Introdução
Os campos teóricos que se constituíram a partir de ou em conjunto com os movimentos sociais tiveram e continuam tendo efeitos imensos. Minha aposta é que as transformações trazidas por esses campos ultrapassam o terreno dos gêneros e da sexualidade e podem nos levar a pensar, de um modo renovado, não só a educação, mas a cultura, as instituições, o poder, as formas de aprender e de estar no mundo. (LOURO, 2011, p. 69)
Neste artigo, busco mapear e examinar a produção científica sobre a formação inicial em Pedagogia com foco em gênero, sexualidade e diversidade sexual. A busca pelo mapeamento e análise das produções acadêmicas, no âmbito dos marcadores de gênero e diversidade sexual, na área de educação possibilita, também, visualizar a expansão de estudos e como tem se realizado a aproximação com outras áreas do conhecimento como a Antropologia, Sociologia, Ciências Exatas, Engenharia. Cabe salientar que a produção acadêmica deve ter como compromisso a redução das desigualdades sociais em um país que tem apresentado um cenário de avanços e retrocessos no âmbito das políticas educacionais.
No Brasil, as discussões sobre gênero e sexualidade surgiram timidamente a partir do debate impulsionado pela Constituição Federal de 1988 e, já na década de 1990, pelas leis e planos que se seguiram, entre eles, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/1996) e por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), a partir do qual a União assumiu o compromisso de construir uma reformulação curricular em substituição ao antigo currículo mínimo comum (ALTMANN, 2001; VIANNA; UNBEHAUM, 2004, 2006).
Fúlvia Rosemberg e Nina Madsen (2011) destacam, no contexto das reformas da década de 1990, que as agendas de gênero e de educação se entrecruzaram no Brasil em atendimento aos compromissos internacionais com foco específico no acesso das mulheres à educação.
Para compreensão desses marcadores, a diversidade sexual e de gênero são termos polissêmicos e estão imbricados. Além disso, a perspectiva adotada neste trabalho se opõe à perspectiva binária e enviesada pela concepção heteronormativa. Isso requer a compreensão da existência de diversas expressões de masculinidade e feminilidade, inclusive de que os sujeitos podem se situar na fronteira entre elas, demonstrar expressões de forma alternada ou expor novas expressões de gênero. A noção de diversidade sexual envolve distintas identidades de gênero e orientações sexuais, inclui uma perspectiva de combate à LGBTfobia, ao heterossexismo, e a problematização da heteronormatividade. (CARVALHO; ANDRADE; JUNQUEIRA, 2009).
Assim sendo, o texto está estruturado em quatro partes, contendo esta introdução. Na segunda parte, apresento um breve recorte a respeito da agenda de gênero, sexualidade e diversidade sexual na esfera da política educacional, com recorte temporal do fim do século XX e a primeira década do século XXI. Na terceira parte, realizo o mapeamento da produção acadêmica com foco na formação docente e a relação com a política educacional. Nas considerações finais, busco identificar o empenho na área da educação em implementar disciplinas obrigatórias ou optativas na formação inicial, bem como a oferta de disciplinas na perspectiva transversal, e os desafios para o debate de gênero e diversidade sexual na formação inicial docente. O presente estudo é compreendido como uma pesquisa bibliográfica e documental, de natureza qualitativa, cuja perspectiva buscou mapear a literatura sobre o assunto
1.1 Breve recorte sobre a agenda de gênero, sexualidade e diversidade sexual no âmbito da política educacional
A proposta de refletir sobre o planejamento de gênero, sexualidade e diversidade sexual e sua interface com a política educacional requer inicialmente introduzir uma percepção sobre política educacional. Para Dalila O. Andrade (2010, p.2) pode-se entender este campo como ações
[...] dirigidas à noção de justiça social, de promoção da igualdade entre os indivíduos, independente de sua condição econômica. O ideal de igualdade de oportunidades e a laicidade do ensino que orientou desde os primórdios a organização dos sistemas escolares republicanos podem ser considerados os principais vetores da política educacional do Século XX.
Partindo dessa apreensão, o processo de construção dessas agendas de gênero e diversidade sexual na educação deu-se juntamente com os movimentos sociais que propunham, com a abertura política, repensar o papel da escola e dos conteúdos por ela trabalhados, fato relacionado ao amplo processo de questionamento de valores e formas de organização social, por meio de mobilizações populares, em especial a dos movimentos feministas em várias partes do mundo.
Em sua análise sobre políticas públicas de educação, do ponto de vista das relações sociais de gênero, “tanto o Estado quanto os movimentos, nas suas respectivas pluralidades, articulam-se e/ou disputam acirradamente interesses sociais que se fazem presentes nesse processo” (Vianna, 2012, p. 130). Cláudia Vianna (2012) descreve um campo de tensões, repleto de negociações, no qual se evidencia a supressão e/ou concretização das reformas, dos planos, projetos, programas e outras ações implementadas separadas ou articuladamente entre o Estado e movimentos sociais.
Ainda sobre a relação entre Estado e movimentos sociais, na produção das políticas públicas de educação voltadas para o gênero e para a diversidade sexual no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a pesquisadora Cláudia Vianna (2015) destaca o papel dos movimentos sociais de pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros (LGBT)2 na tentativa de configuração de uma agenda voltada para essa temática na educação. Pessoas LGBT passam de “temas polêmicos” a “sujeitos de direitos” nas políticas públicas de direitos humanos e de educação; a denúncia da violência física, enquanto justificativa de políticas, vai cedendo espaço para propostas de superação das desigualdades.
Ainda nesse sentido, cabe salientar que a análise e o questionamento das políticas implementadas por diferentes níveis de governo, em um país de constituição federativa como é o Brasil, por grupos sociais distintos com seus interesses e necessidades específicos, traduzem nova perspectiva de vida e demandas sociais. Na mesma direção, os estudos mostram o apoio do Ministério da Educação (MEC) às demandas da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM), criada em 2003, na formulação de propostas voltadas para a sexualidade, a homossexualidade e as relações de gênero.
De acordo com Fúlvia Rosemberg e Nina Madsen (2011), com o progresso das mulheres na educação brasileira no período 2003-2009 no plano da justiça redistributiva, houve melhoria dos indicadores educacionais das mulheres, não distante de intensas desigualdades etárias, étnico-raciais, regionais e socioeconômicas, que atingem mulheres e homens.
No âmbito do reconhecimento, as autoras detectaram mais desafios que avanços, seja no plano das mudanças na legislação educacional, seja no plano curricular e didático. Especialmente a elaboração de conteúdo – não apenas isentos de componentes discriminatórios explícitos, mas capazes de contribuir para a construção da igualdade –, foi tarefa que pouco avançou ao longo da década de 2000. Já no âmbito da justiça representativa, debate que ultrapassa as fronteiras do campo educacional e está relacionado a outras demandas, inclusive por mais mulheres em espaços de poder, notou-se forte estagnação e em alguns casos uma retração3.
O foco principal das políticas educacionais, que procuraram introduzir as temáticas de gênero e diversidade sexual, foi o currículo, com destaque para os Parâmetros Curriculares Nacionais e formação docente, esse último recebe forte incentivo a partir do Programa Brasil sem Homofobia (BSH).
O Programa Brasil Sem Homofobia foi realizado por meio de uma ação definida no Plano Plurianual – PPA 2004-2007. Tal ato deliberou na esfera do Programa Direitos Humanos, Direitos de Todos a ação denominada Elaboração do Plano de Combate à Discriminação contra Homossexuais. O BSH, programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB4 e de promoção da cidadania homossexual, teve como objetivo promover a cidadania de gays, lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais, a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação homofóbicas, respeitando a especificidade de cada um desses grupos populacionais (CONSELHO, 2004).
Marcelo Daniliauskas (2011) indica que, no momento inicial, o BSH voltou-se para questões de violência física e assassinatos de homossexuais. Houve posteriormente a abordagem de outros temas, como, por exemplo, a cidadania, problematizando a questão da desigualdade de direitos, o que denotou um progresso no tratamento da questão por parte do governo e da agenda LGBT com a perspectiva de justiça social.
Além do mais, a proposta do BSH visava mudanças de comportamentos e preconcepções, inclusive de gestores públicos por meio da educação. O documento apresenta no Programa de Ações – tópico V – Direito à Educação: promovendo valores de respeito à paz e à não discriminação por orientação sexual – um delineamento específico sobre o fomento e apoio a cursos de formação inicial e continuada de professores na área da sexualidade, bem como o incentivo na produção de materiais educativos de apoio e divulgação da produção de materiais específicos para a formação de professores (CONSELHO, 2004, p.22).
Os estudos mais recentes destacam a importância do BSH no incentivo à formação docente (DANILIAUSKAS, 2011; FERNANDES, 2011; ROSSI, 2010, entre outros) e como resultado desse processo de negociação entre o Estado e o movimento LGBT, o MEC passa a responsabilizar-se por ações de combate à homofobia na educação (FERNANDES, 2011).
Um impulso das formulações de políticas públicas pode ser visualizado na modalidade da formação continuada docente com enfoque de gênero, sexualidade e homofobia, por meio do Edital Formação de profissionais da Educação para a Cidadania e Diversidade Sexual, no ano de 2005, criada pelo MEC no domínio da Secretaria de Educação Continuada (SECAD). Houve nesse eixo uma abertura para a participação de instituições públicas e também privadas sem fins lucrativos em todo o Brasil. Sendo publicado novo edital, em 2006, mantendo a finalidade de formação de profissionais da educação, recursos oriundos do Programa Educação para a Diversidade e Cidadania, do Plano Plurianual 2004-2007 (VIANNA, 2015; BRASIL, 2007).
Pode-se notar, com o programa Educação e Gravidez na Adolescência, o objetivo de qualificar os educadores e produzir material didático sob ponto de vista de que os adolescentes5 são sujeitos de sua sexualidade e com capacidade e responsabilidade para fazer escolhas. Outra iniciativa foi a execução do Seminário Internacional Educando para a Igualdade de Gênero, Raça e Orientação Sexual, no fim de 2004, que contou com o envolvimento da SPM/PR, a Seppir/PR, o MEC e o British Council, além de pesquisadores/as brasileiras/os e ingleses, e ativistas de organizações não governamentais ligadas aos movimentos negro, de mulheres e GLBTT.
partir desse evento, estabeleceu-se que seria necessária a formação de profissionais da educação nas temáticas de gênero, orientação sexual e relações étnicoraciais. No ano de 2005, foi implantado o Programa de Formação de Profissionais da Educação para a Cidadania e a Diversidade Sexual, cujo objetivo era apoiar experiênciaspiloto e adquirir subsídios para a formulação de políticas educacionais de valorização e respeito à diversidade sexual e de combate à homofobia. No ano seguinte ocorreu a criação do 1º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero, cuja finalidade era valorizar as produções que são classificadas em redações e trabalhos científicos monográficos. Essa iniciativa é parte complementar do Programa Mulher e Ciência, constituído com o objetivo de estimular a produção científica e a reflexão acerca das relações de gênero, mulheres e feminismos no país, inclusive promover a participação das mulheres no campo das ciências e carreiras acadêmicas (BRASIL, 2006).
Em 2006, a Secad, em conjunto com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (Sedh/PR), lança novo edital para Projetos de Formação de Profissionais da Educação para a Promoção da Cultura de Reconhecimento da Diversidade Sexual e a Igualdade de Gênero, com vista a incrementar a realização de projetos de formação para o enfrentamento ao sexismo e à homofobia, no ano de 2007 (JUNQUEIRA,2007).
Ainda naquele ano, é implementado o curso Gênero e Diversidade na Escola (GDE), proposta ofertada em um projeto piloto, em 2006, cuja modalidade de certificação variava entre extensão ou aperfeiçoamento. Segundo as diretrizes do programa, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e o Ministério da Educação – por meio das Secretarias de Educação a Distância (SEED6) e a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade (SECAD), objetivaram, ao apresentar o curso GDE, proporcionar aos educadores e às educadoras da rede pública do Ensino Básico uma noção de respeito e valorização da diversidade, de forma que fossem abordadas as discussões baseadas nas desigualdades de gênero, orientação sexual e raça/etnia no Brasil, pontos estritamente ligados aos direitos humanos. O respectivo programa na linha da formação continuada se ampliou por diversas instituições públicas de ensino superior e tornou-se de grande força e duração.
Em 2008, o GDE passa a ser oferecido pelas universidades brasileiras, articuladas em torno da recém-criada Rede de Educação para a Diversidade e o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB)7. Destaca-se que, até a reestruturação do MEC, implementada pelo Decreto 7.480/2011, cursos destinados à formação docente eram realizados pela Secad8, em parceria com a Seed e sob a coordenação da Capes, tendo sido transferidos para o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), com o encerramento das atividades da Seed (GATTI et al., 2011). Salienta-se que, “direcionados especificamente aos profissionais das redes oficiais de ensino, os cursos da Rede de Educação para a Diversidade abrem a oferta a outros públicos participantes” (GATTI et al., 2011, p. 69).
O crescimento das políticas educacionais, que procuram, ainda que precariamente, atender às demandas de gênero e diversidade sexual, é também acompanhado pelo significativo avanço da produção acadêmica sobre o tema. Vianna (2012) registra um número expressivo de pesquisas dedicadas à análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais e à crítica das diretrizes sobre Orientação Sexual9 contida nele. Diante do exposto, cabe salientar a aproximação da produção acadêmica das instituições de ensino superior com a formação docente e com a educação básica, tendo em vista os desafios que os cerca.
Para Maria Isabel de Almeida (2014), é preciso considerar que a formação de professores tem vivido nos tempos atuais o predomínio de uma visão conservadora, sustentada na perspectiva técnico/instrumentalizada, que esvazia o papel do/a professor/a enquanto criador/a e organizador/a de sua prática. Estse cenário é marcado por diversas situações que podem ser exemplificadas pela: a) sobreposição dos conhecimentos teóricos em detrimento dos saberes experienciais; b) distância que separa a formação universitária da realidade das escolas.
2. Metodologia utilizada para mapear as produções científicas no campo da educação sobre gênero e diversidade sexual
O presente estudo é compreendido como uma pesquisa bibliográfica e documental, de natureza qualitativa, cuja perspectiva buscou mapear a literatura sobre o assunto. De acordo com Désirée Motta Roth e Graciela Rabuske Hendges (2010), pesquisas desse porte podem oferecer base para posteriores pesquisas experimentais, tendo em vista a definição do que se tem produzido na literatura. A amostra de produções científicas pesquisadas estão distribuídas em todo o território brasileiro e não houve a descrição de vínculo institucional. Cabe mencionar que a metodologia utilizada tem a perspectiva de inventariar, descrever e analisar a produção científica na área da educação.
Com o objetivo de agregar dados dispersos em inúmeras bases, realizei levantamentos na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia e também na base de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes), cujo período de delimitação de busca foi de 2000 a 2016. Realizei levantamentos na base com os seguintes descritores, tais como: gênero e pedagogia, pedagogia e sexualidade, pedagogia e diversidade sexual, formação de professores e sexualidade, formação de professores e gênero, formação de professores e diversidade sexual. Utilizei os operadores boleanos para ter uma melhor performance nos resultados (AND, OR, AND NOT). Além destas pesquisas, realizei buscas nas bibliotecas virtuais da Universidade de São Paulo (USP), na base da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), e na Biblioteca Ana Maria Poppovic da Fundação Carlos Chagas (FCC).
O mapeamento de dissertações e teses que se aproximavam da temática possibilitou verificar quais os recortes de pesquisa que foram desenvolvidos, além de distinguir as produções que se relacionavam diretamente com o tema específico da formação docente na perspectiva de gênero e/ou diversidade sexual.
Na próxima subseção, indico as pesquisas acadêmicas que permeiam a formação docente, política educacional e os marcadores sociais de gênero e diversidade sexual. Destaco inicialmente que o trabalho tem como foco a formação docente inicial e, nesse sentido, considero relevante situar brevemente a produção acadêmica a respeito da formação continuada docente.
3. A produção acadêmica sobre a formação docente e a relação com a política educacional
Pesquisas mais recentes ressaltam a ênfase dessas políticas educacionais em gênero e diversidade sexual na produção de materiais educativos e na formação continuada docente (RIZZATO, 2013; COLETO, 2012; MOSTAFA, 2009; GRÖSZ, 2008; SANTOS, 2012; SANTOS, 2008; CALDAS, 2007; KOERICH, 2007; MAISTRO, 2006).
Uma parte significativa desses trabalhos dá ênfase à análise das políticas de formação continuada docente. Esse é o caso da dissertação de mestrado de Liane Rizzato (2013). A autora buscou as percepções de professores/as sobre gênero, sexualidade e homofobia, e o modo como lidam com tais temáticas na prática docente. Trata-se de uma investigação de natureza qualitativa, cujos sujeitos de pesquisa são professores/as da rede estadual de ensino de São Paulo que participaram de um curso intitulado “Convivendo com a Diversidade Sexual na Escola”, oferecido em 2007. Conforme Rizzato (2013), as contradições e dissonâncias apresentadas nos discursos dos/as entrevistados/as evidenciaram que a construção da experiência social em homofobia por eles(as) vivenciada têm a mesma dinâmica de produção-reprodução-resistência apresentada pela escola no que tange às relações gênero e sexualidade.
Tendo em vista essa dinâmica, e considerando as políticas educacionais, Bernadete Gatti, Elba Barreto e Marli André (2011), na obra Políticas docentes no Brasil, destacam que o delineamento qualitativo da formação docente compete à legislação vigente, à União e aos seus órgãos. As autoras alertam que políticas mais fortes do MEC estão centradas na expansão da oferta das licenciaturas, e muito pouco em sua qualidade curricular. Não obstante, ações governamentais de formação docente estão direcionadas para os sujeitos que exercem a profissão e buscam esta ação, conhecida na área de educação como formação continuada, em especial na modalidade a distância, o que evidencia uma ação reduzida na formação inicial.
No entanto, Wivian Weller e Cláudia Denís Paz (2011) ressaltam que há escassez de estudos sobre as políticas educacionais com enfoque de gênero na Educação Básica, notadamente na formação de professores, e que o desenvolvimento de ações concretas requer um sistema de acompanhamento e avaliação, assim como estudos teóricos e pesquisas empíricas que possam contribuir para a fundamentação dos programas educacionais voltados para a redução das desigualdades de gênero e diversidade.
Na próxima seção busco delinear o levantamento de dissertações e teses que encontrei sobre gênero, sexualidade e diversidade sexual produzidas em programas de pós-graduação na área de educação.
3.1 Mapeamento de dissertações e teses sobre gênero e diversidade sexual
Diante do exposto, procurei ler as publicações na possibilidade de identificar os recortes de pesquisas, busquei agrupá-las em três categorias iniciais, tais como: i) a presença de mulheres e homens nos cursos de Pedagogia, Normal Superior e Técnico/a em Magistério; ii) identidade profissional gestada nesse processo de formação docente; iii) o currículo dessa formação a partir da ótica de gênero.
Na primeira categoria – A presença de mulheres e homens nos cursos de Pedagogia, Normal Superior e Técnico/a em Magistério refere-se à escolha dos cursos de formação vinculados aos marcadores de gênero e diversidade. Tal categoria busca delinear características das produções que permeiam sentimentos, pertencimentos dos sujeitos na formação. Localizei as pesquisas que focam a inserção e presença de mulheres e homens nos cursos de Pedagogia, Normal Superior e Técnico/a em Magistério.
Nesse sentido, a produção aqui arrolada discute a presença de mulheres e homens nos cursos de Pedagogia, Normal Superior e Técnico/a em Magistério (LOPES, 1996; RIBEIRO, 1998; OLIVEIRA, 2002; VIEIRA, 2003; ABREU, 2003; SILVEIRA, 2006, MARAFON, 2006; LEÃO, 2009; FONSECA, 2011; RAMOS, 2011; VIEIRA, 2012; ROSA, 2012; PEREIRA, 2013; GOMIDES, 2014; SILVA, 2014).
Sobre a inserção de mulheres nos cursos de Pedagogia, cabe ressaltar que a presença majoritária de mulheres caminha na esteira de reflexões mais antigas que problematizam a predominância de mulheres na formação. Vianna (2013) descreve que é preciso olhar além da presença do sexo feminino; a entrada das mulheres no magistério deve ser examinada a partir das relações de classe e gênero. Ainda no tema da feminização do magistério, mas agora com foco em seu avesso, outro grupo de dissertações e teses discute a presença masculina na formação e no exercício da docência.
Na segunda categoria – A identidade profissional gestada nesse processo de formação docente – é caracterizada por produções científicas que estão centradas na composição de atributos, vivências e experiências das/os docentes na realização de suas atividades nas instituições. Os atributos e experiências podem ser visualizadas no âmbito da elaboração da identidade profissional e marcada por relações com seu ambiente de trabalho, com seu grupo profissional. Nesse plano, compreende-se símbolos e significados estabelecidos nessas relações do mundo do trabalho, da identidade profissional docente.Sobre a identidade profissional, entendo na mesma perspectiva de Maria Manuela Garcia (2010) ao descrever um
[...] conjunto de características, experiências e posições de sujeito atribuídas (e autoatribuídas) por diferentes discursos e agentes sociais aos docentes no exercício de suas funções, em instituições educacionais mais ou menos complexas e burocráticas (GARCIA, 2010, p.1).
No que tange à identidade profissional gestada nesse processo de formação docente foram encontradas produções (VIEIRA, 1998; CHAIGAR, 2001; BARBOSA, 2002; GARCIA, 2002; VASCONCELOS, 2003; WELK, 2003; COSTA, 2003; SARAIVA, 2003; FERREIRA, 2003; CARDOSO, 2004; CHAGAS, 2004; PEREIRA, 2006; ARAÚJO, 2007; EMBIRUSSU, 2007; ALVARENGA, 2008; ABREU, 2008; SANTOS, 2008; CARVALHO, 2008; SILVA, 2009; BUFALO, 2009; CASTRO, 2010; BARBACELI, 2013; MONTEIRO, 2014; CAPITANIO, 2014).
Neste campo teórico, Tardif; Lessard; Lahaye, (1991) e Tardif (2002) analisam também como as experiências se configuram na construção das identidades dos profissionais, com base em biografias e memórias dos docentes e os sentidos que atribuem às suas experiências.
Na terceira categoria – O currículo dessa formação a partir da ótica de gênero – foram identificadas pesquisas que analisaram o currículo no âmbito da formação e sua estreita vinculação com os marcadores sociais de gênero. Compreende-se os elementos de gênero e diversidade sexual acionados na sala de aula, no projeto político pedagógico ou nos planos de ensino propostos no currículo escolar.
Quando examina mais especificamente o currículo dessa formação a partir da ótica de gênero (FREITAS, 2002; NUNES,2002; GAMA, 2004; RIZZA, 2005; BENITES, 2006; BALESTRIN, 2007; KOERICH, 2007; FURTADO, 2007; FRANÇA, 2008; LIMA, 2008; COSTA, 2009; SANTOS, 2006; SANTOS, 2009; SANTOS, 2011; CAMPOS, 2011; REIS, 2011; MARTINS, 2012; SILVA, 2012; FERREIRA, 2013; HAMPEL 2013; CASTRO, 2014; COSTA, 2014; UNBEHAUM, 2014).
Diante do exposto, pode-se realizar alguns apontamentos sobre os principais resultados desses grupos, tais como: 1) a maior parte das teses e dissertações (vinte e quatro) enfocaram na identidade profissional e os diversos aspectos que permeiam a percepção da identidade docente; 2) o segundo grupo de trabalhos de pesquisas (vinte e três) focaliza a inserção da temática de gênero e sexualidade nas matrizes curriculares do curso de Pedagogia em Instituições Públicas de Ensino Superior; 3) o terceiro eixo de pesquisas (quinze) está centrado em análises dos discursos dos discentes do curso de Pedagogia e a abordagem da temática das relações de gênero e sexualidade.
Pelo exposto, é possível notar que na produção acadêmica destaca-se a enorme dificuldade de inserir o tema na formação inicial em Pedagogia. Evidencia-se, também, no mapeamento dessas pesquisas, alguns pontos fundamentais para compreender como tem-se delineado o campo da formação inicial em Pedagogia com foco em gênero, sexualidade e diversidade sexual, tais como: i) egressas do curso de Pedagogia ainda apresentam dificuldades de visualizar e intervir nos marcadores sociais de gênero na escola e na sociedade; ii) as disciplinas com foco em sexualidade figuram na matriz curricular como obrigatórias e optativas e apresentam limites para sua identificação em algumas instituições nas universidades federais; iii) as temáticas sexualidade e gênero, mesmo presentes no curso de Pedagogia, desenvolvem-se como fragmentadas ou isoladas enquanto disciplinas na percepção das graduandas; iv) nota-se que a percepção de estudantes da formação inicial sobre gênero é marcada pelo caráter biologizante e demonstram naturalização dos estereótipos sexistas; v) há uma carência de disciplinas e discussões voltadas para sexualidade e gênero na formação inicial; vi) constatou-se que a oferta de disciplinas na licenciatura de Pedagogia é um campo distinto para as discussões de gênero, sexualidade e diversidade, bem como o movimento de políticas educacionais proporcionam novos efeitos; vii) a universidade ocupa uma importante função no debate da formação docente com foco em gênero e sexualidade; viii) houve avanços na relação entre educação e gênero na formação de professores/as, mas ainda carece de uma maior articulação. Além disso, a discussão de gênero tem se desenvolvido na formação docente de forma transversal nas disciplinas regulares, eletivas ou optativas.
Considerações Finais
Ao realizar o mapeamento da produção de dissertações e teses com ênfase em gênero e diversidade sexual na formação inicial, identifiquei a relação existente entre as pesquisas e a complementaridade nos estudos. Cabe destacar a necessidade de estudos sobre as temáticas mencionadas, pois a educação básica carece de estudos nesses marcadores sociais, sistematizações de práticas pedagógicas da docência e a inserção de disciplinas na formação dos profissionais da educação.
O artigo teve como objeto a análise de dissertações e teses sobre a formação inicial docente com foco em gênero e diversidade sexual. Propôs mapear a produção com ênfase nesses marcadores sociais e indicar em quais grupos ou temas a produção tem se concentrado, bem como sua relação com a formação inicial no contexto das políticas educacionais. Refletir sobre gênero, sexualidade e diversidade sexual é considerar esses temas a partir da perspectiva dos direitos e respectivamente os reflexos no âmbito político, cultural e social, pois essa discussão tem origens nas Conferências do Cairo e Beijin na década de 1990 onde se originou os Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. Por sua vez, o Brasil é signatário desses tratados, e, assim sendo, há impactos do debate de gênero e diversidade na educação e nas políticas públicas.
Cabe destacar que desde o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) já existia pressão externa para a inserção de gênero, que surge pontualmente com os PCN. No período do governo Lula, tem-se alguns avanços e recuos nesse debate e em relação aos movimentos sociais, especialmente: Feminista e LGBT, com demandas que conseguem ser inseridas. Nesse ponto, o debate avança, pois a formação e o currículo ganham prioridade nas oportunidades de se pensar a inserção do debate de gênero e sexualidade nas instituições educacionais. Tais discussões sobre gênero e sexualidade alcançam no primeiro momento a materialidade por meio de diretrizes curriculares para a formação docente, PCN, referenciais curriculares e, em segunda oportunidade e de forma intensa, via formação continuada docente.
Foi possível notar, por um lado, um empenho na área da educação em implementar disciplinas obrigatórias ou optativas na formação inicial, bem como a oferta de disciplinas na perspectiva transversal. Por outro lado, ainda observa-se diversos desafios para o debate de gênero e diversidade sexual na formação inicial docente, tais como: a luta por espaços dentro da matriz curricular no âmbito institucional; a percepção e compreensão pelos/as discentes da relevância desses marcadores para sua prática pedagógica; a ampliação do diálogo para além dos espaços não escolares; a ruptura de estereótipos; e papéis difundidos por instituições religiosas.
Este estudo indicou também a necessidade de ampliação de pesquisas (dissertações e teses) na formação inicial em Pedagogia e demais licenciaturas. Além disso, produções que possibilitem o registro de práticas sobre gênero e diversidade sexual na educação básica na perspectiva de entendimento de uma educação humanista.