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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.14  Curitiba  2020  Epub 20-Abr-2022

https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.71065 

Artigos

Bolsa Família e desigualdades educacionais: alcance e limites do Programa à luz do marco legal

Bolsa Família Program and educational inequalities: scope and limits of the Program in light of the legal framework

Bolsa Família y desigualdades educativas: alcance y límites del Programa a la luz del marco legal

Zara Figueiredo Tripodi1 
http://orcid.org/0000-0002-7917-4112

Tatiana Padilha Oliveira2 
http://orcid.org/0000-0002-9044-7652

1Doutorado em Políticas Públicas de Educação (USP) com período sanduíche na University of Bristol. Realizou Pós Doutorado no Centro de Estudos da Metrópole, no departamento de ciência política da USP/CEBRAP (2015) Possui graduação em letras. Professora do Departamento de Educação da UFOP, onde atua no campo das políticas públicas de educação e do Programa de Pós Graduação da mesma Universidade. Ouro Preto, MG. Brasil. E-mail: zarafigueiredo@ufop.edu.br

2Possui graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2013) e graduação em Pedagogia pela Faculdade de Pinhais (2011). Realizou Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdades Social. É professora de Educação Infantil, atualmente atua como Coordenadora da Educação Infantil na Rede Municipal de Palmeira (PR). Palmeira, PR. Brasil. E-mail: tatyf30@hotmail.com


Resumo

Examinam-se possíveis alcances e limites do Programa Bolsa Família na redução das desigualdades educacionais, à luz do seu marco legal. Utilizou-se abordagem qualitativa e, enquanto procedimento, pesquisa documental. Do ponto de vista teórico, o trabalho valeu-se de uma literatura voltada à discussão das desigualdades e do direito à educação. Os achados de pesquisa permitem concluir que um dos alcances do PBF foi resguardar o beneficiário de possíveis punições, em caso de descumprimento da condicionalidade educacional. Já os limites encontrados referem-se ao baixo potencial da obrigatoriedade de matrícula se reverberar em redução de desigualdades educacionais, devido a frágil articulação da educação a outras políticas e entre diferentes setores.

Palavras-chave: Política educacional; Desigualdades; Bolsa-Família

Abstract

The aim was to examine possible scope and limits of the Bolsa Família Program in reducing educational inequalities, in light of its legal framework. Qualitative approach and documentary research were used as a procedure. As a theoretical tool, the work was based on a literature focused on the discussion of inequalities and the right to education. The research findings allow to conclude that one of the scope of the PBF was to protect the beneficiary from possible punishment, in case of noncompliance with educational conditionality. Already found the limits refer to the low potential of compulsory registration to reverberate in reducing educational inequalities due to fragile articulation of education and other policies across sectors.

Keywords: Educational policy; Inequalities; Bolsa Família Program

Resumen

Se buscó examinar posibles alcances y límites del Programa Bolsa Familia en la reducción de las desigualdades educativas, a la luz de su marco legal. Se utilizó un enfoque cualitativo e investigación documental, como procedimiento. En cuanto recorrido teórico, el trabajo se valió de una literatura orientada a la discusión de las desigualdades y del derecho a la educación. Los hallazgos de investigación

Palabras Clave: Política educativa; Desigualdades; Programa Bolsa Familia

Introdução

A questão das desigualdades, nos seus diferentes matizes, tem assumido grande centralidade no debate acadêmico recente, além de ocupar considerável parte da retórica política, bem como do conteúdo programático de partidos situados, tanto à esquerda, quanto à direita do espectro político brasileiro.

A literatura que vem se dedicando ao tema tem enfatizado que o fenômeno da desigualdade pode ser investigado a partir de várias dimensões como renda, acesso a serviços básicos tais como rede de esgoto, luz, água, ou, ainda educação, saúde, além de variáveis clássicas como raça e gênero. Independente de que ênfase se pretenda dar à análise, uma importante chave interpretativa, no caso do Brasil, é a constituição do Estado de Bem-Estar Social brasileiro ou Welfare State, entendido como a mobilização desse Estado com o intuito de modificar o jogo das forças do mercado, garantindo aos indivíduos, uma renda mínima independente do valor de mercado do seu trabalho, restringindo o arco de insegurança das famílias diante do desemprego, da velhice e, principalmente garantindo a todos os cidadãos a oferta de uma gama reconhecida de serviços sociais. Portanto, entende-se, com Draibe (1991), por Welfare State, no âmbito do estado capitalista, “uma particular forma de regulação social que se expressa pela transformação das relações entre o Estado e a economia, entre o Estado e a Sociedade, a um dado momento do desenvolvimento econômico” (DRAIBE, 1991, p.19).

No caso brasileiro, um aspecto que não pode ser negligenciado, quanto se discute políticas públicas e sua relação com as desigualdades, é que o primeiro conjunto de transformações, na perspectiva da regulação social, tem com marco temporal os anos de 1930, marcado pelo regime autoritário. O desdobramento desta relação entre autoritarismo e produção de política social pode ser respondido em termos da própria qualidade da política, assim como de sua ancoragem democrática. Com isso se quer dizer que o nascimento dos direitos sociais se dá em um contexto de supressão do direito político, numa clara inversão da pirâmide estabelecida em outros contextos que traz na sua base a garantia dos direitos civis, que, por sua vez, leva ao alcance dos políticos e que, por fim, desemboca nos direitos sociais (CARVALHO, 2002). Arretche (2015), ao examinar o caso brasileiro, afirma que a redução das desigualdades nos últimos 50 anos combinou a adoção de diferentes políticas, que, embora com trajetórias independentes, convergiram para determinado alvo, atuando, assim, sobre essas desigualdades. É, pois, nesta direção que se encaminha o presente artigo, na medida exata em que se busca examinar o alcance e os limites do Programa Bolsa Família-PBF na redução de desigualdades educacionais, entendida, no âmbito da pesquisa que deu origem ao trabalho ora apresentado, como a permanência do aluno na escola. Tomando, portanto, uma das condicionalidades do Programa, que a obrigatoriedade de frequência do aluno beneficiário, como variável independente, parte-se da hipótese, já discutida na literatura, de que a articulação de políticas públicas tem efeito sobre a redução de desigualdades. No caso em tela, a tessitura de ações conjuntas se dá entre a o Ministério da Educação, da Saúde e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, responsável pela implementação do PBF.

Percurso Metodológico

O trabalho é resultado de investigação científica financiada pelo governo federal e possui, enquanto desenho de pesquisa, uma abordagem qualitativa, sendo considerada uma pesquisa básica, de acordo com sua natureza. Quanto aos seus procedimentos, o trabalho é caracterizado como uma pesquisa documental, haja vista que seu corpus de análise é formado por textos legais que estruturam e normatizam o PBF e suas relações com a educação, bem como os decretos que o regulamentam. Os dados extraídos da análise documental foram tratados à luz da análise de conteúdo. (BARDIN, 2009). De modo a testar a hipótese de trabalho de que a articulação de políticas de educação com outros setores como saúde e assistência social, materializada no PBF, teria potencial de reduzir as desigualdades educacionais, expressas pela permanência de alunos na escola, a pesquisa examinou, dialeticamente, as disposições apresentadas pelo marco legal, assim como suas omissões. Nesta perspectiva, o instrumental teórico-analítico utilizado foi composto por trabalhos que têm como foco a discussão das desigualdades, assim como aqueles que discutem o direito à educação no Brasil. (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2005; KERSTENETZKY, 2006; ARRETCHE, 2015).

Das desigualdades

Se, por um lado, a sociedade brasileira tem convivido, historicamente, com indicadores preocupantes de desigualdades, por outro, só mais recentemente, no caso brasileiro, esse fenômeno passou a ser objeto de atenção mais detida dos analistas em políticas educacionais, no âmbito acadêmico.

Ao tratar dos “campos de extermínio da desigualdade”, Therborn (2010) afirma que ela pode ser produzida, basicamente, seguindo a seguinte ordem: num primeiro plano há o distanciamento entre algumas pessoas que estão correndo à frente e outros que acabam ficando para trás. Em seguida, criam-se mecanismos de exclusão, por meio dos quais uma barreira é erguida, tornando impossível, ou pelo menos mais difícil, indivíduos em certas condições alcançarem uma vida melhor. Neste cenário, o passo seguinte consiste na estruturação de uma sociedade em formato de escadas, com pessoas situadas em patamares muito díspares, levando-se à exploração, por meio da qual as riquezas derivam do trabalho árduo e da dominação.

Atenta ao caso brasileiro, a publicação de “Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos” (2015) traz evidências de que, em meio século, houve uma redução significativa das desigualdades em suas múltiplas dimensões e contextos, ao contrário do que se verificou em outros países do mundo, mesmo naqueles cujos níveis de desigualdade sempre foram baixos, contrariando, portanto, as previsões de analistas e tendências históricas. Arretche (2015) argumenta que ao longo desse meio século, o país apresentou configurações econômicas e políticas muito distintas: transição rural-urbana, industrialização, crescimento econômico acelerado e retração econômica, inflação e estabilidade monetária autoritarismo e democracia. Assim, em cinco décadas, um país rural, de uma realidade empobrecida distribuída quase homogeneamente em seu território, em que apenas 20% dos jovens com até 15 anos estudavam até quatro anos, tornou-se um Brasil urbano, de acesso quase universal ao ensino fundamental e com onze anos a mais de expectativa de vida média.

Outros trabalhos como os de Kerstenetzky (2006) também já apontavam para uma redução das desigualdades, em perspectiva comparada, quando considerado o tempo que outros países levaram para consolidar seus welfare states, como nos casos da França, Noruega, Estados Unidos, Países Baixos, Reino Unido e Suécia. Segundo Kerstenetzky, “depois de oscilar por décadas em torno de um coeficiente de Gini de 0,60, a desigualdade na distribuição pessoal da renda no Brasil vem cedendo de modo inequívoco ao longo dos últimos seis anos (2001- 2006), alcançando em 2006 um Gini de 0,56, o que representa uma variação negativa de cerca de 6%”. (KERSTENETZKY, 2006, p. 56) A autora ainda aponta como fatores explicativos dessa queda da desigualdade, a combinação de expansão do mercado formal de trabalho com os reajustes do salário mínimo e, ainda, programas sociais, especialmente o Bolsa Família.

Das desigualdades educacionais

Do ponto de vista educacional, o Brasil também é marcado, historicamente, por desigualdades bastante significativas e que se expressaram, ao longo dos anos, por meio de diferenças no acesso à escola, nas altas taxas de evasão e reprovação escolar e, ainda, pela desigualdade de resultados de conhecimentos adquiridos. (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2005). Isso sem contar nas desigualdades de gênero, raça, etnia, quando correlacionados a indicadores de sucesso escolar.

Em relação à desigualdade de acesso, entendida como a taxa de ingresso à escola por parte de grupos diferentes, os dados mostram um relativo equacionamento do problema, haja vista que o ensino fundamental encontra-se praticamente universalizado, com 97,8% de atendimento, embora o ensino médio ainda apresente um forte gargalo na área educacional, já que o percentual de alunos que estão cursando essa etapa, na idade de 15 a 17 anos, alcançou 70%. Tomando o crescimento de matrículas, neste estrato educacional, no mesmo ritmo daquele que vem se mostrando de 2004 a 2017, projeta-se que, em 2024, o percentual de matrículas chegará a 81%, abaixo, portanto, da meta estipulada pelo Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei n˚ 13.005/2014. (INEP, 2018).

Fonte: Relatório do 2o Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação/INEP, 2018

Gráfico 1 Percentual da população de 6 a 14 anos que frequentava ou que ja tinha concluído o ensino fundamental – Brasil – 2004-2017 

Quando se examinam os dados de acesso, desagregados por renda familiar per capita, fica bastante claro que a redução das desigualdades educacionais, neste âmbito, foi exitosa, pois mesmo entre os 25% mais pobres o índice é bastante promissor, alcançando 96,7%, como se observa pelo gráfico 2, ainda que desejável fosse a universalização, de fato. Obviamente que vários fatores normativos e institucionais contribuíram para que a melhoria desses índices. A obrigatoriedade da frequência escolar em certas etapas do ensino e sua posterior ampliação, a vinculação entre matrícula escolar e acesso a programas sociais e a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, que substituiu o FUNDEF, podem ser considerados como fatores que contribuíram para que esta dimensão da desigualdade educacional tenha sido equacionada, pelo menos no ensino fundamental.

Fonte: Relatório do 2o Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação/INEP, 2018

Gráfico 2 Percentual da população de 6 a 14 anos que frequentava ou que já tinha concluído o ensino fundamental, por renda domiciliar per capita – Brasil – 2004-2015 

Embora a situação do ensino médio, cujos indicadores de acesso permanecem estagnados, é preciso reconhecer que a dimensão de acesso à educação básica é tributária de espaços públicos de regulações estatal, por meio de programas desenhados tanto pela instância federal, quanto pela local.

Equacionada a questão do acesso, na sua maior parte, o grande desafio passou a ser a permanência do aluno na escola, também garantida pela Constituição de 1988, no seu art. 206. Assim sendo, houve um deslocamento da desigualdade de acesso para a de fluxo, como já observaram Oliveira e Araújo (2005) ao tratarem do direito ao padrão de qualidade em educação. Os alunos entravam na escola, porém não conseguiam concluir as etapas dentro do sistema educacional; em algumas situações o alto número de reprovações levava ao fracasso escolar e, consequentemente, ao abandono.

Se considerados em uma perspectiva histórica, já às portas do séc. XXI, a escola brasileira reprovava 48 crianças a cada 100 que ingressavam no primeiro ano do ensino fundamental, sendo que outras duas evadiam. Também nesta esfera é possível constatar uma mudança considerável na primeira etapa do ensino fundamental, que passou a exibir um fluxo mais estável. Contudo, o mesmo não se pode dizer da sua segunda fase, cujos índices de reprovação são, ainda altos, acompanhados por aqueles do ensino médio, cujo percentual de aprovação, em 2017, chegou a 83,1%. (INEP, 2018).

Uma terceira dimensão de desigualdade educacional, mais recentemente tratada pela literatura da área, diz respeito à desigualdade de conhecimentos. (SAMPAIO e OLIVEIRA, 2015). Quando se trata dessa dimensão de desigualdade, o aprendizado do aluno passa a ocupar a centralidade do debate por trazer à tona questões que dizem respeito tanto a dispositivos pedagógicos colocados em funcionamento dentro das escolas, quanto a fatores relacionados ao capital cultural dos alunos e das práticas familiares envolvidas na educação dos filhos. (MATOS et.al, 2017).

O Programa Bolsa Família

A questão da pobreza, como acertadamente, apontado por Ferraz (2011) é mesmo um fenômeno moderno e tem na desigualdade uma das suas mais fortes expressões. No caso brasileiro, o estado social não foi e não tem sido capaz de transformar as relações entre Estado, economia e sociedade, por meio de criação de sistemas públicos nacionais e articulados, produzindo, mesmo, uma rede de proteção social sobre o cidadão, de modo a lidar com os riscos típicos desse Estado moderno, como desemprego, acidentes de trabalho, velhice, dentre outros. Um dos fatores explicativos da ausência de um welfare state nestes moldes está na sua própria gênese, uma vez que sua tentativa de construção foi marcada por uma perspectiva “fragmentada” e “seletiva”, que não levou em conta todas as áreas de intervenção social pelo Estado, assim como não cuidou de incorporar os diversos grupos sociais ao sistema. É neste sentido que Draibe (1991), retomando a definição de Titmus, denomina o modelo de welfare brasileiro de meritocrático. Com isto se quer dizer que a base sobre a qual se construiu o modelo de Estado social estava diretamente atrelado à posição ocupada no mercado de trabalho e à estrutura produtiva, ou seja, os benefícios sociais estavam ligados à renda e, por conseguinte, à contribuição, o que leva, em última análise, a uma reprodução das desigualdades postas na sociedade mais ampla.

A alteração no padrão de políticas sociais, inaugurada pela Constituição de 1988, de tendência mais universalizante, deparou-se, contudo, com os prenúncios da crise fiscal que se instalaria a partir dos anos de 1990 e com uma dependência de trajetória a mecanismos assistenciais, de inspiração filantrópica. A fusão desses dois aspectos viabilizou a convivência entre oferta de bens sociais em massa, como é o caso da educação e saúde básica, com mecanismos suplementares, de mínimos sociais, com natureza focal, sem a definição de direito garantido.

É, pois, nesta perspectiva que se insere o Bolsa Família, que se constitui como um programa de transferência condicionada de renda, além de bem bastante característico de um novo padrão de bens sociais voltados à população em condição de pobreza e extrema pobreza, que, uma vez atendendo aos critérios e ao cumprimento de condicionalidades, passa a ser beneficiária do Programa. O PBF foi instituído pela Medida Provisória nº 132, em outubro de 2003, transformada na Lei 10.836, em 09 de janeiro de 2004 e regulamentada pelo Decreto nº 5.209, de 2004. Embora nem todos os seus aspectos e contornos possam ser pensados em termos de continuidade, o Programa é tributário, em alguma medida, de condições institucionais e de diretrizes do Programa Bolsa Escola, do governo de Fernando Henrique Cardoso, expandido, na gestão petista de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).

Autores como Bichir (2010) e Teixeira e Pinho (2018) entendem que programas focais como o PBF precisam ser examinados à luz do processo de redemocratização do país, marcado por significativas reformas no sentido da descentralização das políticas sociais. O “ponto de partida”, segundo Bichir (2010), era a crítica ao padrão de proteção social construído pelos governos autoritários, caracterizado pela forte centralização no governo federal, por processos fechados de decisão, gestão centralizada em grandes burocracias, fragmentação institucional e pela iniquidade do ponto de vista da distribuição dos serviços e benefícios. Para a autora, o novo padrão de política social teve como momento fundador a promulgação da Constituição de 1988, que representou uma redefinição do arranjo federativo brasileiro, por um lento e complexo processo de transferência de capacidade decisória, funções e recursos do governo federal para estados e municípios.

É neste cenário que vão surgir, segundo Bichir (BICHIR, 2010), novas experiências de combate à pobreza, como os programas municipais de garantia de renda mínima. De maneira geral, tais programas têm como beneficiários os grupos em situação de vulnerabilidade, visando compor o tecido de certa rede de proteção social, que muitas vezes escapa ao objetivo das políticas sociais tradicionais, tais como educação e saúde. Os programas de garantia de renda mínima procuram atender não só a dimensão da insuficiência de renda, uma das múltiplas dimensões da pobreza, mas, também, ao déficit de acessibilidade a bens e serviços públicos ao qual está submetida a população carente, procurando, assim, funcionar como um mecanismo de inserção social.

Se não há como contestar a evidência de que o PBF é um dos maiores programas de transferência de renda do mundo, tendo alcançado, já em 2007, 46 milhões de pessoas, há, ainda, muitos dissensos em torno do seu desenho, sobretudo, no que respeita ao seu caráter de focalização. De um lado, estão os autores que defendem esse padrão de política justificado por razões fiscais de alocação sustentável de recursos (CAMARGO, 2003); enquanto de outro, situam-se aqueles que questionam as opções políticas por detrás de toda decisão alocativa, assinalando, portanto, para o debate da garantia do direito social e não apenas para o seu gasto.

O desenho do PBF foi estruturado a partir da unificação de três programas criados anteriormente: o Bolsa-Escola, o Bolsa Alimentação e o Auxílio-Gás, procurando, além disso, conjugar as ações dos governos federal, estaduais e municipais em um único programa de transferência direta de renda por meio de convênios. O Decreto mais recente, n˚ 9.396, de 2018, que altera os anteriores, nº 5.209, de 2004, e 7.492, de 2011, reajustou os valores referenciais de caracterização das situações de pobreza e de extrema pobreza e os de beneficiários do Programa Bolsa Família, caracterizadas pela renda familiar mensal per capita entre R$ 178,00 e R$ 89,00 reais.

Em trabalho que teve como foco o impacto das transferências do Programa Bolsa Família sobre os gastos com alimentos em famílias rurais, Duarte, Sampaio e Sampaio (2009) trazem evidências de que, tendo em vista que a “média anual recebida por essas famílias é de R$ 278, pode-se inferir que 88% desse valor é utilizado para consumo de alimento”, o que permite concluir que o Programa exerce um impacto positivo sobre o consumo de alimentos dessas famílias selecionadas”. (DUARTE, SAMPAIO e SAMPAIO, p. 916, 2009) Estes dados dialogam com os de outra pesquisa, cujos achados vão no sentido de o PBF ter tido efeitos importantes em relação à desnutrição infantil. (SOARES, RIBAS e OSÓRIO, 2007).

Todos esses trabalhos levaram Kerstenetzky (2009) a afirmar que, se por um lado, o Programa Bolsa Família tem potencial para atuar sobre a desigualdade total, especialmente, porque “um número substancial de pessoas na cauda inferior da distribuição está complementando sua diminuta renda com esses benefícios monetários”, por outro, de acordo com a autora, “o efeito dos benefícios sobre a incidência da pobreza (proporção da população que recebe uma renda inferior à linha de pobreza) não é especialmente importante”, isso porque “as famílias elegíveis, classificadas como muito pobres ou pobres, recebem transferências em razão da intensidade da pobreza e do número de crianças na família, mas as transferências não são suficientes para removê-las da condição de pobreza”. (KERSTENETZKY, 2009, p. 57).

Condicionalidade educacional do PBF: alcance e limites

As condicionalidades relativas à educação e à saúde são aspectos que dão contorno ao Programa Bolsa Família, uma vez que, no que tange à dimensão educacional especificamente, a obrigatoriedade de manter a criança e adolescente entre 06 e 17 anos matriculados e frequentando a escola, corresponde à contrapartida das famílias para serem consideradas elegíveis ao Programa.

No entanto, assim como acontece com a questão do desenho focalizado, também o debate em torno das condicionalidades é marcado por controvérsias e dissensos, motivados por argumentos de duas ordens, basicamente: o primeiro, sustentado pela ideia de que a exigência da condicionalidade feriria o direito de acesso a políticas sociais, como as de transferências de renda, em um cenário que a política é resultado da distribuição de riqueza socialmente produzida por meio de pagamento de impostos. Já o segundo repousa sobre o argumento de que a condicionalidade leva à garantia de outros direitos e, por isso, deve ser parte do Programa.

De todo modo, a questão da condicionalidade relativa à educação, no âmbito do PBF, está disposta na Lei n˚ 10.836, de 2004, art. 3˚, caput , e no seu parágrafo único, de modo mais direto.

No art. 3˚, por exemplo, está disposta a exigência de 85% de frequência escolar, para as crianças e adolescentes entre as idades de 06 e 15 anos, como contrapartida das famílias:

Art. 3º A concessão dos benefícios dependerá do cumprimento, no que couber, de condicionalidades relativas ao exame pré-natal, ao acompanhamento nutricional, ao acompanhamento de saúde, à frequência escolar de 85% (oitenta e cinco por cento) em estabelecimento de ensino regular, sem prejuízo de outras previstas em regulamento. (BRASIL, 2004).

Já o § único do art. 3˚ cuida da contrapartida relativa à frequência de jovens entre 16 e 17 anos, estipulada em 75%, em sintonia com a Lei de Diretrizes e Bases da União:

Parágrafo único. O acompanhamento da frequência escolar relacionada ao benefício previsto no inciso III do caput do art. 2º desta Lei considerará 75% (setenta e cinco por cento) de frequência, em conformidade com o previsto no inciso VI do caput do art. 24 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (Incluído pela Lei nº 11.692, de 2008). (BRASIL, 2004).

O segundo dispositivo legal que trata das condicionalidades é o Decreto nº 5.209, também de 2004, que regulamenta a Lei Federal e, no seu art. 27, define o que se entende por condicionalidades, conforme apresentada no art. 3˚, da Lei 10.836; além de discriminar as supostas finalidades da contrapartida do Programa. Assim sendo, de acordo com o art. 27, do Decreto 5.209/2004, seus incisos e § único:

Art. 27. As condicionalidades do Programa Bolsa Família previstas no art. 3º da Lei nº 10.836, de 2004, representam as contrapartidas que devem ser cumpridas pelas famílias para a manutenção dos benefícios e se destinam a: (Redação dada pelo Decreto nº 7.332, de 2010)

  1. I - estimular as famílias beneficiárias a exercer seu direito de acesso às políticas públicas de saúde, educação e assistência social, promovendo a melhoria das condições de vida da população; e (Incluído pelo Decreto nº 7.332, de 2010)

  2. II - identificar as vulnerabilidades sociais que afetam ou impedem o acesso das famílias beneficiárias aos serviços públicos a que têm direito, por meio do monitoramento de seu cumprimento. (Incluído pelo Decreto nº 7.332, de 2010)

Parágrafo único. Caberá às diversas esferas de governo garantir o acesso pleno aos serviços públicos de saúde, educação e assistência social, por meio da oferta desses serviços, de forma a viabilizar o cumprimento das contrapartidas por parte das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família.

(Redação dada pelo Decreto nº 7.332, de 2010). (BRASIL, 2004).

A busca de uma resposta à questão com que a pesquisa lidou e buscou responder, de qual seriam o alcance e os limites da condicionalidade educacional do PBF na redução das desigualdades educacionais, não prescinde de um exame criterioso dos fundamentos desses dois dispositivos legais, sobretudo, no que diz respeito à inovação político- institucional, que é a intersetorialidade na produção de políticas públicas, que eles buscam retomar.

A literatura já tratou à exaustão do dilema da engenharia federativa brasileira na produção de políticas públicas, uma vez que faltam mecanismos de coordenação, prevalece práticas pouco cooperativas entre entes federados e faltam arenas decisórias para que os governos subnacionais (SEGATTO e ABRUCIO, 2016) possam pensar a implementação de políticas de modo articulado. (ALMEIDA, 2005). Embora as políticas educacionais de maior expressão, em termos de matrícula, estejam sob responsabilidade dos municípios, o princípio de colaboração prevê a interação e cooperação entre todos os entes, além das questões de competência concorrente. Nesse sentido, fica bastante claro o esforço dos dois dispositivos legais na tentativa de rearticulação da engrenagem federativa, na medida exata que se busca recuperar o desejável diálogo entre os entes federados e o desenho intersetorial na implementação e controle da condicionalidade educacional, objeto deste trabalho.

É nesta direção que se podem ler alguns aspectos do Decreto 5.209/2004, como a explicitação no inciso V, art. 4˚, de que um dos “objetivos básicos” do PBF é “promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do Poder Público”. No caso da educação, a intersetorialidade exige, ainda que minimamente, algum nível de relação entre entes federados, numa perspectiva vertical, haja vista que muitos municípios estão ainda vinculados às redes estaduais de sistema, não constituindo uma rede própria municipal. Já o art. 6˚, ao garantir um assento ao Ministério da Educação no Conselho Gestor do Programa, sugere, pelo menos do ponto de vista formal, um esforço de se efetivar um diálogo com outras políticas como a saúde e assistência social, por exemplo. Esse mesmo espírito aparece nos incisos I e V, do art. 11-C, todos com nova redação, recebida entre os anos de 2010 e 2012, e que ressalta o compromisso do Programa com a articulação intersetorial na gestão das condicionalidades.

Contudo, se os artigos e incisos supramencionados apontam para certo comprometimento no sentido de interação entre governos e setores para se efetivar a condicionalidade do Programa, há, todavia, enormes silêncios sobre aspectos também inerentes a esta intersetorialidade e sua capacidade de atuação que, no limite, a coloca mais em termos de um conjunto de intenções do que de práticas, reconhecendo, ao que parece, os impasses da interação e cooperação nesse tipo de arranjo.

Nesse sentido, em termos de “alcance” do marco legal do PBF, na redução das desigualdades educacionais, entendida como permanência do aluno na escola, pode-se pensar, como o primeiro deles, a garantia mesmo de uma renda mínima às famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, como disposto no parágrafo único do art. 1º da Lei 10.836/2004. A relação aí estabelecida assenta-se no pressuposto de que a possibilidade de garantir um recurso financeiro mínimo a ponto de contribuir para a manutenção de um número de refeições possui efeito positivo nos processos de nutrição que, a seu turno, reverbera nos processos cognitivos.

Um segundo alcance é a contrapartida da família beneficiária, em si, ou seja, a condicionalidade no caso educacional, que é a exigência de 85% e 75% de frequência da criança ou adolescente, respectivamente. Ainda que testes de larga escala como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, mas de modo particular o Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA, venham colocando em questão a qualidade da escola pública brasileira já há algum tempo, o aumento de permanência da criança na escola tem um efeito positivo20 sobre seu processo de formação, mesmo que esse aumento de tempo não seja acompanhado, como se deseja e se espera, da qualidade no ensino. É sob essa premissa que se implementou o ensino fundamental de 09 anos, bem como se insiste na ampliação de escolas em tempo integral, ou seja, a permanência imposta pela condicionalidade do Programa tem um efeito positivo sobre o estudante, mesmo em contextos de questionamentos da qualidade da educação ofertada. (PEÑA, 2014).

Do ponto de vista dos “limites” do Programa, a investigação do seu quadro normativo-legal permite afirmar que o maior desafio está situado no âmbito das condicionalidades, na medida em que prevaleceu certo silenciamento em torno da articulação entre setores e atores estatais na superação dos possíveis obstáculos apresentados no cumprimento da contrapartida, pela família.

O § 5˚, II, do art. 28, do Decreto n˚ 5.209, dispõe sobre a impossibilidade de penalização das famílias, com suspensão ou cancelamento do benefício, uma vez comprovado que o descumprimento da contrapartida se deu em decorrência da não oferta do serviço, pelo Estado, como se pode depreender do excerto:

[...]

§ 5˚ Não serão penalizadas com a suspensão ou cancelamento do beneficio as famílias que não cumprirem as condicionalidades previstas, quando não houver a oferta do respectivo serviço ou por força maior ou caso fortuito. (BRASIL, 2004).

Nota-se, por um lado, que o texto legal avança no sentido de se firmar um contrato ético com grupos mais vulneráveis, na medida em que descarta formas de penalização do beneficiário, que já traz consigo uma série de desvantagens sociais, uma vez não cumprida a condicionalidade, que é manter o filho na escola. Entretanto, essa “concessão” ou “complacência institucional” precisa ser lida, também, em uma outra pauta, que é, exatamente, a complacência não com o beneficiário, mas com o próprio Estado. Ao silenciar-se sobre as possibilidades de se utilizar desse marco legal, enquanto instrumento de luta, para re-estruturar o modelo federativo centrífugo e colocar em diálogo diversos setores que atuam sobre a política, o programa sanciona uma “agenda perdida”, que é a efetividade da articulação e a intersetorialidade nas políticas educacionais.

Uma política pública ou programa governamental que se quer, por definição, intersetorial, não deve conviver pacificamente com a negativa da contrapartida justificada pela omissão do Estado na oferta educacional, positivada como um direito público subjetivo, por meio de inexistência de uma unidade escolar. Isso não apenas porque ela garantiria a condicionalidade educacional, mas porque a premissa básica do Programa, conforme definido nos art. 4˚ e 5˚, do Decreto que o regulamenta, é a promoção da complementaridade, da sinergia de ações, com vistas à integração das políticas e emancipação das famílias beneficiárias. Dito de outro modo, a constatação de falta de oferta educacional pelo Programa ensejaria o esforço conjunto de atores e setores estatais, em arenas institucionais desenhadas no âmbito do PBF, para criarem as condições necessárias para a garantia do direito à educação do beneficiário, seja por meio de construção de escolas ou aumento de matrículas, seja pela compra de vagas em instituição privada, como prevê a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional. Chama-se atenção para o fato de que o Programa convoca a legislação maior da educação, a LDB, ao determinar o percentual de frequência admitido, mas ignora a mesma lei, no que ela dispõe, no seu art. 5˚, sobre o caráter público e subjetivo do direito à educação e, por isso mesmo, do dever do Estado em provê-lo.

Alinhado a esse primeiro limite, encaminha-se um segundo, que diz respeito à baixa potencialidade do Programa em criar as condições para que a obrigatoriedade da frequência repercuta no processo de aprendizagem do beneficiário e, assim, na garantia do direito à educação, com garantia de padrão de qualidade, conforme determina o inciso VII, do art. 206, da Constituição Federal. Como já tratado anteriormente, ainda que uma exposição do aluno a um maior período de tempo tenha efeito positivo sobre a sua aprendizagem e socialização, é fundamental que se busquem formas para otimizar os processos internos à escola, como é o caso da frequência.

Evidências trazidas pela avaliação de impacto do PBF, realizada em 2007, pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – CEDEPLAR, bem como dados divulgados pela pesquisa de Amaral e Monteiro (2013), permitem afirmar que embora a condicionalidade educacional do Programa tenha sido eficaz, no sentido de manter o beneficiário na escola, ele tem se mostrado pouco efetivo no que tange à reprovação. Os dados mostram que embora os alunos permaneçam no sistema escolar, eles não conseguem ser promovidos, aumentando o índice de distorção série-idade e engrossando os índices de fracasso escolar.

Segundo Amaral e Monteiro (2013), o fato de uma criança residir em domicílio que fosse beneficiário do Programa Bolsa Família, em 2005, com limite de renda per capita domiciliar de R$50,00, levava a que essa criança tivesse 57% menos chance de abandonar a escola em relação a uma criança que residia em um domicílio que não recebia o benefício. Esse percentual cai para 34%, considerando a renda domiciliar per capita de R$100,00 e para 33% em domicílios com renda per capita de até R$200,00.

Os resultados da Avaliação de Impacto realizada pelo CEDEPLAR/UFMG (CEDEPLAR, 2007), em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, chegaram a mesma conclusão, no sentido de que a "comparação da evasão do sistema de ensino no último ano [2004], para meninos e meninas, individualmente, têm, em sua maioria, diferenciais significativos e são favoráveis ao Programa Bolsa Família, [...], indicando uma menor evasão dos beneficiários desse programa, sobretudo em relação ao grupo de não-beneficiários.” Isso significa que foi encontrada “uma diferença favorável aos beneficiários do Programa Bolsa Família relativamente às crianças em domicílios que não participam de nenhum programa, no Brasil como um todo e para os mais pobres na Região Nordeste”. (CEDEPLAR, 2007, p. 14).

Quando se trata, entretanto, da avaliação de aprovação e reprovação dos alunos beneficiários, os resultados são desfavoráveis. Segundo a pesquisa, “a maior parte dos diferenciais significativos do Programa Bolsa Família são negativos, indicando uma menor aprovação dos beneficiários desse programa, sobretudo em relação ao grupo de não-beneficiários. [...] A maior parte dos diferenciais significativos do Programa Bolsa Família possuem diferenças positivas, indicando uma maior reprovação dos beneficiários desse programa, principalmente em relação ao grupo de não-beneficiários. Em ambos os indicadores, progressão e repetência, poderíamos interpretar esta diferença como desfavorável aos beneficiários do Programa Bolsa Família.”(CEDEPLAR, 2007, p. 14).

A não efetividade da permanência, entendida como sua incapacidade de atuar sobre o fracasso escolar na aquisição de aprendizagens, autoriza a conjecturar que a articulação entre entes federados e setores burocráticos diversos, no caso da educação, não ultrapassou a formalidade normativa do Programa e mesmo o assento reservado ao Ministério da Educação, no Conselho Gestor do PBF, não foi exitoso no sentido de contribuir para se pensar arranjos cooperativos que pudessem atuar efetivamente sobre as políticas educacionais.

Não será estranho, então, afirmar que a tão debatida “porta de saída” do Programa, que alimentou muitas análises acadêmicas, desde a sua implementação, permanece como uma questão sem resposta, no que concerne ao campo educacional.

Considerações Finais

Os achados da pesquisa, a partir da análise do marco legal, encaminham-se no sentido de afirmar que a condicionalidade educacional do Programa não tem sido capaz de romper com a fragmentação das políticas educacionais que vigoram no cenário brasileiro e, por isso, não se pode observar estratégias claras na produção normativa para efetivação da articulação entre políticas sociais e/ou entre entes subnacionais, de modo a adensar as intenções explicitadas, e, portanto, atuar sobre desigualdades no campo da educação, contribuindo, assim, para a “emancipação das famílias”, como expresso nos seus objetivos. Nesse sentido, a investigação sugere que o “lugar” reservado ao Ministério da Educação, na implementação do PBF, de modo a atender a proposta de intersetorialidade, resume-se a um caráter formal, sem articulação mais clara e definida das suas atribuições no desenho, limitando-se, portanto, a apuração da frequência dos alunos. Além disso, a pesquisa reconhece como outro limite do Programa, decorrente da ausência de regras claras de interação entre entes subnacionais e diferentes setores estatais, a omissão em pensar estratégias para lidar com problemas de acesso de beneficiários, em locais em que não existam unidades escolares, bem como a impossibilidade de se criar condições articuladas de modo a reverter a obrigatoriedade da frequência em aprendizado, pelos beneficiários.

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Recebido: Janeiro de 2020; Aceito: Fevereiro de 2020; Publicado: Abril de 2020

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