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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.15  Curitiba  2021  Epub 06-Set-2021

https://doi.org/10.5380/jpe.v15i0.78940 

Artigos

A política de financiamento da educação infantil e a incidência dos movimentos sociais

Financing policy of the early childhood education and the incidence of social movements

La política de financiación de la educación infantil y la incidencia de los movimientos sociales

Maria Carmem Bezerra Lima1 
http://orcid.org/0000-0002-4172-8618

Carmen Lúcia de Sousa Lima2 
http://orcid.org/0000-0001-9384-5704

Isabel Cristina da Silva Fontineles3 
http://orcid.org/0000-0003-4062-5083

1Doutora em Educação pela UFPI. Professora do Curso de Pedagogia, Centro de Ciências da Educação, Comunicação e Artes da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus Professor Barros Araújo. Picos, Piauí. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4172-8618. E-mail: mariacarmemb@yahoo.com.br

2Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlância (UFU). Professora do curso de Pedagogia, Departamento de Fundamentos da Educação (DEFE), da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Teresina, Piauí, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9384-5704. E-mail: carmenlima5@yahoo.com.br

3Doutora em Educação pela UFPI. Professora do curso de Pedagogia, Centro de Ciências da Educação, Comunicação e Artes da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus Clóvis Moura, Teresina, Piauí. Brasil.Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4062-5083. E-mail: ic.fontineles@hotmail.com


RESUMO

Este artigo apresenta a incidência dos movimentos sociais sobre a política de financiamento da primeira etapa da Educação Básica, com foco nos Fóruns de Educação Infantil e no Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB). Trata-se de um trabalho de revisão bibliográfica que se apoiou em teóricos como Flores (2010), Bassi (2011), Santos (2015), dentre outros. Coloca-se em discussão as contribuições do Fundeb para a ampliação da Educação Infantil, o papel dos movimentos sociais nas lutas empreendidas em defesa do financiamento para essa etapa da educação e as disputas e tensões que marcaram a aprovação do novo Fundeb. Ao final, conclui-se que a participação dos fóruns e do MIEIB nesse processo, por meio de ações como audiências públicas, seminários, reuniões, manifestos, etc., inclusive no contexto da pandemia que, neste caso, se deu pela via das redes sociais, foi de fundamental importância para que aprovássemos o Fundeb como uma política permanente.

PALAVRAS-CHAVE: Financiamento; movimentos sociais; educação infantil

ABSTRACT

This article presents the impact of social movements on the financing policy of the first stage of Basic Education, with a focus on Early Childhood Education Forums and the Inter-Forum Movement for Early Childhood Education in Brazil (MIEIB). This is a bibliographic review work that was supported by theorists such as Flores (2010), Bassi (2011), Santos (2015), among others. The contributions of Fundeb to the expansion of Early Childhood Education, the role of social movements in the struggles undertaken in defense of funding for this stage of education and the disputes and tensions that marked the approval of the new Fundeb are discussed. In the end, it is concluded that the participation of forums and MIEIB in this process, through actions such as public hearings, seminars, meetings, manifestos, etc., even in the context of the pandemic that, in this case, took place through the networks was fundamentally important for us to approve Fundeb as a permanent policy.

KEYWORDS: Financing; social movements; child education

RESUMEN

Este artículo presenta la incidencia de los movimientos sociales en la política de financiamiento de la primera etapa de la Educación Básica, centrándose en los Foros de Educación Infantil y en el Movimiento Inter-Foro de Educación Infantil de Brasil (MIEIB). Es una obra de revisión bibliográfica que fue apoyada por teóricos como Flores (2010), Bassi (2011), Santos (2015), entre otros. Se discuten las contribuciones de Fundeb para la expansión de la Educación Infantil, el papel de los movimientos sociales en las luchas realizadas en defensa de la financiación de esta etapa de la educación y las disputas y tensiones que marcaron la aprobación del nuevo Fundeb. Al final, se concluye que la participación de los foros y del MIEIB en este proceso, a través de acciones como audiencias públicas, seminarios, reuniones, manifiestos, etcetera, incluso en el contexto de la pandemia que, en este caso, se produjo a través de las redes sociales, fue de fundamental importancia para que aprobáramos el Fundeb como política permanente.

PALABRAS CLAVE: Financiación; movimientos sociales; educación infantil

Introdução

A Educação Infantil (EI) é uma demanda social crescente no país, fruto de lutas de setores organizados, responsáveis por mudanças substanciais que caminham para uma concretização dos princípios previstos em lei. Tais mudanças se revestiram em conquistas, que, segundo Cury (1998), foram incorporadas pela Constituição Federal (CF), de 1988, a partir de algo que estava presente no movimento da sociedade e que advinha do esclarecimento e da importância que já se atribuía a essa etapa da educação. “Ela não incorporou esta necessidade sob o signo do Amparo ou da Assistência, mas sob o signo do Direito, e não mais sob o amparo do cuidado do Estado, mas sob a figura do Dever do Estado” (CURY, 1998, p. 10).

Campos (1999) considera que as mudanças que incidem sobre a educação desde a promulgação da CF/88, representaram, para a EI, a conquista de uma legitimidade obtida com atraso em relação à situação existente. Isso porque, a partir de meados dos anos de 1970, o Brasil foi palco de uma expressiva expansão do atendimento às crianças menores de 7 anos por meio das mais variadas modalidades de serviços, sejam privados, governamentais e comunitários. Assim, o segmento da EI foi o que sofreu uma das mais profundas reformas.

No tocante ao financiamento, desde a Constituição Federal de 1988 a Educação Infantil conta com a vinculação mínima de 25% dos impostos mais transferências constitucionais. Com o advento da política de fundos, instituída primeiramente pelo Fundef, com focalização da subvinculação de recursos no Ensino Fundamental, a Educação Infantil fica secundarizada, mas ainda dispunha de 10% dos recursos não vinculados para seu financiamento. Com a substituição do Fundef pelo Fundeb a EI e as demais etapas e modalidades da Educação Básica, passam a ser contempladas com recursos do Fundo.

Este artigo tem por objetivo apresentar a incidência dos movimentos sociais sobre a política de financiamento da EI com foco nos fóruns dessa etapa da educação dos estados e no MIEIB. Para tanto, se fez uma revisão bibliográfica a partir de autores que estudam a temática como Flores (2010), Bassi (2011), Santos (2015), dentre outros e a consulta a documentos legais como Leis e Emendas Constitucionais, assumindo um caráter também de pesquisa documental.

Daí estrutura-se da seguinte forma: a primeira seção traz uma discussão acerca das contribuições do Fundeb para a ampliação da oferta de EI, bem como a caracterização dos mecanismos e dos fundamentos do financiamento desenvolvidos para cumprir com a oferta dessa etapa da educação e das possíveis alterações sofridas pela EI em decorrência da implantação do fundo.

Na sequência, discute-se sobre o papel dos fóruns de EI dos estados e do MIEIB, enquanto movimentos sociais, no processo de aprovação do novo Fundeb, evidenciando a luta histórica desses movimentos na defesa da inclusão de toda a EI na política de financiamento da Educação Básica, seus mecanismos de mobilização e sua importância no enfrentamento das questões inerentes ao atendimento educacional da primeira infância.

A vitória histórica: campo de interesses, disputas e tensões consiste na terceira seção do presente artigo, destacando as três principais fases do Fundeb Permanente pra valer com Custo Aluno Qualidade (CAQ). Todas essas fases passam por uma história recente que representa luta e resistência, envolvendo diversas entidades científicas, sobretudo, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a sociedade civil. A discussão passa pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC), de nº 15/2015, desde que foi protocolada na Câmara dos Deputados, seguindo pela PEC nº 26/2020, após aprovação, tanto na Câmara, com quase unanimidade, quanto no Senado com unanimidade, tornando-se a Emenda Constitucional (EC) de n° 108, de 26 de agosto de 2020, promulgada no Congresso Nacional, tornando o Fundeb em caráter permanente.

1 O financiamento da educação infantil: avanços e retrocessos

As alterações promovidas na CF/88, pela EC nº 53/2006 refletem diretamente no financiamento da Educação Básica, com a criação do Fundeb em substituição ao Fundef, instituído pela EC nº 14/2006, com vigência de 10 anos. Veja-se no quadro abaixo:

Quadro 1 O financiamento da educação infantil: aspectos legais 

Constituição Federal de 1988 Fundef Fundeb
• Educação Infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade. Art. 208, § 4º (Redação dada pela EC nº 53/2006).
• Vinculação de 18% (União); 25% (Estados e DF) e 25% (Municípios) -Art.212.
• A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do PNE. Art. 212, §3º (Redação dada pela EC nº 59/2009.
• Criado pela EC nº 14/1996;
• Regulamentado pela Lei nº 9.424/96 (implantado integralmente em 1998);
• Duração de 10 anos;
• Criado pela EC nº 53/2006;
• Regulamentado na Lei n° 11.494/2007;
• EC n° 53/2006, Art. 7º inciso XXV -assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;
• Duração de 14 anos (novocaput do art. 60 do ADCT)
Responsabilidade de cada ente federado com a educação, os municípios atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na Educação Infantil (Art.211). • Fundo de natureza contábil;
• Contempla somente o Ensino Fundamental
• Fundo de natureza contábil;
• Contempla toda a Educação Básica (Educação Infantil, ensino fundamental e ensino médio).
• PEC nº 15/2015: tem como objetivo principal transformar o Fundeb em instrumento permanente de financiamento da educação básica pública.

Fonte: Santos (2015); Brasil (2007); elaborado pelas autoras.

O quadro acima demonstra que o financiamento da educação no Brasil possui algumas características peculiares, como a existência de normas constitucionais, que dispõe sobre a obrigatoriedade, bem como sobre percentuais mínimos de vinculação constitucional que devem ser investidos em educação; a criação de fundos de natureza contábil para financiar os sistemas de ensino, mediante a razão da matrícula. Além disso, o financiamento caracteriza-se por um perfil de arrecadação centralizada e de responsabilidades descentralizadas na aplicação dos recursos, bem como a existência de problemas relacionados à eficiência, eficácia e equidade (SANTOS, 2015).

Em que pese todo o arcabouço legal em torno do financiamento da educação, que a partir da CF/88 passa a ser tratado como uma questão de cidadania, como um dever do Estado, no sentido de assegurar o direito à educação, frequentemente os recursos financeiros destinados às crianças pequenas são insuficientes, pois, apesar do significativo avanço e da responsabilização dos entes municipais pela EI, essa etapa da educação não nasceu como prioridade, tampouco com uma política clara e específica de financiamento educacional (SANTOS, 2015).

Particularmente, importa registrar que a política de fundos impactou direta e indiretamente na oferta da EI, já que a aprovação do Fundef, nesse panorama, ao priorizar o Ensino Fundamental, trouxe de forma acentuada, implicações para a oferta desta etapa da educação. É o que apontam os estudos de Arelaro (2008), ao analisar o processo de municipalização do Ensino Fundamental no Brasil, constatando que cerca de 70% das matrículas dos anos iniciais dessa etapa da educação ficaram sob a responsabilidade das prefeituras. Para Arelaro (2008, p. 51), “essa medida impediu, na prática, a utilização de parte significativa dos recursos vinculados constitucionalmente à MDE em outras etapas de ensino que não a do fundamental”.

A EC nº 53/2006 manteve ainda as mesmas proporções para a manutenção e o desenvolvimento do ensino, e os municípios, assim como os estados e o Distrito Federal, têm de aplicar, no mínimo, 25% da receita resultante de impostos e de transferências (caput artigo 212). “A vinculação, como ficou conhecido esse dispositivo, gera, de longe, o montante de recursos mais significativos para o financiamento da educação municipal” (BASSI, 2011, p. 119).

No tocante à responsabilidade financeira com a EI, convém ressaltar que, embora seja competência e responsabilidade dos municípios a sua oferta, conforme prevê a legislação, muitos municípios não cumpriram essa determinação legal. Isso se deve, principalmente, ao fato de que

Até a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - Fundeb, em substituição ao Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef, a Educação Infantil não contava com recursos especialmente vinculados a seu financiamento, deixando a maioria dos municípios, que devem prioritariamente atender a essa etapa educacional, sem muitas condições concretas para oferecer e ampliar sua oferta de vagas (FERNANDES; GIMENES; CAMPOS, 2013, p. 62).

Entretanto, as autoras esclarecem que, a partir de meados da última década, o novo Fundo tem contribuído para estimular o atendimento à EI no país. Ao contemplar a EI, o Fundeb impõe novos desafios à gestão do financiamento público e às condições de oferta e atendimento a essa etapa da educação, entre os quais, destacam-se: a passagem das creches, anteriormente vinculadas às áreas de assistência social, saúde e trabalho, para o setor da educação, trazendo, com isso, novas demandas à gestão municipal da educação, como a ampliação do quadro de professores para a população de crianças de 0 a 5 anos; a melhoria da estrutura física das creches e o desenvolvimento de políticas de formação inicial e continuada de profissionais que atuam nesse segmento da educação.

A propósito da EC de nº 53/2006, que criou o Fundeb, foi marcada por uma forte participação das instâncias governamentais das três esferas do governo, além da articulação de entidades e movimentos da sociedade civil organizada que atuaram fortemente para a regulamentação deste Fundo. Cabe sobrelevar a ação do Movimento Fundeb pra valer!, que culminou com uma intensa mobilização e intervenção junto ao poder Legislativo, imprimindo significativas mudanças nas propostas preliminares e, ainda, o Movimento Fraldas Pintadas, que foi decisivo para a inclusão da creche no Fundeb. Dentre essas mudanças contempladas na EC nº 53/2006, algumas merecem ser pontuadas: a inclusão da creche (0 a 3 anos) no Fundeb; uma maior participação da União na complementação de recursos na proporção de, pelo menos, 10% do total dos recursos dos fundos; a constitucionalização de cotas estaduais e municipais do salário-educação, com a repartição dos recursos de acordo com as matrículas das redes públicas; a inclusão, na Constituição, do Piso salarial profissional nacional para os profissionais da Educação Básica e, ainda, conforme preceitua o parágrafo único do art. 23 da EC nº 53/2006, com a previsão de “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios [...] , e abrindo caminho para a edição de uma futura lei regulatória da cooperação intergovernamental na educação” (FARENZENA; LUCE, 2013, p. 276).

Particularmente, importa registrar que a omissão do Estado em garantir a oferta de EI com qualidade se deve, principalmente, ao fato de que, durante muito tempo a criança pequena fora tomada sob a égide do amparo e da assistência. Por ser tratada durante muito tempo como amparo e não como um direito, o financiamento educacional deixou de contemplar a EI estabelecendo, ainda, um prazo de três anos, a contar de 1996, para que todas as creches fossem integradas aos respectivos sistemas de ensino, sendo esse processo um tanto tardio, prejudicando a ampliação da oferta de EI às crianças de 0 a 3 anos de idade.

2 O processo de aprovação do novo Fundeb e a articulação dos movimentos sociais: o papel dos fóruns de educação infantil e do Mieib

A inclusão da EI como primeira etapa da Educação Básica por força da LDB de nº 9.394/96, inaugurou um novo tempo para a educação e cuidado das crianças da primeira infância pois, até então, essa era uma atribuição do campo da assistência social. Ressalte-se que anterior à promulgação da LDB/96, outros marcos legais foram demarcando o lugar da criança na legislação brasileira. O principal deles foi a CF/88, que reconheceu a criança como sujeito de direitos, condição que foi ratificada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, e a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), em 1993. A esses marcos legais se somaram diversos documentos oficiais publicados entre 1994 e 1996, dentre os quais destacam-se a Política Nacional de Educação Infantil, em 1994, que estabelecia metas para a ampliação e permanência nas instituições de EI com qualidade (BARRETO, 2002). Outro documento importante foram os Critérios para um atendimento em creche que respeitem os direitos fundamentais das crianças, organizados em 1995, por Fúlvia Rosemberg (in memoriam) e Maria Malta Campos.

Esse arcabouço legal e os vários documentos produzidos foram de fundamental importância para que a LDB/96, se tornasse um marco para as políticas educacionais brasileiras, especialmente para a educação da primeira infância provocando adequações nas políticas públicas em todo o território nacional. Foi ela que definiu a EI como primeira etapa da Educação Básica; que deixou claro que esse atendimento deveria seguir padrões mínimos de qualidade; que definiu um perfil de formação dos professores para atuar nessa etapa; que demarcou a escola como espaço institucionalizado onde o processo de ensino-aprendizagem deveria ocorrer, dentre outros aspectos (MAUDONNET, 2019), tarefas que deveriam ser assumidas pelo poder público municipal, haja vista que coube ao município a incumbência de responder pela EI, como também pelo Ensino Fundamental.

As mudanças legislativas no âmbito da EI criaram demandas para os gestores municipais e, consequentemente, abriram caminhos para que a sociedade civil organizada fizesse pressão sobre eles, especialmente sobre aqueles menos afeitos a abrir espaços de discussão acerca das questões inerentes às políticas educacionais voltadas para a infância. Desse movimento de pressão dos movimentos sociais e de setores da sociedade civil organizada, surgem algumas iniciativas na forma de encontros os quais envolviam entidades, estudiosos e militantes e eles foram, segundo Flores (2010, p. 30) “os primeiros embriões para a criação de Fóruns de Educação Infantil”. Acrescente-se que essa mobilização vinha se fortalecendo desde o processo constituinte onde, movidos pela possibilidade de participação e controle social, os vários agentes envolvidos nesse processo viram nesses espaços novas arenas de luta e reivindicação de direitos (MAUDONNET, 2019).

A reabertura política do Brasil ocorrida na década de 1980 criou assim, um ambiente fértil para que movimentos sociais emergissem. No que se refere às políticas sociais voltadas para a primeira infância,

Estes movimentos representavam a concepção de uma nova cultura política pactuada num consenso onde a criança passou a ser concebida como portadora de direitos, um ser em desenvolvimento, demandatária legítimas de políticas públicas. Esta base conceitual veio acoplada a outra: a de ruptura com concepções de políticas como favor, meritocracismo e tutela (NUNES, 2010, p. 2).

Decorrentes desse contexto de efervescência política, a década de 1990 inaugura a criação dos primeiros fóruns de EI que são definidos como

Espaços suprapartidários, articulados por diversas instituições, órgãos e entidades comprometidas com a expansão e melhoria da educação infantil, num determinado estado, região ou município. São espaços permanentes de discussão e atuação, não se restringindo a um encontro ou seminário (MIEIB, 2002, p. 196, grifos do autor).

Os fóruns se constituem, portanto, um espaço local para pautar o debate das questões inerentes à EI e estão em todas as 26 unidades da federação e no Distrito Federal. Em alguns estados os fóruns se subdividem em macrorregiões como é o caso dos estados do Pernambuco, Paraíba e São Paulo, só para citar como exemplo. O fórum mais recente é o Fórum de Educação Infantil do Piauí (FEIPI), criado em 2010. Na Tabela 1 apresenta-se a distribuição dos fóruns pelo Brasil.

Tabela 1 Estimativa dos Fóruns Estaduais e Municipais por região no Brasil, em 2018 

  Estadual Regional Municipal Total
Norte 7 0 1 8
Nordeste 9 2 3 14
Centro Oeste 4 1 0 5
Sudeste 4 8 8 20
Sul 3 16 2 21
Total 27 27 14 68

Fonte: MAUDONNET, 2019, p. 100

Diante da necessidade de agregar os fóruns estaduais, municipais e regionais a fim de fortalecer a luta, em setembro de 1999,

Ocorreu um encontro de representantes de alguns desses fóruns, articulado à Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa em Educação (ANPED) realizada em Caxambu, Minas Gerais, levando à criação do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEB), que passaria a ter papel relevante na articulação nacional de forças em prol da defesa de uma Educação Infantil de qualidade social para todas as crianças brasileiras. No livro Educação Infantil: construindo o presente (MIEIB, 2002), o Grupo Gestor do MIEIB à época faz referência à necessidade de uma ampla união de forças, em prol da efetiva garantia dos direitos da criança brasileira (FLORES, 2010, p. 30).

Passados 21 anos de sua fundação, o MIEIB se constituiu ao longo de sua trajetória no movimento mais significativo que temos em defesa da EI, da criança e de suas infâncias, pois aglutina os 27 fóruns de forma singular. Tem um formato peculiar de rede de redes, ou seja, uma rede de fóruns sendo que cada fórum tem uma organização própria. Mesmo com esse formato flexível, O MIEIB tem um grupo gestor e uma secretaria executiva que, de alguma forma, garantem a centralidade de alguns processos organizativos. Essa prática articulatória é necessária para constituir um discurso comum sem, contudo, desconsiderar as diferenças internas. O MIEIB optou pela não institucionalização jurídica, para preservar seu caráter de movimento social (ALMEIDA; RODRIGUES, 2020).

O movimento tem protagonizado ações decisivas através de importante mobilização da sociedade como quando ocorreu a votação do Fundeb, criado pela EC nº 53, de 19 de dezembro de 2006, com o propósito de substituir Fundef, proposta de financiamento a toda a educação básica que vinha sendo pautada há mais de uma década, constituindo-se em realidade a partir de sua regulamentação através da Lei n° 11.494, de 20 de junho de 2007.

Na primeira versão do projeto de lei que instituiria o Fundeb estava excluída a destinação de verbas para a creche o que inviabilizaria o atendimento da faixa etária de zero a três anos. Isso ocasionou uma grande mobilização em escala nacional, acompanhada de reações de repúdio haja vista que aquela norma contrariava as legislações já existentes, além do seu cunho inconstitucional já que feria o direito de as crianças pequenas terem acesso à educação, como exposto na CF/88.

No entanto, não houve tempo para o MIEIB respirar e comemorar essa importante vitória, pois outro embate já estava posto, visto que, logo após a aprovação do projeto de lei do Fundeb incluindo o zero a três,

Outra etapa da luta foi desenvolvida pelos movimentos sociais, então com o objetivo de garantir a inclusão das matrículas das creches filantrópicas conveniadas aos municípios e estados neste Fundo. Esta mobilização, ocorrida nos meses de janeiro e fevereiro de 2007, conseguiu ocupar espaços na mídia e no Congresso Nacional, utilizando-se de diferentes estratégias de ação, tais como a divulgação de cartas abertas, o agendamento de audiências com o Ministro da Educação, prof. Fernando Haddad, com legisladores e assessores parlamentares, e outras iniciativas criativas e animadas, entre elas, a organização de desfile de Carnaval temático, como o da União Carnavalesca “Mamãe, eu quero FUNDEB!”, do Movimento de Luta por Creches do Rio de Janeiro. Diversos Fóruns Estaduais de Educação Infantil ligados ao MIEIB também garantiram agenda de mobilização local nesse período (FLORES, 2010, p. 32, grifo da autora).

Em meio aos anos sob o mando do Fundeb cuja vigência findava em 31 de dezembro de 2020, novamente o MIEIB e, consequentemente, os fóruns de educação infantil se viram envolvidos em outras frentes de luta em torno do financiamento da educação. A primeira delas foi em torno da PEC que transformaria o Fundeb numa política permanente, ou seja, numa política de Estado. Assim, assumiu a defesa da PEC 15/2015, pois era a proposta que mais se aproximava do que o movimento defende.

Em nota intitulada O MIEIB em defesa da manutenção inquestionável da creche no Fundeb, emitida em 12 de dezembro de 2018, (vide: http://www.mieib.org.br/wp-content/uploads/2018/12/POSICIONAMENTO-MIEIB-SOBRE-O-FUNDEB-VF-DEZ-2018.pdf), o movimento defendia:

  • ▪ A consolidação do Fundeb como política de financiamento permanente no Brasil, ampliando a participação da União na aplicação mínima de 50% dos recursos financeiros, tal como aprovado no documento final “Plano de Lutas” da Conape/2018 - etapa nacional “Lula livre”, realizada em Belo Horizonte/MG.

  • ▪ Implementação do CAQi e do CAQ, tal como previsto na Lei 13.005/2014, que aprovou o PNE.

  • ▪ A manutenção inquestionável da creche no Fundeb para garantia de financiamento desta etapa educacional, conforme a Carta Compromisso aprovada no XXXIV Encontro Nacional do MIEIB, realizado em Manaus/AM, 2018. (MIEIB, 2018, s/p).

Na medida em que os debates em torno da PEC nº 15/2015 avançavam o MIEIB atuava em várias frentes. Através dos seus fóruns promoveu inúmeras lives sobre o assunto, antes e depois da votação na Câmara dos Deputados. Cite-se, por exemplo, a live promovida pelo Fórum do Agreste Paraibano de Educação Infantil, intitulada Implicações do Novo Fundeb para a Educação Infantil, ocorrida em 30/07/2020, já no contexto pós aprovação; participou de Audiências Públicas como as ocorridas em 28/05/2019, tendo o MIEIB sido representado pela professora Dra. Jaqueline Pasuch, que é do Conselho Diretivo do movimento e membro do Fórum Matogrosense de Educação Infantil. Juntamente com os fóruns fez mobilização por meio das redes sociais para buscar o apoio dos/as Deputados/as Federais para a aprovação da EC 15/2015 sem alterações, uma vez que havia rumores em torno da questão da manutenção ou não do Custo Aluno Qualidade (CAQ) no texto a ser votado. Felizmente o texto foi votado sem destaques, sem propostas de alteração. Ou seja, na íntegra.

Passada a votação na Câmara dos Deputados que transcorreu dia 21/07/2020, as atenções se voltaram para a votação no Congresso Nacional que, depois de idas e vindas, ocorreu dia 25/08/2020, marcada por tensões em torno de proposta de alteração ao texto. Assim como correu na fase anterior, o MIEIB manteve o mesmo ritmo de mobilizações e usando as mesmas estratégias. Uma das mais significativas foi a produção de uma Carta Aberta à Sociedade Brasileira em apoio ao Novo Fundeb reivindicando sua aprovação naquela casa sem nenhuma alteração, assim como ocorreu na Câmara dos Deputados. Ao ser entregue no dia da votação à mesa diretora a carta tinha 11.608 assinaturas de pessoas do Brasil inteiro, devido à ampla participação dos fóruns nessa tarefa.

Transcorrida a votação no Congresso Nacional do Novo Fundeb, sem alterações, o movimento juntamente com tantos outros com quem dividia essa tarefa, como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, celebraram essa vitória promovendo debates virtuais através de lives reunindo alguns movimentos sociais. As expectativas agora giravam em torno da regulamentação da agora EC nº 108/20, fato que ocorreu através do Projeto de Lei 4.372, de 28 de agosto de 2020.

Do exposto até aqui, fica demonstrado a importância que os fóruns de Educação Infantil juntamente com o MIEIB, enquanto movimentos sociais, tiveram e têm para encampar lutas históricas em defesa de uma EI de qualidade o que só se torna possível com a destinação de recursos para garantir os insumos e condições necessários para uma oferta educacional em que nossas crianças de zero a cinco anos de idade possam, de fato, ser tratadas como sujeitos de direito.

3 A vitória histórica: campo de interesses, disputas e tensões

Em 2015, foi protocolada na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 15/2015, cuja defesa, entre outros aspectos normatiza a criação do Fundeb como dispositivo permanente, por meio da inserção do art. 212-A na Constituição da República. Duas propostas tramitaram, desde 2019, no Senado Federal, no entanto, a que foi mais discutida foi a PEC n° 15/2015.

Segundo Nalú Farenzena (2020), ocorreu um número considerável de audiências públicas e debates, a apresentação de minutas de substitutivos pela relatora da Comissão Especial, Deputada Dorinha Seabra Rezende, e de substitutivo, em duas versões, de 18 de fevereiro e de 03 de março de 2020. O tópico que mereceu mais atenção foi o da complementação da União no Fundeb reformulado. Em sua redação original, a PEC n° 15/2015 a complementação foi mantida, devendo corresponder a, pelo menos, 10% da contribuição dos governos subnacionais. Entretanto, uma das minutas de substitutivo, de setembro de 2019, propunha ampliar a complementação para 40% dos recursos dos estados e municípios, março de 2020, a complementação estava estabelecida no patamar mínimo de 20%, com autorização de uso dos recursos da parcela federal do salário-educação.

Na análise de Farenzena (2020), com o uso desta fonte, os novos recursos da complementação não dobrariam a assistência financeira da União, pois deixaria descobertos ou ficariam incertos em relação à manutenção de sua cobertura atual, programas como o de Alimentação Escolar (Pnae), Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Livro Didático (PNLD) e Transporte do Escolar (Pnate).

Ao se remeter à leitura de documentos produzidos após a publicação do Substitutivo de 18 de fevereiro, Farenzena (2020) destacou os seguintes pontos de defesa: o aumento significativo dos recursos de complementação da União a fim de garantir a implementação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) e Custo Aluno Qualidade (CAQ), até 2024, nos termos do Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2014-2024, instituído pela Lei nº 13.005/2014; a exclusão do salário-educação como fonte da complementação.

O CAQi e CAQ, mecanismos criados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, desde 2002, que seguem as previsões dos Artigos n° 205, 206 e 2011 da CF/88, e foram incluídos na LDB/96, do Fundeb (EC nº 53/2006 e Lei n° 11.494/2007), do Piso Nacional do Magistério (Lei n° 11.738/2008), do PNE/2014-2024 nas Estratégias 20.6, 20.7, 20.8 e 20.10, além de ter sido aprovado em Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), Parecer CNE/CEB nº 8/2010, conforme nota técnica 24 de abril 2018.

Segundo Cara (2020), é através do sistema CAQi-CAQ que o Brasil poderá atingir o cumprimento das metas do PNE e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o objetivo 4, que diz respeito à Educação Básica.

Diante da EC nº 95/2016, que impõe um Teto de Gastos, Daniel Cara, nessa mesma nota, afirmou que, apesar de ter inviabilizado o PNE, ela não atinge o Fundeb, que está fora de seus efeitos.

É preciso determinar claramente a responsabilidade solidária da União no financiamento da educação, pela falta de custeio nas matrículas da Educação Básica, especialmente em creche, defende Daniel Cara, ex-coordenador geral da Campanha, em audiência sobre o Fundeb, que aconteceu dia 24/04/2018, primeira audiência pública na Câmara dos Deputados após a divulgação da minuta do relatório em proposta de substitutivo à PEC nº 15 de 2015, da Deputada Professora Dorinha Seabra (DEM/TO).

Esta PEC torna permanente o Fundeb. O novo Fundeb deve ser composto com mais recursos da União, como condição para o atendimento de todas as metas do PNE, afirmou Daniel Cara, que realizou a exposição do posicionamento da Campanha, incorporando Nota Técnica produzida por Salomão B. Ximenes, Doutor em Direito (USP) e professor de Direito e Políticas Públicas, da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Ao todo, a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação propôs 12 emendas ao texto. Outro destaque foi a insistência na permanência das creches como beneficiadas do Fundeb, visto a dificuldade dos municípios em custear as matrículas da educação infantil.

Com relação ao principal objetivo da PEC nº 26/2020, que tramita no Senado, visa trazer o Fundeb para o texto permanente da Constituição de 1988. Trazer a sistemática nuclear do Fundeb para o art. 212-A da CF/88 tem forte sentido protetivo, tanto para estabilizar seu regime jurídico, quanto para lhe propiciar efetivo horizonte de progressividade fiscal e operacional, afirma documento assinado pelas entidades.

No entanto, para alcançar tais finalidades é preciso fortalecer os instrumentos de controle acerca da adequada aplicação dos recursos educacionais, que serão ampliados pela PEC do Fundeb para cumprir a tripla dimensão do direito fundamental à educação: universalidade, equidade e qualidade, afirma versão final da PEC nº 26/2020.

A PEC do Fundeb enfrenta com consistência o desafio de tirar o PNE do papel. Eis a razão pela qual a PEC 26/2020, em tramitação no Senado Federal (anteriormente designada PEC nº 15/2015, na Câmara dos Deputados), até dia 25 de agosto de 2020, buscou fortalecer o controle de custos e resultados no federalismo educacional, na forma dos §4º e 7º, do art. 211 da CF/88, informa a carta assinada por entidades, como: Ação Educativa Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), entre outras.

Segundo Andressa Pelanda, coordenadora atual da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a aprovação do Fundeb que se deu no Senado por unamidade, dia 25 de agosto de 2020, representa vitória histórica de constitucionalização. A educação brasileira possui um novo Fundeb permanente. Para Andressa Pelanda et al. (2020), o novo Fundeb traz aportes muito importantes. Regulamentar as fontes de receita para o Fundeb, complementação da União, e sua distribuição no sistema Valor Aluno Ano (VAA) com equidade no sistema valor aluno qualidade, matrículas de rede pública e de rede privada, até quando pode financiar a rede privada, as ponderações das etapas e modalidades, correção de subfinanciamentos e distorções para Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação Indígena e Quilombola, Gestão, transparência, controle, avaliação da política, valorização dos profissionais de educação e fatores de qualidade na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Na luta pela regulamentação deu vazão ao processo de constitucionalização do Fundeb pra Valer com CAQ, sob EC nº 108/2020, com enfrentamento e mobilização social. Tal regulamentação passará por processo até 2023, uma vez que precisará de novas leis que regulamentem alterações, segundo Ximenes (2020). Abre nova agenda de juridificação para atuar em duas frentes: proibição de recursos para escola privada e fatores de ponderação. Segundo Ximenes, como foi aprovado poderá haver ampliação de recursos para a Educação Infantil ao incorporar disputa com as redes privatistas que não querem ver regulamentado o sistema nacional de educação, reforça Salomão Ximenes.

Para Daniel Cara (2020), a aprovação do Fundeb fortalece todos os direitos sociais que tem como mérito o aumento da complementação da União, alcançando 23% no sistema híbrido de distribuição de recursos. Segundo Araújo Filho (2020), dos 23% mínimos que a União vai destinar ao Fundeb a partir de 2026, 5% devem ser usados para garantir vagas nas creches. Porém, se o poder público não oferecer todas as vagas necessárias, o Fundeb pode destinar recursos para creches comunitárias, confessionais ou filantrópicas.

A nota técnica de maio de 2019, segundo Daniel Cara, foi fundamental pois determinou novo consenso para distribuição dos recursos do Fundeb. Conquistaram o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SINAEB) e o custo aluno qualidade, entre outras questões, ressalta ele. Todos esses aspectos conquistados na PEC nº 15/2015, passando pela nº 26/2020, chegando à EC nº 108/2020 reforçam o direito à educação. Sancionada sem veto dia 25 de dezembro de 2020, a Lei nº 14.113 regulamentou o Fundeb que agora é permanente.

Segundo Cara, o Brasil ainda não alcançou a universalização da alfabetização e tem um déficit enorme com a Educação de Jovens e Adultos (EJA), estando tudo isso ainda distante no país de Paulo Freire, reforça Daniel Cara. Para ele é preciso lutar e só parar quando o mundo for pautado na inversão da lógica econômica, pois é preciso construir uma economia a serviço das pessoas.

4 Considerações finais

Diante do exposto concluímos que foi a partir da década de 1990 que se demandou uma maior preocupação com a distribuição de recursos para tornar o Estado mais eficiente, autônomo e menos burocrático. Com a política de fundos que operou, inicialmente, com o Fundef a partir de 1997, passando a vigorar na maioria dos municípios brasileiros em 1998, e posteriormente com o Fundeb, em 2007, a Educação Infantil configurou-se pela primeira vez no panorama da política de financiamento educacional, tendo a vinculação de recursos assegurada constitucionalmente. Esse fato anunciou a possibilidade de trazer para essa etapa educativa inúmeras contribuições: o aumento de recursos, a expansão do atendimento, a melhoria da qualidade, o fortalecimento do caráter educacional e, sobretudo, colocou-a em evidência.

No entanto, a inclusão da Educação Infantil na política de financiamento pela via do Fundeb não foi algo dado. Resultou, na verdade, de um conjunto de lutas empreendidas por setores da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais como os fóruns de EI dos estados e o MIEIB, sobretudo no tocante à creche visto que a criança de zero a três anos, pelo projeto inicial, ficaria de fora do Fundeb. Assim, graças a grande mobilização feita a EI foi contemplada em suas duas etapas na política de financiamento.

Essa vitória foi de fundamental importância para se pensar num atendimento educacional com padrões mínimos de qualidade, na medida em que essa etapa da educação passaria a ter ao seu dispor os insumos necessários para desenvolver boas práticas no contexto escolar.

Com a aproximação da quase finitude da política de fundos, novamente os fóruns e o MIEB protagonizam novos embates a fim de garantir não só a manutenção da creche, mas também defender um projeto de Fundeb que estivesse mais bem alinhado com as necessidades concretas dessa etapa da educação, o que significava defender um Fundeb com CAQ. E assim, mais uma vez, os movimentos sociais deram sua contribuição para que o Fundeb se tornasse uma política de Estado.

A trajetória histórica da PEC 15/2015, passando pela nº 26/2020, chegando à EC-108/2020 reforçam o direito à educação, possibilitando a efetividade do PNE/2014-2024. A política de enfrentamento e resistência foi e tem sido aguerrida, levando os muitos profissionais de educação à mobilização. Os 5% que serão usados para garantir vagas na creche é uma conquista importantíssima para a Educação Infantil.

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Recebido: Janeiro de 2021; Revisado: Março de 2021; Aceito: Abril de 2021

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