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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.14  Curitiba  2020  Epub 20-Abr-2022

https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.71059 

Artigos

O trabalho do diretor de escola: análise a partir de uma perspectiva histórica

School director’s work: analysis from a historical perspective

El trabajo del director de la escuela: analisis desde una perspectiva historica

Ricardo Alexandre Marangoni1 
http://orcid.org/0000-0002-4080-0673

1Doutor em Educação (UMESP). Diretor de Escola (SEDUC/SP). Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. São Paulo, SP. Brasil. E-mail: ramarangoni@hotmail.com


Resumo

O presente artigo propõe discutir o trabalho do diretor de escola com base nos dados da tese de doutoramento, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo (PPGE/UMESP). Assim, para este recorte, considera-se a pesquisa bibliográfica que retoma os escritos de Carneiro Leão, Ribeiro, Lourenço Filho e Teixeira, na perspectiva clássica, e Arroyo, Félix e Paro, na perspectiva crítica. Das escolas de pensamento mencionadas, foram extraídos e analisados os elementos associados ao trabalho do diretor. Através desta análise foi possível concluir que existem diferentes posições e contradições que permeiam e orientam o trabalho do diretor de escola, exigindo-se dele um posicionamento frente às atuais políticas educacionais.

Palavras-chave: diretor de escola; gestão escolar; política educacional

Abstract

This article proposes to discuss the work of the school director, based on the data of the doctoral thesis, defended in the Postgraduate Program in Education of the Metodista University of São Paulo (PPGE/UMESP). Thus, for this cutout, we consider the bibliographical research that takes up the writings of Carneiro Leão, Ribeiro, Lourenço Filho and Teixeira, from the classical perspective, and Arroyo, Félix and Paro, from the critical perspective. From the schools of thought mentioned, the elements associated with the work of the director were extracted and analyzed. Through this analysis it was possible to conclude that there are different positions and contradictions that permeate and guide the work of the school principal, requiring him to position himself in relation to current educational policies.

Keywords: school principal; school management; educational policy

Resumen

Este artículo propone discutir el trabajo del director de la escuela a partir de datos de la tesis doctoral defendida en el Programa de Posgrado en Educación de la Universidad Metodista de São Paulo (PPGE/UMESP). Así, para este recorte, consideramos la investigación bibliográfica que retoma los escritos de Carneiro Leão, Ribeiro, Lourenço Filho y Teixeira, en la perspectiva clásica, y de Arroyo, Félix y Paro, en la perspectiva crítica. De las escuelas de pensamiento mencionadas, se extrajeron y analizaron los elementos asociados el trabajo del director. A través de esta analisis fue posible concluir que existen diferentes posiciones y contradicciones que impregnan y orientan el trabajo del director de la escuela, requiriéndole que se posicione en relación con las políticas educativas actuales.

Palabras Clave: director de la escuela; gestión de la escuela; política educativa

Considerações Iniciais

O estudo sobre o trabalho do diretor de escola é parte da tese de doutoramento: O nome e seus desafios: representações sociais do diretor/gestor escolar acerca do seu agir profissional, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo (PPGE/UMESP) (MARANGONI, 2017).

A tese defende que valorizar a prática do diretor no contexto de trabalho possibilita compreender as representações sociais (RS) que orientam suas práticas, na mesma medida em que elas orientam mudanças nas RS.

Atualmente, a diversidade e instabilidade do mundo contemporâneo tem colocado novos desafios aos profissionais da educação. Surgem novas demandas relacionadas ao saber e ao saber fazer que, exigem dos docentes e gestores um processo de formação contínua e de reflexão sobre suas práticas. As mudanças que vem ocorrendo por dentro e por fora da escola, exigem dos diretores que trabalhem de modo colaborativo e, realmente, incentivem a participação da comunidade escolar nas tomadas de decisões, por meio do fortalecimento dos órgãos colegiados, como: Associação de Pais e Mestres (APM), Conselho de Escola e Grêmio Estudantil.

Valorizar a prática do diretor de escola é assumir, de antemão, que a escola é um lugar onde é possível aprender a própria profissão, articulando saberes e experiências que corroboram com a formação de suas RS.

É justamente a reflexão teórica sobre o trabalho do diretor que interessa ao presente artigo. Sinteticamente, serão apresentados os principais elementos do pensamento de alguns autores das Escolas Clássica e Crítica da Administração Escolar (AE). Em relação a Escola Clássica, trabalhamos com escritos de Antônio de Arruda Carneiro Leão, José Querino Ribeiro, Manoel Bergström Lourenço Filho e Anísio Spínola Teixeira. Da Escola Crítica, escolhemos Miguel Arroyo, Maria de Fátima Félix e Vitor Henrique Paro.

Os autores discutem a AE em diferentes contextos. Logo, as questões que se colocam são: (1) o que dizem as teorias sobre o trabalho do diretor? (2) qual(is) o(s) atual(is) desafio(s) que se apresenta(m) ao trabalho do diretor? Essas questões revelam- se pertinentes pois, pensar a prática do diretor de escola supõe conhecer e refletir sobre as teorias que orientam seu trabalho.

O trabalho do diretor de escola sob a perspectiva clássica

Os primeiros escritos sobre AE no Brasil reportam-se à década de 1930. Destacam- se as produções de Antônio de Arruda Carneiro Leão, José Querino Ribeiro, Manoel Bergström Lourenço Filho e Anísio Spínola Teixeira.

As produções desses autores inspiram-se nos princípios da Abordagem Clássica da Administração. Ressaltamos que a escolha das obras buscou evidenciar as ideias relacionadas ao trabalho do diretor, e não, a compor os escritos detalhados sobre esse campo do conhecimento.

Da leitura de Carneiro Leão (1939/1953), depreendemos que o diretor, entendido como representante oficial do Estado, deva ser um defensor da política educacional, assumindo o papel de chefe de uma repartição oficial (a escola pública) para implementar as diretrizes políticas da administração governamental, a qual, fora responsável pela sua indicação ao cargo.

Ribeiro (1968) também identifica o dirigente escolar com a função de chefe de uma repartição pública organizada hierarquicamente. Esse autor e Lourenço Filho (1963/2007) caminham na mesma direção, afirmando que o trabalho do administrador escolar se concentra na liderança. Lourenço Filho (1963/2007) afirma ainda que, no desenvolvimento de seu trabalho, o administrador deve considerar a reunião de informações sobre os problemas e as tomadas de decisões para a sua resolução. Para tanto, cabe ao administrador conhecer o empreendimento em que está inserido para, posteriormente, desenvolver a sua ação administrativa, a saber: planejar e programar; dirigir e coordenar; comunicar e inspecionar; e, controlar e pesquisar.

Dessa forma, para Lourenço Filho (1963/2007), o trabalho do administrador escolar contempla as ações apontadas e contribuem para que as equipes escolares alcancem os objetivos esperados e, consequentemente, cumpram o seu papel de: “[...] produzir serviços de desenvolvimento e ajustamento social” (p. 87). Ainda acrescenta, que a função da direção se individualiza, motivo pelo qual, surgiu a partir da década de 1960 uma preocupação com suas características pessoais, uma vez que, a liderança relaciona-se à capacidade do administrador em interpretar o “[...] espírito comum da organização, optando e decidindo no melhor sentido de sua coesão” (p. 78).

Ainda na década de 1960, com o surgimento da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), em diálogo com José Querino Ribeiro, Teixeira (1968) posiciona-se diferentemente das ideias hegemônicas do período, advogando que a administração escolar não poderia se igualar à administração de empresas e conferiu ao administrador escolar à função de mediador, argumentando que “Se alguma vez a função de direção faz-se uma função de serviço e não de mando, êsse é o caso do administrador escolar” (p. 17). Ressaltamos a importância desse posicionamento para os estudos da época, sobretudo ao concordamos com Teixeira (1968) no que tange a função mediadora do administrador escolar e, esforçamo-nos, ainda hoje, em repelir a ideia de um diretor escolar que seja mero gestor/gerente ao estilo da empresa mercantil/corporativa. Porém, essa discussão avançou na perspectiva da liderança (do diretor), pois, pareceu melhor atender ao contexto da ditadura militar e, ainda, do contexto pós-ditadura.

Passados anos, Alonso (1976) discorre sobre a organização escolar sob o enfoque da Teoria Geral dos Sistemas (TGS), indicando que a AE tinha como função o ajustamento dos fatores internos e externos do sistema escolar, para que houvesse a manutenção do equilíbrio. A sua análise, considerando a TGS e as contribuições da Psicologia, levou a autora a afirmar que a direção é parte do processo administrativo e “[...] representa um ponto muito importante uma vez que dela depende o funcionamento da engrenagem administrativa prevista nas fases anteriores do processo, dela dependendo, portanto, o funcionamento da empresa” (p. 131).

A referida autora, também afirma que o diretor é responsável por assegurar a unidade e a implantação do programa institucional. Atribui a ele, a responsabilidade pela liderança do corpo docente, pelo entusiasmo ao progresso do ensino e pelo estímulo ao trabalho da equipe.

Ainda sugere, que o diretor se junte aos vários especialistas para favorecer o trabalho em equipe e desenvolver novos projetos, além de identificar os problemas do sistema e de propor formas de resolução. Para a autora, compete ao administrador influenciar os vários níveis da organização escolar, influenciar a tomada de decisões e justificar perante os órgãos superiores suas proposições, trazendo informações para que sejam analisadas, contextualizadas e aplicadas em consonância com os seus colaboradores (ALONSO, 1976).

Portanto, a função do administrador escolar “[...] não é mais uma função logística, isto é, de mobilização de recursos, mas sim uma função estratégica, ou seja, de condicionador de reações daqueles que serão afetados por certos objetivos e ações” (ALONSO, 1976, p. 154).

Nessa perspectiva, as décadas de 1960 e 1970 foram marcadas por múltiplas abordagens, das quais destacamos aquelas que equiparavam a escola à empresa e o administrador escolar ao administrador de empresas. Foi no fim da década de 1970 e início dos anos 1980, que ocorreu a crítica à construção teórica anterior e os estudos da área deram uma guinada para outra direção.

O trabalho do diretor de escola sob a perspectiva crítica

Consideramos os estudos de Arroyo (1979), Félix (1984) e Paro (1986), como impulsionadores desse período, por focalizar, entre outros aspectos, a AE como possibilidade de transformação social.

Arroyo (1979) trata das relações políticas que cercam a administração da educação. Segundo o autor, a importação do modelo de administração da empresa à administração da educação origina problemas a própria educação e, retiram a responsabilidade da macroestrutura pelo mau funcionamento dos sistemas de ensino. Afirma que esta lógica é absolutamente política concluindo que, “a insistência em apresentar a racionalidade administrativa como necessidade ‘natural’ ao bom funcionamento das instituições oculta a dimensão política de todo processo administrativo” (p. 39).

Em relação ao papel do dirigente escolar, Arroyo (1979) discorre sobre a superação da pretensa neutralidade que envolve o seu trabalho. A sua preocupação é a de que os dirigentes concentrem-se na escola por dentro e por fora, e, isto está explícito quando sugere que os cursos se orientem pela formação do “educador-docente, administrador, orientador... capaz de um fazer pensado, crítico, atento ao modelo de um homem a ser educado e às relações entre a escola e a sociedade”, levando a administração da educação “a recuperar seu sentido social” (ARROYO, 1979, p. 46).

O trabalho de Félix (1984) soma-se ao “movimento crítico, mediante uma análise da Administração Escolar, explicitando as relações que se estabelecem entre o sistema escolar e a evolução do capitalismo” (p. 12). Suas análises cotejam a AE enquanto operacionalização da política educacional e as relações entre esta política e o Estado. A autora ressalta que a AE tem um papel de garantir ao Estado o controle sobre a educação, o que permitiria adequá-la ao seu projeto de desenvolvimento econômico e também avaliá-la numa perspectiva da produtividade.

A autora afirma ainda que a “Administração Escolar não construiu um corpo técnico próprio e no seu conteúdo podem ser identificadas as diferentes escolas da Administração de Empresa o que significa uma aplicação dessas teorias a uma atividade específica, neste caso, a educação” (FÉLIX, 1984, p. 71). Ela expõe os escritos de Alonso (1976) e Ribeiro (1968), para os quais a AE é uma especialidade da administração geral, para confirmar esta tese.

Félix (1984) conclui que a AE praticada tem por função adequar a escola e o sistema de ensino ao modelo capitalista, por meio do controle do Estado. Lembrando Snyders, afirma que “a escola não é apenas a agência ‘reprodutora’ das relações sociais, mas o espaço em que se reproduz o movimento contraditório da sociedade que gera os elementos da sua própria transformação” (FÉLIX, 1984, p. 193). Dessa forma, vê na escola potencialidades para a superação dessa situação. Nossa inferência sobre seus escritos indica que o diretor de escola, entendido como um articulador/mediador, deve unir-se à comunidade escolar para a realização de um movimento contra hegemônico.

Analisando o processo de produção pedagógica, Paro (1986) destaca três aspectos: o educando, o saber e o produto da educação. Nesse sentido, defende que o produto não pode ser separado de sua produção e, por sua vez, o saber não pode ser expropriado do processo de produção do educando e do educador. A diferença entre a empresa e a escola reside no processo de produção, enquanto na empresa, os operários produzem a mercadoria, por meio de uma divisão do trabalho, sem compreender o conhecimento que o envolve, na escola, o produto da educação permanece para além da sua produção, não sendo possível quantificar o conhecimento que se produz subjetivamente. O autor (2012) aprofunda a discussão sobre a natureza do processo pedagógico, ratificando a conclusão de Saviani de que, “[...] em virtude da natureza própria do fenômeno educativo, o modo de produção capitalista não pode aplicar-se de forma plena” (p. 184). Em nota, o autor faz o comentário: “observe-se que concordo aqui com a justeza da conclusão, não do raciocínio que leva a ela, que será, na sequência questionado” (p. 184). Salientamos que essa questão exige uma análise mais cuidadosa, que por ora, deixamos de fazer. Apenas desejamos ressaltar que, em uma sociedade dominada pelo capital, as regras capitalistas tendem a se propagar e no caso da escola, devemos realizar um trabalho com foco no processo e não no produto, que não permita a sua conversão em uma autêntica unidade de produção capitalista.

Do mesmo modo que Arroyo (1979) e Paro (1986), concebemos que a AE deva ser pensada sob outros enfoques que privilegiem a democratização da sociedade e por uma administração que possibilite novas formas de trabalho priorizando a coletividade. Os autores citados parecem indicar que ao trabalho do diretor, reserva-se: mobilizar o grupo na luta pela democratização; mobilizar o grupo para o exercício de um trabalho coletivo; politizar a função, em detrimento do que ocorreu nas décadas anteriores, quando se valorizou a técnica.

Apesar de o avanço teórico da área de políticas e gestão da educação, a escola pública pouco desenvolveu-se na direção da democratização. Os programas de governo voltados para a educação, continuam posicionando o diretor como um gerente ou um gestor, controlador e avaliador da gestão escolar. Essa definição nos lembrou, a velha concepção taylorista gerencial presente no período anterior.

Embora em 1970 e 1980, existam alguns estudos na área que iniciam um movimento de rompimento com o paradigma empresarial, é a partir dos anos 1990, que identificamos claramente a coexistência de diferentes enfoques sobre a AE e da função do diretor.

O trabalho do diretor de escola sob a coexistência de diferentes perspectivas

Inicialmente, tomaremos as ideias de Paulo Freire e de Guiomar Namo de Mello, por expressarem bem essas diferentes perspectivas.

Nos escritos de Freire (1991), fica evidente a defesa da escola popular e democrática. Propôs uma educação que provocasse a consciência para transformação social. Uma de suas contribuições foi a implantação do Conselho de Escola. Em sua concepção, para que funcionasse, seria importante a implementação da lei e o favorecimento de condições para seu desenvolvimento. Assim, acreditava que a gestão democrática teria mais vigor e encontraria mais espaço para se manifestar.

Embasado no pensamento freireano, Lima (2007) realiza alguns apontamentos sobre o diretor de escola. Reconhecendo que a administração, isoladamente, não pode solucionar todos os problemas da educação, a autora, assim como outros pesquisadores, salienta que ela pode ajudar na democratização da sociedade. Lima (2007, p. 53), então, sugere que o “[...] diretor da unidade escolar, exercendo uma liderança democrática e criativa, seja capaz de promover a diferença, transformando a escola em um ambiente sério, porém, alegre, prazeroso, bonito e saudável”. Visto que, na obra de Freire (1991), os aspectos relacionados à liderança não são contemplados, discordamos da autora e, posicionamo-nos pela função mediadora do diretor, no sentido de fortalecer o projeto democrático, por meio da participação e do diálogo de todos nos órgãos colegiados. De acordo com a temática abordada pela equipe escolar, a mediação em uma assembleia, por exemplo, poderá ficar a cargo de outros envolvidos, por meio do rodízio e elegendo-se aquele que apresenta melhores condições. A liderança conferida ao diretor, apesar de não romper com uma relação de poder verticalizada, demanda de uma nova significação que desmonte a lógica entre líder e liderados, de viés neoliberal. Entendemos ser necessário, o diretor desenvolver a mediação, algo que se assemelha a uma liderança compartilhada. Por ora, adiaremos essa discussão, por reconhecer que a questão da liderança do diretor escolar, exigirá um aprofundamento teórico de maior envergadura.

Diferentemente de Freire (1991), Mello (1993) aponta para a qualificação da educação como maneira de inserir o país na competição internacional. Em especial, discorre sobre a necessidade de investimento na gestão escolar e sugere que a divisão do trabalho seja pautada por um plano de desenvolvimento, a ser cumprido e avaliado continuamente, uma espécie de prestação de contas, “[...] baseada tanto na auto-avaliação institucional como na avaliação da aprendizagem dos alunos, aferida por um sistema externo à escola” (MELLO, 1993, p. 100). Logo, sobre o diretor a autora defende:

[...] seu treinamento para exercer uma liderança democrática e responsável, sua autoconfiança e conhecimentos técnicos, vão constituir o melhor ponto de partida. Estrategicamente, é pela função do diretor que será mais provável ter sucesso para induzir a escola como um todo a engajar-se num processo de construção de identidade institucional que resulte num projeto de trabalho compartilhado (Ibid., p. 97).

Outro aspecto que também pode ser apontado, é que Mello (1993) fundamenta-se nas reformas educacionais internacionais e alia-se com a perspectiva empresarial. Nesse sentido, a sua abordagem apresenta contradições, pois, ora identificamos conceitos empresariais como liderança, ora identificamos conceitos como gestão democrática, participação, autonomia da escola que, contrapõem-se ao enfoque empresarial. Isso indica que, a abordagem de gestão escolar, nesse período, conecta-se ao contexto das políticas neoliberais. Declaramos não compartilhar dessa abordagem e, a julgamos como sendo um retrocesso à educação escolar, porém, reconhecemos a importância de sua discussão para compreendermos o trabalho do diretor no atual contexto escolar. As contradições que permeiam a prática do diretor de escola são discutidas por Paro (2005):

O que nós temos hoje é um sistema hierárquico que pretensamente coloca todo o poder nas mãos do diretor. Não é possível falar das estratégias para se transformar o sistema de autoridade no interior da escola, em direção a uma efetiva participação de seus diversos setores, sem levar em conta a dupla contradição que vive o diretor da escola hoje. Esse diretor, por um lado, é considerado a autoridade máxima no interior da escola, e isso, pretensamente, lhe daria um grande poder e autonomia; mas, por outro lado, ele acaba se constituindo, de fato, em virtude de sua condição de responsável último pelo cumprimento da Lei e da Ordem na escola, em mero preposto do Estado. Esta é a primeira contradição. A segunda advém do fato de que, por um lado, ele deve deter uma competência técnica e um conhecimento dos princípios e métodos necessários a uma moderna e adequada administração dos recursos da escola, mas, por outro lado, sua falta de autonomia em relação aos escalões superiores e a precariedade das condições concretas em que se desenvolvem as atividades no interior da escola tornam uma quimera a utilização dos belos métodos e técnicas adquiridas [...] (Ibid., p. 11).

No que concerne às contradições, Paro (2005), chama a nossa atenção, entre outros aspectos, para o fato de que precisamos conceber a direção escolar para além da forma usual de concentrá-la nas mãos do diretor. Como dito, essa função é o de representante do Estado na escola e, desta se espera o cumprimento de atribuições previstas na legislação. Sabemos que o Estado não oferece condições satisfatórias, mas insiste numa hierarquização onde nos parece ser mais fácil de exercer o controle e a pressão. Pressionar o diretor com diversos instrumentos burocráticos parece ser mais plausível do que atingir o coletivo de uma instituição. Também destaca a competência técnica, que nem sempre é garantida na sua formação.

Lück (2000), discorrendo sobre a função do diretor, aponta para a necessidade de superação do modelo hegemônico de AE pautado na figura do “[...] diretor tutelado dos órgãos centrais, sem voz própria, em seu estabelecimento de ensino, para determinar os seus destinos e, em consequência, desresponsabilizado dos resultados de suas ações e respectivos resultados” (p.13).

A autora, também encaminha uma discussão a respeito da mudança dos termos, de AE para gestão escolar, que, segundo ela, traz consigo:

[...] uma fundamental alteração de atitude e orientação conceitual. Portanto, sua prática é promotora de transformações de relações de poder, de práticas e da organização escolar em si, e não de inovações, como costumava acontecer com a administração científica (LÜCK, 2000, p. 15).

Por meio da proposição da organização da escola, amparada numa gestão democrática e participativa, Lück (2000) indica que o diretor é essencial, dado que a “[...] busca permanente pela qualidade e melhoria contínua da educação passa, pois, pela definição de padrões de desempenho e competências de diretores escolares, dentre outros, de modo a nortear e orientar o seu desenvolvimento” (p. 12). De acordo com Lück (2000, p. 14), abrem-se duas óticas que definem as competências dos diretores: “[...] a da função/profissão em si e a da pessoa a exercê-la”. Aquelas voltadas à função/profissão relacionam-se a um “[...] conjunto sistêmico de padrões mínimos necessários para o bom desempenho das responsabilidades que caracterizam determinado tipo de atividade profissional”. Já, aquelas voltadas à pessoa, estão vinculadas à capacidade de “[...] executar uma ação específica ou dar conta de uma responsabilidade específica”. Dessa forma, a autora defende que o êxito da instituição se liga a essas competências, referindo-se elas a “[...] conhecimentos, habilidades e atitudes referentes ao objeto de ação”.

Para a autora (2009) é primordial a definição das competências, tornando-se mais fácil a avaliação dos profissionais da educação para a realização de aprimoramentos que possibilitem a eficiência das práticas. Nesta perspectiva, cabe ao diretor: a responsabilidade pelo funcionamento da escola, a liderança da comunidade escolar, a adoção da gestão democrática e a busca por resultados.

Novamente, o que apreendemos da análise desta concepção são as contradições, um discurso que se articula ao enfoque empresarial. No que tange ao trabalho do diretor, Lück (2009) destaca a necessidade de definição de competências para os diretores e, a sua responsabilização pelo funcionamento da escola. Obviamente, entramos em conflito e divergimos das ideias da autora, pois, em nossa perspectiva a direção escolar precisa ser democrática no sentido pleno desse conceito, levando-se em conta a singularidade da escola de forma a contemplar os interesses da comunidade escolar. Reivindicamos maior autonomia para as escolas públicas.

Os anos 2000 foram marcados por uma vasta produção acadêmica, em que diversos autores relacionam as conquistas legais e as leituras da realidade para indicar caminhos para a escola pública (MARTINS, 2011). Neste sentido, constatamos uma predominância de estudos que relacionam a função do diretor ao coletivo da organização escolar, a tomada de decisão participativa, a autonomia da escola e a articulação comunidade-escola.

Particularmente, os estudos sobre a organização escolar discutida por Lima (2011) nos chamam a atenção, uma vez que, ao discorrer sobre a temática, o autor entende a organização escolar como objeto de estudo sociológico e defende a AE descentralizada, privilegiando a participação democrática e a tomada de decisões de forma autônoma.

No entanto, a escola precisa ser considerada nos contextos micro e macrossocial e, não apenas como reprodutora ou como adequação às normas impostas. A instituição precisa ser revista para que assuma uma estrutura organizacional que lhe conceda autonomia. Lima (2011) afirma que,

[...] uma visão do tipo antropomórfico e coisificado pode simplesmente resultar em imagens de subordinação total da escola perante a imposição político-normativa levada a cabo pelo Estado e pelas instâncias globais de controle, transformando-a num campo de reprodução, condenando os atores escolares, despojando-os das suas margens de autonomia e das suas capacidades estratégicas (Ibid., p. 10).

A citação acima nos parece indicar o que tem ocorrido com a maior parte das escolas públicas (e destacamos as da Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo), principalmente no que tange a subordinação da escola perante as imposições político- normativas.

Paro (2011), com uma argumentação contundente, discorre sobre a proposta de colegiado diretivo ou de direção colegiada. Salienta o autor que não se trata de uma gestão colegiada, que se baseia na divisão de tarefas entre diretor, vice-diretor, professor coordenador pedagógico etc. ou da presença de um conselho de escola deliberativo. Embora consideremos como uma espécie de gestão colegiada, o colegiado diretivo apresentado pelo autor parece-nos uma proposta interessante.

Desse ponto de vista, Paro (2011) aponta que,

[...] uma das maiores dificuldades encontradas pelos conselhos escolares para promoverem a democratização da escola tem sido precisamente o fato de que, por mais deliberativo que seja, ele nunca é diretivo, cabendo essa incumbência ao diretor escolar que, como responsável último pela instituição, se vê obrigado a atender, em primeiro lugar, os interesses do Estado. Quando as deliberações do conselho de escola conflitam com determinações dos escalões superiores do sistema é a estes que o diretor se vê compelido a atender. A estrutura administrativa da escola está disposta de tal maneira que o diretor é sempre considerado o representante do Estado na unidade (Ibid., p. 61).

Essa posição, da qual podemos encaixar a Secretaria da Educação Estado de São Paulo (SEDUC/SP), ignora o caráter político da função do diretor e torna-o frágil, porque é a ele que o Estado solicita prestação de contas sobre o funcionamento da escola. Ao fazer essas considerações, parece-nos indicado investir, em outro momento, no aprofundamento da reflexão sobre a proposta do colegiado diretivo. Também salientamos que a concepção de gestão como ato político vincula-se à técnica e, a finalidade pedagógica de sua ação deve ser incentivada.

Ao olhar para o contexto econômico em que se dão os movimentos de mudança no campo da AE, podemos identificar, paralelamente, mudanças no mundo do trabalho que implicam na reorganização do trabalho escolar. Tendo em vista que a educação, está circunscrita nesse movimento, compreender os desdobramentos das mudanças político- econômicas torna-se condição essencial para entender os motivos e interesses que se relacionam as inovações na educação.

O projeto neoliberal de sociedade, quando implantado, trouxe impasses para o Brasil. Segundo Dagnino (2004), vivemos um momento perverso de confluência entre o projeto neoliberal e o projeto democrático. A perversidade decorre do fato de que ambos, embora apontando para direções diferentes, requerem uma sociedade ativa:

A disputa política entre projetos políticos distintos assume então o caráter de uma disputa de significados para referências aparentemente comuns: participação, sociedade civil, cidadania, democracia. Nessa disputa, onde os deslizamentos semânticos, os deslocamentos de sentido, são as armas principais, o terreno da prática política se constitui num terreno minado, onde qualquer passo em falso nos leva ao campo adversário. Aí a perversidade e o dilema que ela coloca, instaurando uma tensão que atravessa hoje a dinâmica do avanço democrático no Brasil (DAGNINO, 2004, p. 97).

A autora, ao discorrer sobre essa questão, aponta para a confluência de dois projetos: o de gestão democrática e o de gestão gerencial, oriundos dos projetos democrático e neoliberal de sociedade, respectivamente. Recentemente, observamos um avanço do projeto neoliberal no país, dificultando o avanço do exercício democrático.

Estamos longe de esgotar as reflexões frente as mudanças no campo da AE, porém, essa investida se faz necessária para entender que se abriu um espaço para a constituição de novos ensaios da política-econômica capitalista frente aos seus interesses. No que tange ao trabalho do diretor de escola, este se vê diante de contradições que o obriga a tomada de decisões e de partido.

Estas considerações vêm indicando que, as demandas oriundas da reestruturação capitalista, que trazem em seu bojo novas demandas educacionais não estão poupando a gestão da escola e o gestor. Em nosso entendimento essas mudanças vêm provocando um movimento de aproximação da gestão da escola pública aos critérios da economia privada. Posicionamo-nos em defesa da democracia, da escola pública e de um diretor de escola, que articule o coletivo na resistência de políticas educacionais neoliberais.

Considerações Finais

Neste artigo discutimos de maneira sintética sobre o trabalho do diretor de escola. Na perspectiva clássica, o seu trabalho concentra-se na liderança e na responsabilidade da implementação das políticas educacionais. As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas por múltiplas abordagens, das quais destacamos aquelas que equiparavam a escola à empresa, e o administrador escolar ao administrador de empresas. A dimensão técnica foi muito enfatizada em seu trabalho.

No momento seguinte, denominado de perspectiva crítica, os autores discorreram sobre a AE como possibilidade de transformação social. Eles indicaram que o trabalho do diretor, reserva-se em mobilizar o grupo na luta pela democratização; mobilizar o grupo para o exercício de um trabalho coletivo; politizar a função, em detrimento do que ocorreu nas décadas anteriores, quando se valorizou a técnica. Embora em 1970 e 1980, existam alguns estudos na área que iniciam um movimento de rompimento com o paradigma empresarial, é a partir dos anos 1990, que identificamos claramente a coexistência de diferentes enfoques sobre a AE e da função do diretor.

A partir de 1990, o trabalho do diretor de escola sofre a influência das perspectivas democrática e gerencialista. Na primeira, deve haver o esforço na constituição de espaços que potencializem o diálogo e fortaleça o coletivo para tomadas de decisões; assume-se a função de mediador. Já na segunda, o dirigente escolar é aquele que dispõe da competência técnica e exerce o papel de líder, em que seu trabalho enfatiza à articulação de parcerias e à participação fiscalizadora da comunidade escolar, e dessa forma, o trabalho assenta-se em contradições que tem corroborado com o desenvolvimento do projeto neoliberal.

Este debate é oportuno nos tempos atuais, uma vez que, precisamos avançar mais na direção do projeto democrático. Nosso entendimento, indica que o diretor de escola deve assumir uma posição política que articule o coletivo na resistência de políticas educacionais neoliberais.

Referências

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Recebido: Janeiro de 2020; Aceito: Fevereiro de 2020; Publicado: Abril de 2020

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