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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.14  Curitiba  2020  Epub 01-Dez-2021

https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.73971 

Article

Os desafios do ensino religioso no contexto de aplicação da base nacional comum curricular

The challenges of religious education in the current brazilian educational politics.

Los desafíos de la educación religiosa en el contexto de aplicación de la base curricular común nacional

João Paulo Araújo Pimentel Lima1 
http://orcid.org/0000-0001-5667-4715

Bianca Nascimento de Freitas2 
http://orcid.org/0000-0003-4348-1628

1Graduado em Filosofia (UECE), Mestre em Ética e Filosofia Política (UFC), Doutorando em Educação (UFC). Professor da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza. Fortaleza, CE, Brasil.

2Graduada em História (UFC). Mestre em História Social (UFC). Professora da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza. Fortaleza, CE, Brasil.


Resumo:

Este estudo tem como objetivo expor a condição atual da disciplina de Ensino Religioso no Brasil no cenário de implementação da Base Nacional Comum Curricular. Para tanto, apresentamos uma breve história do campo e da legislação subjacente ao Ensino Religioso no país. Também é nosso objetivo listar os desafios que essa disciplina enfrenta com a atual política educacional brasileira, principalmente no que se refere às questões de padronização dos conteúdos, entendidos como objetos de conhecimento. Adentramos, ainda, na discussão que envolve a disciplina no contexto jurídico, com uma análise do julgamento de inconstitucionalidade do ensino confessional realizado pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, buscamos apresentar um panorama relevante para os desafios que cercam o Ensino Religioso e, para isso, tomamos como principais fontes para este trabalho os documentos oficiais e a legislação atual que afetam diretamente a disciplina.

Palavras-chave: Ensino Religioso; Currículo; Política Educacional

Abstract:

This study aims to expose the current condition of Religious Education in Brazil, given the implementation of the National Curriculum. To this end, we present a brief history of the field and legislation that underlies Religious Education in the country. It is also our goal to list challenges this the discipline faces in the current Brazilian political scenario, especially regarding the questions of the legitimation of Religious Education. Therefore, we take as main sources for this work official documents and current legislation that directly affect the performance of Religion Education field.

Keywords: Religious Education; Curriculum; Educational Politics

Resumen:

Este estudio tiene como objetivo exponer la condición actual de la disciplina de la Educación Religiosa en Brasil en el escenario de implementación de la Base Curricular Nacional Común. Para esto, presentamos una breve historia del campo y la legislación que subyace a la Educación Religiosa en el país. También es nuestro objetivo enumerar los desafíos que enfrenta esta disciplina con la política educativa brasileña actual, principalmente en lo que respecta a los temas de estandarización de contenidos, entendidos como objetos de conocimiento. También entramos en la discusión que involucra la disciplina en el contexto legal, con un análisis del juicio de inconstitucionalidad de la enseñanza confesional llevado a cabo por el Tribunal Federal Supremo. Por lo tanto, buscamos presentar un panorama relevante para los desafíos que rodean la Educación Religiosa y, para eso, tomamos como fuentes principales para este trabajo los documentos oficiales y la legislación actual que afecta directamente a la disciplina.

Palabras clave: Educación religiosa; Plan de estudios; Política educativa

Introdução

No primeiro semestre de 2018 foi finalmente concluída a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que atravessou durante a sua produção, dois governos (Dilma Rousseff e Michel Temer), quatro Ministros da Educação (Renato Janine Ribeiro, Aloizio Mercadante, Mendonça Filho e Rossieli Soares) e três versões, acumulando muitas alterações em relação à primeira redação.

A versão final da BNCC para o ensino fundamental foi publicada um pouco antes, no final de 2017, e com ela tivemos surpresas em relação ao Ensino Religioso (ER). Esta disciplina quase fora eliminada com a terceira versão do texto, mas retornou na versão definitiva seguindo as orientações das resoluções 4 e 7, ambas de 2010, do Conselho Nacional de Educação (CNE). Nessa versão da BNCC, o ER foi inserido no currículo do ensino fundamental como uma área do conhecimento específica, não mais como integrante das ciências humanas, e nem figurando apenas como conhecimento complementar ou interdisciplinar. A verdade é que, embora o texto constitucional e a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) sejam claras em relação ao funcionamento do ER, ainda há muita interpretação equivocada que descaracteriza a disciplina nas redes públicas de ensino do nosso país. Não é difícil, por exemplo, encontrar o ER transfigurado em uma disciplina estranha a sua determinação natural, seja como “formação humana”, “cidadania” ou mesmo como ER confessional, de orientação catequética ou doutrinária. Cabe a BNCC, portanto, orientar a elaboração dos currículos e, com isso, o papel de dar ao ER um formato oficial como componente curricular obrigatório, eliminando as múltiplas leituras que ainda distorcem a disciplina.

Neste artigo, abordaremos as contribuições da BNCC para a padronização do ER em todos os estabelecimentos de ensino do país, e as preocupações referentes ao tratamento da disciplina pela atual política educacional, bem como a interferência do poder judiciário nas discussões educacionais. Realizaremos um pequeno excurso da história do ER na nossa breve república, para em seguida abordar os desdobramentos da nossa recente política educacional com a publicação da BNCC. Por fim, apresentaremos a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em favor do ensino confessional e como isso pode afetar o projeto pedagógico da disciplina. Objetivamos, como esse itinerário, expor um panorama atual do ER no Brasil e seus desafios para este novo período da nossa história, marcado pela BNCC.

Breve histórico do Ensino Religioso

Considerando o período republicano, podemos dizer que o ER ganha destaque na política educacional já na Constituição de 1891. O governo militar que derruba a monarquia no Brasil pretendia imbuir à nova república um caráter positivista, abandonando os costumes do passado como meio de construir um Estado moderno, modificando também os seus sujeitos. Desse modo, a escola emergia com instituição civilizadora e promotora do progresso nacional, capaz de difundir e incutir os valores imprescindíveis à tessitura da identidade republicana (CARVALHO, 1998).

Contudo, para se atingir tal ideal, era necessário também enfatizar a separação entre Estado e Igreja, uma vez que a laicidade colocava o ambiente escolar acima das crenças individuais, em um momento que se buscava construir um corpo nacional (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2008). E é aí que o ER, entendido como uma estrutura de catequese desde as primeiras décadas da invasão europeia, sofre sua primeira e substancial mudança. A transição entre os séculos XIX e XX é marcada pela instauração do Estado Laico no Brasil. Diante disso, a Igreja passa a investir, principalmente com suas ordens religiosas, em instituições de ensino privadas. Em relação à rede pública, tal mudança atinge em cheio o ER. Vejamos o que diz a Constituição Federal de 1891 em seu artigo 72:

§ 6º Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos publicos.

§ 7º Nenhum culto ou igreja gosará de subvenção official, nem terá relações de dependencia ou alliança com o Governo da União, ou o dos Estados. A representação diplomatica do Brasil junto á Santa Sé não implica violação deste principio. (BRASIL, 1891).

A separação entre Igreja e Estado, entretanto, não resiste à dinâmica política e sua necessidade de alinhamento ao projeto dos setores poderosos da sociedade. A década de 1930 foi marcada por uma intensa contradição ideológica entre os liberais e os católicos. No que concerne às questões educacionais, podemos afirmar que o primeiro grupo3 citado era representado principalmente por políticos e intelectuais defensores da Pedagogia Nova; já o segundo grupo formado por intelectuais católicos, defendia a manutenção da chamada Pedagogia Tradicional. Desse modo, a Escola Nova tomava como uma de suas principais reivindicações a laicidade como elemento essencial fundante do sistema educacional brasileiro. Os católicos por sua vez, em oposição direta a essa exigência escolanovista, postulavam que as doutrinas e a moral cristã, e de modo especial, os preceitos católicos, deveriam ser indissociáveis das disciplinas escolares regulares.

Esse argumento era respaldado pelo grupo católico a partir de um discurso que ressaltava a supremacia da religião católica na população brasileira. Paralelo a isso, a igreja católica argumentava que o ensino religioso deveria ser um direito dos cidadãos brasileiros e que o ensino laico seria um desrespeito a um povo eminentemente católico. Desse modo, aos poucos a Igreja vai retomando sua influência no campo educacional na esfera pública, como uma espécie de retribuição ao apoio dado ao presidente Arthur Bernardes e sua cruzada antirrevolucionária. Em 1930 o ER retorna as escolas públicas graças ao decreto 19941/1931 assinado pelo Secretário da Educação e Saúde Francisco Campos4, famoso por sua Reforma educacional, já no governo de Getúlio Vargas. A partir daí forma-se um cenário de disputas acirradas em torno do laicismo. Nem mesmo o movimento intelectual dos “Pioneiros da Educação Nova”5 consegue levar adiante sua proposta de uma educação laica, pois acima dos teóricos e intelectuais prevalecia a vontade política. O presidente Getúlio Vargas irá selar a união entre Estado e Igreja com a reintrodução do ER na Constituição de 1934:

Art 153 - O ensino religioso será de freqüência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais (BRASIL, 1934).

A primeira novidade deste texto é determinar uma abordagem multiconfessional, já que o ensino seguiria a fé dos alunos. Nesse formato, empiricamente difícil de ser aplicado, a escola teria que se adaptar aos diversos credos de seu público. No que concerne à Reforma Francisco Campos e às questões que permeiam os debates religiosos, o decreto nº 19.941, de 30 de abril de 1931, que instituiu o ensino religioso como matéria facultativa nas escolas públicas brasileiras, exige uma reflexão mais apurada6. Sua promulgação foi embasada na justificativa de Francisco Campos de que o ensino não deveria ser neutro. De acordo com esse pensamento, a escola não apenas deveria instruir, mas educar, sendo o Ensino Religioso um meio para desenvolver uma dimensão ética da escola.

Outro ponto marcante é o caráter facultativo da matrícula do aluno em relação à disciplina (o que já estava previsto no decreto de 1931). Tal característica jamais abandonará o ER no Brasil. É importante ressaltar ainda, que para que o ER fosse ministrado nas escolas oficiais era necessário que no mínimo 20 alunos estivessem dispostos a receber esse ensino. Assim, levando em consideração que a população brasileira era nesse período em sua grande maioria católica, o ER era sinônimo do ensino da religião católica (HORTA, 1994).

Nesse momento, de modo especial, os intelectuais e entusiastas da educação acreditavam que a crise que se instaurara no país, culminando na Revolução de 1930, devia-se em grande medida ao esquecimento de Deus oriundo do Estado laico republicano. Desse modo, a reconstrução de uma nação forte, patriota e moderna se daria a partir de uma reaproximação das instituições oficiais com a Igreja de Cristo.

O racionalismo científico, que se fortalecia nas teorias pedagógicas desde o início do século XX, por si só não seria capaz de contemplar uma boa formação dos sujeitos e, mais precisamente, do trabalhador. Afinal de contas, durante a chamada Era Vargas e em especial nos anos que corresponderam ao Estado Novo (1937-1945), havia por parte do governo uma grande preocupação em construir o chamado “homem novo”. Isto é, o cidadão moderno, porém tradicional dos pontos de vista ético e moral, que iria auxiliar no projeto de um novo país (OLIVEIRA; VELLOSO; GOMES, 1982). Assim, após o golpe de estado instituído por Getúlio e a instauração de novo momento político no Brasil, chamado de Estado Novo, outra Constituição traz uma nova visão para o ER:

Art 133 - O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou professores, nem de freqüência compulsória por parte dos alunos (BRASIL, 1937).

Talvez esta seja a condição mais vaga que a disciplina já experimentara. Ela, na verdade, poderia ser entendida como uma subdisciplina, uma vez que poderia ou não existir na realidade da escola. Como sua oferta ficava no campo da “possibilidade” e a sua condução fora de responsabilidade dos professores, a situação que se formava era de grande incerteza.

A volta de um período democrático, com a queda de Vargas em 1945, trouxe consigo mais uma Carta Constitucional e, com ela, uma nova redação acerca do ER. Dessa vez, o texto retorna elementos da versão de 1934:

Art. 168, Parágrafo V - o ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável (BRASIL, 1946).

Apesar de a Constituição de 1946 já reunir elementos que apontavam para um entendimento do ER como disciplina facultativa e multiconfessional (subordinada à Igreja) essa problemática irá perdurar até 1961, quando da redação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB):

Art. 97. O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus para os poderes públicos, de acôrdo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por êle, se fôr capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável.

§ 1º A formação de classe para o ensino religioso independe de número mínimo de alunos.

§ 2º O registro dos professôres de ensino religioso será realizado perante a autoridade religiosa respectiva. (BRASIL, 1961).

Seguindo sua tradição de instabilidade política e golpes de estado, nosso país inicia em 1964 uma ditadura militar, marcada pela crescente repressão e violação dos direitos humanos. Neste cenário, novos textos constitucionais e uma nova LDB são promulgadas, sem grandes alterações em relação ao entendimento anterior da disciplina. A verdade é que, como novas disciplinas foram inseridas nesse âmbito da formação comportamental e disciplinadora como Organização Social e Política Brasileira (OSPB), que assumiu ao lado da Educação Moral e Cívica a função de apregoar os valores morais afinados com o discurso governamental, pouco espaço restava ao ER. Mesmo assim, durante a o período ditatorial, ocorreu uma intensificação das relações entre Igreja e Estado, já que a educação moral e cívica dos estudantes era em grande medida vinculada à religião. A Igreja Católica tomava para si a missão de ensinar os preceitos e valores morais, necessários à formação do cidadão brasileiro, e essa formação era diluída nas disciplinas que se destacaram na ditadura militar no Brasil

Após mais de vinte anos de um regime de exceção no Brasil e a lenta redemocratização, os movimentos educacionais voltam sua atenção a uma nova Constituição e uma nova LDB. A partir de então, o ER vai, finalmente, perder seu caráter confessional, mas não sem muita discussão. A Constituição de 1988 apenas assinala o traço facultativo da disciplina e sua normalidade nos horários da escola, a função de especificar a abordagem da disciplina ficará a cargo de uma nova LDB, promulgada em 1996. Sua redação original, no entanto, trazia o ER subordinado novamente às igrejas. Uma emenda de 1997 dá ao texto sua última atualização referente ao tema:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo (BRASIL, 1996).

O que temos com esse texto é, sem dúvida, a derrocada do ensino confessional. Ora, se o proselitismo não é mais aceito, a própria base teórico-metodológica da disciplina deve rejeitar qualquer perspectiva confessional. Não seria mais possível, portanto, utilizá-la como um instrumento a serviço das igrejas. A abordagem que daí se segue deve tomar um olhar científico, promovendo o estudo do fenômeno religioso em sua pluralidade. Ancorado nessa legislação, carecia ainda ao ER a delimitação de seus conteúdos, que nunca foram contemplados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)7. Tais conteúdos irão finalmente aparecer na primeira versão da BNCC, em 2015. Uma espera que chega ao fim quase 20 anos após a vigência da LDB.

A Base Nacional Comum Curricular

Um dos elementos que mais sofreu com alterações nas redações da BNCC foi o ER. A cada versão surgia um novo entendimento acerca da disciplina. Tais mudanças acompanharam, primeiramente, o debate entre especialistas que contribuíram para a construção da BNCC, mas com o governo Temer o documento muda radicalmente de orientação, atendendo ao conjunto de alterações na LDB que ficaram conhecidas como “reforma do ensino médio”. Com isso, a terceira versão do texto, alinhada aos propósitos dos grandes grupos empresariais encarnados em seus institutos e fundações, foi apresentada subitamente e de forma autoritária, pois desconsiderava a contribuição de especialistas e profissionais da educação. Essa nova proposta de padronização curricular, não mais preocupada com eixos de formação como “ética e pensamento crítico”, exposto nas versões anteriores, apresenta um forte caráter mercadológico, voltado à lógica de uma aprendizagem com base em habilidades e competências, com um modelo curricular restritivo e aliado a avaliação de tipo padronizada (DOURADO e OLIVEIRA, 2018). Apesar de inúmeros retrocessos, a BNCC trouxe contribuições para o ER. Vejamos como isso ocorre.

Em 2015 é divulgada para o grande público a primeira versão da BNCC e nela o ER figura como disciplina da área das Ciências Humanas. Com a segunda versão, em 2016, seguindo as resoluções 4 e 7 de 2010 do CNE, a disciplina separa-se das Ciências Humanas e ganha status de área do conhecimento - tema que abordaremos mais adiante. Em ambas as versões, a disciplina possuía conteúdos já definidos para o Ensino Fundamental em seus anos iniciais e finais. Mas uma grande reviravolta ocorre com a terceira versão da BNCC. Nela o ER simplesmente deixa de existir. O argumento para a exclusão era que, devido às peculiaridades da disciplina, seus conteúdos ficariam a cargo de estados e municípios.

Assim como ocorreu com os PCNs, a BNCC seguia também excluindo o ER, tratando-o como uma disciplina de segunda categoria. Antes de ser homologada, no entanto, o CNE reintroduz o ER e seus conteúdos, e a BNCC para o ensino fundamental é aprovada no fim de 2017. Entre os meses que abrangem o período da publicação da terceira versão até a homologação, o STF retoma o julgamento da ADI 4439, iniciada em 2010, que questionava a constitucionalidade do ensino confessional. A maioria dos ministros entende que o ensino confessional pode ser exercido e não fere a laicidade do Estado. Após o julgamento, a BNCC é homologada e corrige sua falha ao ressuscitar o ER como área do conhecimento, tal como estava na segunda versão. O que a sequência de eventos sugere é que, na tentativa de suprir o vazio deixado pela ausência do ER na terceira versão da BNCC, o STF permite que conteúdos doutrinários, vinculados às religiões, possam orientar a disciplina. O CNE, contudo, ao perceber a deturpação da disciplina pelo entendimento do STF, tentando reduzir ou até mesmo eliminar tal abordagem confessional, reintegra o ER na BNCC com uma proposta científica e laica, ou seja, muito distante de uma visão confessional.

Sejam quais tenham sido as reais intenções que motivaram as ações dos ministros do STF que votaram a favor do ensino confessional e dos conselheiros do CNE que incluíram novamente o ER na BNCC, o fato é que, a partir deste cenário, teremos ainda muita discussão para harmonizar o entendimento do STF com a legislação vigente e, principalmente, a BNCC. Veremos na seção seguinte as repercussões do julgamento no STF, agora, retomemos a BNCC e seu entendimento teórico-metodológico acerca do ER.

A BNCC afasta do ER uma abordagem confessional e privilegia um entendimento da disciplina por uma perspectiva totalmente científica, fundamentada na história, na sociologia e na filosofia. Não cabe, portanto, ao professor de ER difundir ensinamentos de credo específico, mas mediar um estudo do fenômeno religioso a fim de fomentar o diálogo, a tolerância e os direitos humanos. Há, por conseguinte, devido a sua abordagem não confessional, um enorme potencial nesse componente curricular para o desenvolvimento da consciência crítica e no enfrentamento da intolerância religiosa. Segundo o texto da BNCC:

Cabe ao Ensino Religioso tratar os conhecimentos religiosos a partir de pressupostos éticos e científicos, sem privilégio de nenhuma crença ou convicção. Isso implica abordar esses conhecimentos com base nas diversas culturas e tradições religiosas, sem desconsiderar a existência de filosofias seculares de vida (BRASIL, 2018a, p. 434).

Não é possível negar que, com esse texto, torna-se superada as visões confessionais que embasaram a disciplina no passado e, ao mesmo tempo, reforça o que já estava proposto no artigo 33 da LDB. Em relação aos objetos de conhecimento, a BNCC os agrupa em três grandes unidades temáticas no ensino fundamental: identidades e alteridades, crenças religiosas e filosofia de vida e manifestações religiosas. A partir destas unidades, os conteúdos ou objetos de conhecimento partem de temas gerais (memórias, símbolos, narrativas, ensinamentos etc.), que devem ser inseridos na pluralidade de crenças. Assim, é privilegiado um estudo detalhado das mais variadas doutrinas e manifestações religiosas, levando em conta suas origens, características, ritos, líderes, códigos éticos, espiritualidade, os direitos humanos e esfera pública. Com isso, cumpre-se um enfoque apropriado para um Estado Laico, onde a disciplina não poderá mais ser instrumentalizada como um mecanismo catequético, pois o fenômeno religioso será estudado numa perspectiva plural e científica, e não pela ótica da fé. A contribuição desse programa para o educando é múltipla. Ao invés de “doutrinar” o educando em uma religião específica, proporciona-se, ao contrário, uma compreensão macro do fenômeno religioso, levando-o a um maior entendimento do mundo, suas culturas e sociedades. Despertando no aluno a tolerância e o respeito para o convívio com o diferente. O sucesso dessa abordagem foi posto textualmente em suas seis competências. Destacamos as competências 4 e 6:

4. Conviver com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e viver. [...]

6. Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício da cidadania e da cultura de paz (BRASIL, 2018a, p. 435).

Estas competências exemplificam exatamente aquilo que se espera de um ER não confessional, inserido num contexto laico e numa sociedade onde ainda é vivenciado o preconceito, a discriminação e a intolerância religiosa.

Antes de finalizarmos essa seção, cabe ainda dedicar algumas linhas ao curioso fato do ER ter deixado o âmbito das Ciências Humanas para integrar a área do conhecimento intitulada Ensino Religioso, onde, por motivos óbvios, é a única disciplina integrante. É inegável o fato que o ER, agora sem vocação confessional, precisava estar alinhado a uma ciência tal como as demais disciplinas. E essa ciência, não podendo mais ser a Teologia (por seu caráter confessional), teria de ser a Ciências da Religião (JUNQUEIRA, 2015). Torna-se estranho e, aparentemente, sem justificativa a criação de uma nova área para uma disciplina cuja sua ciência de referência está ligada a uma área já existente no mapa organizacional do ensino fundamental, as Ciências Humanas. A situação fica ainda mais embaraçosa quando a própria BNCC afirma a afiliação das Ciências da Religião às Ciências Humanas (BRASIL, 2018a). Não obstante, o que mais chama atenção neste ponto é que somente no fim de 2018 foram instituídas pelo CNE as Diretrizes Curriculares Nacionais para a licenciatura em

Ciências da Religião (BRASIL, 2018b). Com isso, o que podemos observar atualmente é a formação de uma situação esdrúxula, onde milhares de professores que trabalham com ER nas redes públicas municipais atuam numa disciplina que ganhou uma nova área do conhecimento da qual a quase totalidade desses profissionais não possui formação específica na área, visto que são em sua grande parte professores formados em História, Ciências Sociais, Filosofia ou Teologia; com exceção do último, todos os outros cursos pertencentes às Ciências Humanas (levando em conta a divisão do CNE para o Ensino Fundamental, já que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq] agrupa o curso de Teologia no âmbito das Ciências Humanas).

O Ensino Religioso no Supremo Tribunal Federal

Quando as intermináveis polêmicas acerca do ER pareciam estar finalmente resolvidas com a construção da BNCC, entra em cena o Supremo Tribunal Federal (STF) para mergulhar, mais uma vez, o ER em águas turbulentas. Desengavetando uma ação de inconstitucionalidade (ADI) movida pela Procuradoria Geral da República (PGR), o STF traz à tona em 2017 a questão da confessionalidade. Vejamos como esse tema chaga ao judiciário e suas graves repercussões.

Tudo começa em 2010, quando o então presidente Lula assina o acordo Brasil- Santa Sé, através do Decreto 7107/2010, estabelecendo uma linha de determinações entre o país e a Igreja Católica. O problema está no artigo 11 da concordata, é ela que motiva a ação da PGR e a manifestação de diversos setores da sociedade, ONGs, sindicatos e igrejas em torno da legalidade ou não do ensino confessional. Diz o artigo 11, § 1º do “Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil” (“Acordo Brasil-Santa Sé”), aprovado por meio do Decreto Legislativo nº 698/2009 e promulgado por meio do Decreto nº 7.107/2010 :

Artigo 11. [...]

§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação (BRASIL, 2017, p. 3).

O artigo em questão está em total desacordo com a LDB, pois parte de um ensino confessional (católico ou de outras confissões), e que não coaduna com a ideia de extinguir o proselitismo religioso. A interpretação, de fato, muito acertada da PGR era que:

[...] a única forma de compatibilizar o caráter laico do Estado brasileiro (CF/1988, art. 19, I) com o ensino religioso nas escolas públicas (CF/1988, art. 210, § 1º) consiste na adoção de modelo não- confessional. Nesse modelo, a disciplina deve ter como conteúdo programático a exposição das doutrinas, práticas, história e dimensões sociais das diferentes religiões, incluindo posições não-religiosas, “sem qualquer tomada de partido por parte dos educadores”, e deve ser ministrada por professores regulares da rede pública de ensino, e não por “pessoas vinculadas às igrejas ou confissões religiosas” (BRASIL, 2017, p. 4).

Apesar da clareza presente na exposição da tese por parte da PGR, a maioria dos ministros do STF votou contra a ADI, autorizando, desta forma, o ER confessional. Vale destacar o seguinte trecho da decisão, transcrita pelo Ministro Alexandre de Morais:

4. A singularidade da previsão constitucional de ensino religioso, de matricula facultativa, observado o binômio Laicidade do Estado (CF, art. 19, I)/Consagração da Liberdade religiosa (CF, art. 5o, VI), implica regulamentação integral do cumprimento do preceito constitucional previsto no artigo 210, §1o, autorizando a rede publica o oferecimento, em igualdade de condições (CF, art. 5o, caput), de ensino confessional das diversas crenças.

5. A Constituição Federal garante aos alunos, que expressa e voluntariamente se matriculem, o pleno exercício de seu direito subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas publicas de ensino fundamental, ministrada de acordo com os princípios de sua confissão religiosa e baseada nos dogmas da fé, inconfundível com outros ramos do conhecimento cientifico, como historia, filosofia ou ciência das religiões (BRASIL, 2018c, p. 108).

No entendimento do Supremo, ao garantir não uma religião oficial, mas o direito do professor ou da rede de ensino em expressar suas crenças, a orientação da LDB de vedar o proselitismo estaria salvaguardada. Isso porque, caso houvesse algum constrangimento por parte do aluno, ele poderia simplesmente não efetuar a matrícula na disciplina, como se isso fosse algo comum na realidade escolar.

A respeito dessa decisão, consideramos que o grande equívoco reside na não compreensão da natureza do ER. Se os Ministros tivessem consultado a primeira ou a segunda versão da BNCC, teriam se dado conta que a proposta teórico-metodológica da disciplina não dá margem ao confessionalismo. O ER foi estruturado numa base científica, e não numa perspectiva de fé. O objetivo da disciplina é o estudo do fenômeno religioso e não a divulgação de uma doutrina específica. Estranhamente, a decisão do STF desconsidera o texto da LDB no seu artigo 33 modificado pela redação de 1997, dando a entender que a compreensão dos Ministros se fundamenta em versões anteriores da lei, que garantem o ensino confessional. Em suma, a priori a decisão do STF pode descaracterizar a projeto para a disciplina desenhado na versão definitiva e em vigência da BNCC. Como conciliar uma possibilidade de ensino confessional com uma abordagem teórico-metodológica que pensa a disciplina numa perspectiva laica? As duas propostas são auto excludentes, resta saber se a BNCC irá se impor frente a possibilidade de ensino confessional.

Questões a serem enfrentadas

A conjuntura atual para a educação no Brasil é desafiadora. Vivemos momentos de crise e reviravoltas na política educacional8. E é neste contexto que o ER, agora como área do conhecimento e disciplina com conteúdos próprios, precisa superar sua história de incertezas e polêmicas. Assim, levantamos questões que julgamos urgentes e que, enquanto continuarem abertas, podem comprometer o funcionamento da disciplina. São pontos que devem ser contemplados e esclarecidos com celeridade e que dependem principalmente dos agentes que tocam a política educacional no nosso país. A saber:

  1. a) A decisão do STF pela constitucionalidade do ensino confessional é problemática por pelo menos dois motivos: além de caminhar na contramão do pensamento de éticos, educadores e religiosos hodiernos que defendem a escola como um espaço para fomentar o pluralismo e combater a intolerância religiosa; também traz confusão quanto às possibilidades do próprio ensino confessional, pois, na BNCC, não há margem para essa abordagem;

  2. b) Apesar de sua inclusão na BNCC com conteúdos definidos e obrigatórios, o ER ainda não foi contemplado pelo Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Com essa carência, como garantir que a base mínima será respeitada? As redes de ensino terão a responsabilidade de preencher essa lacuna ou o professor, por conta própria e sem nenhum incentivo adicional, terá também que produzir o seu próprio material didático em consonância com a base?

  3. c) A presença de um professor com capacitação específica para atuar na educação básica, o professor de Ciências da Religião, é imperativa. É preciso, portanto, que a abertura destas licenciaturas seja incentivada. Como as redes de ensino estão atuando para a formação destes cursos? Qual o plano do governo federal (e do Ministério da Educação) para potencializar a oferta desta licenciatura pelas unidades de ensino superior? Como os milhares de docentes que já atuam ministrando aulas de ER serão atualizados com essa formação? A partir de qual momento será exigido como pré- requisito para ocupar a vaga de ER a formação em Ciências da Religião? São perguntas que devem ser refletidas com seriedade, e vale lembrar que esta é uma situação que implica diretamente no cumprimento da meta 15 do Plano Nacional de Educação (PNE).

Considerações finais

A história do Ensino Religioso no Brasil é marcada por conflitos, avanços e retrocessos que, no fundo, exibem a face sempre conspícua da educação, sua dimensão política, seu lugar como espaço de conflitos e, acima de tudo, seu papel como elemento formador de sujeitos. Em uma época em que direito básicos são ameaçados no Brasil, vale aqui uma última reflexão. Qual o lugar da educação nesse cenário?

Se a escola e seus papéis sociais vêm sendo discutidos, desgastados, construídos e disputados, ao longo de nossa história, o que tem sido realmente feito para promover o tão sonhado ideal republicano? Mais do que conteúdos e do currículo em si, há, e sempre houve, uma disputa clara sobre o tipo de sociedade que se deseja construir no Brasil, e que papel caberá à educação e mais precisamente a escola, nesse processo.

Como pudemos ver nesse trabalho, a compreensão acerca do que era de fato uma boa formação intelectual perpassava a formação moral, entendida em grande medida também como uma formação religiosa. Esta, por sua vez, teve sua fundamentação legal modificada ao longo do tempo de acordo com os diversos projetos que estiveram em pauta desde o início de nossa trajetória republicana. Assim, a educação apareceu ao longo do tempo no discurso governamental como um elemento sacralizado e de extrema importância, ao menos em nível teórico. Contudo, apesar de as esperanças de uma nação desenvolvida e civilizada serem depositadas na construção de sujeitos bem educados, pouco se vê de um esforço real para que, efetivamente, seja encontrado um caminho viável para a melhoria da educação brasileira.

Desse modo, vimos, desde a passagem do século XIX para o XX, uma sucessão de reformas educacionais com intelectuais renomados reivindicando uma escola única, laica e aberta para todos, ao mesmo tempo em que percebemos também o esforço dos diferentes governos para promover, em muitos casos, uma instrução para o trabalho, rasteira e moralista. Assim, popularizou-se a famosa tríade fundante da educação no início da república: ler, escrever e contar. Mas onde se escondeu o lugar para o pensamento crítico e o respeito às diferenças?

A cada quatro anos governos são eleitos, e entre novos projetos e frases de efeito, o objetivo é geralmente o mesmo: articular e direcionar um modelo de educação para interesses específicos. Na verdade, isso não é estranho. Aliás, é bastante razoável, já que sabemos ser impossível orientar e educar quem quer que seja de maneira neutra. O problema não é este. A grande questão aqui posta é: o que se pretende com isso? Qual base ideológica se deseja disseminar? A quem se deseja servir com a educação? Quais são os beneficiados por determinados modelos educacionais e a quem eles excluem? Além de serem diversos, tais questionamentos também demandam certo cuidado ao serem discutidos.

Em um país onde bancadas religiosas ajudam a derrubar governos e eleger figuras autoritárias, o que se esperar da escola como instituição formadora? Como promover a construção de programas educacionais que reconheçam e respeitem as diversas manifestações religiosas existentes em nossa cultura? É urgente que nos posicionemos diante dos diversos projetos e disputas pela escola pública, pois defender uma educação que propicia o acolhimento e a empatia pelo outro é lutar também por uma sociedade democrática e plural.

3 Adota-se, aqui, o termo “grupo” sem desconsiderar a heterogeneidade existente no interior da categoria “liberais” ou “católicos”.

4O Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (MESP) foi criado em 1930, ainda no governo provisório de Vargas. A nova secretaria seria comandada por Francisco Luiz da Silva Campos, que permaneceria nesse ministério até 1932. Nesse ínterim, Francisco Campos organizou o estatuto das Universidades brasileiras, decretou a reforma do ensino secundário (Reforma Francisco Campos) e apoiou o retorno, ainda que facultativo, do ensino religioso nas escolas. De confiança de Vargas, Francisco Campos já havia ocupado o cargo de Ministro da Justiça, período em que ajudou a arquitetar a Constituição de 1937. Anos depois em 1964, foi um dos redatores dos Ato institucionais 1 e 2 (AI/AI2). (FGV, 2017).

5 O movimento contava com a participação de intelectuais defensores da causa educacional, como Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Sampaio Dória e Cecília Meirelles. Após a IV Conferência Nacional da Educação, realizada em 1931 no Rio de Janeiro, iniciou-se o processo de elaboração de um documento que reunisse os princípios da chamada escola moderna. Dirigido ao povo e ao governo, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, publicado em 1932, defendia uma reconstrução nacional por intermédio da educação através da construção de uma escola única, gratuita, obrigatória e laica. (FREITAS, 2009).

6 Horta (1994) nos chama a atenção que para entender as questões religiosas na Reforma Francisco Campos, é importante pensar nas relações estabelecidas entre a Igreja, a Educação e a Política mesmo antes da década de 1930. O autor salienta que desde 1889, momento que é instaurada a República no Brasil, a Igreja aceitou o novo regime, de modo gradual. Apesar disso, o clima laicista presente no discurso dos intelectuais que defendiam a pedagogia moderna,, foi o que despertou revolta nos setores católicos do período. Afinal, a Igreja não abriria mão de formar moralmente as elites e esse é um ponto relevante. É fundamental frisar que a educação defendida pela Igreja não era pensada para atender a todos, mas direcionada às elites. O fato é que as disputas travadas entre a Igreja e o Estado, não atingiam a população pobre, uma vez que esta se encontrava distante do sistema escolar. Assim, podemos dizer que a Igreja não estava preocupada necessariamente em abrir escolas para o povo, mas em criar estratégias voltadas para os filhos da classe dominante no Brasil.

7Na ausência de parâmetros curriculares oficiais para o Ensino Religioso, a ONG Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER) passou a ser a referência para as escolas e secretarias de educação elaborando e comercializando os conteúdos para a disciplina. Esses parâmetros não oficiais, e de orientação cristã, passaram a determinar os conteúdos da disciplina quase que oficialmente e influenciaram os objetos de conhecimentos e habilidades presentes na BNCC. Para uma leitura aprofundada do papel do FONAPER na elaboração da BNCC ver o artigo de CUNHA (2016).

8Desde 2016, após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o país tem vivido uma era de cortes em seus serviços básicos, principalmente em saúde e educação graças ao teto de investimentos (EC95). Tal situação desencadeou além da grande perseguição ideológica com a proposição do chamado Escola Sem Partido, o fim de diversos programas do Governo Federal e a fusão de ministérios importantes relacionados aos direitos humanos. Esse contexto tem aberto precedentes para um agravamento no processo de sucateamento da escola pública, principalmente após a eleição de Jair Bolsonaro para o cargo de presidente da República em outubro de 2018, visto a aproximação de seu governo com instituições privadas e a crescente proposta de militarização do ensino público.

Referências

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Recebido: de 2020; Aceito: de 2020; Publicado: de 2020

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