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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.14  Curitiba  2020  Epub 20-Abr-2022

https://doi.org/10.5380/jpe.v14i0.71883 

Artigos

O Conselho Municipal de Educação como instrumento de controle social das políticas públicas educacionais

The Municipal Council of Education as an instrument of social control of educational public policies

El Consejo Municipal de Educación como instrumento de control social de las políticas públicas educativas

Clarice Santos Ferraz Araújo1 
http://orcid.org/0000-0003-2849-2361

Leila Pio Mororó2 
http://orcid.org/0000-0001-9074-5257

1Mestre em Educaça˜o pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Docente da rede pu´ blica municipal de Candido Sales, Bahia. Ca^ndido Sales, Bahia. Brasil. E-mail: claricesferraz@hotmail.com

2Doutora e Mestre em Educaça˜o. Professora Plena vinculada ao Programa de Po´s-Graduaça˜o em Educaça˜o da UESB. Vito´ria da Conquista, Bahia. Brasil. E-mail: lpmororo@yahoo.com.br


Resumo

Este texto analisa como os Conselhos Municipais de Educaça˜o desempenham suas atribuiço˜es no que se refere ao controle social das polí´ticas pu´ blicas no a^ mbito municipal. Para tanto, investiga as pra´ticas de dois Conselhos Municipais de Educaça˜o, ambos situados na regia˜o do sudoeste da Bahia. Do ponto de vista temporal, os Conselhos Municipais estudados foram instituí´dos em um momento de mudanças polí´ticas no paí´s e sa˜o orientados para a participaça˜o da sociedade e o acompanhamento das polí´ticas educacionais em a^mbito local, propondo a presença de representantes da sociedade civil e do poder executivo nos conselhos fiscais e equivalentes. A partir da perspectiva teo´rico-metodolo´gica vinculada ao Materialismo Histo´rico Diale´tico e utilizando como instrumentos de aproximaça˜o empí´rica da realidade a ana´lise documental e a realizaça˜o de entrevistas semiestruturadas com conselheiros municipais e gestores da educaça˜o pu´blica, a pesquisa demonstrou que, apesar da proposta de organizaça˜o da educaça˜o nacional estar baseada nos ideais democra´ticos de participaça˜o e de controle social, ela ainda sofre influe^ ncias das relaço˜es de poder patrimonialista que ainda persistem nas estruturas de gesta˜o pu´ blica da educaça˜o nos municí´pios de pequeno porte, limitando, desta forma, a participaça˜o e o controle social das polí´ticas pu´ blicas em implantaça˜o.

Palavras-chave: Conselho Municipal de Educaça˜o; Controle social de polí´ticas pu´ blicas; Polí´tica Educacional

Abstract

This text analyzes how the Municipal Education Councils perform their duties concerning the social control of public policies at the municipal level. To this end, it investigates the practices of two Municipal Education Councils, both located in the southwestern region of Bahia. From the temporal point of view, the studied Municipal Councils were instituted at a time of political changes in the country-oriented towards the participation of society and the monitoring of educational policies at the local level, proposing the presence of representatives of civil society and the executive power in the councils’ tax and equivalent. From the theoretical-methodological perspective linked to Dialectical Historical Materialism and using document analysis and semi-structured interviews with municipal councilors and public education managers as instruments for an empirical approximation of reality, the research demonstrated that despite the proposed organization of the national education is based on democratic ideals of participation and social control, it still suffers influences from the patrimonialism power relations that persist in the structures of public management of education in small municipalities, thus limiting participation and social control public policies being implemented.

Keywords: Municipal Education Council; Social control of public policies; Educational politics

Resumen

Este texto analiza co´mo los Consejos Municipales de Educacio´n desempen˜an sus funciones con respecto al control social de las polí´ticas pu´blicas a nivel municipal. Con este fin, investiga las pra´cticas de dos Consejos Municipales de Educacio´n, ambos ubicados en la regio´n suroeste de Bahí´a. Desde el punto de vista temporal, los Consejos Municipales estudiados se instituyeron en un momento de cambios polí´ticos en el paí´s orientados hacia la participacio´n de la sociedad y el monitoreo de las polí´ticas educativas a nivel local, proponiendo la presencia de representantes de la sociedad civil y el poder ejecutivo en los consejos. impuestos y equivalentes. Desde la perspectiva teo´rico-metodolo´gica vinculada al materialismo histo´rico diale´ctico y utilizando el ana´lisis de documentos y la realizacio´n de entrevistas semiestructuradas con concejales municipales y gerentes de educacio´n pu´blica como instrumentos de enfoque empí´rico de la realidad, la investigacio´n demostro´ que, a pesar de la organizacio´n propuesta La educacio´n nacional se basa en ideales democra´ticos de participacio´n y control social, au´n sufre influencias de las relaciones de poder patrimonialistas que au´n persisten en las estructuras de gestio´n pu´blica de la educacio´n en los municipios pequen˜os, lo que limita la participacio´n y el control social. Polí´ticas pu´blicas implementadas.

Palabras Clave: Consejo Municipal de Educacio´n; Control social de las polí´ticas pu´ blicas; Polí´tica educativa

Introdução

No final dos anos de 1980, o Brasil passou por uma transiçao polí´tica ocorrida em meio a uma das crises do capital mundial, a qual desencadeou as reformas educacionais dos anos de 1990. Essas reformas propunham, dentre outros aspectos, a descentralizaçao da gestao, vislumbrando a participaçao da sociedade civil no controle da efetividade das polí´ticas publicas atraves de sua organizaçao em diversos tipos de colegiados, como sinaliza Peroni (2003, p. 67–68). Havia nesse momento uma coincide^ncia de interesses de classes: por um lado, propunha-se a implantaçao de um modelo de gestao no qual se descentralizavam a execuçao, o controle e a fiscalizaçao em relaçao as polí´ticas publicas e sociais e, por outro lado, a sociedade pressionava por uma maior abertura democratica, acentuando assim, o pleito de participaçao e de representatividade.

Com o advento da Constituiçao Federal (CF) de 1988, a proposta de gestao democratica da educaçao, com a participaçao da sociedade civil organizada e com a presença dos profissionais da educaçao na elaboraçao das propostas educacionais, ganhou força no cenario educacional do Brasil. Nesse momento de intensificaçao das lutas pela redemocratizaçao do paí´s, as discussoes em torno da democratizaçao da educaçao passaram a fazer parte da agenda polí´tica. Varios foram os fatores sociais, polí´ticos e econo^ micos que influenciaram a ampliaçao da discussao sobre a democratizaçao da educaçao, mas a organizaçao dos educadores e dos profissionais da educaçao teve papel fundamental nessa busca por mudanças na polí´tica e na gestao da educaçao.

A CF/1988 estabelece que a educaçao nacional deva ser ministrada a partir de varios princí´pios, dentre eles, o princí´pio da gestao democratica, que pressupoe a organizaçao do ensino publico em suas diversas insta^ ncias, inclusive no a^ mbito municipal, instituindo os municí´pios como entes federados e auto^ nomos livres para organizarem seus Sistemas de Ensino em regime de colaboraçao com o Estado e a Uniao. Ao reconhecer o municí´pio como ente federado, a CF/1988 possibilitou-lhe maior autonomia polí´tica e administrativa.

Em 1996, com a aprovaçao da Lei 9.394 (BRASIL, 1996), que estabeleceu as atuais Diretrizes e Bases da Educaçao Nacional, a nova proposta de organizaçao educacional e de gestao da educaçao propo^ s a participaçao e a organizaçao da sociedade civil na tomada de decisoes quanto a definiçao de prioridades para a educaçao, seu financiamento e papel dos diferentes entes federados na construçao de seus sistemas de ensino, possibilitando o debate e a construçao de uma metodologia de valorizaçao da perspectiva democratica, participativa e representativa, como uma forma de resiste^ncia e de enfrentamento das formas rí´gidas e hierarquizadas de controle das polí´ticas publicas.

Impactado pela ideia de democratizaçao dos sistemas de ensino e das instituiçoes escolares, o Conselho Municipal de Educaçao - CME emerge nesse contexto como um importante instrumento de descentralizaçao da gestao publica educacional ao tomar para si a responsabilidade de controle social da polí´tica, buscando assegurar o direito a educaçao atraves da construçao e consolidaçao dos sistemas de educaçao dos municí´pios, caso esses desejassem atuar com relativa autonomia em relaçao ao sistema estadual de educaçao. A partir de seu carater participativo, portanto, os CMEs se constituí´ram como o coletivo da sociedade civil que tenta avaliar as possibilidades de democratizaçao da gestao municipal de educaçao (SANTIAGO, 2008, p. 16), passando a ser um importante mecanismo de controle social da efetivaçao das polí´ticas educacionais no a^ mbito municipal.

Como conseque^ ncia, espera-se que o CME possa ser um instrumento capaz de sensibilizar os gestores publicos municipais sobre a sua responsabilidade quanto ao uso correto dos recursos destinados a educaçao, respeitando as particularidades de cada municí´pio, bem como as suas necessidades, as quais, em geral, sao imediatamente identificadas pela comunidade local como tais. Segundo Prado, Almeida e Parrela (2018, p. 373), “nada melhor do que a propria comunidade participar, opinar, supervisionar, fiscalizar e avaliar a polí´tica educacional pensada no municí´pio, o que pressupoe o estabelecimento de canais de comunicaçao entre a sociedade civil e o poder publico”. Os ideais de participaçao social e de democratizaçao da gestao dos sistemas de ensino, de certa forma, portanto, incentivaram a instituiçao dos Conselhos Municipais de Educaçao.

Em levantamento bibliografico realizado no Catalogo Nacional de teses e dissertaçoes da Coordenaçao de Aperfeiçoamento de Pessoal de nível Superior (CAPES); no Banco Digital de Teses e Dissertaçoes (BDTD) do Instituto Brasileiro de Informaçao e Tecnologia (IBICT); nos anais dos eventos cientí´ficos realizados pela Associaçao Nacional de Polí´tica e Administraçao da Educaçao (ANPAE) e pela Associaçao Nacional de Pos- Graduaçao e Pesquisa em Educaçao (ANPED), os quais todos disponibilizados em sí´tios eletro^ nicos, se evidenciou a escassez de produçoes acade^micas voltadas para o tema em questao, principalmente no Estado da Bahia. O recorte temporal estabelecido para a busca foi o perí´odo compreendido entre os anos de 1996 a 2016, com a utilizaçao do termo exato Conselho Municipal de Educaçao como descritor de busca. Nesses bancos de dados, ate o ano de 2016, havia o registro de 67 produçoes acade^micas, sendo 8 teses, 34 dissertaçoes e 25 trabalhos de eventos que tratavam dos Conselhos Municipais de Educaçao. Desses, apenas duas publicaçoes se referiam a pesquisas desenvolvidas no estado da Bahia sobre o tema, sendo elas um trabalho de evento, em 2016, e uma dissertaçao de mestrado em 2007, o que, portanto, indicava a necessidade de se ampliar as investigaçoes a respeito do desempenho dos conselhos como controle social das polí´ticas educacionais.

Este artigo, baseado nos resultados de uma pesquisa realizada nos Conselhos de Educaçao dos municí´pios de Ca^ ndido Sales e Barra do Choça, ambos situados na regiao do sudoeste da Bahia, analisa como esses conselhos vem desempenhando suas atribuiçoes no que se refere ao controle social das polí´ticas publicas educacionais no a^ mbito municipal. Para tanto, foi considerado o contexto historico no qual foram criados, e no qual se encontram inseridos. Para a coleta de dados empí´ricos foram utilizados como instrumentos a analise documental e a realizaçao de entrevistas semiestruturadas com conselheiros municipais de educaçao e com gestores educacionais.

Os principais documentos analisados foram: decreto de criaçao do Conselho Municipal de Educaçao; regimento interno; atas de posse dos presidentes e decreto de nomeaçao dos conselheiros entre os anos de 1996 e 2016 e as atas das reunioes plenarias dos anos de 2015 e 2016. Esses documentos auxiliaram na identificaçao das principais caracterí´sticas do CME e ajudaram a traçar o perfil desse orgao enquanto orgao normativo do Sistema Municipal de Ensino.

Os dois grupos de sujeitos entrevistados (conselheiros municipais e gestores educacionais) foram selecionados considerando o seu conhecimento da dina^ mica e do funcionamento dos conselhos. Como criterio de seleçao dos entrevistados considerou-se aqueles que ja tinham maior tempo como conselheiro, que tivesse participado das Confere^ncias Municipais de Educaçao de 2013, e da construçao e/ou reformulaçao dos Planos Municipais de Educaçao para o dece^nio 2014–2024.

Os municí´pios de Ca^ ndido Sales e de Barra do Choça, conforme classificaçao utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatí´stica (IBGE), sa˜o considerados como sendo de pequeno porte, ou seja, possuem populaçao inferior a 40 mil habitantes. Distam da capital do estado, Salvador, em 603 e 519 quilo^ metros, respectivamente. Possuem caracterí´sticas sociais semelhantes no que diz respeito a populaçao, a localizaçao geografica, a economia, aos dados educacionais e a organizaçao estrutural de suas polí´ticas educacionais. Alem disso, basicamente, tambem possuem a mesma estrutura polí´tico-administrativa.

Em comum, os municí´pios tambem te^m o fato de que os conselhos estudados foram instituí´dos no perí´odo historico descrito anteriormente, a saber, apos a aprovaçao da Lei de Diretrizes e Bases da Educaçao Nacional de 1996, a qual orientou e estimulou a participaçao da sociedade no acompanhamento das polí´ticas educacionais em a^ mbito local, propondo a presença de representantes da sociedade civil e do poder executivo nos conselhos fiscais e equivalentes. Os Conselhos Municipais de Educaçao investigados possuem regimentos proprios e se declaram como orgaos colegiados auto^ nomos de carater normativo, deliberativo, consultivo e fiscalizador, com suas compete^ncias definidas, dentre elas, inclusive, a de organizar a educaçao no a^ mbito do municí´pio.

Como caracterí´sticas distintas entre si, os conselhos se diferenciam em termos de suas condiçoes logí´sticas de funcionamento, periodicidade de reunioes e formas de acompanhamento das açoes de seus respectivos Sistemas Municipais de Ensino, evidenciando que um dos conselhos pesquisados possui presença mais atuante junto as questoes educacionais do que o outro.

Considerando que a democracia brasileira e ainda um fato historico recente e que existe fragilidade no que diz respeito a presença organizada e intencional da sociedade como agente fiscalizador das açoes governamentais, nao seria uma ingenuidade afirmar que a instituiçao dos Conselhos de Educaçao, nesse contexto, e um avanço importante e inegavel para as polí´ticas educacionais municipais, uma vez que pode influenciar as açoes governamentais e a gestao da educaçao, se caracterizando, entao, como instrumento de luta polí´tica, envolvendo os sujeitos que, com a sua presença, ajudam a construir a noçao de participaçao social e de democratizaçao dos espaços educacionais.

A seguir sera analisado o contexto de criaçao dos conselhos. Na seque^ncia, e a partir dos dados empí´ricos reunidos atraves da analise documental e das entrevistas, serao apontadas as caracterí´sticas das realidades pesquisadas, tanto no a^ mbito das atribuiçoes dos conselhos quanto em sua atuaçao, buscando analisar como os Conselhos Municipais de Educaçao desempenham suas atribuiçoes no que se refere ao controle social das polí´ticas publicas no a^ mbito municipal.

Conselhos Municipais de Educação e sua atuação no controle social das políticas educacionais

O controle social de polí´ticas publicas educacionais ultrapassa a dimensao de fiscalizaçao das contas e dos gastos publicos na educaçao. Mesmo sendo essa dimensao indispensavel e de extrema importa^ ncia e necessidade, o controle social, no a^ mbito das polí´ticas publicas educacionais, precisa estar atrelado, principalmente, ao fato de ter que se constituir como um mecanismo para se assegurar os direitos e as garantias previstos constitucionalmente a todos os sujeitos envolvidos no processo educacional. Nesse sentido, os orgaos que exercem esse controle social nao podem atuar na direçao de uma “desresponsabilizaçao do Estado em termos de distribuiçao de polí´ticas publicas” (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2008, p. 8), nem muito menos atrelar-se a um possí´vel compartilhamento do poder, vinculando-se, desta forma, aos desejos dos governos e as relaçoes por eles estabelecidas.

Ao permitir que os municí´pios pudessem instituir os seus Sistemas Municipais de Ensino proprios em regime de colaboraçao com os demais entes federados, a Constituiçao de 1988 tambem propo^ s que o controle social deveria ser exercido por orgaos colegiados com funçoes claramente definidas e com uma dotaçao orçamentaria capaz de garantir o seu funcionamento (BRASIL, 2010). E possí´vel afirmar que a questao federativa no Brasil, e seus impactos sobre a polí´tica educacional, estaria diretamente relacionada com as possibilidades de se garantir a efetivaçao de uma educaçao que atendesse as necessidades de aprendizagens das crianças, jovens e adultos, considerando a diversidade do paí´s quanto a seus aspectos sociais, polí´ticos, regionais e econo^ micos.

Enquanto orgao colegiado com atribuiçoes variadas, o Conselho Municipal de Educaçao deve, segundo Cury (2011, p. 45), “estar a serviço das finalidades maiores da educaçao e cooperar com o zelo pela aprendizagem nas escolas”, agindo de variadas formas e, de acordo com as suas compete^ncias, interpretando e resolvendo as questoes referentes a aplicaçao da legislaçao educacional.

O Conselho Municipal de Educaçao, portanto, desempenha um papel importante, e indispensavel, no processo de descentralizaçao de poderes e na organizaçao federativa nos moldes previstos pela Constituiçao no que se refere ao controle social das polí´ticas publicas e na organizaçao da educaçao municipal, assumindo caracterí´sticas proprias que lhes sao conferidas de acordo com suas respectivas leis de criaçao. Cabe a esse orgao permanecer atento, acompanhando de perto e procurando fazer o controle das questoes inerentes a polí´tica educacional em geral e a polí´tica municipal em especí´fico. Esse acompanhamento e controle implicam na definiçao das diretrizes e no estabelecimento de normas complementares do sistema municipal do qual faz parte, bem como na participaçao direta no planejamento da educaçao a fim de garantir a coesao interna entre esse planejamento e as diretrizes estabelecidas e coere^ncia entre eles (planejamento e diretrizes) com a polí´tica nacional, evitando, assim, problemas para e na efetivaçao de polí´ticas educacionais, tais como a descontinuidade e a fragmentaçao de açoes governamentais. Sendo assim, o conselho pode ser considerado como espaço de tomadas de decisoes, de analise e debates com a sociedade, para, a partir do dialogo e do entendimento, inscrever as demandas da sociedade nas agendas governamentais do municí´pio (SILVA, 2009, p. 17).

Como mencionado anteriormente, nos municí´pios pesquisados, os conselhos de educaçao foram instituí´dos apos a LDB 9.394/96, o que indica o alinhamento de suas bases de criaçao aos pautados pelo ideal de gestao democratica do texto legal e, portanto, de ampliaçao da participaçao social na tomada de decisoes, no acompanhamento e controle de polí´ticas de educaçao com a presença de representantes da sociedade civil e do poder executivo nos conselhos fiscais e equivalentes.

Segundo Farias (2009, p.130), as açoes dos CMEs quanto as demandas do seu sistema de ensino revelam a dina^ mica de sua atuaçao e indicam qual e a sua prerrogativa na construçao da polí´tica educacional em seu municí´pio. Os documentos que criaram e que organizam o funcionamento dos CMEs investigados definem suas atribuiçoes e compete^ncias e orientam as suas açoes quanto as demandas que emergem no sistema de ensino do qual fazem parte, nao fugindo, portanto, do que esta posto como fundamental para orientar a sua criaçao, composiçao e funcionamento.

Ambos os Conselhos investigados se inserem junto aos sistemas de ensino como orgao colegiado de carater normatizador, consultivo, deliberativo e fiscalizador, com suas compete^ncias claramente definidas, inclusive a de organizar a educaçao no a^ mbito do municí´pio, e como espaço de controle social das polí´ticas publicas educacionais. Para Cury (2011), essas caracterí´sticas do conselho municipal garantem que ele se torne um elo de ligaçao entre Estado e sociedade, procurando viabilizar relaçoes dialogicas, uma vez tambem que possuem, em esse^ ncia, representatividade social em sua composiçao.

Assim sendo, a seguir, a partir da analise dos documentos dos CMEs e dos depoimentos dos sujeitos, serao discutidas como as estruturas de gestao publica da educaçao nos municí´pios de pequeno porte, os quais somente muito recentemente passaram a ter status de ente federado (mas, sem uma polí´tica federativa em que se tem claramente definidas as funçoes de cada ente federado), se organizaram para cumprir o princí´pio constitucional de organizarem seus sistemas de ensino atraves da organizaçao polí´tica e social dos seus Conselhos Municipais de Educaçao.

As estruturas de gestão pública da educação nos municípios de pequeno porte limitando o controle social das políticas públicas

Com a finalidade de compatibilizar a polí´tica educacional do municí´pio com as diretrizes traçadas para a educaçao nacional, o municí´pio de Ca^ ndido Sales constituiu o seu Conselho Municipal de Educaçao atraves de Lei municipal Lei n.º 03, de 10 de abril de 2001 (CANDIDO SALES, 2001a), reconhecendo-o como orgao do Sistema de Ensino vinculado a Secretaria de Educaçao. Nesse mesmo ano, o municí´pio instituiu o seu Sistema Municipal de Ensino pela Lei n.º 13, de 23 de novembro de 2001 (CANDIDO SALES, 2001b), deixando claro no texto da lei que o criou que esse funcionaria em regime de colaboraçao entre o Estado e a Uniao. Com a instituiçao do Sistema Municipal, o municí´pio passou a ter a incumbe^ncia de organizar toda a estrutura educacional do municí´pio, tendo como orgao de natureza executiva a Secretaria Municipal de Educaçao e o Conselho Municipal de Educaçao como orgao de natureza normativa do seu Sistema de Ensino.

O regimento do CME (CME/CANDIDO SALES, 2014) o define, em seu artigo 2º, como um orgao normativo, consultivo, deliberativo, fiscalizador, propositivo e mobilizador. O documento possui sete capí´tulos, distribuí´dos em cinquenta e sete artigos que tratam da definiçao, composiçao e organizaçao, estrutura, funcionamento e compete^ncia dos seus membros, das reunioes, da Confere^ncia Municipal de Educaçao e das disposiçoes finais.

Conforme reza o regimento do CME (CME/CANDIDO SALES, 2014) em seu art. 2º, no capí´tulo I, das definiçoes de suas funçoes, a funçao normativa do conselho cabe a responsabilidade de definir normas sobre a polí´tica de educaçao da rede municipal de ensino; enquanto orgao deliberativo, o conselho decidira sobre as materias de sua compete^ncia; como orgao consultivo devera emitir parecer sobre as consultas relativas as questoes educacionais; e, enquanto orgao fiscalizador, cabe-lhe observar as receitas e despesas dos recursos aplicados a educaçao do municí´pio.

Treze anos apos a sua criaçao, atraves de uma nova lei (CANDIDO SALES, 2014), o CME desse municí´pio foi reestruturado como orgao colegiado da Secretaria Municipal de Educaçao com a finalidade de disciplinar o ensino publico e particular no a^ mbito do municí´pio. Essa decisao provocou algumas alteraçoes quanto a finalidade do Conselho, podendo, inclusive, comprometer a autonomia legalmente desejada para a ele. Considerando o proposto pela Constituiçao Federal de 1988, o municí´pio, enquanto poder local, assume o compromisso de organizar o seu o Sistema Municipal de Ensino, o qual devera ser formalizado pela Secretaria Municipal de Educaçao, orgao responsavel para desenvolver açoes que promovam a interaçao entre a comunidade escolar, e pelo Conselho Municipal de Educaçao, orgao normatizador e fiscalizador que elabora as regras para o municí´pio de acordo com as determinaçoes das leis federais e/ou estaduais e a rede municipal de ensino. Desta forma, o conselho e um orgao considerado polí´tica e administrativamente auto^ nomo, e, enquanto orgao de sistema, o CME em conjunto com a secretaria de educaçao deveria desempenhar o seu papel de fiscalizador e normatizador e nao apenas ser considerado mais um entre os orgaos que compoem a Secretaria de Educaçao.

Em relaçao a composiçao e organizaçao, esse CME e composto por oito membros titulares para exercer um mandato de dois anos, sendo que pode ocorrer a reconduçao do mandato por mais dois anos se sua indicaçao for renovada pela entidade a qual representa. Todos os membros sao indicados por suas respectivas entidades, as quais serao definidas atraves de eleiçao em assembleia geral do CME, respeitando o que esta posto no regimento quanto a proporcionalidade de 50% (cinquenta por cento) de membros representantes da sociedade civil indicados pelas diversas entidades e 50% (cinquenta por cento) de representantes do governo municipal. De acordo com a lei que reestruturou o CME, os membros que representam o poder publico podem ser substituí´dos pelo Chefe do Executivo quando ocorrer a mudança de gestao municipal.

Os membros da sociedade civil sao representados por pais, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Sindicato do Magisterio Publico Municipal, Sindicato dos Servidores Publicos Municipais, e os membros do Poder Publico municipal representados pela Secretaria Municipal de Educaçao, diretores das escolas, servidores tecnicos administrativos e Unidades Executoras. Todos os segmentos representados indicam um titular e um suplente que sao nomeados atraves de Decreto pelo Executivo Municipal. O CME e constituí´do pelo Plenario, orgao de deliberaçao maxima e conclusiva do CME, Diretoria, nesse caso composta pelo presidente, vice-presidente e secretario, e por Comissoes. As comissoes sao divididas em Ca^ mara de Legislaçao e Normas e Ca^ mara de assuntos pedagogicos, com suas compete^ncias claramente definidas. A preside^ncia do CME e composta pelo Presidente e pelo Vice-Presidente escolhidos pela maioria absoluta dos membros titulares atraves de voto secreto. Esta diretoria e empossada no mesmo dia em que acontece a eleiçao.

Esse CME nao possui um espaço proprio e nem equipamentos especí´ficos disponí´veis para o seu uso. Para a realizaçao de suas reunioes, os conselheiros utilizam a sala de reunioes da Secretaria Municipal de Educaçao.

Temos dificuldade na estrutura de reuniao. Sala pequena... as vezes nao tí´nhamos material como computador, nem internet a disposiçao. (Conselheiro do CME 1)

Conforme verificado durante a coleta dos dados no municí´pio, na maioria das vezes, a reuniao do CME se da a partir da convocaçao expedida pela Secretaria Municipal de Educaçao, a qual define as demandas. Se forem consideradas para a analise as atribuiçoes previstas para o conselho e suas caracterí´sticas, as reunioes deveriam ser regulares e convocadas pelo proprio conselho a partir das demandas polí´ticas e tambem daquelas surgidas dentro do sistema educacional.

Porque aqui e vinculada a Secretaria de Educaçao e, a maioria das açoes vinha por ser mais mobilizadora do que fiscalizadora. A gente aguardava mais as açoes vindas da Secretaria para poder colocar as posiçoes. (Presidente do CME 1)

Tal situaçao, aliada ao fato de ser considerado como um orgao colegiado vinculado a Secretaria de Educaçao e a constataçao de que na sua composiçao a representaçao da sociedade civil tem o mesmo peso do poder executivo, pode gerar questionamentos quanto ao seu real alcance enquanto espaço de representaçao social e de controle e avaliaçao das polí´ticas educacionais e, portanto, como, efetivamente, um instrumento de gestao que evidencia a participaçao social como uma forma de colaborar com o Sistema Municipal de Ensino.

O Conselho Municipal de Educaçao do municí´pio de Barra do Choça foi criado pela Lei nº 22, de 27 de novembro de 1997 (BARRA DO CHOÇA, 1997). No entanto, o seu Sistema Municipal de Ensino so foi instituí´do dez anos depois pela Lei nº 72, de 29 de junho de 2007 (BARRA DO CHOÇA, 2007). Criado logo imediatamente apos a aprovaçao da LDB, em 1997, o CME foi reconhecido como um orgao assessor da Secretaria de Educaçao com a finalidade de assegurar a participaçao da sociedade na educaçao do municí´pio assumiu, a priori, a atribuiçao de atuar como um orgao de controle social. Apesar de ter sido criado nesse ano de 1997, a analise do livro de registro dos conselheiros permitiu verificar que a primeira ata de reuniao do conselho data de 10 de abril de 2000, portanto, tre^ s anos apos a sua criaçao. Nesse dia, o entao prefeito da cidade, juntamente com a secretaria de educaçao, deu posse aos conselheiros titulares e suplentes. Desde entao, analisando os registros, o conselho tem se reunido com regularidade, tratando de diversos aspectos relacionados as questoes educacionais do seu Sistema de Ensino.

Diferentemente do municí´pio de Ca^ndido Sales, o Sistema Municipal de Ensino de Barra do Choça somente foi instituí´do dez anos depois da criaçao do CME. No documento de sua criaçao, a Secretaria Municipal de Educaçao e configurada como o orgao de natureza executiva e o CME como orgao normativo, deliberativo, propositivo, mobilizador, fiscalizador, de acompanhamento e controle social do sistema de ensino.

O CME e apresentado na lei que o criou como sendo o interlocutor dos interesses da sociedade no capí´tulo I do tí´tulo II (BARRA DO CHOÇA, 2007), que trata da organizaçao do Sistema Municipal de Ensino. O paragrafo 2º e art. 8º da seçao II (BARRA DO CHOÇA, 2007), quando trata das finalidades e atribuiçoes do CME, reza que a finalidade do Conselho Municipal de Educaçao e fortalecer e institucionalizar a participaçao dos setores organizados da sociedade civil, na elaboraçao de diretrizes e normas para a definiçao de polí´ticas publicas educacionais, no a^ mbito do Municí´pio. Nesse sentido, o CME assume a responsabilidade de assegurar que a sociedade civil se faça presente na definiçao das prioridades educativas da comunidade local e participe como interlocutor dos diferentes segmentos no acompanhamento das polí´ticas por elas geradas.

Apesar de serem municí´pios com o tamanho populacional semelhantes e demandas educacionais proximas, o CME do municí´pio de Barra do Choça e composto por quatorze membros titulares, seis a mais do que o CME do municí´pio Ca^ ndido Sales, e seus respectivos suplentes, sendo dois representantes de cada um dos seguintes segmentos: Secretaria de Educaçao, Associaçao de Pais, Sindicato dos Professores e estudantes das escolas municipais e um representante de cada setor citado a seguir: Orgao Regional do Sistema Estadual de Ensino, Diretores das Escolas Municipais, Corpo Tecnico Administrativo das Instituiçoes Municipais, Conselho Tutelar, Escolas Privadas de Educaçao Infantil e Instituiçoes Municipais de Educaçao Infantil. Todos esses segmentos sao indicados pelos orgaos ou instituiçoes que representam e sao diplomados pelo Prefeito Municipal.

O Conselho e composto por representantes da Secretaria de Educaçao, dos servidores municipais, dos professores, dos diretores, das instituiçoes de Educaçao Infantil, dos pais e dos estudantes. E uma composiçao que segue as orientaçoes em nív el nacional. (Presidente do CME 2)

O mandato dos conselheiros e de quatro anos, sendo permitida a reconduçao por igual perí´odo. Na composiçao do CME, metade dos conselheiros cumpre mandato de dois anos e a outra metade um mandato de quatro anos, obedecendo criterios especificados no regimento. Isso possibilita a troca de experie^ncias e informaçoes, pois sempre tem conselheiros cumprindo quatro anos de mandato. Ou seja, ao renovar apenas a metade de seus membros, aqueles que permanecerem ja possui uma experie^ncia junto ao conselho e conhecem a sua dina^ mica de funcionamento.

A escolha do presidente e do vice se da por voto secreto para um mandato de dois anos, podendo ser renovado pelo mesmo perí´odo. Esta eleiçao e realizada na ultima sessao do ano e a nova diretoria e empossada imediatamente apos a homologaçao dos resultados.

No ano de 2014, a lei de criaçao do sistema municipal foi reformulada. Dentre as alteraçoes promovidas por essa nova legislaçao, destaca-se o fato de ter sido retirada a funçao anteriormente atribuí´da ao CME de acompanhar, controlar e fiscalizar o Fundo de Manutençao e Desenvolvimento da Educaçao Basica e de Valorizaçao dos Profissionais da Educaçao – FUNDEB, bem como conferir as prestaçoes de contas e emitir os respectivos pareceres, tarefa a ele atribuí´da pela lei de criaçao do Sistema Municipal (BARRA DO CHOÇA, 2014).

Em relaçao a estrutura fí´sica, possui um espaço proprio para seu funcionamento, uma sala de uso exclusivo, situado no mesmo local onde tambem funciona a Secretaria Municipal de Educaçao. A sala e equipada com arquivos e equipamentos.

Nos criamos um espaço no predio da secretaria. A sala dos conselhos. E um espaço restrito apenas ao conselho. Quando a secretaria precisava usar, solicitava esse espaço. O municí´pio disponibilizou mobiliario e equipamentos para o funcionamento, disponibilizando um funcionario efetivo, com carga horaria de quarenta horas para secretariar. (Gestor Educacional 2)

Apesar de terem, oficialmente, atribuiçoes semelhantes e convergentes, as formas legais dadas aos dois conselhos e suas condiçoes logí´sticas de funcionamento demonstraram que ha duas diferenças fundamentais entre eles. A primeira diz respeito a composiçao dos CMEs e sua autonomia logí´stica; e a segunda diferença se refere ao papel que exerce em relaçao a polí´tica municipal de educaçao.

Em relaçao a primeira diferença, enquanto o CME do municí´pio de Ca^ ndido Sales tem uma composiçao pequena e 50% dela esta atrelada a secretaria de educaçao, funcionando sem espaço ou equipamentos de trabalho proprios, o CME do municí´pio de Barra do Choça conta com uma maior representatividade da sociedade em sua composiçao, limitando, desta forma, as possibilidades de interfere^ncias na execuçao de suas atribuiçoes por parte do poder executivo e tem sua propria sala equipada e em funcionamento regular.

Em relaçao ao papel que exerce no desenvolvimento da polí´tica municipal de educaçao, a plenaria do CME do municí´pio de Ca^ ndido Sales so se reune a partir das demandas originadas pela secretaria de educaçao, o que, em geral, significa legitimar o calendario escolar anual montado pelo orgao executivo. Ja a plenaria do CME de Barra do Choça tem agenda de reunioes regulares e os seus registros demonstram sua efetiva atuaçao na fiscalizaçao e controle social das polí´ticas educacionais do municí´pio.

Porem, a analise das atas e das entrevistas apontou que, apesar de todas essas diferenças, os conselheiros e os gestores educacionais dos dois municí´pios sao una^ nimes em afirmar que as limitaçoes para a atuaçao dos CMEs enquanto orgaos fiscalizadores e de controle social estao postas nao nas caracterí´sticas do municí´pio e sim nas proprias formas de organizaçao da gestao de polí´ticas publicas em nosso paí´s. Do ponto de vista deles, os debates e embates travados nos conselhos revelam (ou pelo menos apontam) os interesses que estao constantemente em disputa na estrutura do Estado brasileiro, sendo o patrimonialismo uma de suas caracterí´sticas mais difí´ceis de ser superada para que o exercí´cio do controle social se efetive.

A Constituiçao Federal de 1988 (BRASIL, 1988), em seu art. 18, quando trata da organizaçao polí´tica e administrativa do paí´s, assegura que os municí´pios sao entes federados auto^ nomos, e no seu art. 29 propoe que a partir daquele momento os municí´pios se regerao por sua propria Lei Orga^ nica, elaborada de acordo aos princí´pios estabelecidos pela Constituiçao Federal. Nas Constituiçoes anteriores, de acordo com Cury (2004),

os municí´pios nao eram reconhecidos como entes federativos. Eram subsistemas dos estados e sua autonomia, quando de constituiçoes proclamadas, era reconhecida dentro de espaços muito limitados. Nas constituiçoes outorgadas esse espaço era ate menor. O sistema era dual. So a Uniao e os estados eram considerados entes federativos. E era um sistema hierarquico em que a Uniao era superior aos estados e estes o eram tais com relaçao aos municí´pios. (CURY, 2004, p. 15)

Essa nova reorganizaçao polí´tica e administrativa proposta pela Carta Magna de 1988 propoe a retomada das eleiçoes diretas em todos os ní´veis de governo, isso alterou a autoridade dos governos locais, recuperando as bases do Estado federativo, possibilitando a autonomia dos municí´pios que, a partir desse momento, passam a ter o direito de legislar sobre assuntos locais, implementarem suas proprias polí´ticas de acordo as propostas da Uniao como, por exemplo, instituir e organizar os seus proprios Sistemas de Ensino (ARRETCHE, 2002).

Isso influenciou e alterou significativamente as polí´ticas publicas sociais e as polí´ticas educacionais, interferindo na organizaçao do sistema educacional. A proposta da LDB 9.394/96 e´ a de que os entes federados ofereçam educaçao de qualidade atraves da democratizaçao do acesso e em regime de colaboraçao3. Entretanto, observando as circunsta^ ncias citadas pelos conselheiros e os marcos legais que definem a polí´tica educacional brasileira (PERONI; ROSSI, 2011, p. 23), e importante pensar se essa tarefa pode, de fato, se concretizar. Ao adotar a forma de federalismo por regime de colaboraçao na execuçao da polí´tica educacional, supoe-se uma relaçao de igualdade e de dialogo entre os entes federados e nao mais uma relaçao hierarquizada em que um ente federado seja superior a outro. Esse tipo de colaboraçao foi denominado por Cury (2011) de colaboraçao recí´proca, e pode ser,

um meio de po^ r como metas principais dos governos municipais, estaduais, distrital e federal as grandes finalidades da polí´tica em geral e da educacional em particular, articulando entre si o conjunto das iniciativas e distribuindo tambem o peso financeiro proporcionalmente entre os entes federados. (CURY, 2011, p. 55)

No entanto, as desigualdades historicas entre os entes federados observadas no paí´s tambem deixaram suas marcas nos municí´pios. Ao inseri-los como um ente federado, cuja autonomia, tanto financeira quanto administrativa e jurí´dica e, ao mesmo tempo, limitada e sujeita aos antigos modus operandi de utilizaçao da estrutura estatal, isso terminou por contribuir no fortalecimento dos interesses particulares de grupos especí´ficos.

Como pode ser observado nas transcriçoes a seguir das falas dos dois gestores educacionais dos municí´pios investigados, existe influe^ncia direta do poder local na atuaçao do conselho. Esta influe^ ncia, segundo eles, esta relacionada principalmente com a escolha dos conselheiros e com a depende^ncia administrativa da secretaria de educaçao em relaçao a tomada de decisoes sobre as questoes referentes ao Sistema de Ensino.

Os membros entram, muitas vezes, atrelados a uma determinada gestao que estimula determinados sujeitos a participarem de um processo. Muitas vezes, nao ha nem tanta divulgaçao para que esse processo ocorra, e fica, praticamente, um conselho que e a cara de uma gestao especí´fica para dar resposta a essa gestao, legitimar as suas praticas ou ocultar aquilo que deveria ser fiscalizado. A formaçao do conselho deixa as pessoas politicamente presas ao governo. Os conselheiros que fazem parte da sociedade e a minoria, e isso dificulta. Geralmente sao professores, diretores, membros da secretaria que fazem parte do conselho, [e] como sao todas pessoas vinculadas ao governo, acabam nao querendo tomar atitudes para nao serem prejudicadas pelo governo. (Gestor Educacional 1)

A inquietaçao apresentada nessa transcriçao representa a de muitos conselheiros que, apesar de fazerem parte deste orgao e compreenderem a sua importa^ ncia dentro do sistema de ensino, nao conseguem, em sua maioria, desenvolver o seu trabalho como desejado, tendo em vista os laços polí´ticos patrimonialistas que, de certa maneira, influenciam na tomada de decisoes.

Uma dificuldade da maioria dos secretarios de educaçao e o fato de nao serem gestores plenos. Nos sabemos que em pouquís simos municí´pios o secretario e gestor pleno. (Gestor Educacional 2)

O principal problema e justamente o fato de a secretaria ser dependente das decisoes de um prefeito ou de uma prefeita, do secretario de finanças ou administraçao. Ficar na depende^ncia, isso causa uma serie de desdobramentos negativos para o Sistema de Ensino que voce^ esta representando, que voce^ esta a frente. Serviços basicos, do dia a dia da escola a gente acabava tendo dificuldade para sanar essas demandas, justamente por conta dessa necessidade de se submeter a outro setor para poder solicitar compra. Sendo assim, a gente nao conseguia atender as nossas demandas. (Gestor Educacional 1)

Como orgaos de Estado e nao de governos4, se efetivamente os Conselhos Municipais de Educaçao conseguissem fazer o acompanhamento e realizar o controle social das polí´ticas publicas municipais, esses poderiam vir a se caracterizar como um movimento de resiste^ ncia a essas relaçoes de poder, de autoritarismo e de hierarquia estabelecidas na gestao da polí´tica publica educacional municipal. Como muito apropriadamente resumem Souza e Vasconcelos (2007), “a garantia do controle social da educaçao nao esta posta, necessariamente, na existe^ncia legal ou material da instituiçao conselheira, mas na qualidade das praticas intra-colegiadas que constituem esses espaços, desde a sua ge^ nese” (SOUZA; VASCONCELOS, 2007, p. 228).

Considerações Finais

A pesquisa realizada nos municí´pios de pequeno porte demonstrou que a constituiçao dos seus Conselhos se deu na decada de 1990, especificamente apos a aprovaçao da LDB 9.394/96, e antes da instituiçao dos respectivos Sistemas de Ensino dos municí´pios, cumprindo, assim, o que esta proposto constitucionalmente e que orienta a criaçao de um orgao responsavel por: definir as normas de funcionamento das polí´ticas educacionais municipais, decidir sobre as materias de suas compete^ncias, emitir pareceres sobre as questoes educacionais e fiscalizar as receitas e despesas dos recursos aplicados a educaçao dos seus respectivos municí´pios.

Essas finalidades, postas para esse orgao, se tornariam possí´veis e muito mais facilitadas atraves da participaçao da sociedade civil que, uma vez organizada atraves dos colegiados, poderia contribuir na fiscalizaçao e no acompanhamento das açoes derivadas das polí´ticas educacionais e seria a mais beneficiada com a sua efetivaçao dessas, uma vez que, como aponta Lima (2009), “nao existe democracia sem que as pessoas se envolvam em projetos transformadores, de forma substantiva, atuando nos campos decisorios. O que remete ao campo do controle social” (LIMA, 2009, p. 2).

Entretanto, apesar de ambos os conselhos investigados possuí´rem caracterí´sticas semelhantes em sua formaçao e constituiçao e, de acordo com seus documentos regulamentadores, serem polí´tica e administrativamente auto^ nomos, os dados levantados nessa investigaçao permitiram identificar as diferenças que existem entre eles quanto ao funcionamento, a periodicidade das reunioes, a eleiçao de diretoria, dentre outros aspectos normativos caracterí´sticos dos orgaos.

Enquanto no municí´pio de Barra do Choça se verificou uma maior organizaçao estrutural, tanto no que diz respeito aos aspectos documentais quanto nos aspectos fí´sicos e de logí´stica (sala adaptada nas depende^ncias da Secretaria de Educaçao destinada exclusivamente para as reunioes do Conselho e registros em atas que comprovam as reunioes periodicas como previstas no regimento), em Ca^ ndido Sales nao se encontrou essa mesmas condiçoes de funcionamento do Conselho.

Tambem em Barra do Choça foi identificado um certo empenho no desenvolvimento das funço˜es do Conselho, o que demonstra que existe um comprometimento e uma participaçao em relaçao ao controle e a fiscalizaçao das polí´ticas publicas educacionais, coerente, portanto, ao que se pretende com o Conselho Municipal de Educaçao. Ja na realidade de Ca^ ndido Sales, apesar da preocupaçao notavel e do desejo expresso por parte dos conselheiros entrevistados em fazer com que esse orgao funcione de maneira que venha a cumprir com suas atribuiçoes regimentais de forma efetiva e comprometida com seus pares, os empecilhos sao maiores para que o Conselho, de fato, funcione como orgao de controle das polí´ticas publicas educacionais.

O perfil dos CMEs estudados revela, porem, nao somente suas caracterí´sticas, que sao ora semelhantes ora diferentes entre si, mas tambem evidenciam as diferenças existentes na sociedade plural brasileira, na qual os interesses de classes sao antago^ nicos no que se refere a definiçao e implementaçao de polí´ticas publicas, contribuindo para que as questoes polí´ticas e partidarias, tao claramente perceptíveis nos municí´pios pequenos, beneficiem as situaçoes individuais em detrimento do bem coletivo (PARO, 2000, p. 54).

As condiçoes polí´ticas, econo^ micas, materiais, sociais e ideologicas da populaçao, assim como a visao cultural que essa tem sobre as polí´ticas educacionais e a participaçao no controle dessas polí´ticas, infelizmente, nao te^m influenciado favoravelmente na definiçao e conduçao das polí´ticas publicas, e, de maneira especial, das polí´ticas educacionais dos municí´pios investigados. Portanto, apesar da existe^ncia de uma legislaçao que orienta, a partir de princí´pios democraticos a formalizaçao dos Sistemas Municipais de Ensino, e mesmo que a grande maioria dos municí´pios os tenham formalizados, nos municí´pios investigados nao ha ainda, em sua operacionalizaçao de fato, vestí´gios concretos de terem conseguido se constituir como instrumentos auto^ nomos de controle social das polí´ticas educacionais municipais.

3Relaçao de igualdade entre entes federados, que respeitando as esferas de compete^ ncias de cada um, dialogam entre si, procurando respeitar o direito a educaçao a todos. Nesse regime a Uniao teria papel preponderante para com estados e municí´pios, no que tange as polí´ticas educacionais, visando a partir de uma açao supletiva, colaborar, especificamente nas regioes mais carentes do paí´s, buscando equalizar as oportunidades educacionais (COSTA, 2010).

4Tal como concebido na modernidade, o Estado nacional e uma instituiçao (ou o conjunto delas) permanente e regida por uma constituiçao. Ja o governo, esse tem natureza transitoria, e e constituí´do por um grupo de pessoas que deveriam cumprir a tarefa de colocar o Estado em açao.

Referências

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Recebido: Abril de 2020; Aceito: Junho de 2020; Publicado: Julho de 2020

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