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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.13  Curitiba  2019  Epub 18-Jul-2022

https://doi.org/10.5380/jpe.v13i0.67930 

Artigos

Os desafios da gestão escolar no sertão alagoano: percepções de um gestor

The challenges of school management in the alagoan country: perceptions of a manager

Los desafíos de la administración escolar en el país alagoano: percepciones de un gerente

Givanildo da Silva1 
http://orcid.org/0000-0001-5490-6690

Liliane Claudice dos Santos2 
http://orcid.org/0000-0002-9572-4110

Eva Pauliana da Silva Gomes3 
http://orcid.org/0000-0002-2423-4560

1Doutor em Educação. Professor do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas

2Pedagoga pela Universidade Federal de Alagoas

3Doutoranda em Educação. Professora da rede pública municipal de Maceió e do curso de Pedagogia do Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU


Resumo

O objetivo do texto é apresentar os desafios do gestor escolar na configuração política e organizativa da educação a partir de um estudo de caso em uma escola da rede pública estadual, localizada no município de Delmiro Gouveia, no estado de Alagoas, Brasil. A metodologia desenvolvida na pesquisa foi a abordagem qualitativa e o método foi o estudo de caso. A técnica de coleta de dados foi a entrevista semiestruturada com um gestor escolar. Os resultados da pesquisa apontaram que há limitações para a vivência da gestão democrática, sendo que o gestor escolar configura-se como o mediador para que os oprincípios políticos e normativos da educação sejam garantidos no contexto das práticas educativas.

Palavras-chave: Gestão Escolar; Gestão Democrática; Escola Pública; Desafios Escolares.

Abstract

The purpose of the text is to present the challenges of the school manager in the political and organizational configuration of education based on a case study at a state public school, located in the municipality of Delmiro Gouveia, in the state of Alagoas, Brazil. The methodology developed in the research was the qualitative approach and the method was the case study. The technique of data collection was the semi-structured interview conducted with a school administrator. The results of the research pointed out that there are limitations to the experience of democratic management, and that the school manager is the mediator so that the political and normative principles of education are guaranteed in the context of educational practices.

Key words: School Management; Democratic Management; Public School; School Challenges.

Resumen

El objetivo del texto es presentar los desafíos del gestor escolar en la configuración política y organizativa de la educación a partir de un estudio de caso en una escuela de la red pública estatal, ubicada en el municipio de Delmiro Gouveia, en el estado de Alagoas, Brasil. La metodología desarrollada en la investigación fue el abordaje cualitativo y el método fue el estudio de caso. La técnica de recolección de datos fue la entrevista semiestructurada, realizada con un gestor escolar. Los resultados de la investigación apuntaron que hay limitaciones para la vivencia de la gestión democrática, siendo que el gestor escolar se configura como el mediador para que los principios políticos y normativos de la educación sean garantizados en el contexto de las prácticas educativas.

Palabras Claves: Gestión Escolar; Gestión Democrática; Escuela Pública; Desafíos Escolares.

Introdução

A gestão escolar é uma dimensão que tem como propósito sistematizar a “organização da gestão da escola por meio do conjunto de ações, recursos, meios e procedimentos que propiciam as condições para alcançar esses objetivos” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2011, p. 313). Para a compreensão da organização da escola como ambiente complexo e dinâmico, cabe percebê-la como um campo de tensões e de conflitos, regidos por dispositivos legais que foram elaborados em uma arena política, resultando em disputas das correlações de forças instauradas no âmbito educacional.

Nesse cenário, o ponto de partida para a visualização dos princípios que norteiam a gestão escolar é a legislação educacional que apresenta os itinerários responsáveis pela concretização da organização escolar do sistema público brasileiro. O documento que regulamenta a legislação de todo o país, a Constituição Federal de 1988, caracteriza a obrigatoriedade de uma educação de qualidade, e a sociedade civil,juntamente com a família dos estudantes, têm a incumbência de zelar pela conquista desses ideais, os quais qualificam a educação pública, objetivando o desenvolvimento da educação e, consequentemente, da nação.

A Constituição Federal de 1988, no artigo 205, determina que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Além disso, menciona a responsabilidade das três esferas como corresponsáveis por esse direito, sendo os governos - federal, estadual, municipal e o Distrito Federal - responsáveis pela oferta da educação básica e superior, uma vez que a educação é considerada como uma política social e necessita ser desenvolvida no âmbito dos poderes públicos a todos os brasileiros. A Carta Magna apresenta os princípios que devem conduzir as práticas organizativas e educativas no cenário da educação brasileira, entre eles, destaca-se a gestão democrática. Essa concepção de gestão escolar foi garantida nos documentos legais por meio dos embates e das lutas travadas pelos educadores e a sociedade civil que defenderam a escola pública como ambiente importante para a população do país. Nas décadas de 1970 e 1980, diferentes grupos reuniram-se para resistir aos ditames ditatoriais da época na busca por lograr espaços de participação e de mudanças no sistema educacional. Desse modo, a Constituição Federal de 1988 apresentou a gestão democrática nos estabelecimentos públicos como concepção para ser vivenciada.

Outro marco legal que ressaltou a gestão democrática foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9.394, de 20 de dezembro de 1996, quando ratificou os princípios postos da Constituição Federal e delimitou que a gestão democrática seria evidenciada nas escolas públicas por meio da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político-pedagógico da escola e da participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (BRASIL, 1996).

A Lei da educação assegurou aos sistemas de ensino organizar os seus mecanismos democráticos no âmbito da escola com a finalidade de possibilitar autonomia nos processos organizacionais, promovendo a soberania das escolas públicas, que também compõem gradativamente a autossuficiência tanto administrativa quanto financeira, e atendendo as normas gerais de direito público.

No conjunto das normatizações e das referências para a educação brasileira, é válido destacar o atual Plano Nacional de Educação, resultado do planejamento coletivo de todas as unidades federativas do país, aprovado em 25 de junho de 2014, sob a Lei 13.005, o qual apresenta, em sua meta 19, a defesa da gestão democrática como dimensão de melhoria para a qualidade das escolas públicas, mediante a existência de Conselhos Escolares, Grêmios Estudantis e Conselhos municipal, estadual e federal de educação. Para que a meta apresentada no atual PNE seja alcançada é necessária a participação do poder público, da sociedade civil e da comunidade escolar, uma vez que a responsabilidade pela construção da qualidade da educação pertence a todos os brasileiros, pois depende dela o desenvolvimento da nação brasileira.

Os dispositivos legais apresentados asseguram na Lei que a educação de boa qualidade é o caminho para a consolidação dos princípios educacionais que norteiam a educação pública. No entanto, para que tudo ocorra como está previsto, todos devem ser partícipes nas tomadas de decisão para auxiliar no avanço da área. Nesses documentos, consta que a gestão democrática é o itinerário que promoverá a participação, por meio de diferentes mecanismos.

Desse modo, o objetivo do presente texto é apresentar os desafios do gestor escolar na configuração política e organizativa da educação, a partir de um estudo de caso em uma escola da rede pública estadual, localizada no município de Delmiro Gouveia, no estado de Alagoas. O ponto de partida para a compreensão desses aspectos foi o estudo dos dispositivos legais que regulamentam a educação, mais precisamente a gestão escolar no Brasil e em Alagoas.

A metodologia desenvolvida na pesquisa foi a abordagem qualitativa. De acordo com Minayo (1994, p. 21), “a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado”. Na visão de Rosenthal (2014), a pesquisa social qualitativa torna possível investigar o desconhecido; apreender o sentido subjetivamente visado; reconstruir a complexidade de estruturas de ação, a partir do caso particular; descrever o ambiente e a ação social; desenvolver teorias e hipóteses empiricamente fundadas e, por fim, verificar hipóteses e teorias por meio do caso particular.

O método desenvolvido na pesquisa foi o estudo de caso. Entende-se o estudo de caso como “método de pesquisa, o estudo de caso é usado em muitas situações, para contribuir ao nosso conhecimento dos fenômenos individuais, grupais, organizacionais, sociais, políticos e relacionados” (YIN, 2010, p. 24). Os instrumentos para a realização da pesquisa estiveram centrados na revisão da literatura, a fim de nortear o referencial teórico e metodológico; na análise documental, com a finalidade de perceber os referenciais políticos e normativos da gestão escolar e a entrevista semiestruturada com um gestor escolar. O critério de escolha do profissional deu-se pelo fato da instituição em que ele trabalha ter sido a primeira escola criada da rede estadual em Delmiro Gouveia.

Para a análise dos dados, optou-se pela Análise de Conteúdo, na perspectiva de Bardin (2002), visto que “é um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção destas mensagens” (BARDIN, 2002, p. 42).

O texto está divido em três partes que se completam, além da introdução e das considerações finais. Na primeira, apresenta-se a gestão escolar e as suas configurações políticas, por meio de seu percurso histórico e os documentos que a regulamentam. Na segunda parte, dialoga-se sobre os determinantes da gestão escolar, tendo, como ponto de partida, a participação de diferentes segmentos no contexto da escola. E, por fim, reflete-se acerca dos desafios do gestor escolar através da realidade de uma escola pública da rede estadual, localizada em Delmiro Gouveia, Alagoas.

A gestão escolar e suas configurações políticas

Após 31 anos de consolidação da Constituição Federal e 21 anos da LDB, a gestão escolar ainda tem práticas de centralização do poder por meio da configuração política de algumas realidades brasileiras. Anterior às legislações apresentadas, predominava, na gestão escolar, a concepção empresarial, na qual se objetivava centrar esforços para a padronização de comportamentos, de normas e de resultados. Sendo assim, Paro (2010, p. 774) afirma:

[...] no sistema capitalista, se pautam, em geral, pelo modo de produção e de administração capitalista, esse equívoco leva a administração da escola a se orientar pelos mesmos princípios e métodos adotados pela empresa capitalista, que tem objetivos antagônicos aos da educação.

Nessa concepção de gestão escolar, as características do modelo administrativo corporativo e educacional são bem próximas, uma vez que as ações realizadas no âmbito das empresas são transferidas para a escola, bem como o modo de gestar a instituição, a lógica da cobrança e dos resultados aproxima-se da ideia da administração capitalista. No entanto, o paradigma da gestão escolar tem as suas peculiaridades, pois, no processo educacional, o objetivo é trabalhar com a humanização das pessoas, o processo de ensino e de aprendizagem e a construção coletiva de práticas que contribuam para a transformação social dos envolvidos.

O processo de rompimento dessa concepção administrativa de gestão escolar ainda não está totalmente concluído, haja vista que a herança da colonização está arraigada nas práticas sociais e educacionais, mesmo com a luta por mudanças paradigmáticas e a conquista de dispositivos legais que rompem com essa perspectiva. Segundo Lück (2011), o caso da mudança de designação dos processos de direção, de organização, de liderança e de coordenação de instituições educacionais, de administração educacional para a de gestão educacional foi uma conquista social e política.

A mudança de concepção da administração para a gestão foi resultado dos embates sociais na década de 1970 e 1980 para responder aos anseios da população que percebia a necessidade de mudança no modelo vivenciado na época. Na visão de Paro (2010, p. 774), “essa concepção impede que se perceba a especificidade do trabalho escolar e a necessidade de uma administração que corresponda a essa especificidade”. A gestão escolar, por meio de seus princípios, necessita de uma organização que valorize a autonomia, a flexibilidade, a participação e a coletividade, configurando-se em uma dimensão plural na condução e no planejamento escolar.

A ideia do modelo de administração empresarial na educação foi substituída pela concepção de gestão escolar democrática, com o propósito de descentralizar o poder do diretor, trazendo consigo a autonomia para os membros da instituição. Desse modo, a participação de todos os segmentos nos processos decisórios satisfaz o objetivo político dessa nova configuração. De acordo com Paro (2010, p. 76), a mudança foi necessária uma vez que:

[...] um diretor cuja formação, atribuições e atuação prática foram concebidas para um papel de simples gerente, sem nenhuma explicitação nem reflexão a respeito de sua característica de agente político, diante do ofício de administrar uma instituição cujo fim é prover educação, a qual é por excelência uma ação democrática.

O Plano Estadual da Educação (PEE) do estado de Alagoas apresenta a gestão democrática como categoria importante para ser vivenciada no âmbito das escolas e ressalta:

A gestão democrática é uma forma de gerenciamento da escola pública que instaura um espaço de participação, de descentralização do poder e do exercício da cidadania por meios de mecanismos de participação como: a escolha dos dirigentes escolares, o Conselho Escolar, o Conselho de Classe, a Associação de Pais e Mestres, o Grêmio Estudantil, entre outros (ALAGOAS, 2015, p. 85).

Desse modo, as configurações políticas da gestão escolar passaram a ter um referencial diferenciado, o qual tem, como finalidade, “a implantação de um exercício de busca comum, identificado com um objetivo político maior, de uma educação voltada para a construção de um modelo de sociedade mais aberta, mais democrática e equitativa” (GARCIA, 2000, p. 73). Nessa lógica, o caráter democrático nas práticas educacionais passa a ter os seus primeiros passos em todas as redes e sistemas de ensino, por meio da construção coletiva de propostas pedagógicas e da participação da sociedade civil no processo educacional.

Gutierrez e Catani (2013) destacam a importância de uma instituição democratizada que, por meio da participação, vise ao comprometimento de todos para um ensino de qualidade, perspectivando melhores condições de acesso e de permanência dos estudantes, bem como a construção da autonomia pedagógica, administrativa e financeira da escola pública. Desse modo, os autores salientam:

A participação na administração da escola está, pelo menos teoricamente, garantida por meio do funcionamento do conselho de Escola, cuja forma atual é resultado de uma longa e dura luta política que data do inicio da década de 1980, com o sentido de dotar a escola de autonomia para poder elaborar e executar seu projeto educativo (p. 87).

A concepção da gestão escolar democrática preza pela discussão política e coletiva dos membros envolvidos com a finalidade de construção coletiva de uma proposta pedagógica e política de educação, a qual tem, como premissas básicas, a autonomia dos envolvidos e a participação deles nesse processo, redirecionando práticas, saberes e possibilidades para alcançar os objetivos planejados. Dessa forma, “o modo pelo qual uma escola se organiza e se estrutura tem dimensão pedagógica, pois tem que ver com os objetivos mais amplos da instituição relacionados a seu compromisso com a conservação ou com a transformação social” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2011, p. 325).

A concepção da gestão democrática influencia no processo pedagógico com o qual a escola está comprometida em construir a aprendizagem de forma coerente e satisfatória com os itinerários sociais e políticos dos sujeitos envolvidos. Segundo Garcia (2000), a experiência da gestão democrática apresenta dificuldades, mesmo com a implementação de Leis que foram elaboradas em um processo plural e democrático, tendo representantes de todas as esferas sociais, isso porque, “no Brasil, vemos ainda dificuldades extremas para a gestão democrática, porque a população ainda se mostra como típica massa de manobra, ou, como costumo dizer, envolvida em profunda ‘pobreza política’” (GARCIA, 2000, p. 148). Diante de algumas dificuldades, percebe-se que, na escola, há resistência sobre a nova forma de gerir, pois, há muito tempo, as pessoas vivenciam a forma burocrática no trabalho pedagógico, as quais foram construídas há décadas e têm fortes raízes no “chão” da escola.

No contexto da realidade alagoana, a gestão democrática, como forma de organização nas instituições escolares, foi árdua, resultado de tensões e de conflitos, contando com a participação da sociedade civil durante o processo, em especial, dos profissionais da educação. Segundo Cruz Neto (2013, p. 37), “há um longo percurso ainda a ser seguido, principalmente quando se trata de quebrar os paradigmas de uma sociedade, ainda, sob a tutela dos valores sociais, éticos, morais e políticos do coronelismo.”

De acordo com Cruz Neto (2013), em 1999, foi encomendado um estudo acerca da realidade institucional e administrativa na educação pública de Alagoas, sendo detectados quatro elementos que dificultariam a política de gestão democrática educacional, sendo eles: o centralismo, a relação de poder, a ingerência política e, por fim, o burocratismo. Mesmo no século atual, algumas ideologias oriundas do século XVI ainda permanecem arraigadas na sociedade alagoana. Contudo, Cruz Neto (2013, p. 40) afirma:

O primeiro mecanismo de participação da comunidade escolar, inserido na discussão de uma gestão educacional democrática a ser implantada em Alagoas, ocorreu na década de 90 com o decreto Nº 36.586, de 6 julho (ALAGOAS, 1995), que estabeleceu a criação das Unidades Executoras, mecanismo imposto pelo governo federal, visto que seria necessário cada escola possuir uma unidade executora para receber os recursos do FNDE.

No entanto, para que a gestão democrática se efetive, é necessário que o ponto de partida seja a concretização da participação dos diferentes segmentos, objetivando fortalecer a democracia na escola/educação pública. A concepção da gestão democrática na rede pública de ensino, no estado de Alagoas, inicialmente, foi estabelecida pelas unidades executoras, cuja função seria a contemplação na forma de caixa escolar, tendo, como objetivo, a implantação do projeto pedagógico, visto que essas medidas foram paliativas e a autonomia adquirida durante esse processo de implementação da gestão não tinha uma finalidade emancipatória. Neste sentido, Cruz Neto (2013, p.41) explica:

O importante a ser destacado no decreto é que se considera a sociedade civil como aquele que deve participar na administração, fiscalizando e executando atividades educacionais. Em nenhum momento fica clara a ideia do que a comunidade deve propor, salvo quando da formulação do próprio estatuto da Unidade Executora. Além disso, o decreto diz quem fará parte das unidades - representantes dos pais, professores, funcionários e alunos -, mas não diz como estes deveriam ser escolhidos para compor os caixas escolares, ficando em aberto para a prática nas escolas dos ‘currais eleitorais’.

Sendo assim, a unidade executora no modelo de uma sociedade civil com personalidade jurídica de direito privado, com representatividade da comunidade escolar, bem como associações de pais e professores e, dentre outras, com a obrigação de fiscalizar e determinar como as verbas destinadas à instituição seriam feitas. Um impasse acerca disso é visível no estado, pois não se deixava claro como é a formação dessa unidade, fugindo, assim, da proposta de gestão democrática pela qual se lutava.

Isso mostra que o formato da implantação da gestão democrática do ensino público de Alagoas teve um aspecto diferenciado do que propõem as leis vigentes. Contudo, alguns avanços foram alcançados sobre a implantação da gestão democrática no estado, com a presença, ainda que tímida, dos profissionais da instituição escolar, pais e alunos na representação da unidade executora, mas não era a postura almejada da gestão participativa, pois alguns resquícios dos currais eleitores ainda estavam presentes, mesmo de forma sutil, nas tomadas de decisões (CRUZ NETO, 2013).

Em 14 de dezembro de 1999, no I Congresso Estadual Constituinte Escolar, realizado em Maceió, contando com a presença de 200 delegados escolhidos por toda a região, sociedade civil e educadores, discutiu-se e elaborou-se a Carta de Princípios da Educação, com 68 princípios que norteavam o ensino público no estado (ALAGOAS, 2000). Entretanto, o ápice de todo esse processo foi a consagração na forma da Lei n.º 6.196, sancionada em 26 de setembro de 2000 (ALAGOAS, 2000). Está explícito, no capítulo III, seção II, artigo 46, que a gestão democrática deve ser construída no coletivo com o princípio da participação da comunidade escolar; deve ser deliberativa, consultiva e avaliativa da autonomia da escola. Cabe ao estado a descentralização, a articulação e a transparência pedagógica, financeira e administrativa da Secretaria de Estado da Educação (CRUZ NETO, 2013).

Dessa forma, entende-se que a comunidade escolar tem autonomia nas tomadas de decisão e garantia de mecanismos necessários para o desenvolvimento da escola e da gestão escolar, destacando-se a eleição direta de gestores e a formação dos conselhos escolares, uma vez que deve contar com a participação de 50% de toda a comunidade escolar.

Determinantes da gestão escolar: a participação como ponto de partida

Diante das transformações ocasionadas pela globalização, pelas exigências políticas e pelas configurações sociais, a escola não pode ficar alheia a essas questões. Uma das mudanças é o modo de organizar os seus processos pedagógicos, administrativo e financeiro, uma vez que os seus objetivos e as suas metas devem estar pautados nas concepções democráticas e nos anseios coletivos. Para que a participação seja o ponto de partida nas configurações educacionais, é preciso mudar o ângulo da visão das atitudes diante da condução da escolar, isso porque o gestor é o articulador das atividades, sendo o mediador das propostas planejadas coletivamente.

Segundo Gutierrez e Catani (2013, p. 78), o ato de participar “consiste em ajudar a construir comunicativamente o consenso quanto a um plano de ação coletivo”. A busca pela participação nos processos decisórios da escola é uma demanda intensa dos movimentos sociais e políticos, os quais entendem que a participação é o princípio basilar para a concretização da gestão escolar democrática. Libâneo (2011, p. 329) considera a participação da seguinte forma: “significa, portanto, a intervenção dos profissionais da educação e dos usuários (alunos e pais) na gestão da escola”. Isso caracteriza a presença de todos na busca pelo mesmo objetivo, que é uma escola emancipada e atenta às mudanças de conceito a respeito da participação no âmbito escolar e na comunidade em si, na pretensão de uma escola melhor e um ensino de boa qualidade. Ainda sobre a participação, Libâneo (2011, p.328) afirma:

A participação é o principal meio de assegurar a gestão democrática, possibilitando o envolvimento de todos os integrantes da escola no processo de tomadas de decisão e no funcionamento da organização escolar. A participação proporciona melhor conhecimento dos objetivos e das metas da escola, de sua estrutura organizacional e de sua dinâmica, de suas relações com a comunidade, e propicia um clima de trabalho favorável a maior aproximação entre professores, alunos e pais.

É por meio da participação que se torna possível construir uma proposta educacional que tenha, como epicentro, os anseios das comunidades local e escolar, evidenciada no projeto político-pedagógico na perspectiva de ampliar as relações interpessoais, possibilitar dinamismo nas práticas educativas e desenvolver um processo de ensino e de aprendizagem plural e emancipador. Nesse projeto de educação e de escola, cria-se autonomia, isto é, a comunidade tem oportunidade de contribuir nas decisões da instituição.

Nesse cenário, cabe destacar que a escola é um lugar complexo, o qual tem muitas particularidades. Na visão de Libâneo (2011, p. 200), “os estudos atuais revelam a instituição escolar como um organismo aberto, cuja estrutura e os processos de organização e gestão são constantemente construídos pelos que nelas trabalham e pelos seus usuários”. Assim, a participação dos diferentes segmentos no processo de organização e construção das propostas educacionais contribui para que as particularidades de cada escola floresçam em meio às oportunidades de diálogo, de construção e de emancipação.

Conforme Cardozo (2015, p. 90), “a autonomia deve ser uma conquista permanente e primar pela liberdade e capacidade de decidir de forma coletiva, construindo a gestão como processo de coordenação colegiada de iguais e não de chefes/diretor e subordinados.” Diante dessa dimensão, a gestão democrática visa garantir essa construção de autonomia, visto que os seus pressupostos políticos e normativos rompem com a visão arcaica de subordinação por parte do “diretor” escolar, o qual detinha e, em algumas realidades, ainda detém o poder de decisão.

A autonomia, mesmo que limitada, na construção das propostas educacionais pelos profissionais da educação e pelos representantes da comunidade local torna-se um princípio consistente na configuração política da escola. As suas práticas são respaldadas pela comunidade e os seus trabalhos evidenciados como resultado de um processo coletivo e dinâmico. Sobre esse aspecto, Libâneo (2011, p. 33) ressalta que são princípios da concepção de gestão democrática:

[...] autonomia da escola e da comunidade educativa; relação orgânica entre a direção e a participação dos membros da equipe escolar; envolvimento da comunidade no processo escolar; planejamento de atividade; formação continuada para o desenvolvimento pessoal e profissional dos integrantes da comunidade escolar; utilização de informações concretas e análise de cada problema em seus múltiplos aspectos, com ampla democratização das informações; avaliação compartilhada; relações humanas produtivas e criativas, assentadas em uma busca de objetivos comuns.

Esses princípios asseguram a vivência da gestão democrática no âmbito escolar, bem como garantem a autonomia de suas ações em meio à comunidade local. A construção da participação no “chão” da escola é uma questão desafiadora para o gestor escolar, pois é necessário que se tenha alternativas e possibilidades de atração dos responsáveis pelos estudantes, a fim de que estejam presentes no cotidiano da escola. Assim sendo, reuniões de pais e mestres, plantão pedagógico, conselhos de classe, assembleias orçamentárias, conselho escolar, eleição direta para gestores escolares, entre outros mecanismos, são oportunidades para estreitar os laços entre escola e comunidade local. Essas ações efetivam a participação e a autonomia da escola, reconfigurando a sua função social e contribuindo com a comunidade local no processo de emancipação político-social.

Para que a garantia desses princípios e as características da gestão participativa contribuam para o desenvolvimento da comunidade escolar, é necessário que todos participem, uma vez que o objetivo principal da escola - ensino e aprendizagem - deve ser a pauta norteadora de todas as ações, a fim de estabelecer relações entre os envolvidos e os princípios emancipatórios na condução das propostas educativas. Sendo assim, “a realização do processo de gestão inclui também a participação ativa de todos os professores e da comunidade escolar como um todo, de modo a contribuírem para a efetivação da gestão democrática que garante qualidade para todos os alunos” (LÜCK, 2009, p. 24).

Na visão de Cardozo (2015, p. 90), “é necessário democratizar as escolas, os conselhos e os sistemas para que, de fato, tenhamos uma educação emancipadora dos sujeitos individuais e da sociedade”. Desse modo, a gestão democrática tem como objetivo contribuir com a autonomia das escolas, trazendo, para as tomadas de decisão, os conselhos deliberativos, as associações de pais e mestres, o grêmio estudantil, o corpo técnico - administrativo, dentre outros, para participar e planejar as metas e os objetivos a partir das demandas da escola, efetivando, assim, a participação de todos.

De acordo com Libâneo (2011, p. 338), “a maneira pela qual se compreendem a divisão de tarefas e de responsabilidades e o relacionamento entre os vários setores determina a estrutura organizacional”. O modo como são configuradas as escolhas para a participação e o papel de cada segmento na instituição escolar apresentam como são estruturadas as relações e a importância que o gestor configura à contribuição dos diferentes grupos na organização escolar. Na visão de Lück (2009), a gestão democrática, é o processo em que se criam condições e estabelecem as orientações necessárias para que os membros de uma coletividade não apenas tomem parte, de forma regular e contínua, de suas decisões mais importantes, mas assumam os compromissos necessários para a sua efetivação.

Não basta, portanto, ter a concepção de gestão democrática nos documentos legais da escola, são necessárias que as atitudes dos profissionais inseridos no ambiente correspondam a esse modelo de gestão escolar, contribuindo no engajamento e nas ações delineadas coletivamente, isso porque a escola é plural e exige demandas diferentes na condução das suas propostas. É válido destacar que, nesse processo, todos são importantes, mesmo aqueles que, aparentemente, não têm em que contribuir. Paro (2008, p.52) afirma:

A questão da participação na execução envolve ainda uma importante contradição que parece comum no discurso dos que se põem contra a participação da população na gestão da escola pública. Trata-se da pretensão de negar legitimidade à participação dos usuários na gestão do pedagógico, por conta do aludido baixo nível de escolaridade e da ignorância dos pais a respeito das questões pedagógicas, ao mesmo tempo em que se exige que os mesmos pais participem (em caso, no auxílio e assessoramento a seus filhos) da execução do pedagógico, quando o inverso nos parecia o razoável.

A defesa que é possível fazer é a de que todos os segmentos são relevantes no processo de condução na escola. A participação dos diferentes profissionais, pais ou responsáveis, aparentemente, leigos nos assuntos educacionais, torna-se uma questão essencial, uma vez que eles se sentem parte desse processo e podem influenciar os estudantes e demais pessoas da comunidade local e escolar a engajarem-se na construção de um projeto coletivo de educação. Assim, cabe ao gestor e à comunidade escolar não negligenciar a presença de nenhum segmento, pois todos podem contribuir na construção de uma escola plural, dinâmica e inclusiva, cuja finalidade é a emancipação humana e a melhoria da qualidade política e social dos envolvidos.

Os desafios do gestor escolar: a realidade da escola da rede estadual de Alagoas

O ponto de partida de interpretação para compreender o papel do gestor e os seus desafios no espaço da escola pública é o de que as “competências básicas do diretor escolar é promover na comunidade escolar o entendimento do papel de todos em relação à educação e a função social da escola, mediante a adoção de uma filosofia comum e clareza de uma política educacional, de modo a haver unidade e efetividade no trabalho de todos” (LÜCK, 2009, p. 18).

Desse modo, compreende-se que compete ao gestor exercer a liderança no ambiente escolar e local, promovendo uma boa relação com as demais pessoas da comunidade, deixando explícito o papel de cada um, além de fazer a mediação e não impor as demandas da instituição. Na visão de Lück (2009), “o diretor é o profissional a quem compete à liderança e organização do trabalho de todos os que nela atuam, de modo a orientá-los no desenvolvimento de ambiente educacional capaz de promover aprendizagens e formação dos alunos” (LÜCK, 2009, p. 17).

Além do exercício de suas atribuições, o cargo do gestor também tem um caráter político, isto é, quando sinaliza, nas suas intervenções pedagógicas, a práxis de um ensino de forma humanizada e consciente com o intuito de possibilitar aos estudantes a reflexão sobre questões atuais, articulando propostas e anseios nas ações planejadas com os demais profissionais da organização.

Nessa lógica, deseja-se “um diretor cuja ação esteja articulada ao bom desenvolvimento de um ensino fundamental comprometido com a construção de personalidades humano-históricas, e que seja à base da formação do cidadão” (PARO, 2010, p. 776). É assim que um gestor articulado e engajado com os princípios da participação de todos consegue estabelecer o comprometimento com os demais profissionais responsáveis pela construção de cidadãos reflexivos, humanos e democráticos, que são fatores importantes para a sociedade atual. Esse desenvolvimento é possível quando todos participam e almejam educar para além da sala de aula.

O gestor participante da pesquisa possui Licenciatura em Biologia e trabalha há cinco anos na rede estadual de educação. Foi eleito em 2018 como o gestor da instituição onde vivencia a docência desde o início do seu exercício. Sobre a concepção de gestão escolar pretendida em seu mandado, o participante destacou:

De acordo com minhas propostas, uma delas foi a gestão ser democrática, aquela gestão de que a comunidade escolar participa! Então tinha segmento professor, segmento aluno, segmento pais e segmento funcionários e todos esses juntos. Tem voz ativa dentro da escola, então a gestão democrática resume-se basicamente à ação de todos, a união de todos os segmentos pra que a gestão da escola possa atingir todos os pontos necessários para que se tenha, na verdade, uma educação de qualidade.

As propostas apresentadas pelo gestor durante a campanha estiveram centradas na participação de todos no desenvolvimento das atividades educativas, isso porque o projeto planejado para ser vivenciado durante os dois anos da gestão teve, como premissas, o envolvimento de um grupo de profissionais que aderiu à proposta, objetivando a melhoria do processo de gestão e a qualidade da educação, relatou o gestor. Dessa forma, pode-se afirmar que a consideração evidenciada pelo profissional está coerente com a epistemologia da gestão democrática que visa à participação e à autonomia da comunidade envolvida.

Para alcançar à autonomia da escola faz-se necessária a participação dos diferentes segmentos, uma vez que fortalece as propostas educacionais e possibilita a compreensão de que “a autonomia deve ser uma conquista permanente e primar pela liberdade e capacidade de decidir de forma coletiva, construindo a gestão como processo de coordenação colegiada de iguais e não de chefes/diretor e subordinados” (CARDOZO, 2015, p.90)

A respeito das características da gestão democrática, o gestor destacou:

As características é que, nós temos de ser democráticos e temos de dar abertura para que as pessoas, além de dar sugestões, possam criticar, indiquem algum caminho para que possamos melhorar. Então, as principais características seriam essas, dar abertura e possibilitar melhorias, ouvir e tentar resolver esses problemas, e não só ouvir e deixar para lá, assinar e deixar para lá, tem de ouvir e de alguma forma buscar resolver e caso não conseguir pela escola, buscar parcerias com outras instituições para que possamos resolver.

A gestão democrática visa construir atividades e ações na coletividade, buscando os objetivos comuns com a participação de todos. Por outro lado, precisa de responsabilidade individual para que essas ações coordenadas sejam equilibradas e obtenha-se êxito. Um fator preponderante para que a gestão participativa tenha a devida amplitude nas ações desenvolvidas na escola é a disseminação das propostas entre a comunidade escolar e os pais, tendo-os como sujeitos articuladores das ações planejadas no coletivo.

A abertura apresentada na voz do gestor pode ser considerada como uma dimensão importante para a construção de princípios democráticos no ambiente escolar, isso porque “a gestão democrática, por um lado, é atividade coletiva que implica a participação e objetivos comuns; por outro, depende também de capacidades e responsabilidades individuais e de uma ação coordenada e controlada” (LIBÂNEO, 2011, p.326).

De acordo com Demo (2000, p. 150), a participação de todos na escola pressupõe a existência da democracia, uma vez que “a direção precisa ser democraticamente controlada, por todos, incluídos os pais de alunos e a comunidade circundante. Deve ser pressionado, cobrado e seguido de perto”. Dessa forma, a participação de todos é um mecanismo que intensifica a autonomia da escola na busca por melhorias, na construção das estratégias e das metas para o alcance dos ideais planejados no coletivo.

Na visão do gestor escolar:

As responsabilidades são divididas de acordo com o cargo de cada um, então o gestor tem as atribuições dele, o coordenador tem as suas atribuições, o articulador pedagógico tem suas atribuições, o professor, o aluno. Então cada um dentro das suas habilidades..., suas competências terão suas funções delegadas pelo gestor, pela gestão da escola.

Percebe-se, no depoimento do gestor, que há uma centralização na delegação da gestão escolar das funções dos demais profissionais. Assim, considera-se que o gestor escolar é o mediador de todo o processo, mas não é o responsável por delegar funções, haja vista que, na construção coletiva das atividades educacionais, cada segmento sabe o seu papel. Cabe destacar que esse profissional tem a atribuição de conduzir e dar orientações, no entanto, não na perspectiva de um fiscal ou chefe de uma empresa, mas na dinâmica da condução democrática.

Nessa lógica, “alguém que dá abertura ou que permite sua manifestação, então a prática em que tem lugar essa participação não pode ser considerada democrática, pois democracia não se concede, se realiza: não pode existir ‘ditador democrático’” (PARO, 2008, p. 19). A participação dos membros escolares não se delega, mas se constrói ao longo de um processo, no qual os primeiros passos são dados quando se manifesta o interesse pela democracia no âmbito escolar.

O gestor escolar destacou em seu depoimento que o conselho da escola não está ativo, mas não estão sendo feitos esforços para que se possa preencher essa lacuna na instituição. Até o momento da realização da pesquisa, havia a fragmentação de segmentos dos pais, estudantes e comunidade local. Para o gestor, essa é uma tarefa importante para ser alcançada, uma vez que o conselho escolar é o órgão máximo no processo de decisão, exercendo as funções deliberativa, consultiva e fiscalizadora. De acordo com Barbosa Junior (2013, p. 28), é necessário “passar a trabalhar com pessoas reais, que vivenciam um cotidiano e estão na escola buscando compreender e opinar, em última análise, sobre o projeto de educação da escola onde se encontram”.

Sobre a construção e a atualização do projeto político-pedagógico, o gestor ressaltou:

Desde quando eu entrei, a última atualização foi em 2016, e não houve periodicidade nenhuma [risos], foi em 2016, e está lá, certo. Inclusive é como se fosse um documento que está arquivado, a gente não fica utilizando ele sempre. Então, a partir de hoje, nós vamos atualizá-lo novamente devido à questão da BNCC 4 e vamos colocá-lo em prática, deixar ali [apontando com o braço] inclusive disponível para todos que possam dar uma folheada e saber quais são seus direitos e deveres, quais são as práticas da escola.

No depoimento do gestor, ficou evidente que as propostas vivenciadas pela escola, desde que ele chegou à instituição, não são orientadas pelo projeto pedagógico, desconsiderando o mecanismo que revela a identidade da escola. Em contrapartida, o gestor expressa o desejo de colocá-lo em evidência, fazendo a atualização, respondendo os anseios da política educacional por meio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), concedendo o direito de toda a comunidade escolar estar ciente das diretrizes e atribuições da instituição de que fazem parte.

A construção do projeto político-pedagógico é responsabilidade da “comunidade escolar como um todo: professores, funcionários, alunos, pais e até mesmo a comunidade externa da escola, mediante uma estratégia abeta de diálogo e construção do entendimento de responsabilidade coletiva pela educação” (LÜCK, 2011, p. 81). Com a construção do projeto pedagógico tendo a participação de todos, incluindo a representação dos pais, abre-se possibilidades de diálogo entre os envolvidos na solução de ações viáveis para mudanças significativas nas atitudes coletivas e, assim, fortalece-se o vínculo entre escola e sociedade.

Questionado sobre como a gestão democrática está se efetivando nas práticas cotidianas, o gestor mencionou:

[...] eu estou fazendo com que realmente essa gestão democrática seja válida, então todo mundo está participando de todas as decisões que a gestão toma na escola. Então, desde um simples cardápio da merenda, até uma decisão de um evento de quando vai ser, fazemos pesquisa com os alunos, com os professores e a gente toma as decisões.

Por meio do depoimento, percebe-se que há um esforço por parte do gestor para vivenciar a gestão democrática. Cabe destacar que o exercício democrático é um processo complexo e requer um longo período para que os participantes compreendam a dinâmica, as propostas e os pressupostos que embasam a prática. Segundo Lück (2009, p. 71): “[...] a gestão democrática escolar é exercida tanto como condição criadora das qualificações necessárias para o desenvolvimento de competências e habilidades específicas do aluno, como também para a criação de um ambiente participativo de vivência democrática”.

De acordo com Libâneo (2011, p. 335):

[...] a gestão democrática não pode ficar restrita ou discurso da participação e as suas formas externas - as eleições, as assembleias e as reuniões. Ela está a serviço dos objetivos do ensino, especialmente da qualidade cognitiva dos processos de ensino e aprendizagem. Além disso, a adoção de práticas participativas não está livre de servir à manipulação das pessoas, as quais podem ser induzidas a pensar que estão participando.

A concretização da gestão democrática no “chão” da escola pública configura-se com ações concretas no dia a dia, que vão além da eleição para gestores, das reuniões de pais e de envolvimento em projetos escolares. A gestão democrática efetiva-se com intensos debates, advindos dos problemas cotidianos, da real existência do conselho escolar e da descentralização das decisões, mesmo que, em todas as situações, o gestor esteja presente, como mediador dos processos.

Ao refletir sobre os desafios no ensino público, o gestor destacou:

A questão da colaboração das gerências e da pessoa que realmente tenha poder, que é a Secretaria de Educação. Então, quando a gente solicita alguma coisa, às vezes, há uma demora, às vezes, não há retorno, não há uma informação clara de como deva ser resolvido, então, eu acho que a pior coisa é não ter o apoio dessas pessoas. Temos que, às vezes, até ouvir calados, como agora há pouco [risos] ouvi algumas coisas de que não gostei como gestor, porque nós apenas representamos a escola, mas o que adianta representar a escola e não ter recursos para poder geri-la. Se faltar uma merenda, faltar uma coisa, tem todo um protocolo, que para chegar essa merenda, temos de seguir, mas enquanto isso como é que os alunos vão comer amanhã!? Se esses protocolos demoram? Então eu acho que falta um pouco de parceria e retorno rápido nas nossas demandas.

Por meio do depoimento, pode-se notar que, além dos desafios cotidianos existentes na instituição, há outros fatores externos que influenciam a organização escolar, pois limitam as atitudes e as decisões, visto que se os órgãos responsáveis não dão a devida assistência quando se solicita, o gestor fica de “mãos atadas”. De acordo com Lück (2011, p. 44), “a promoção de uma gestão educacional democrática e participativa está associada ao compartilhamento de responsabilidades no processo de tomadas de decisão entre os diversos níveis e segmentos de autoridade do sistema de ensino e de escolas”.

Gutierrez e Catani (2013, p.79) assinalam:

Assim sendo, numa perspectiva estritamente conceitual, transferir autoridade e a responsabilidade pela gestão de um bem público para o grupo diretamente envolvido no trabalho é uma prática democrática e socialmente justa, desde que não se escondam por trás o incentivo a ações de natureza corporativa, e tampouco a intenção por parte do Estado de se desfazer de suas obrigações para com a população.

O papel do Estado na condução e na oferta da educação pública de boa qualidade é o referencial para alcançar os objetivos propostos. Dessa forma, a autonomia limitada dos gestores, em situações burocráticas, dificulta o andamento das atividades e a organização escolar. De um modo geral, mesmo sendo apregoada como a concepção de gestão escolar, há muitas dificuldades para a vivência da gestão democrática no âmbito da escola e das secretarias de educação, pois, em muitas situações, o gestor necessita solicitar autorização de seus superiores para a realização de uma ação.

Acerca da transição dos responsáveis pela escola, o gestor destacou:

Na questão da transição de um diretor para outro, segundo o regimento, teríamos todo um apoio para que essa transição fosse feita de maneira que ninguém percebesse, que não externassem dificuldades, mas simplesmente me entregaram um monte de papel e falaram que tinha que resolver, que tinha quer ir ao banco resolver questões financeiras, que eu teria que ir à gerência resolver questões, só que orientações não recebi nenhuma, estou indo com a cara e a coragem, e porque eu realmente amo ser educador, porque, se não, eu não faria esse esforço. Várias pessoas disseram, se fosse eu desistia; não, eu não vou desistir, porque eu vim de escola pública, eu sei como é... Eu sofri muito e não quero que meus alunos passem por isso, então quero contribuir para que eles sejam pessoas de bem, que contribuam com a sociedade e realmente aprendam independentemente de qualquer dificuldade que possam surgir aqui na escola.

Um aspecto a ser pensado a respeito da transição de uma gestão para outra é a falta de comprometimento do antigo gestor em repassar os trâmites legais e contribuir com o próximo na dinâmica da escola, dificultando o andamento e a compreensão das burocracias existentes. Cabe apresentar uma sugestão para que situações como essas sejam evitadas, de modo que a inserção do novo gestor seja mais pacífica. Assim, poderia ser elaborado um termo de compromisso firmado pelos dois gestores, facilitando a comunicação e o conhecimento da realidade para o gestor que iniciará o trabalho.

Em meio aos desafios que um gestor tem para superar no exercício da sua atividade, juntamente com a comunidade, também há o anseio de melhorar as condições ao gerir a instituição de forma que todos sintam-se contemplados por meio das atividades propostas. O gestor, ao responder sobre a forma democrática de gerir a instituição, deixa nítido o desejo que:

No caso da gestão democrática, eu vejo que é uma ótima forma de gerir uma escola porque não tem como você gerir uma escola sem saber quais as necessidades dela, e principalmente ouvir as pessoas que estão necessitando, então a partir do momento em que a gente tem um aluno que fala e nós podemos ouvir esse aluno, e podemos ajudar a resolver esse problema eu acho que aí está a prática da gestão democrática. A partir do momento em que um pai vem dar uma sugestão e você tem como acatar, tem como resolver, tem como melhorar a situação da escola, aí a gente vê que a gestão democrática realmente está funcionando. Eu espero que isso não regrida, mas é triste ver um diretor resolver tudo e só impor para que todos cumpram sem saber se o pessoal está gostando ou não, e se realmente está atingindo o que deve ser atingido. O conhecimento, o ensino do aluno; quando a aluno não aprende, tudo o que foi feito foi jogado no lixo. Porque o principal foco da escola é fazer com que o aluno aprenda, que ele saia da escola formado para poder interagir com a sociedade, ser critico, poder melhorar o ambiente em que ele vive.

Verifica-se que o gestor acredita na gestão democrática como forma de dar autonomia a todos da comunidade escolar, quando menciona que essa concepção avance e não regrida, em razão de que o ambiente em questão transforma os indivíduos inseridos nele, havendo modificações no modo de compreender e agir na sociedade. Por meio dessa dimensão, as ações planejadas saem do papel e tentam colocar-se em prática, mesmo que tenham dificuldades.

A defesa do gestor pela participação e pela conquista da educação em ter essa concepção de gestão escolar pode ser compreendida como o canal dos princípios democráticos, caracterizados pelo reconhecimento da importância da participação consciente e esclarecida das pessoas nas decisões sobre a orientação, a organização e o planejamento de seu trabalho e a articulação de várias dimensões e dos vários desdobramentos de seu processo de implementação (LÜCK, 2011).

Dessa forma, compreende-se que a gestão democrática é uma dimensão importante para a melhoria da qualidade da educação, pois intensifica a participação e a busca na autonomia por legitimar os seus projetos e propostas pedagógicas. Cabe enfatizar que, mesmo em meio aos desafios, todos precisam “vestir a camisa”, e concretizar no “chão” da escola, práticas participativas e coerentes com a concepção pregada nos pressupostos normativos, jurídicos e educacionais da gestão escolar democrática.

Considerações finais

Os apontamentos delineados na pesquisa apresentam que a função da gestão democrática é contribuir com a organização da escola, de modo que todos os segmentos estejam inseridos no contexto das decisões, sem supremacia de papeis e de cargos. Nesse cenário, a lógica é da participação que se configura como mecanismo viável a fim de que os seus objetivos sejam alcançados, ativando a visão macro da escola e de sua função social.

Os resultados da pesquisa também apontam que os desafios do gestor escolar são situações que acontecem no dia a dia, necessitando de mediação do profissional para a resolução das complexidades existentes. Ficou evidente que é necessário o engajamento de todos os segmentos para a concretização dos anseios escolares e a melhoria da qualidade da educação.

Na investigação feita, alguns aspectos sobressaíram-se, como a necessidade de ativação do conselho escolar, instrumento importante para a vivência da gestão democrática. Outra dimensão foi o olhar para o projeto político-pedagógico como aspecto que precisa ser atualizado para nortear as práticas educativas, isso porque além de ser um instrumento legítimo da gestão democrática, é a identidade da escola, portanto, deve ser a referência das questões vivenciadas.

Cabe refletir que os paradigmas educacionais atuais são complexos e inviabilizam a vivência da gestão democrática no contexto escolar por meio da burocratização, da subserviência e das estratégias gerenciais que embasam as políticas contemporâneas. Nesse cenário, os desafios para o gestor e a comunidade escolar são muitos e um dos que se destacam é a mediação dos processos educativos com características democráticas, tendo, na medida do possível, a participação dos diferentes segmentos.

Desse modo, é válido ressaltar que, a partir da análise realizada, observa-se que esta pesquisa possui algumas lacunas, assim torna-se relevante destacar a importância de outras pesquisas no estado de Alagoas, as quais venham constatar outros desafios que os gestores enfrentaram no processo de consolidação de uma escola pública participativa, igualitária e socialmente referenciada.

A legitimação da gestão democrática efetiva-se com a construção coletiva de uma proposta pedagógica e com a presença ativa do conselho escolar, situações que demandam participação, autonomia e descentralização nas decisões, a fim de construir um modelo de educação pautado na realidade de cada escola, com anseios de mudanças e rompimento de paradigmas. Por fim, cabe destacar que a educação é um campo complexo, mas é possível desenvolver ações que atendam a todos, perspectivando um cenário educativo plural, dinâmico e político.

A defesa que se pode apontar é a construção coletiva de práticas que contribuam para a vivência da gestão escolar pautada na participação e na autonomia, perspectivando que a comunidade local e escolar possa estar centrada no processo de elaboração de uma proposta político-pedagógica coerente com os anseios de seu público. Em tempos de crise no projeto político e educacional da Nação, é preciso que os diferentes segmentos da sociedade possam estar envolvidos e articulados na mesma sintonia, em busca de melhoria para a qualidade da educação pública, inclusiva, democrática e referenciada socialmente. Eis, portanto, o desafio!

4 Base Nacional Comum Curricular: A BNCC determina os conhecimentos e as habilidades essenciais que todos os alunos têm o direito de aprender - ano a ano - durante a sua vida escolar. Ela é obrigatória e está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no atual Plano Nacional da Educação. Os currículos de todas as redes públicas e particulares devem ter a BNCC como referencial.

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Recebido: Julho de 2019; Aceito: Agosto de 2019; Publicado: Outubro de 2019

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