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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.14  Curitiba  2020  Epub 01-Dic-2021

https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.73486 

Article

Sistema de Gestão Pedagógica: tensões no trabalho de coordenadores pedagógicos de escolas municipais

Pedagogical Management System: tensions in the work of pedagogical coordinators of municipal schools

Sistema de Gestión Pedagógica: tensiones en el trabajo de los coordinadores pedagógicos de las escuelas municipales

Kamila Lima de Santana1 
http://orcid.org/0000-0002-1267-8869

Angela Maria Martins2 
http://orcid.org/0000-0002-1878-6641

1Mestre em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo. Professora da rede municipal de São Paulo. Membro do Grupo de Pesquisa Política e Gestão da Educação. São Paulo, SP. Brasil.

2Doutora em Educação. Professora do PPGE-Universidade Cidade de São Paulo. Pesquisadora sênior da Fundação Carlos Chagas. São Paulo, SP. Brasil.


Resumo

Este artigo integra investigação maior que analisou um programa implementado pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo denominado Sistema de Gestão Pedagógica (SGP). O artigo tem como propósito discutir usos de um recurso tecnológico para (re) organizar a atuação de coordenadores pedagógicos no contexto do trabalho cotidiano na rede municipal de ensino de São Paulo (RME-SP). A fundamentação teórica ancorou-se em estudos que tratam da construção da identidade profissional e saberes mobilizados na atuação de coordenadores pedagógicos. Trata-se de investigação qualitativa e exploratória, que lançou mão da análise documental, da observação participante e da entrevista compreensiva. Este artigo apresenta e discute os dados produzidos a partir de entrevistas compreensivas com coordenadoras pedagógicas de escolas da rede municipal de São Paulo. A análise dos dados revela que o programa trouxe algumas contribuições para o exercício das funções do coordenador pedagógico devido à otimização do acompanhamento dos registros docentes e possíveis intervenções pedagógicas relacionadas a diagnóstico, planejamento e avaliação. Contudo, os dados também indicam contradições na implementação do programa em função da necessidade de seu aperfeiçoamento, assim como a melhoria da infraestrutura das escolas para racionalizar e dinamizar o processo de registro, leitura e análise de informações pedagógicas por professores e gestores.

Palavras-chave: política educacional; gestão da educação municipal; coordenação pedagógica

Abstract

This article is part of a larger investigation that analyzed a program implemented by the São Paulo Municipal Department of Education called the Pedagogical Management System (PMS). This article aims to discuss uses of a technological resource to (re) organize the work of pedagogical coordinators in the context of daily work in the municipal school system of São Paulo (RME-SP). The theoretical background was anchored in studies that deal with the construction of professional identity and knowledge mobilized in the work of pedagogical coordinators. It is a qualitative and exploratory investigation, which used document analysis, participant observation and comprehensive interview. This article presents and discusses the data produced from comprehensive interviews with pedagogical coordinators from schools in the municipal network of São Paulo. Data analysis reveals that the program brought some contributions to the exercise of the functions of the pedagogical coordinator due to the optimization of the monitoring of the teaching records and possible pedagogical interventions related to diagnosis, planning and evaluation. However, the data also indicate contradictions in the implementation of the program due to the need of its improvement, as well as the improvement of the schools' infrastructure to rationalize and streamline the process of recording, reading and analyzing pedagogical information by teachers and managers.

Keywords: educational policy; municipal education management; pedagogical coordination

Resumen

Este artículo es parte de una investigación más amplia que analizó un programa implementado por el Departamento de Educación Municipal de São Paulo llamado Sistema de Gestión Pedagógica (SGP). El artículo tiene como objetivo discutir los usos de un recurso tecnológico para (re) organizar el trabajo de los coordinadores pedagógicos en el contexto del trabajo diario en el sistema escolar municipal de São Paulo (RME-SP). La base teórica se basó en estudios que abordan la construcción de la identidad profesional y el conocimiento movilizado en el trabajo de los coordinadores pedagógicos. Es una investigación cualitativa y exploratoria, que utilizó análisis documental, observación participante y entrevista integral. Este artículo presenta y discute los datos producidos a partir de entrevistas exhaustivas con coordinadores pedagógicos de las escuelas de la red municipal de São Paulo. El análisis de los datos revela que el programa aportó algunas contribuciones al ejercicio de las funciones del coordinador pedagógico debido a la optimización del seguimiento de los registros docentes y las posibles intervenciones pedagógicas relacionadas con el diagnóstico, la planificación y la evaluación. Sin embargo, los datos también indican contradicciones en la implementación del programa debido a la necesidad de su mejora, así como la mejora de la infraestructura de las escuelas para racionalizar y racionalizar el proceso de registro, lectura y análisis de información pedagógica por parte de maestros y gerentes.

Palabras clave: política educativa; gestión educativa municipal; Coordinación pedagógica

Introdução

Este artigo integra investigação maior que teve como propósito compreender percepções de coordenadores pedagógicos (CP) da Rede Municipal de Ensino de São Paulo (RME-SP) acerca de seu trabalho cotidiano, recentemente mediado por um recurso tecnológico denominado Sistema de Gestão Pedagógica (SGP). Em outros termos, o estudo buscou apreender a percepção de Coordenadores Pedagógicos sobre os saberes necessários para o cumprimento das atribuições da função, considerando a utilização do SGP.

O recurso tecnológico, implementado desde 2014 a partir do “Programa de Reorganização Curricular e Administrativa, Ampliação e Fortalecimento da Rede Municipal de Ensino de São Paulo - Mais Educação São Paulo” - substituiu os Diários de Classe e trouxe novos modos de acompanhamento do trabalho pedagógico.

Estudos e aportes

Tardif (2017, p. 117) conceitua o trabalho como uma atividade instrumental, ou seja, uma atividade que se exerce sobre um objeto ou situação com a intenção de transformá-los tendo em vista um resultado. Nessa perspectiva, assinala que a Pedagogia se configura como uma tecnologia do trabalho docente, porém, mesmo considerando o ensino uma atividade instrumental, o autor afirma que esta atividade se manifesta na efetivação das interações humanas, sendo assim, as relações humanas marcam o trabalho docente. Freire (2013, p. 25) na mesma direção, afirma que ensinar exige rigorosidade metódica relacionada à produção de condições para aprendizagem, e a presença de educadores e educandos na construção e reconstrução de saberes ensinados e apreendidos.

Com o intuito de contribuir para elaboração de uma teoria do trabalho docente e da pedagogia, Tardif (2017, p. 115) chama atenção para o fato de que a escola, assim como a indústria, banco, sistema de saúde repousam sobre o trabalho realizado por categorias de agentes, cuja existência e permanência se apoiam em sua atuação por meio de saberes profissionais, recursos materiais e simbólicos.

O autor afirma que, diferentemente de outras áreas, discursos que tratam do ensino questionam, exclusivamente, o papel dos professores e pouco mencionam as condições de trabalho e demais elementos fundamentais para sua efetivação. A classe política, a mídia e formadores de opinião tratam daquilo que professores devem ou não fazer, mas não se interessam pelo que realmente fazem. Para o autor, nesse contexto, o ensino, no fundo, ainda é um ofício moral, que serve como lente de aumento para angústias e inquietações da opinião pública. Nessa direção, ao definir a pedagogia como tecnologia, Tardif (2017, p. 121) desconsidera o ensino como uma atividade estereotipada, dependente do talento ou do dom pessoal e atribui uma perspectiva a essa atividade, integrando-a a esfera do trabalho em geral, que também objetiva a produção de resultados.

Dubar (2012, p. 357) também problematiza estereótipos das carreiras, afirmando que estudantes passam de um mundo profano (idealizações antes de iniciar no trabalho) para um mundo profissional (atividades reais). No mundo profissional convivem em uma cultura específica como linguagem, visão de mundo, prática, conduta de vida e projeção da carreira. Essa cultura de trabalho, segundo o teórico, se traduz no ingresso em um segmento organizado por atos específicos, codificados, controlados por colegas.

Na mesma direção, Tardif e Raymond (2000, p. 217) apresentam dois conceitos importantes na carreira do magistério: trajetória pré-profissional e trajetória profissional. A trajetória pré-profissional é constituída por fontes pessoais, assim, os professores, os coordenadores pedagógicos e diretores, antes de atuarem profissionalmente no magistério, trazem uma bagagem de conhecimentos, representações, crenças de diferentes meios sociais, inclusive do ambiente escolar, pois foram estudantes, o que os difere de um profissional que é inserido no ambiente de trabalho somente após a sua formação e ingresso no mercado. No caso dos coordenadores pedagógicos a trajetória pré-profissional é fruto da própria vida pessoal, escolar e atividade docente, antes de acessar a Coordenação Pedagógica. A trajetória profissional, conforme os autores, se desenvolve ao longo de um processo temporal da vida profissional, com fases e mudanças, ou seja, refere-se à carreira. Quando tratam da trajetória profissional consideram que os saberes dos professores comportam uma forte dimensão temporal, pois há saberes que são desenvolvidos no âmbito de uma carreira no magistério.

Nessa perspectiva, o coordenador pedagógico no início de carreira - diante dos dilemas e da experiência ainda incipiente para enfrentar os problemas imprevisíveis do cotidiano - tende a ter uma atuação apenas supervisora, conforme aponta Ribeiro (2016, p. 65). Segundo a autora, os profissionais no início da carreira têm dificuldades no relacionamento com os professores, principalmente aqueles em final de carreira, pois apresentam maior resistência a possíveis mudanças nas práticas escolares, limitando-se a desempenhar uma função burocrática ou fiscalizadora, desqualificando seu papel de formador e colaborador.

Em suma, profissionais da educação iniciam a carreira, de modo geral, sem as experiências acumuladas por práticas cotidianas nas relações de trabalho, situação que pode acentuar sentimentos de insegurança ao assumirem atribuições de gestão e ou coordenação, que exigem o domínio de articulação do trabalho com (e entre) pessoas. Nessa perspectiva e tomando esses pressupostos como referência, ressalta-se a relevância de se compreender percepções de coordenadores pedagógicos sobre os usos de um instrumento tecnológico para a reorganização de seu trabalho cotidiano em rede municipal de ensino.

A institucionalização do Programa

A Rede municipal de ensino de São Paulo (RME-SP) conta com a seguinte estrutura organizacional: Unidades Educacionais/ Centros Educacionais; Diretorias Regionais de Educação; Órgãos Centrais e Conselho Municipal de Educação. A rede conta com 1556 unidades educacionais, 1537 diretores e 2094 coordenadores pedagógicos. A Portaria nº 1.224, de 2014, institucionalizou o Sistema de Gestão Pedagógica (SGP) para registros das práticas pedagógicas desenvolvidas em todas as Escolas Municipais de Ensino Fundamental (Emef), tendo como uma das principais consequências, a substituição dos diários de classe de papel e a utilização de uma plataforma para planejamento, registro e controle das atividades escolares.

A implementação do recurso tecnológico trouxe aos profissionais da coordenação pedagógica demandas desafiadoras, configurando, assim, novos modos de atuação no trabalho e exigências de saberes profissionais que até então não eram mobilizados. A implementação do SGP e seu uso como recurso tecnológico representa uma das ações previstas no Decreto n°54.785 de 23/01/2014 que instituiu a Política Municipal de Governança de Tecnologia da Informação e Comunicação (SÃO PAULO, 2014a).

Em 2013, a RME-SP instituiu o Programa de Reorganização Curricular e Administrativa, Ampliação e Fortalecimento da Rede Municipal de Ensino de São Paulo - Mais Educação São Paulo (SÃO PAULO, 2014b). A reorganização proposta pelo programa provocou diversas demandas às Unidades Educacionais (UE), com discussões acerca da qualidade social da educação - como um pressuposto curricular -, até a gestão em suas diferentes dimensões: Gestão Pedagógica, Gestão Democrática e Gestão do Conhecimento.

No primeiro ano da utilização do SGP ocorreram diversas ações com o propósito de apoiar sua implementação na Rede: formação dos educadores pelas equipes centrais, desenvolvimento gradativo de funcionalidades, instalação de aplicativos nas escolas, monitoramento e suporte técnico via Diretoria Regional de Ensino (DRE). O acesso ocorreu tanto pela web como pelo tablet, para 550 escolas do Ensino Fundamental, com aproximadamente 49.000 professores usuários, 1.900 coordenadores pedagógicos, além de diretores, assistentes de diretores e administradores do SGP nas UEs (SÃO PAULO, 2014a).

Entretanto, as medidas adotadas para o funcionamento inicial do sistema na Rede não amenizaram a resistência contra o monitoramento externo dos registros e as dificuldades para a sua utilização. No primeiro bimestre de 2014 a negação ao SGP já constava nas pautas de reivindicações das diferentes entidades sindicais que representam os profissionais da educação e cartazes com expressões incisivas como “Não ao Sistema de Gestão Pedagógica”3 foram distribuídos, com intensa mobilização do sindicato dos professores.

Inserir as escolas em uma cultura digital por meio de diferentes formas de registro para a sistematização e análise de dados pertinentes para o planejamento, o acompanhamento e avaliação do processo educativo, são objetivos esperados na implementação do sistema. Contudo, como se discutirá adiante, essa dinâmica não é tarefa fácil. As finalidades principais do SGP estão claras na Portaria e observa-se ênfase nos atos de registrar e de disponibilizar informações para a comunidade escolar em geral (profissionais da educação e pais/responsáveis).

Aos diretores de escola é atribuída a indicação de uma pessoa responsável para ser o administrador do SGP nas escolas, de preferência que o indicado tenha conhecimentos em tecnologia. Identifica-se pela leitura da Portaria nº 1224/14 que o documento não envolve o diretor na tarefa de acompanhar e analisar os registros, embora o sistema ofereça dados relevantes para a tomada de decisões nos âmbitos administrativos e pedagógicos. Segundo a Portaria, cabe aos coordenadores pedagógicos a orientação aos professores para a melhor utilização do SGP; o acompanhamento das informações registradas; o registro, quando disponível ao seu perfil e o zelo pelo cumprimento dos prazos para as inserções das informações no sistema. Aos professores, cabe o registro das aulas, planos de trabalho, frequência diária dos alunos, notas e conceitos e acompanhamento pedagógico dos educandos, dentro dos prazos.

Dentre os servidores que trabalham nas Unidades Educacionais, o administrador do SGP tem a responsabilidade de acompanhar a ativação, a sincronização do sistema nos tablets; de organizar o uso e a distribuição diária dos tablets; de registrar o calendário letivo da UE e de auxiliar os demais profissionais, citados anteriormente, nas inserções de informações dentro dos prazos estipulados pela DRE e SME.

Os dados, como notas, frequência, compensação de ausência e registro do conselho, são visualizados de maneira consolidada na tela Fechamento. A partir das informações articuladas, o fechamento do bimestre culmina da geração de boletins sobre o desempenho individual de cada aluno. No perfil do CP há o recurso de geração de relatórios que indicam as pendências provenientes da falta de preenchimento de informações obrigatórias (planos de aula, frequência e atividades avaliativas) para o fechamento bimestral. A partir da sinalização dos relatórios é possível ter ciência da origem das pendências e comunicar aos responsáveis.

O CP consegue, por meio do sistema, visualizar de maneira sintética todos os registros preenchidos pelos professores. Tais consultas podem ser realizadas por cada turma (ensino fundamental I) e disciplinas (ensino fundamental II). Mas também há possibilidade de filtrar os dados, como desempenho em avaliações, para comparações e análises entre turmas do mesmo ano por exemplo.

Nota-se que o preenchimento integral de todos os campos existentes no sistema, demanda tempo do profissional responsável e da Coordenação Pedagógica para o acompanhamento. E ainda há outras tarefas importantes que não podem ser realizadas no SGP, mas estão presentes nas rotinas dos professores, como: estudos; pesquisas; atendimento aos responsáveis dos alunos; produção de atividades; correções; seleção de livros; organização de ambientes; preparação de pautas para reuniões e outras.

Metodologia

A investigação original optou pela análise documental, observação participante e, por fim, pela realização de entrevistas compreensivas, com a intenção de aprimorar a qualidade das evidências. Stake (2011, p. 140) alerta para o fato de que não basta utilizar diversos métodos, mas utilizá-los de maneira interativa, empregados em conjunto. Os dados coletados em campo, durante a observação participante em uma formação para coordenadores pedagógicos, exigiram a busca por aprofundamento de pontos levantados pelos participantes. Nessa direção, a entrevista compreensiva foi eleita como mais uma técnica para produção de dados, pois apenas o diário de campo, composto de observações, não se mostrou suficiente para a compreensão das percepções dos CP sobre a inclusão do SGP no exercício do trabalho da coordenação pedagógica.

Este artigo abordará apenas os dados obtidos por meio da entrevista compreensiva. A ruptura, em que a elaboração teórica emerge a partir dos dados coletados, é a essência da entrevista compreensiva, inspirada na Grounded Theory de Anselm Strauss e Barney Glaser, denominada como “Teoria Fundamentada nos dados”.

Kaufmann (2013, p. 67), responsável pela proposta do método de entrevista compreensiva, afirma que o campo pode ser o lócus nascedouro de uma teoria particular e aconselha o pesquisador a gerir o desenvolvimento do seu trabalho evitando a demora a acessar o campo. A entrevista compreensiva se mantém fundamentada no conhecimento artesanal e seus princípios estão na formalização do conhecimento pessoal do pesquisador advindo do trabalho de campo. O adjetivo compreensivo indica a busca por uma compreensão que vai além de explicações, mas que tem por objetivo a produção teórica, formulada a partir do campo (KAUFMANN, 2013, p. 28). Ao considerar a palavra do sujeito como pressuposto fundamental, a entrevista compreensiva parte da análise do discurso oral para o desvelamento do objeto de estudo. Entende-se que essa palavra carrega um sistema complexo (mundo social) advindo das interações sociais do entrevistado.

Como procedimento metodológico, a entrevista compreensiva propõe um rompimento da hierarquia entre entrevistador e entrevistado. O estilo oral é um elemento decisivo para garantir essa ruptura, pois se espera que a interação ocorra em um tom próximo de uma conversa horizontal. Ao mesmo tempo o pesquisador deve se atentar para coletar as informações essenciais, evitando trocas superficiais. Segundo Kaufmann (2013, p. 80), a formulação de perguntas é o elemento-chave para a condução da entrevista e aprofundamento. Considera o roteiro necessário, mas ressalta que a melhor pergunta pode surgir a partir da fala do informante e o contato direto pode ser uma situação excepcional para aprofundar a análise do problema.

O roteiro foi elaborado a partir de três eixos temáticos: história profissional, coordenação pedagógica e Sistema de Gestão Pedagógica. Buscou-se também assegurar o tempo no acesso às escolas (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.95), pois a recolha de dados não deveria ocorrer em momentos de fechamento de bimestres, considerando que os participantes estão pressionados com o cumprimento de tarefas nos prazos estipulados e, provavelmente, essa situação influenciaria as entrevistas.

As escolas em que as entrevistadas atuam estão localizadas geograficamente no mesmo bairro - zona leste de São Paulo -, com características contextuais (aspectos culturais, sociais e econômicos) semelhantes. A aproximação com as duas Coordenadoras se iniciou ainda no período da observação participante. O contato direto com dezenas de coordenadores pedagógicos, mensalmente, direcionou a definição das entrevistas compreensivas. A dimensão temporal (tempo na função) e a categoria funcional (designado/ efetivo), também foram critérios para definir as entrevistadas. Ambas tinham um desafio em comum: atuavam sem parceria durante o ano letivo. Das 36 unidades que atendem o ensino fundamental na região, apenas essas 2 unidades trabalharam com apenas um CP, devido a problemas na autorização de novas designações. A partir de repetidas escutas e da transcrição das entrevistas realizadas com as duas CP, foram desenvolvidas 46 fichas de interpretação manuscritas, organizadas em falas relevantes / comentários / interpretações e, finalmente, realizada a articulação com referenciais para a produção de planos evolutivos, por meio dos quais “as categorias vão surgindo, através da escuta da fala dos sujeitos, e do diálogo que essas falas mantêm com as leituras que foram realizadas, configurando-se em partes e subpartes, se articulando e se movimentando no transcorrer da interpretação das falas” (ANGELO, MENDES, 2015, p.36).

Coordenação Pedagógica: o que revelam as entrevistas compreensivas

As falas reveladas nas entrevistas compreensivas possibilitaram a apreensão das percepções de coordenadores pedagógicos acerca da inclusão do SGP no exercício do seu trabalho cotidiano. As entrevistadas serão identificadas como CP I e CP II para preservação de seus nomes e respectivas unidades de ensino. A CP I tinha na data da entrevista 56 anos de idade, 20 anos de docência e 6 anos na função de coordenadora pedagógica efetiva (na mesma Unidade Escolar). Com formação inicial em Matemática e complementar em Pedagogia. A CP II, na data da entrevista, declara ter 35 anos de idade, 15 anos de docência, 1 ano e 10 meses na Coordenação Pedagógica, como designada, sendo 10 meses na Unidade escolar atual. Com formação inicial em Língua Portuguesa e Inglesa e complementar em Pedagogia e Latu sensu em Língua Inglesa. Ambas participaram do curso de formação continuada analisada na primeira etapa da pesquisa de campo e demonstraram interesse e disponibilidade para serem entrevistadas em suas escolas.

As entrevistadas revelam motivações distintas para exercerem a função de CP na Rede; a CP I justifica a sua escolha devido “à paixão em relação à formação continuada”, pois antes de acessar ao cargo trabalhou com formação em outra função e se identificou com essa atividade. Em seu depoimento demonstra que a formação é a essência do cargo. A CP II relata que não tinha intenções para exercer a função, mas foi incentivada por colegas de profissão, que identificavam o perfil de CP em sua atuação enquanto professora. Esse perfil foi caracterizado como “visualizar as coisas de maneira ampla”, “saber manter e cuidar de uma escola”, ou seja, “ser articuladora do trabalho coletivo”. A construção da identidade das entrevistadas revela como atos de atribuição, a formação docente e a articulação de informações e de práticas dos atores escolares.

Para as entrevistadas a rotina da Coordenação Pedagógica foi definida como “pesada, puxada, agitadíssima, loucura no dia a dia”... O excesso de demandas provocado por diretrizes oficiais, assim como pela comunidade escolar, incide na construção da identidade das profissionais, pois se efetivam em atos de atribuição. Embora ambas caracterizem a rotina de maneira semelhante, nos discursos há diferenças no que se refere às ações para seu enfrentamento.

A CP I apresenta compreensão da dinâmica escolar e afirma encarar como processo natural a agitação da rotina, planejando sistematicamente suas atividades cotidianas. É possível apreender que sua compreensão foi construída na prática, ou seja, configura-se como um saber proveniente da trajetória profissional, na direção apontada por Tardif e Raymond (2000, p. 217). Contudo, a naturalização da dinâmica não pode velar as dificuldades enfrentadas pelos profissionais:

A rotina é agitadíssima, além das atribuições legais, o dia a dia é bem corrido. Apesar da rotina estabelecida, cronometrada, as demandas são vivas e a gente tem que entrar nesse movimento. (CP I).

A CP II, com menor tempo de atuação na função, demonstra estranhamento em relação à rotina, uma quebra de expectativas. Revela que como CP iniciante demora em se apropriar do trabalho, no contexto de demandas que não “imaginava existir”. Demonstra preocupação com o atendimento de prazos para entrega de documentações e em sua fala há demonstrações de insatisfação por não conseguir cumprir todas as tarefas:

A rotina é pesada, é puxada. Eu imaginei uma coisa, chegou aqui é outra. As demandas são grandes e eu estou sozinha. Tento planejar ações que julgo prioritárias. Não perder datas, não perder prazos e manter a documentação em dia. (CP II)

Cabe ressaltar que as CP entrevistadas estavam atuando sem parceria, o que acentua ainda mais a sobrecarga na função e a sensação de incerteza nas decisões a serem tomadas, pois, de acordo com as diretrizes da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, as unidades deveriam ter dois Coordenadores Pedagógicos para atingir os objetivos de atendimento às demandas de formação continuada, de efetivação das ações contidas no Projeto Político Pedagógico e de relacionamento com a comunidade. As falas são corroboradas por pesquisas realizadas que indicam o excesso de atribuições para o coordenador pedagógico e a pluralidade de saberes no contexto do trabalho, fato que chama atenção e que necessita de providências oficiais, políticas públicas educacionais específicas, visto a relevância desse profissional para o bom funcionamento do trabalho coletivo nas unidades escolares (ANDRÉ E VIEIRA, 2009, p.23 ; QUIRINO, 2015. p.49).

Atendimento à comunidade escolar (pais e estudantes), articulação com profissionais da rede de proteção social, realização de documentação pedagógica, estudos e pesquisas são atividades comuns nas rotinas das CP entrevistadas. Ademais, a formação continuada para professores é considerada a mais importante das atividades da rotina da Coordenação Pedagógica. Demonstram dedicação no planejamento para os estudos coletivos e acreditam nas discussões e reflexões para a construção de conhecimentos e qualificação do professor:

Temos a formação continuada, gosto de dizer que não sou professora de professores, a gente aprende um com o outro. Gosto de ver os professores se apaixonando pelo que eles estão estudando e fazendo. Gosto de ver o que eles reproduziram daquilo que eles aprendem nos horários coletivos. (CP I). Programo o PEA para o mês, faço as pesquisas, estudo, faço apresentações para os professores. Eu considero a formação uma prioridade. (CP II)

A CP I apresenta uma concepção de que a formação de professores deve partir da prática pedagógica, em uma construção coletiva e autoral do grupo. Para a CP II a formação continuada dos professores é a prioridade em sua atuação, mas ainda centraliza para si a responsabilidade de formar. Nos relatos há também uma sobreposição da função de articulação na atuação profissional, pois socializam diversas atividades em que articulam o trabalho com a equipe escolar e equipes institucionais externas às unidades. Dentro das unidades, a interação com a equipe gestora, professores, funcionários, estudantes, responsáveis é citada como fundamental para a qualidade do atendimento da escola.

A coordenação não é relação professor x CP. É o CP e a equipe todinha da escola. A gente precisa estar linkado um com o outro, senão não avança, não melhora a qualidade de atendimento das crianças. (CP I)

Por compartilharem contextos geográficos, econômicos e sociais semelhantes, ambas apresentam em suas falas relações com profissionais de Conselhos Tutelares, Unidades Básicas de Sáude (UBS), Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Núcleo de Apoio e Acompanhamento para Aprendizagem (NAAPA), Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAI) em busca de apoio aos estudantes. Nota-se preocupação comum com alunos com dificuldades de aprendizagem, com deficiências e baixa frequência:

Estamos em um lugar que é um pouco mais difícil, maior vulnerabilidade social... muitas famílias fragilizadas. Esse ano conseguimos uma UBS aqui pertinho, o atendimento é um bastante crítico, mas a parceria é importante. Acho fundamental o respaldo da DIPED, a aproximação que eles estão da gente. NAAPA e CEFAI a estrutura não é suficiente para atender as demandas das escolas. (CP I)

A UE aonde estou a frequência é um problema. Temos alunos com baixa frequência que a gente já fez de tudo que poderia e sabia: convocação, envio de cartas registradas e encaminhamento para Conselho Tutelar. (CP II)

A CP II relata impossibilidade de acompanhar as turmas presencialmente e que procura auxiliar o professor no que precisa, sendo essa estratégia para o acompanhamento pedagógico; já a CP I exemplifica o acompanhamento por meio de análises do rendimento dos estudantes em avaliações e busca atuar a partir de indicadores. Em 2014, ano em que o SGP foi implementado, a CP I já era coordenadora pedagógica e acompanhou a mudança entre o acompanhamento dos registros dos professores pelo diário de classe de papel para o acompanhamento dos registros no diário de classe digital. Afirma que utilizar o recurso tecnológico é o caminho e que há muito a dizer e o registro no papel era limitador. Também recorda do incômodo dos professores em relação à transparência e monitoramento dos registros, chegando a fazer parte do conteúdo de pautas sindicais da época.

Entendo perfeitamente a finalidade do SGP, acho super válido, que é o caminho. Não dá mais pra gente ficar no registro do diário de classe. Até porque a gente tem muito mais coisas para dizer do que cabe naquele diário físico. (CP I)

A CP II, em 2014, estava atuando como professora e relata as suas impressões principalmente na dificuldade em concluir os registros ao final do ano letivo, segundo ela, nada funcionava direito. Ao serem indagadas sobre as contribuições do SGP para o trabalho da Coordenação Pedagógica, o relato da CP I se sobrepõe ao da CP II, pois esta afirma que existem contribuições, mas não explicita por meio de exemplos práticos, sua fala fica limitada aos problemas de funcionamento do SGP. Em contrapartida, a CP I descreve com propriedade diferentes contribuições ao seu trabalho.

Se o software estivesse funcionando de maneira adequada as contribuições seriam mais significativas. Pensando em contribuições pedagógicas, existem? Existem... só que ele deveria funcionar, sempre deixa a gente na mão, perde dados. (CP II)

De acordo com a CP I o SGP trouxe agilidade ao acompanhamento dos registros pedagógicos e afirma que antes do SGP, recolhia os diários de classe de papel dos professores, lia rapidamente, pois precisava devolver para continuarem as anotações diárias. Recorda que não era simples esse recolhimento e que alguns deixavam os diários trancados em armários. Com a intermediação do SGP, tem acesso aos registros a todo tempo e consegue acompanhar o andamento das turmas com regularidade. A CP apresenta uma visão muito interessante sobre a aproximação do trabalho do CP ao dos professores, por meio da leitura dos registros e expressa espontaneamente: o SGP traz mais conversa, indicando possibilidades de diálogo e de atuação a partir da sua utilização. Essa relação dialógica construída nos usos do sistema pela coordenadora apresenta uma potencialidade que contradiz a tendência de monitoramento de resultados. O significado atribuído ao recurso por ela extrapola até os objetivos preconizados na Portaria nº 1.224 (2014).

Então... traz mais conversa, porque antes você tinha que pegar o diário de classe do professor, agora eu posso olhar todos os dias. A dinâmica do SGP é maravilhosa, deixa a gente muito mais próxima do pensar do professor. O professor já enxerga isso, valoriza. De vez em quando recebo mensagem “dá uma olhadinha no meu SGP, vê o que eu escrevi lá”. (CP I)

Ainda a CP I aponta que os dados armazenados no sistema são utilizados na produção de relatórios pedagógicos, encaminhamentos e solicitações e que não precisa correr atrás dos professores para obter informações sobre os estudantes. Conclui afirmando que o SGP é indispensável para a Coordenação Pedagógica, pois auxilia imensamente em sua atuação profissional. Em sua opinião o SGP garante a privacidade do professor ao acessar pelo login e ao mesmo tempo permite o acesso das informações para análises e intervenções pedagógicas. A diferença entre os discursos das profissionais, possivelmente está relacionado ao tempo na função e no manuseio do SGP.

Especificamente, o acompanhamento dos registros realizados pelos professores, os planos de aula e os registros de frequência dos estudantes, são apontados como os mais acessados pela Coordenação Pedagógica. Ambas dizem que diariamente consultam o sistema e em períodos de Conselho de Classe e fechamento de bimestre há um acompanhamento mais intensivo e criterioso dos registros. Acreditamos que essa atenção especial está relacionada ao cumprimento de prazos estabelecidos por SME, ou seja, uma verificação geral se todos os professores concluíram os registros considerados obrigatórios para o fechamento bimestral.

A utilização de dados do SGP na rotina da CP I é frequente. Relata que nos momentos formativos (Reunião Pedagógica, Conselho de Classe, Horário Coletivo) estimula os usos do sistema promovendo reflexões. Em sua escola, os professores também replanejam a partir de leitura de gráficos que demonstram o desempenho dos estudantes. Comenta que os professores visualizam e relacionam os resultados entre turmas do mesmo ano ou entre disciplinas. Deparam-se com discrepâncias favorecendo o diálogo e até conflitos, necessários, entre o grupo. Os dados de baixa frequência, segundo a CP I, permitem a identificação rápida, pelos professores, de alunos que necessitam compensar ausências.

Além das contribuições destacadas e as possiblidades de usos dos dados armazenados no sistema, o SGP trouxe, também, tensões para o trabalho da Coordenação Pedagógica. Ambas assinalam problemas graves na estrutura da RME-SP para o funcionamento adequado do SGP. A instabilidade do acesso à Internet e a ausência de Wi- Fi para o uso pedagógico nas unidades escolares são questões comuns no cotidiano. A falta de equipamentos (computadores ou notebooks) disponíveis para o registro diário dos professores também foi outro problema levantado. Julgam insuficiente o tempo na jornada docente destinado para atividades pedagógicas fora da regência:

[...] se é para ter, que tenha de verdade, que o professor tenha acesso na escola (o Wi-Fi não funciona). Muitas vezes a gente conta com a boa vontade do professor, que usa o plano de dados do seu celular para poder ao menos realizar a chamada diária. (CP II)

A CP I diz que compreende a falta de qualidade de alguns registros, pois o SGP é o lugar do registro, mas há diversas atividades que o professor precisa realizar para chegar ao registro, como o planejar, mas o pouco tempo o obriga a ser sintético ao registrar uma prática. Ainda sobre a estrutura da RME-SP, as entrevistadas dizem que a ausência de uma empresa específica para monitorar o sistema em 2018 gerou muitos problemas que afetaram negativamente a organização escolar. Sobre as limitações do próprio sistema, foram mencionados: excesso de telas e abas relacionadas à mesma função; morosidade em períodos de fechamento de bimestre; problemas de acesso do professor (recém- ingressantes e retorno de licenças) e bugs e desaparecimento de registros finalizados. As CP declararam certo desgaste com os professores, pois ao terem problemas com o SGP ficam contrariados e cobram providências da Coordenação Pedagógica.

A CP I acrescenta que a organização do sistema não atende os dias em que a escola precisa ser reorganizada. Diz que em dias atípicos o SGP induz registros que não correspondem às dificuldades da realidade, reclama que não há espaço para justificar ocorrências, como a falta de professores. A observação da CP indica uma contradição do programa, pois os dados armazenados permitem a visualização do trabalho das unidades escolares por diferentes esferas (até pela Secretaria Municipal de Educação), mas as dificuldades enfrentadas por elas não são explicitadas. Se uma turma está sem professor e os alunos são reagrupados em outras turmas, no SGP, a aula da turma que foi distribuída precisa ser registrada como se houvesse aula normal, o que evidencia uma ausência de transparência nos dados da política educacional implementada.

Numa situação de reorganização das turmas, por conta da falta de professores, o CP poderia justificar, explicar... O SGP induz anotações que não representam as dificuldades da realidade. A equipe gestora tinha que ter autonomia para registrar... somos representantes legais. (CP I)

Por fim, como implementadoras do sistema, as CP fizeram proposições para o seu aperfeiçoamento, já que há um consenso em relação à sua continuidade. A diminuição de telas e maior autonomia para a equipe gestora registrar, em situações atípicas, foram sugestões comuns.

A CP I, em consonância com o seu discurso, propõe a inclusão de estratégias para interação entre CP e professor dentro do sistema. Justifica que se pudesse, ao ler os planos de aula, “deixar comentários ao professor seria interessante”, pois, muitas vezes faz “a leitura e demora em encontrar o professor para dar uma devolutiva”. Com a interação proposta sinalizaria a necessidade de conversa de maneira privada e pontual. A CP II sugere “a criação de um grupo de estudos com diferentes perfis de usuários (professor, CP, diretor de escola, assistente de direção, administrador) ”, para adequação do sistema à realidade do cotidiano escolar. No ano de 2018 a SME promoveu encontros em busca de aprimoramento do sistema a partir da escuta de diferentes usuários, mas essa ação não ocorreu em todas as Diretorias Regionais de Educação, o que denota ausência de planejamento por parte de órgãos centrais para sua implementação em toda a rede de escolas.

Considerações finais

Os dados evidenciam que as coordenadoras pedagógicas percebem a relevância da função que exercem para a qualidade do trabalho pedagógico da escola, e reconhecem que a formação docente e a articulação do trabalho com os atores escolares são o cerne do exercício da função. Contudo, revelam uma sobrecarga, advinda das atribuições legais e da comunidade escolar, gerando uma sensação de impotência ao não conseguirem desempenhar bem todas as atividades vinculadas ao seu trabalho cotidiano.

O mal-estar, expresso pelas profissionais, é observado com maior evidência na recém-ingressante, sendo o tempo na carreira uma forte influência no modo de enfrentar, viver e compreender as situações no ambiente de trabalho, conforme discutem Tardif e Raymond (2000, p.239). Os dados indicam, ainda, que a coordenadora pedagógica com maior experiência tende a assumir apenas o que lhe compete e especifica com maior autonomia o seu papel e suas responsabilidades.

A pesquisa constatou que o contexto de trabalho da coordenação pedagógica exige uma pluralidade de saberes (profissionais, curriculares, disciplinares, experienciais), no entanto, os participantes sinalizam que os saberes experienciais ou práticos são norteadores da atuação profissional, na direção apontada por Tardif (2017, p. 48). Constata-se ainda, uma valorização da prática e da troca de experiências entre pares como principais fontes de formação na carreira. Em contrapartida, formações iniciais e especializações não são mencionadas como propulsoras da qualificação profissional. As percepções das participantes sobre a própria prática se apresentam de maneira complexa, visto que a função é considerada importante para o contexto escolar, mas, devido ao excesso de atribuições, o acompanhamento pedagógico de professores e estudantes tem sido, em muitas ocasiões, inviabilizado. Tendo em vista se configurar como um recurso tecnológico - ferramenta ainda pouco utilizada por profissionais da educação básica - vale destacar que a destreza também aparece relacionada ao tempo de manuseio da plataforma.

Dentre as funções da Coordenação Pedagógica, a articulação e a formação docente são as que se destacam nas percepções das coordenadoras e nos documentos institucionais. O SGP surgiu com a expectativa de otimizar o trabalho dos profissionais, a partir da disseminação rápida e sistematizada de informações pedagógicas sobre os estudantes. Nas entrevistas e nos documentos oficiais há o reconhecimento da agilidade de acesso às informações, mas em contrapartida, as coordenadoras enfatizam os problemas enfrentados no cotidiano devido à estrutura inadequada da rede municipal de ensino para o pleno funcionamento do sistema.

Foi possível apreender que esses problemas geram mais demandas, além de construir campos de tensão nas relações profissionais. A rotatividade de coordenadores pedagógicos na função também emerge como um dado importante, pois compromete a efetividade das formações continuadas, tanto para conhecimentos gerais, como para a utilização do SGP no acompanhamento pedagógico.

A pesquisa revela que os usos do recurso tecnológico para as coordenadoras pedagógicas se apresentam contraditórios, uma vez que há percepções positivas desveladas nas falas e, ao mesmo tempo, precauções e críticas em relação ao funcionamento efetivo do Sistema de Gestão Pedagógica. Vale destacar, ainda, que diretores escolares, coordenadores pedagógicos, professores devem ser vistos - para além de executores de documentos oficias e normas - como construtores de políticas no contexto das possibilidades e limites que configuram a realidade das escolas públicas, tendo em vista que interpretam (e consequentemente podem eventualmente modificar) os objetivos anunciados no escopo legal e normativo.

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Recebido: de 2020; Aceito: de 2020; Publicado: de 2020

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