança desse perfil e do trabalho realizado pelo diretor escolar.

4 Recorte de pesquisa de mestrado, intitulada A Gestão Democrática da Escola na Rede Pública de Educação Básica do Acre: um estudo comparativo de sua base legal realizada junto ao Programa de Pós Graduação - PPGE/UFAC, da Universidade Federal do Acre, defendida em outubro de 2018.

5 A desigualdade e a concentração de recursos nas classes altas são características permanentes das sociedades da América Latina e, em especial do Caribe (TIRAMONTI, 2000, p. 116).

6 Margaret Hilda Thatcher, Primeira-Ministra do Reino Unido, no período de maio de 1979 a novembro de 1990.

7 Ronald Wilson Reagan, Presidente dos Estados Unidos pelo Partido Republicano no período de 1981- 1989.

8 Caracterizada como uma aliança entre neoliberais e neoconservadores, mas também por grupos minoritários, como populistas autoritários e uma nova classe média profissional (APPLE, 2000).

9 Organizado no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), conduzido pelo então Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE), o documento citava o desafio de superar a estrutura rígida e burocrática do Estado, fortalecendo sua ação reguladora e mais gerencial num quadro de economia de mercado para conter o cenário de crise fiscal e de aumento da inflação.

10 Capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a Frente Popular do Acre (FPA)10 representou a junção de 12 partidos políticos, alguns deles, historicamente ligados a movimentos populares e sociais como é o caso do PT e do PCdoB. Tal força política garantiu sua permanência no governo estadual por 20 anos ou cinco mandatos consecutivos no executivo, que perduram até os dias atuais. O primeiro candidato eleito por essa nova força política foi o engenheiro florestal Jorge Viana (1999-2002 e 2003-2006), sucedido pelo professor Arnóbio Marques (PT), de 2007-2010. Após, o médico Tião Viana (PT), 2010- 2014 e 2015-2018.

11 A concepção oficial adotada define o termo como a cidadania do povo acriano. Representação simbólica encarnada em uma árvore de seringa, feita em nuances de verde, marrom, bege e laranja, representa o principal produto do extrativismo vegetal do Estado, a seringueira, ao mesmo tempo, faz alusão ao uso sustentável das florestas e sua rica biodiversidade (MELO, 2010, p. 60).

12 Atuou como Ministro da economia do Chile no governo socialista Salvador Allende (1970-1973), consolidando-se como uma referência mundial de Planejamento estratégico.

13 Atuou como Secretário Estadual de Educação durante a primeira gestão do governador Tião Viana (PT), no período de 2010-2014.

14 Especialização lato sensu, com duração de um ano em média.

15 Curso superior de Tecnologia em Processos Escolares, com duração em média de três anos. Disponível em http://portal.mec.gov.br.

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Recebido: Maio de 2019; Aceito: Junho de 2019; Publicado: Agosto de 2019

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