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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.15  Curitiba  2021  Epub 03-Set-2021

https://doi.org/10.5380/jpe.v15i0.78850 

Artigos

Base Nacional Comum Curricular e Currículo da Cidade: alinhamento total

Common National Curricular Base and City Curriculum of: total alignment

Currículo base común nacional y currículo de la ciudad: alineación total

Pedro Xavier Russo Bonetto1 
http://orcid.org/0000-0002-3194-1423

1 Doutorando em Educação na temática Educação e Ciências Sociais: Diferenças e Desigualdades (FE-USP). Professor da rede municipal de São Paulo e da Faculdade Flamingo nos cursos de Pedagogia e licenciatura em Educação Física. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Física Escolar da FE-USP. São Paulo, SP. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3194-1423. E-mail: pedro.bonetto@grupoflamingo.com


Resumo

O artigo em questão examina o documento curricular do município de São Paulo, denominado Currículo da Cidade, e compara-o com a Base Nacional Comum Curricular. O método empreendido foi a análise de discurso em sua perspectiva foucaultiana. As verificações indicam que os discursos dos documentos estão absolutamente alinhados, quando não, iguais. Além disso, os documentos são produzidos no mesmo contexto social, ambos contaram com pouca participação efetiva dos professores e ilustram uma concepção de Educação Física tecnicista e acrítica.

Palavras-chave: Educação Física; Currículo; Políticas públicas; Base Nacional Comum Curricular; Currículo da Cidade

Abstract

The article examines the curriculum document of the city of São Paulo, called the Currículo da Cidade, and compares it with the National Common Curricular Base. The method used was speech analysis in its Foucaultian perspective. The analyses indicate that the speeches described in the documents are absolutely aligned. In addition, the documents are produced in the same social context, they didn't have an effective engagement of teachers and illustrate a conception of technical and uncritical physical education.

Keywords: Physical Education; Curriculum; Public policies; National Common Curricular Base; City Curriculum

Resumen

El artículo analiza el documento curricular del municipio de São Paulo, denominado Currículo da Cidade, y lo compara con la Base Nacional Común Curricular. El método emprendido fue el análisis de discurso en su perspectiva foucaultiana. Los análises de los documentos se producen en el mismo contexto social, ambos contaron con poca participación efectiva de los profesores e ilustran una concepción de Educación Física tecnicista y acrítica.

Palabras clave: Educación Física; Currículo; Políticas públicas; Base Nacional Común Curricular; Currículo de la Ciudad

Introdução

O ano é 2017, no âmbito nacional, ainda no mês de abril, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) entrega uma quarta versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Conselho Nacional de Educação (CNE). Em dezembro, por meio da Resolução CNE/CP nº 2, o CNE aprova o documento que, em seguida, é homologado pelo ministro da Educação, na época, Mendonça Filho, em cerimônia no Palácio do Planalto.

Na ocasião, por meio de um vídeo institucional do Ministério da Educação, o ministro chama de “dia histórico” e complementa dizendo que o Brasil terá sua primeira Base Nacional Comum Curricular, alinhando-se, consequentemente, aos melhores e mais qualificados sistemas educacionais do mundo.

Isso significa que um aluno do Piauí terá acesso ao mesmo aprendizado que o aluno de São Paulo, do Rio Grande do Sul, do Amazonas ou de Pernambuco. A base é um grande passo para diminuir desigualdades educacionais e promover a qualidade das aprendizagens (MENDONÇA FILHO, 2017, 0 min. 30 s2).

José Mendonça Filho destaca também que, a partir da homologação da BNCC, as redes de ensino públicas e particulares passam a ter uma referência nacional obrigatória para elaboração de seus currículos. Continuando, define que a Base Curricular é “inovadora, democrática e plural” e que o documento está sendo entregue aos brasileiros “sem ideologia de gênero, mas respeitando as diferenças e os Direitos Humanos”. Se não bastasse, o ministro afirma que a BNCC homologada foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) após três anos de discussão com educadores, especialistas e a sociedade.

Na prática, o MEC, a partir de um novo ministro empossado, Rossieli Soares da Silva, institui o Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular (ProBNCC) e o “Dia D”, dia nacional de discussão sobre a BNCC (já com a etapa do Ensino Médio), em que professores, gestores e técnicos da educação, teoricamente, debateram e preencheram um formulário on-line sugerindo melhorias no documento. Em 14 de dezembro de 2018, o ministro Rossieli Soares da Silva homologa a última versão do documento já com a etapa do Ensino Médio3.

Retornando para 2017, no âmbito do município de São Paulo, após eleito no primeiro turno, João Dória nomeia para secretário municipal de Educação Alexandre Alves Schneider. No mesmo ano, anuncia-se a elaboração de um novo documento curricular para o município. Em março de 2017, o documento começa a ser preparado com a realização de um seminário municipal. Em agosto, assim como aconteceu com a BNCC, é criada uma atividade de consulta on-line para professores e professoras das escolas do município. Em dezembro, sua versão é finalizada e o documento é publicado.

De acordo com a Secretaria Municipal de Educação do Município de São Paulo (SME-SP), o novo currículo vai formar cidadãos globais, salientando-se que todos (governos, agências da Organizações das Nações Unidas - ONU, sociedade civil organizada, setor privado e cada cidadão de cada país) têm responsabilidades para que o mundo consiga atingir os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), adotados em 2015 pela Assembleia Geral da ONU.

Após a publicação do documento, para a SME-SP o desafio seria a implementação do novo currículo de São Paulo. Para tanto, os membros das Diretorias Regionais de Educação (DRE) foram formados para que eles mesmos consigam repassar as informações para os professores das escolas de suas regionais. Os professores, por sua vez, devem ser capacitados para conseguirem visualizar os desafios da escola e buscar as soluções com os alunos.

Já o segredo para fazer com que o processo de construção e implementação de um currículo seja exitoso e realmente incorporado pelas escolas é, segundo Wagner Palanch, diretor de currículo da SME, focar na territorialidade e na identidade local. “O currículo de São Paulo tem a cara da cidade”, afirma o diretor da SME, Wagner Palanch. A ideia, portanto, é apontar caminhos para a construção de um currículo que traga essa identidade, e não simplesmente replicar o currículo de outras localidades em outros municípios ou em outros estados4.

Na apresentação do documento, os autores afirmam que o Currículo da Cidade “foi elaborado a muitas mãos pelos profissionais de nossa Rede, resultado de um trabalho dialógico e colaborativo, que buscou integrar as experiências, práticas e culturas escolares já existentes na história desta Rede” (p. 7).

Considerando esta breve contextualização e reconhecendo a importância desses documentos curriculares, um no âmbito nacional, outro da capital do estado de São Paulo, o presente artigo tem como objetivo promover uma análise dos discursos sobre as concepções de Educação Física, objetivos do componente, concepções de aprendizagem e conhecimento, explicitados nos textos da BNCC (2018) e do Currículo da Cidade (2017).

Portanto, o intuito é desenvolver uma análise de discurso (AD) partir de uma perspectiva foucaultiana (BRANDÃO, 2004; FISCHER, 1995; 2001; RODRIGUES; MELLO, 2020). Importante ressalvar que tal concepção não se constitui exatamente como a de uma ferramenta metodológica ou interpretativa. É mais uma concepção de linguagem, como acontecimentos, a qual, por sua vez, a partir de determinados contextos, saberes e domínios, produz regimes discursivos que se instituem como verdade. Assim, Fischer (1995) assevera que os objetos de um discurso podem prestar-se a inúmeras análises, pois os jogos de relações, dentro e fora dos discursos, são também inúmeros. Ao circunscrever sua região de trabalho, o analista tem condições de investigar as regras de aparecimento de um objeto, as quais permitirão conferir um tipo de unidade ao discurso.

Embora se apoie nos conceitos da linguística, o interesse da AD recai principalmente sobre os textos cujos enunciados seriam restringidos por um forte esquema institucional; também sobre aqueles materiais linguísticos em que se inscrevem e se cristalizam embates sociais significativos; finalmente, sobre os textos que se afirmam por constituir um espaço próprio, no exterior de um interdiscurso limitado (FISCHER, 1995, p. 22).

Assim, interessa-nos também relacionar os discursos pedagógicos dos referidos documentos curriculares, identificando suas similitudes de enunciação, seus contextos e intencionalidades, bem como as relações de saber-poder que constituem e estabelecem os discursos presentes nos textos.

Método

Na tentativa de analisar as concepções de Educação Física, objetivos do componente, concepções de aprendizagem e conhecimentos explicitados nos documentos curriculares, BNCC (2018) e do Currículo da Cidade (2017), empreendemos uma análise de discurso em uma perspectiva foucaultiana.

Brandão (2004), amparada pela perspectiva foucaultiana, sustenta que o discurso seria concebido como uma família de enunciados pertencentes a uma mesma formação discursiva. Segundo a autora, é a que diz respeito à existência de um domínio, a associação de um enunciado a um conjunto de enunciados, que, inspirada em Foucault, afirma que não existe um enunciado isolado, ou seja, em um enunciado pode estar presente um ou mais enunciados de outros discursos.

Outrossim, Fischer (2001) escreve que, para analisar os discursos, segundo a perspectiva de Foucault, precisamos recusar as explicações unívocas, as fáceis interpretações e a busca do sentido último ou oculto das coisas. Por essa razão, é preciso ficar no nível de existência das palavras, das coisas ditas, trabalhar arduamente com o próprio discurso, deixando-o aparecer na complexidade que lhe é peculiar. Além disso, defende-se a ideia do discurso como uma produção de sentidos, em um determinado contexto social, histórico e em certas condições que são imanentes, provisórias, arbitrárias e estreitamente associadas com relações de poder de seu tempo.

Na perspectiva foucaultiana, as relações de poder não são essencialmente negativas, visto que não apenas proíbem, oprimem, impedem, mas também produzem, criam, inventam, recortam as coisas, o mundo, os homens e dão visibilidade. Dessa maneira, o poder está intimamente relacionado com as questões de saber.

Fischer (1995, p. 22) afirma que “discurso e poder são inseparáveis. O discurso, esse ‘bem positivo’, tem suas regras de aparecimento, tem suas condições de apropriação e coloca, desde o início, a questão do poder. Ele é, por natureza, e sempre, objeto de uma luta política”.

[...] o poder possui uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica, uma positividade. O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir (FOUCAULT, 2012, p. 44-45).

Portanto, busca-se analisar os discursos explicitados no texto e aqueles que falam sobre o texto. Não há nada oculto, nada fora do texto e os discursos se envolvem em relações de poder com a produção de saberes. Para o filósofo francês, saber é poder. Assim, estabelece-se a famosa relação de “saber-poder”, cuja questão principal não é mais “O que diz isso?” ou “O que isso quer dizer?”, mas “Sob quais poderes esse saber se constituiu?”, “Como se constituiu esse saber, e não outro?”, “Quais as estratégias discursivas empregadas na instauração desses discursos?”.

Para Fischer (2001), nossos atos de fala se inscrevem no interior de algumas formações discursivas e de acordo com certo regime de verdade, o que significa que estamos obedecendo a um conjunto de regras dadas historicamente e afirmando verdades de um tempo.

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral de verdade”, isto é, os tipos de discurso que ela aceita e faz funcionar como Verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros e os falsos, a maneira como se sancionam uns e outros; as técnicas e procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm a função de dizer o que funciona como verdadeiro (FOUCAULT, 2011, p. 213).

Ainda de acordo com Fischer (2001), na verdade, tudo é prática em Foucault. E tudo está imerso em relações de poder e saber, que se implicam mutuamente, enunciados e visibilidades, textos e instituições, falar e ver constituem práticas sociais amarradas às relações de poder, que as supõem e as atualizam.

Análise dos discursos

Comecemos assinalando que os procedimentos de análise e o objeto de estudo têm forte dependência do que chamamos de condições de produção. As condições de produção caracterizam o discurso, pois foram elas que possibilitaram a imanência dos discursos analisados. Assim, a construção de um discurso pelo sujeito depende de suas condições de produção. Logo, seria esperado que entre os documentos, BNCC (2018) e Currículo da Cidade (2017), houvesse semelhanças e relações de dialogicidade, justamente porque são frutos do mesmo tempo, dos mesmos contextos políticos, econômicos e sociais.

O fato de que os enunciados se constroem sob determinadas circunstâncias bem concretas leva-nos a discutir mais exaustivamente esse conceito fundamental da AD: as condições de produção de um discurso. O contexto histórico-social, o lugar de onde falam os interlocutores, a imagem que cada um faz do outro - tudo isso deve ser considerado na análise (FISCHER, 1995, p. 31).

Em especial, chama-nos atenção a ruptura existente entre a segunda e a terceira versão na BNCC (2015-20165), bem como a ruptura do Currículo da Cidade (2017) em relação ao documento Direitos de Aprendizagem (SÃO PAULO, 2016) produzido e publicado apenas um ano antes do atual. Que pressa seria essa de interditar e substituir o que estava sendo elaborado há tão pouco tempo? Será que o contexto de impeachment e a criminalização das políticas consideradas à esquerda aceleraram o processo? A segunda versão da BNCC em gestão ainda pelo MEC da Presidente Dilma Rousseff e os Direitos de Aprendizagem (2016), gestados durante o mandato do ex-prefeito Fernando Haddad, precisavam, com tudo o que vinha do referido partido, ser interrompidos e substituídos? Isso fica evidente a partir da fala do ministro Mendonça Filho, mas não tão explícito no caso do documento oficial do município.

Outro elemento importante da análise de discurso refere-se aos sujeitos que enunciam e os sujeitos que são enunciados pelos documentos.

Quadro 1 Comparação entre os enunciadores (elaboradores) dos textos 

Currículo da Cidade BNCC
Secretaria Municipal de Educação (SME-SP) Ministério da Educação (MEC)
Assessoria da Educação Física: Prof. Dra. Suraya Cristina Darido da Cunha. Comissão de Especialistas da Base Nacional Comum: Prof. Dra. Suraya Cristina Darido da Cunha (Educação Física).
Equipe técnica composta apenas 20 professores/as, indicados/as pelas 13 diretorias regionais6. Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED).
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME).
"Para dar conta dessa pluralidade, o Currículo da Cidade foi construído a partir da escuta e da colaboração de estudantes, professores e gestores da Rede Municipal de Ensino (SÃO PAULO, 2017, p. 17). Elaborada por especialistas de todas as áreas do conhecimento, a Base é um documento completo e contemporâneo, que corresponde às demandas do estudante desta época, preparando-o para o futuro. Concluída após amplos debates com a sociedade e os educadores do Brasil [...] (BNCC, 2018, p. 5).
Consulta on-line7. Consulta dos professores on-line (Dia "D").

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Importante realçar que ambos os materiais, por reduzidas que tenham sido as participações nos fóruns decisivos de produção dos textos, obviamente não são produções de um órgão ou sujeito autônomo e centrado. Não contemplamos o aspecto ideológico, muito menos de um Ser consciente e potente de suas intencionalidades, portanto capaz de gerir as práticas pedagógicas de professores e professoras de um município inteiro, quiçá do Brasil. Certamente, outras instâncias, campos enunciativos, grupos sociais, afetaram os discursos lá presentes. Há de considerar a ampla participação em instâncias anteriores, na BNCC, nas versões anteriores e no município de São Paulo, durante a produção dos últimos documentos. Há de se levar em conta a presença (de poucos) de grupos diferentes nos textos da versão final. Por fim, o reconhecimento daquilo que estava permeando a área, seus saberes já instituídos em fóruns e tempos anteriores.

Todavia, é importante observar: Quem são os enunciadores? De onde eles/elas falam? Ministério da Educação (MEC) e Secretaria Municipal de São Paulo. Tudo indica que há um jogo entre os enunciadores-autoridades, ou seja, “voz oficial”, “voz da lei”, “voz do governo”, “aqueles que auxiliam”, “controlam”, “orientam”, os quais avalizam os enunciados constitutivos de uma “boa aula de Educação Física”, “bons conteúdos”, “boas práticas curriculares”. Outrossim, sobre os sujeitos dos quais esses textos falam, no caso, os documentos curriculares BNCC e Currículo da Cidade, a quem se referem?

Quadro 2 Sujeitos que são enunciados pelos textos (público-alvo) 

Currículo da Cidade BNCC
Nosso propósito é que o Currículo da Cidade oriente o trabalho na escola e, mais especificamente, na sala de aula. Para isso, faz parte de nossas ações de implantação a produção de um volume com Orientações Didáticas e a de Materiais Didáticos, que complementam as discussões deste currículo e apoiam as atividades diárias com os estudantes. A formação continuada dos profissionais da Rede também integra essas ações, pois é condição para o salto qualitativo na aprendizagem dos nossos estudantes, premissa em que este documento está fundamentado (p. 7). Nesse sentido, espera-se que a BNCC ajude a superar a fragmentação das políticas educacionais, enseje o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e seja balizadora da qualidade da educação. Assim, para além da garantia de acesso e permanência na escola, é necessário que sistemas, redes e escolas garantam um patamar comum de aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a qual a BNCC é instrumento fundamental (p. 8).
A SME irá propor projetos de formação continuada juntamente com as escolas, priorizando processos de desenvolvimento profissional centrados na prática letiva de cunho colaborativo e reflexivo, a fim de que os professores tenham condições de implementar o novo currículo considerando seu contexto escolar (p. 49). • Construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de processo ou de resultado que levem em conta os contextos e as condições de aprendizagem, tomando tais registros como referência para melhorar o desempenho da escola, dos professores e dos alunos.
• Criar e disponibilizar materiais de orientação para os professores, bem como manter processos permanentes de formação docente que possibilitem contínuo aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem.
• Manter processos contínuos de aprendizagem sobre gestão pedagógica e curricular para os demais educadores, no âmbito das escolas e sistemas de ensino (p. 17).

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Aqui, ambos os documentos se dirigem para enunciadores-reprodutores, inseridos na trama discursiva da “melhoria da educação básica”, “salto qualitativo”, “desenvolvimento profissional” e “melhorar o desempenho da escola”. Todos elementos relacionados com a necessidade de cursos de formação continuada de professores. Ainda que seja dura a acusação, os textos colocam a autonomia das redes de ensino e a capacidade profissional e intelectual dos docentes sob suspeição. Tratamos, aqui, com os professores “desorientados”, com “formação ultrapassada”, “que precisam fazer dessa forma”, “que não sabem dar aulas assim”, portanto, “que fazem errado”, possivelmente “malformados”.

Dessarte, corroboramos a análise de Rufino e Souza Neto (2016) de que a BNCC pode se desenvolver a partir de um cenário utilitarista e meramente aplicacionista. Apoiados nos estudos de Maurice Tardif, os autores asseveram que essa perspectiva desconsidera o trabalho docente como núcleo gerador de sentidos e significados da profissão, estando em desacordo com os processos que buscam legitimar a profissionalização do ensino.

Outro elemento que nos chama atenção é o discurso de “patamar comum de aprendizagens” ou “aprendizagens essenciais”, pois fica nítido que o texto procura se justificar pautado pela tese de “unidade”, “igualdade” e “desfragmentação” das verdades sobre a Educação.

No Brasil, um país caracterizado pela autonomia dos entes federados, acentuada diversidade cultural e profundas desigualdades sociais, os sistemas e redes de ensino devem construir currículos, e as escolas precisam elaborar propostas pedagógicas que considerem as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes, assim como suas identidades linguísticas, étnicas e culturais (BRASIL, 2018, p. 15).

Assim, quando a BNCC coloca a “autonomia dos entes federados”, a “acentuada diversidade cultural”, ao lado das “profundas desigualdades sociais”, estabelece-se uma relação de causalidade entre os dois primeiros elementos e a desigualdade, criando a demanda por currículos normativos.

Continuando, é importante reconhecer que os dois documentos se apoiam explicitamente, trata-se de um alinhamento, tal como deve ser uma proposta nacional e uma municipal, buscando assim o chamado pacto interfederativo.

Quadro 3 Enunciados que demonstram o alinhamento entre os documentos 

Currículo da Cidade BNCC
O Currículo da Cidade busca alinhar as orientações curriculares do Município de São Paulo ao processo de construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que define as aprendizagens essenciais a que todos os estudantes brasileiros têm direito ao longo da Educação Básica. A BNCC estrutura-se com foco em conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para promover o desenvolvimento integral dos estudantes e a sua atuação na sociedade (p. 10). Legitimada pelo pacto interfederativo, nos termos da Lei nº 13.005/2014, que promulgou o PNE, a BNCC depende do adequado funcionamento do regime de colaboração para alcançar seus objetivos.
Sua formulação, sob coordenação do MEC, contou com a participação dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios, depois de ampla consulta à comunidade educacional e à sociedade, conforme consta da apresentação do presente documento (p. 20).
Nos objetos de conhecimento, foram utilizadas em algumas práticas corporais as categorias apontadas pela BNCC (2017). No cotidiano da escola, em cada plano de ensino e de acordo com sua realidade territorial, podem-se construir outras relações e outras compreensões que ampliem o entendimento do fenômeno da cultura corporal (NOTA DE RODAPÉ, p. 75). Com a homologação da BNCC, as redes de ensino e escolas particulares terão diante de si a tarefa de construir currículos, com base nas aprendizagens essenciais estabelecidas na BNCC, passando, assim, do plano normativo propositivo para o plano da ação e da gestão curricular que envolve todo o conjunto de decisões e ações definidoras do currículo e de sua dinâmica (p. 20).

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Fica evidente, então, que a BNCC foi produzida num contexto de inspirar e orientar os demais currículos, dos estados e municípios, mas torna-se duvidoso o grau de autonomia que tais redes poderão usufruir, uma vez que, além de “implementar” o texto da BNCC, descreve uma ação de monitoramento: “Por se constituir em uma política nacional, a implementação da BNCC requer, ainda, o monitoramento pelo MEC em colaboração com os organismos nacionais da área - CNE, Consed e Undime” (p. 21).

Em busca da especificidade das redes de ensino, bem como da garantia de uma certa autonomia no trabalho dos professores, ambos os textos chamam atenção para a possibilidade de construção de currículos locais, com autonomia para organizar seus percursos formativos a partir de suas próprias realidades.

Quadro 4 Enunciados que indicam a possibilidade de reconstrução dos discursos presentes nos documentos. 

Currículo da Cidade BNCC
[...] Sua implementação acontece por meio da construção de currículos locais, de responsabilidade das redes de ensino e escolas, que têm autonomia para organizar seus percursos formativos a partir da sua própria realidade, incorporando as diversidades regionais e subsidiando a forma como as aprendizagens serão desenvolvidas em cada contexto escolar (p. 10). Por fim, cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e competência, incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e integradora (p. 19).
Cabe destacar ainda que os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento apresentam uma numeração que tem como propósito a localização. Não se trata, em hipótese alguma, uma sequência a ser seguida, nem um pré-estágio ou um pré-requisito para trabalhar com um objetivo e depois outro, já que a dinâmica das aulas, o planejamento do professor e sua leitura aguçada pela avaliação é que determinarão quantos e quais objetivos serão trabalhados (p. 74).  

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Avançando na materialidade dos discursos (técnicas, práticas, relações sociais, conhecimento), Fischer (1995) descreve que o sentido também não é dado a priori, uma vez que as palavras só significam no interior de cada formação discursiva, isto é, no jogo de relações com outras palavras, expressões ou construções dessa mesma formação. Agora, é o momento de desmembrar, identificar e agrupar os elementos efetivamente citados. Por esse motivo, tentamos elaborar uma espécie de mapa do discurso em questão, desenhando seus contornos e intersecções do interior do campo discursivo dos documentos curriculares oficiais.

No que tange às concepções de Educação Física, os documentos demonstram novamente um forte alinhamento.

Quadro 5 A concepção de Educação Física enunciada pelos documentos e organização dos eixos/unidades temáticas 

Currículo da Cidade BNCC
Diante desse contexto, a Educação Física como linguagem valoriza e reconhece essa diversidade e busca criar um ambiente propício para que as diferentes narrativas possam se manifestar a partir de suas próprias culturas. Tratar a cultura corporal dessa maneira não é valorizar o que no senso comum se diz ser "teoria" em detrimento da prática. Pelo contrário, é compreender que a vivência (prática refletida) só é ampla e integral se atuamos sobre o "saber fazer", atribuindo, problematizando e produzindo significados. (p. 68) Esse modo de entender a Educação Física permite articulá-la à área de Linguagens, resguardadas as singularidades de cada um dos seus componentes, conforme reafirmado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de Nove Anos (Resolução CNE/CEB nº 7/2010 (p. 214).
Em relação aos objetos de conhecimento, a organização ao longo dos ciclos teve a preocupação em contemplar diferentes contextos. No Ciclo de Alfabetização, a partir do contexto familiar/comunitário [...]. No Ciclo Interdisciplinar, os objetos de conhecimento são tematizados a partir do contexto regional e nacional. [...] No Ciclo Autoral, apresentam-se os objetos de conhecimento no contexto mundial e digital (p. 74). Na BNCC, as unidades temáticas de Brincadeiras e jogos, Danças e Lutas estão organizadas em objetos de conhecimento conforme a ocorrência social dessas práticas corporais, das esferas sociais mais familiares (localidade e região) às menos familiares (esferas nacional e mundial). Em Ginásticas, a organização dos objetos de conhecimento se dá com base na diversidade dessas práticas e nas suas características. Em Esportes, a abordagem recai sobre a sua tipologia (modelo de classificação), enquanto Práticas corporais de aventura se estrutura nas vertentes urbana e na natureza (p. 219).
Eixos Temáticos: jogos e brincadeiras, danças, lutas, ginásticas, esportes e práticas corporais de aventuras. Unidades Temáticas: jogos e brincadeiras, danças, lutas, ginásticas, esportes e práticas corporais de aventura.
Jogos e Brincadeiras (contexto familiar e comunitário, regionais e populares do Brasil, do mundo e digitais). Jogos e Brincadeiras (do contexto comunitário e regional, populares do Brasil e do mundo, de matriz indígena e africana e jogos eletrônicos).
Esporte (marca; precisão; invasão; campo e taco, rede e parede; combate e técnico-combinatório). Esporte (marca; precisão; invasão; campo e taco, rede e parede; combate e técnico-combinatório).
Ginásticas (Geral, práticas corporais circenses e ginástica de condicionamento, ginástica de consciência corporal). Ginásticas (Geral, de condicionamento físico e ginástica de consciência corporal).
Danças (contexto familiar, comunitário, regional e midiático, do Brasil, urbanas do Brasil e do mundo). Danças (contexto comunitário e regional do Brasil e do mundo Danças de matriz indígena e africana, urbanas e de salão).
Lutas (jogos de oposição, de oposição do contexto familiar e comunitário, do Brasil, curta, média, longa e mista distância). Lutas (Lutas do contexto comunitário e regional, lutas de matriz indígena e africana, do Brasil e do Mundo).
Práticas corporais de aventuras (urbanas e na natureza). Práticas corporais de aventuras (urbanas e na natureza).

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Os textos indicam que o componente está relacionado com a área de Linguagens, logo, compreendem que o objeto de estudo da Educação Física são os signos, sentidos e significados que os grupos sociais conferem à cultura corporal (ou cultura corporal de movimento). Como é possível observar, a organização dos conteúdos em eixos ou unidades temáticas também seguem uma lógica técnica e aplicacionista. No caso das brincadeiras e jogos, danças e lutas, o critério de categorização é a ampliação dos contextos de localidade, indo do familiar/comunitário até o mundial. Nas temáticas de ginástica, o critério é a intencionalidade da prática; nas práticas de aventura, o critério é o local de ocorrência; por fim, os esportes são tipificados por características internas, baseadas em critérios acríticos (técnicas, regras, gestos ou formas de competição). Novamente, o alinhamento indicado até o momento aparece de forma mais explícita e consistente quando comparamos, lado a lado, os Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento (SÃO PAULO, 2017) e as Habilidades (BRASIL, 2018).

Quadro 6 Brincadeiras e jogos, 1º e 2º anos do Ensino Fundamental 

Currículo da Cidade BNCC
(EF01EF01) Vivenciar/experimentar diferentes brincadeiras e jogos do contexto familiar/comunitário, incluindo os de matrizes africanas e indígenas, identificando os elementos comuns a essas brincadeiras (p. 78). (EF12EF01) Experimentar, fruir e recriar diferentes brincadeiras e jogos da cultura popular presentes no contexto comunitário e regional, reconhecendo e respeitando as diferenças individuais de desempenho dos colegas (p. 226-227).
(EF01EF02) Explicar as brincadeiras e jogos populares do contexto familiar/comunitário, incluindo os de matrizes africanas e indígenas, reconhecendo e valorizando a importância dessas brincadeiras e jogos para suas culturas de origem (p. 78). (EF12EF02) Explicar, por meio de múltiplas linguagens (corporal, visual, oral e escrita), as brincadeiras e os jogos populares do contexto comunitário e regional, reconhecendo e valorizando a importância desses jogos e brincadeiras para suas culturas de origem (p. 226-227).
(EF01EF03) Organizar e utilizar estratégias para resolver desafios de brincadeiras e jogos do contexto familiar/comunitário, incluindo os de matrizes africanas e indígenas, prezando pelo trabalho coletivo e pelo protagonismo com base no reconhecimento das características dessas práticas (p. 78). (EF12EF03) Planejar e utilizar estratégias para resolver desafios de brincadeiras e jogos populares do contexto comunitário e regional, com base no reconhecimento das características dessas práticas (p. 226-227).

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Quadro 7 Esportes de marca e precisão, 1º e 2º anos do Ensino Fundamental 

Currículo da Cidade BNCC
(EF01EF05) Vivenciar/experimentar esportes e paradesportos de marca e de precisão, prezando pelo trabalho coletivo e pelo protagonismo e identificando os elementos comuns a esses esportes (p. 78). (EF12EF05) Experimentar e fruir, prezando pelo trabalho coletivo e pelo protagonismo, a prática de esportes de marca e de precisão, identificando os elementos comuns a esses esportes (p. 226-227).
(EF01EF06) Identificar as normas e regras dos esportes e paradesportos de marca e de precisão para assegurar a integridade própria e a dos demais participantes (p. 78). (EF12EF06) Discutir a importância da observação das normas e das regras dos esportes de marca e de precisão para assegurar a integridade própria e as dos demais participantes (p. 226-227).

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Quadro 8 Ginástica geral, 1º e 2º anos do Ensino Fundamental 

Currículo da Cidade BNCC
(EF01EF10) Experimentar/vivenciar diferentes elementos básicos da ginástica (equilíbrios, saltos, giros, rotações, acrobacias, com e sem materiais) e da ginástica geral, de forma individual e em pequenos grupos, adotando procedimentos de segurança (p. 79). (EF12EF07) Experimentar, fruir e identificar diferentes elementos básicos da ginástica (equilíbrios, saltos, giros, rotações, acrobacias, com e sem materiais) e da ginástica geral, de forma individual e em pequenos grupos, adotando procedimentos de segurança (p. 226-227).
(EF01EF11) Participar da ginástica geral, identificando as potencialidades e os limites do corpo e respeitando as diferenças individuais e de desempenho corporal (p. 79). (EF12EF09) Participar da ginástica geral, identificando as potencialidades e os limites do corpo, e respeitando as diferenças individuais e de desempenho corporal (p. 226-227).

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Quadro 9 Danças, 1º e 2º anos do ensino fundamental 

Currículo da Cidade BNCC
(EF01EF19) Experimentar/vivenciar, corporalmente, as danças socializadas no grupo de estudantes e reconhecidas em seu contexto cultural familiar/ comunitário/regional e midiático (TV, internet etc.), incluindo os de matrizes africanas e indígenas (p. 79). (EF12EF11) Experimentar e fruir diferentes danças do contexto comunitário e regional (rodas cantadas, brincadeiras rítmicas e expressivas), e recriá-las, respeitando as diferenças individuais e de desempenho corporal (p. 226-227).
(EF01EF21) Reconhecer semelhanças e diferenças entre as danças e produções culturais apresentadas pelos colegas e aquelas pertencentes ao seu patrimônio cultural familiar (p. 79). (EF12EF12) Identificar os elementos constitutivos (ritmo, espaço, gestos) das danças do contexto comunitário e regional, valorizando e respeitando as manifestações de diferentes culturas (p. 226-227).

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Quadro 10 Lutas, 3º anos do ensino fundamental 

Currículo da Cidade BNCC
(EF03EF24) Vivenciar/experimentar diferentes lutas/jogos de oposição do contexto familiar/comunitário relacionando as diversidades das atividades às características do contexto familiar/comunitário. (EF35EF13) Experimentar, fruir e recriar diferentes lutas presentes no contexto comunitário e regional e lutas de matriz indígena e africana (p. 229).
(EF03EF25) Identificar as diferentes práticas de lutas no contexto familiar/ comunitário e ancestral (indígena, africano e outros), problematizando, por meio da experiência, os significados atribuídos a essas práticas corporais. (EF35EF14) Planejar e utilizar estratégias básicas das lutas do contexto comunitário e regional e lutas de matriz indígena e africana experimentadas, respeitando o colega como oponente e as normas de segurança.

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Quadro 11 Práticas corporais de aventura, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental 

Currículo da Cidade BNCC
(EF08EF42) Experimentar diferentes práticas corporais de aventuras na Natureza (p. 115). (EF89EF19) Experimentar e fruir diferentes práticas corporais de aventura na natureza, valorizando a própria segurança e integridade física, bem como as dos demais, respeitando o patrimônio natural e minimizando os impactos de degradação ambiental (p. 239).
(EF08EF43) Identificar os riscos, formular estratégias e observar normas de segurança para superar os desafios na realização de práticas corporais de aventuras na natureza (p. 115). (EF89EF20) Identificar riscos, formular estratégias e observar normas de segurança para superar os desafios na realização de práticas corporais de aventura na natureza (p. 239).
(EF08EF44) Realizar práticas corporais de aventuras, respeitando o patrimônio natural e minimizando os impactos de degradação ambiental (p. 115). (EF89EF21) Identificar as características (equipamentos de segurança, instrumentos, indumentária, organização) das práticas corporais de aventura na natureza, bem como suas transformações históricas (p. 239).
(EF08EF45) Reconhecer e refletir sobre as características (riscos, instrumentos, equipamentos de segurança, indumentária, organização etc.) e tipos de práticas corporais de aventuras na natureza (p. 115).  
(EF08EF46) Compreender criticamente as transformações históricas das práticas corporais de aventuras na natureza, bem como as possibilidades de recriá-las (p. 115).  

Fonte: Elaborado pelo autor (2021)

Considerações

Considerando os contextos sociais, históricos e culturais de produção dos documentos e a rápida substituição/ruptura com os documentos anteriores, versões 1 e 2 (BNCC) e Direitos de Aprendizagem (SÃO PAULO, 2016) explicam a semelhança e o alinhamento total entre os documentos curriculares examinados. As análises evidenciam que as concepções de Educação Física, aprendizagem, conhecimento e desenvolvimento humano são absolutamente alinhadas, quando não, iguais.

Por essa razão, discordamos de Callai, Becker e Sawitzki (2019) quando afirmam que a BNCC é um avanço em matéria de concepções críticas. De outra forma, consideramos um retrocesso suas características tecnicistas, bem como os polêmicos critérios de classificação e tipificação das unidades temáticas, já apontados por Neira (2018), Santos e Brandão (2018) e Silva, Alves e Souza (2020). Aqui, ampliamos tais análises acerca da BNCC (Educação Física), indicando que o documento Currículo da Cidade (SP - Educação Física) reproduz, ipsis litteris, as concepções acríticas e distantes dos conhecimentos produzidos recentemente na área8.

Na esteira dessas questões, “grita aos olhos” a regularidade materializada nos enunciados dos Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento (SÃO PAULO, 2017) e das Habilidades (BRASIL, 2018). A pergunta que fica é: Se as redes estaduais e municipais seguirem o exemplo da Secretaria Municipal de São Paulo (SME-SP), qual a necessidade de investir tempo e dinheiro público na elaboração de outros documentos curriculares que apenas reproduzem o que já existe? Não bastaria adotar integralmente o texto da BNCC?

Por fim, sugerimos que as demais redes de ensino, caso elaborem seus próprios textos curriculares, façam-no com efetiva participação de seus professores, compreendendo que a BNCC não traduz uma verdade final sobre educação no Brasil. Ao contrário, é necessária uma leitura analítica e contextualizada da proposta, avaliando-a de maneira crítica e passível de múltiplas ressignificações.

2Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CouiSat5o_8. Acesso em: 2 jul. 2020.

3Vale destacar que a produção de uma base comum para o currículo é pensada pelo Ministério da Educação (MEC) no Brasil, desde 2009, com o Programa Currículo em Movimento.

5Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/historico. Acesso em: 5 jul. 2020.

6A título de comparação, no documento antecessor foram 51 professores que participaram da elaboração, sem contar os professores designados nas próprias DREs.

7No mês de agosto, essa versão foi colocada para consulta das equipes gestora e docente, supervisores e formadores das DREs, no Sistema de Gestão Pedagógica (SGP), totalizando mais de 9.000 leituras e mais de 2.550 contribuições analisadas pelas equipes técnicas do Núcleo Técnico de Currículo (NTC) e Divisão de Ensino Fundamental e Médio (DIEFEM) (SÃO PAULO, 2017, p. 13).

8Em um artigo muito assertivo, Silva, Alves e Souza (2020) afirmam que em 2018 durante a produção do Documento Curricular do Estado do Rio de Janeiro ocorreu o mesmo fenômeno de reprodução da BNCC. Os autores também identificam suas características ligadas à cultura corporal e criticam as noções de educação integral, competências e habilidades.

Referências

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NEIRA, Marcos Garcia. Incoerências e inconsistências da BNCC de Educação Física. Rev. Bras. Ciênc. Esporte, Porto Alegre, v. 40, n. 3, p. 215-223, set. 2018. Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101- 32892018000300215&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 12 jan. 2021. https://doi.org/10.1016/j.rbce.2018.04.001Links ]

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Recebido: Janeiro de 2021; Revisado: Março de 2021; Aceito: Abril de 2021

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