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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.15  Curitiba  2021  Epub 02-Sep-2021

https://doi.org/10.5380/jpe.v15i0.79634 

Artigos

Gestão Democrática: um debate sobre a percepção dos conselheiros escolares da rede pública estadual do Maranhão

Democratic Management: a debate on the perception of school counselors of the state public network of Maranhão

Gestión Democrática: un debate sobre la percepción de los consejeros escolares del sistema escolar público de Maranhão

Alexandre Viana Verde1 
http://orcid.org/0000-0003-2923-1534

Francisca das Chagas Silva Lima2 
http://orcid.org/0000-0001-9654-0797

1 Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Maranhão (PPGE-UFMA). São Luiz, MA. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2923-1534. E-mail: aleexandre.viana@outlook.com

2 Doutora em Educação Brasileira pelo Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora do Programa de Pós-Graduação/Mestrado e Doutorado em Educação e do Departamento de Educação II da Universidade Federal do Maranhão. São Luiz, MA. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9654-0797. E-mail: frasluma@bol.com.br


Resumo

Este artigo é um recorte de uma pesquisa realizada com a finalidade de analisar o papel dos conselhos escolares na implementação da Gestão Democrática no ensino público em escolas da rede estadual do Maranhão. O objetivo visa apresentar a percepção dos conselheiros escolares sobre o modelo de gestão adotado pelas escolas que atuam, considerando que de acordo com o reordenamento normativo estabelecido a partir da Constituição Federal de 1988, a gestão democrática do ensino público é um dos princípios instituídos para nortear as ações desenvolvidas pelos sistemas educacionais e instituições escolares. Os procedimentos metodológicos adotados para o desenvolvimento da pesquisa incluíram a revisão bibliográfica, documental e de campo, utilizando abordagem qualitativa. A pesquisa alude à atuação dos conselhos escolares em escolas que integram as Unidades Regionais de Educação - URE - São Luís do Maranhão. Como instrumento de coleta de dados o questionário foi aplicado aos membros dos conselhos escolares. Os resultados apontam que, segundo a percepção dos conselheiros, as escolas públicas atuam mediante uma condensação ideológica em relação ao princípio de gestão escolar. Nesse sentido, reafirma-se a necessidade das instâncias de participação e democratização da escola pública, assim como a criação de mecanismos para que haja participação autônoma e representativa, com investimentos na formação dos conselheiros e fortalecimento dos princípios da gestão democrática no cotidiano das escolas.

Palavras-chave: Gestão democrática; Conselhos escolares; Escola pública

Abstract

This article results from a research conducted in order to analyze the role of school councils in the implementation of Democratic Management in public education in schools of the state network of Maranhão. It aims to present the perception of school counselors about the management model adopted by the schools they work, considering that the normative reordering established from the Federal Constitution of 1988, the democratic management of public education is one of the principles established to guide the actions developed by educational systems and school institutions. The research approaches the performance of school councils in schools that integrate the Regional Units of Education - URE - São Luís do Maranhão. The methodological procedures adopted for the development of the research were the bibliographic, documental and field review, using the qualitative method. As an instrument of data collection, a questionnaire was applied to the members of the school councils. The results indicate that according to the perception of the councilors, public schools act through an ideological condensation in relation to the principle of school management, in this sense it reaffirms the need to strengthen the instances of participation and democratization of public schools, creating mechanisms for autonomous and representative participation, investments in the training of councilors and strengthening the principles of democratic management in the daily lives of schools.

Keywords: Democratic management; School boards; Public school

Resumen

Este artículo es el resultado de una investigación realizada para analizar el papel de los consejos escolares en la implementación de la Gestión Democrática en la educación pública en las escuelas de la red estatal de Maranhão. Tiene como objetivo presentar la percepción de los consejeros escolares sobre el modelo de gestión adoptado por las escuelas que actúan, teniendo en cuenta que la reorganización normativa establecida a partir de la Constitución Federal de 1988, la gestión democrática de la educación pública es uno de los principios establecidos para orientar las acciones desarrolladas por los sistemas educativos y las instituciones escolares. La investigación aborda el desempeño de los consejos escolares en las escuelas que integran las Unidades Regionales de Educación - URE - São Luís do Maranhão. Los procedimientos metodológicos adoptados para el desarrollo de la investigación fueron la revisión bibliográfica, documental y de campo, utilizando el método cualitativo. Como instrumento de recogida de datos se aplicó el cuestionario a los miembros de los consejos escolares. Los resultados indican que según la percepción de los consejeros, la escuela pública actúa a través de una condensación ideológica en relación al principio de gestión escolar, en este sentido se reafirma la necesidad de fortalecer las instancias de participación y democratización de la escuela pública, creando mecanismos de participación autónoma y representativa, invirtiendo en la formación de los consejeros y fortaleciendo los principios de gestión democrática en el día a día de las escuelas.

Palavras-Clave: Gestión democrática; Consejos escolares; Escuela pública

Introdução

A necessidade de aprofundamento dos debates sobre a gestão democrática das escolas públicas no estado do Maranhão é o tema deste artigo, que está articulado com uma macro pesquisa, cujo objetivo visa analisar o papel dos conselhos escolares enquanto instâncias colegiadas e sua contribuição histórica no processo de democratização das escolas públicas. Este trabalho, portanto, consiste em um recorte dos dados coletados, que vai apresentar como se dá a percepção dos membros dos conselhos escolares sobre o modelo de gestão das escolas que atuam.

A pesquisa bibliográfica e documental foi utilizada como forma de contextualização do objeto a partir de seu contexto social, histórico e político, permeado por ideologias e concepções que divergem sobre o conceito de democracia e participação. A amostra foi integrada por nove escolas públicas da rede estadual de ensino, onde o conselho escolar encontrava-se em funcionamento no período de realização da pesquisa, ou seja, entre os anos de 2014 e 2016.

Convém ressaltar que a organização administrativa adotada pelo Estado do Maranhão é feita por Unidades Regionais com o objetivo de promover a reestruturação administrativa, a descentralização e a gestão participativa no governo, resultando no aumento do controle social das ações governamentais. As 19 Gerências Regionais estão distribuídas nas diferentes regiões do estado do Maranhão, nomeadas como Gerências de Articulação e Desenvolvimento. Portanto, na escolha da amostra, foi considerado que a rede estadual de ensino é dividida por Unidades Regionais de Educação - URE, subdividida em polos.

Na representação de um maior número de escolas na pesquisa, foram selecionadas três escolas de polos diferentes, que integram a Unidade Regional de Educação - URE de São Luís - MA. Os polos escolhidos estão localizados nos seguintes bairros: Cidade Operária, Centro e Itaqui-Bacanga.

Para tanto, foi utilizado um questionário com perguntas abertas e fechadas, como instrumento de coleta de dados com os conselheiros escolares representantes dos seguintes segmentos: gestores, professores, funcionários, alunos e pais. A partir da percepção desses sujeitos, busca-se compreender a percepção da comunidade escolar sobre o modelo de gestão adotado pelas respectivas escolas.

O artigo está organizado com uma breve apresentação da pesquisa, seguido do debate sobre o contexto histórico e político da gestão democrática no Brasil e, na sequência, faz-se uma contextualização do cenário educacional maranhense, com foco na gestão das escolas públicas da rede estadual de ensino, a partir da percepção dos conselheiros escolares.

CONTEXTO HISTÓRICO E POLÍTICO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA NAS ESCOLAS PÚBLICAS BRASILEIRAS

A partir da década de 1980, o Brasil começa um processo de reorganização social e política com objetivo de superação do período ditatorial, mediante a formulação de bases que tivessem como égide o princípio democrático. Com a Constituição Federal de 1988, dá-se início, de forma mais institucionalizada, a participação da sociedade civil nas organizações e gestão de políticas públicas.

A Constituição Federal de 1988, representou um marco legal na definição da democracia como princípio de gestão. Contudo, possui como contexto de implementação a década de 1990, marcada pela crise econômica que assolou o Brasil, causada por uma recessão, que se expressou por meio de baixas taxas de desenvolvimento econômico e elevadas taxas de inflação, sendo considerado o motivo do atraso na adequação do país aos novos moldes do capitalismo financeiro internacional.

Essa realidade propiciou grandes transformações, principalmente no papel do Estado, fazendo com que este também se organizasse, buscando atender aos ditames neoliberais, para superação da crise. A proposta neoliberal consistiu-se “(...) na manutenção de um Estado forte o suficiente para romper o poder dos sindicatos e manter o controle monetário, mas diminuto nos gastos sociais e nas intervenções na economia.” (MATOS 2008, p. 192).

Considerando o pensamento de Matos (2008), compreende-se como gastos sociais, omissão das ações do Estado mediante políticas públicas. Portanto, esse novo ordenamento social direciona as políticas educacionais, para caminhos distintos ao planejado nos anos 1980.

Esse período é marcado por diversas conferências internacionais que norteariam as propostas políticas, principalmente dos países da América Latina e Caribe. Dentre elas destaca-se, aqui, o Programa Educação Para Todos, lançado na Conferência Mundial de Educação para Todos em Jomtien, na Tailândia em 1990, que passou a assumir um papel fundamental para estabelecer as diretrizes da educação públicas do Brasil.

Ao tratar das políticas que se referem à gestão escolar, Dourado (2013) situa as influências neoliberais como:

(...) expressão elas mesmas, dos embates travados no âmbito do Estado e nos desdobramentos assumidos por este. [...] tais embates se situam no contexto de mudanças tecnológicas e, portanto, no reordenamento das relações sociais sob égide ideológica da globalização da economia, como sinalização objetiva do triunfo da política neoliberal, que, ao redimensionar o Estado, buscando minimizar a sua atuação, redireciona as políticas sociais empreendidas por este e, consequentemente, rearticula o papel da educação e da escola. (DOURADO, 2013, p. 96).

A partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996, a democracia passa a ser o princípio norteador da organização dos sistemas educacionais e instituições de ensino. Definindo, a partir de então, como sendo de responsabilidade dos estados e municípios a criação de estratégias próprias para o processo de institucionalização da gestão democrática.

Art. 14: Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I - Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II - Participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (BRASIL, 1996).

A década de 1990 também é caracterizada como o período de tramitação do Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), o qual busca superar a falta de definições legais efetivas sobre a educação brasileira. Fato que ocorreu a partir do estabelecimento de metas e estratégias que buscam contemplar a educação, servindo como um ordenamento que sistematizasse e unificasse os esforços educacionais, tendo a validade de um decênio (VERDE; LIMA, 2021).

O Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), dispôs a meta 22 para tratar da gestão democrática da educação pública, atrelando-a à participação da comunidade escolar (BRASIL, 2001). Como supracitado, foi articulado e tramitou durante a década de 1990, em todo o governo de Fernando Henrique Cardoso, mas sua implementação esteve temporalmente ligada ao governo lulista que, por objeções políticas, se absteve à implementação da lei.

Enquanto isso, o segundo Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014) dispôs na meta 19:

[...] assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e a consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto (BRASIL, 2014).

Além do desafio de assegurar a efetivação da gestão democrática, o segundo Plano Nacional de Educação (2014-2024) também foi organizado como articulador da educação nacional, pois entre seus objetivos esteve o de estruturar e consolidar o sistema nacional de educação. Desse modo, a partir dessa lei, estados e municípios são direcionados à criação de planos decenais que, vinculados ao sistema nacional busquem, a partir de suas realidades, a superação de desafios para efetivação da gestão democrática.

As discussões sobre gestão democrática no âmbito das escolas públicas de educação básica têm concentrado os esforços de muitos estudiosos que, nos últimos anos, desenvolveram pesquisas visando aprofundar a compreensão sobre o significado de tão importante temática (LIBÂNEO, 2008; DOURADO, 2013; DIÓGENES, 2020). Em concordância com a conceituação de Souza (2009):

A gestão democrática é aqui compreendida então como um processo político no qual as pessoas que atuam na/sobre a escola/educação identificam problemas, discutem, deliberam e planejam, encaminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola/sistema na busca da solução daqueles problemas. Esse processo, sustentado no diálogo, na alteridade e no reconhecimento às especificidades técnicas das diversas funções presentes na escola/sistema, tem como base a participação efetiva de todos os segmentos da comunidade escolar/sociedade, o respeito às normas coletivamente construídas para os processos de tomada de decisões e a garantia de amplo acesso às informações aos sujeitos. (p. 125).

Apesar de a fundamentação política estabelecer a democracia como princípio da gestão educacional, considerando que as instituições escolares não são campos homogêneos, existem outras formas de se compreender essas instituições no contexto brasileiro. Essas outras formas, com foco no modelo autogestionário e técnico-científica serão trabalhadas com maior profundidade na seção a seguir.

GESTÃO ESCOLA PÚBLICA: os modelos de gestão escolar no contexto brasileiro

Considerando a historicidade dos fenômenos educativos e dos instrumentos legais, a educação pública brasileira, a partir da década de 1990, é marcada pela condensação ideológica que, segundo Pereira (2009), não anula definitivamente os modelos de organização social anteriores, pois apresenta embates antagônicos nas políticas e práticas que se alternam e se confundem.

No contexto escolar, esses embates afetam os modelos de gestão, por apresentar como resultado a facilidade com que a gestão democrática da escola pública se escamoteia e se disfarça, tornando-se, em muitos casos, hegemônico nos discursos dos agentes educacionais.

Essa condensação, por exemplo, também se expressa nos debates políticos sobre esse tema. A Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) lançou em 2018 um caderno avaliativo das metas do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (Lei nº 13.005/14), chegando à conclusão do viés minimalista de gestão democrática defendida pela lei.

Tanto o texto da meta, quanto da maioria de suas estratégias, parece compreender a ideia de gestão democrática circunscrita apenas à escola, pois indica poucas ferramentas de gestão democrática dos sistemas de ensino, mesmo com algumas menções a Conferências, Fóruns e Conselhos de Educação (SOUZA, 2018, p. 69).

Diante dessa realidade, é fundamental que o tema gestão democrática seja estudado e debatido tanto no contexto dos estabelecimentos de ensino quanto na relação com os sistemas, órgãos e instâncias que interferem direta ou indiretamente no contexto educacional.

Vale ressaltar que esse debate não deve ser entendido como um processo de responsabilização, articulado à desconcentração de poder para as localidades, como é explícito por Sousa (2018), tampouco deve simplificar os debates criando uma articulação de causa e efeito entre o micro e macro contexto da gestão educacional. O debate deve ter como objetivos ampliar e compreender a percepção da própria escola sobre gestão escolar.

Nesse contexto de gestão educacional é que observa-se, na qualificação dos dados da pesquisa, a confirmação de algumas premissas que orientaram o desenvolvimento da análise, expressas nas respostas dos sujeitos às questões contempladas no questionário, conforme destacado a seguir. Convém ressaltar que, para atender ao objetivo do presente artigo, apresentou-se o seguinte questionamento: A escola onde você atua como conselheiro, atende a qual modelo de gestão escolar?

Previamente procede-se a um breve esclarecimento sobre os tipos de gestão escolas que mais se expressam no contexto escolar brasileiro, a fim de esclarecer o conceito de gestão democrática. Para Libâneo (2013, p.101), “gestão é a atividade pela qual são mobilizados meios e procedimentos para se atingir os objetivos da organização, envolvendo, basicamente, os aspectos gerenciais e técnico-administrativos”. Essa concepção supera a visão dicotômica entre o fazer e o pensar, entre o burocrático e o pedagógico, dotando-o como um processo que envolve todos os membros da comunidade escolar, requerendo, assim, articulação de esforços humanos, técnicos e materiais para alcançar o mesmo objetivo.

Os tipos de gestão escolar presentes no questionário atendem à classificação feita por Libâneo, Oliveira e Toschi (2012), que sistematizaram a gestão escolar, com as seguintes classificações: Técnico-científica, autogestionária e democrática participativa. Na primeira, a escola é organizada pelos princípios empresariais, com a burocratização e departamentalização dos espaços e processos a partir de uma divisão técnica. Na gestão técnico-científica o poder é centralizado nas mãos do gestor, pois reflete os processos empresariais que se organizam a partir da figura do patrão/dono dos meios de produção, o que torna a escola uma organização hierarquicamente distribuída.

A gestão técnico-científica é muito presente no contexto e organização das escolas brasileiras, sendo considerado o paradigma a ser superado. Esse tipo de organização assemelha-se aos modelos desenvolvidos pelas empresas, seguindo a tendências das teorias da administração geral. Nesse tipo, a finalidade da educação consiste na disposição das escolas aos currículos homogêneos, formação tecnicista para os funcionários, avaliações em grande escala e na obtenção de lucros, e índices educacionais passíveis de quantificação.

O tipo autogestionário corresponde a uma organização sem unidade de comando, mas estruturada na própria coletividade que compõe a instituição. Nesse tipo de organização as decisões são tomadas em assembleias, de acordo com os princípios clássicos da democracia participativa, onde o poder está sobre o controle do próprio povo, com isso, ela é isenta de qualquer centralidade e autoridade. Essas instituições funcionam com uma auto-organização, onde todos os membros são cientes das suas funções e participam do processo de criação dos objetivos institucionais, assim, são apossados de uma corresponsabilização pelo atendimento desses objetivos. (LIBÂNEO, OLIVEIRA E TOSCHI, 2012).

A gestão democrática participativa “acentua a necessidade de combinar a ênfase sobre as relações humanas e sobre a participação nas tomadas de decisões com as ações efetivas para atingir determinado objetivo.” (LIBÂNEO, OLIVEIRA E TOSCHI, 2012, p. 449). Assim, configura-se como organização coletiva que articula a atividade de direção, mas também a participação dos múltiplos sujeitos que compõem e compartilham a realidade da escola. Nesse tipo gestão todos participam dos processos decisórios, de forma direta ou indireta, cabendo também a participação no planejamento e avaliação.

Souza (2009) convida a uma reflexão de que o conceito de gestão democrática não é consensual, sendo que:

(...) seu potencial só se confirma quando as pessoas do universo escolar tomam a democracia e o diálogo como princípio não apenas das suas relações na escola, mas como um fundamento da vida, em todas as esferas da sociedade, e conseguem transpor a esfera do desejado, implementando o princípio, transformando-o em método ou, pelo menos, em agenda, tanto na organização da educação/escola quanto na pesquisa, na medida em que as escolas (como instituições destinadas à formação humana). (SOUZA, 2009, p. 137).

Mesmo no contexto atual, a democracia como princípio de gestão ainda encontra dificuldades na implementação, assim como na transformação da política de fato, em política de uso. Considerando a pesquisa realizada por Verde (2018), um grande desafio para a gestão democrática do ensino público repousa no desconhecimento dos princípios que orientam a implementação da gestão escolar, na perspectiva democrática.

Para Verde (2018), muitas instâncias de participação social, como: grêmios, associações, conselhos, dentre outras, não estão em conformidade com a base legal que objetivam dinamizar a rotina escolar, com estímulo à participação dos diferentes segmentos da escola, representados nos processos de discussões, decisões, deliberação e proposição de melhorias para funcionamento das instituições.

CONSELHOS ESCOLARES: um recorte sobre a percepção dos conselheiros sobre o modelo de gestão escolar

Os conselhos como instâncias de participação social não são criações da modernidade, uma vez que se encontram presentes em diversos momentos históricos atrelados à sociedade política ou à sociedade civil. Como exemplo da primeira perspectiva ideológica dos conselhos, aponta-se seu papel na organização educacional no período colonial, pois estes possuíam o objetivo de representar os interesses lusitanos no território brasileiro.

Em contrapartida, durante os anos de 1970 e 1880, os conselhos articulados à sociedade civil protagonizaram o processo de redemocratização do país, visto que serviam de base articulada de pressão e oposição ao Estado totalitário, com ênfase aos conselhos operários, que movimentaram o cenário político no sudeste do país.

A atuação dos conselhos no processo de democratização das esferas públicas, segundo Gohn (2006), é redefinida na década de 1990, quando o Estado começa a cooptar essas instâncias que, anteriormente, atuavam como representantes da sociedade civil nos espaços de decisões em contraponto ao poder centralizador da sociedade política.

Contudo, a partir dessa década, se iniciou um processo de institucionalização e inserção na sociedade política, através de “leis orgânicas específicas que passaram a regulamentar o direito constitucional à participação por meio de conselhos deliberativos, de composição paritária entre representante do Poder Executivo e de instituições da sociedade civil.” (GOHN, 2006, p. 6).

Para Batista (2013) a institucionalização dos conselhos no campo político e institucional no Brasil se deu pelas demandas de políticas internacionais, impulsionadas pelos princípios neoliberais/norte-americanos, que tinham por base o processo de desmanche do Estado centralizador e as alterações das unidades de execução. Tais medidas devem ser compreendidas no desvelamento das ideologias que tendem a escamotear a cooptação e controle dessas esferas e, com isso, acoplar a elas lutas e reivindicações da classe dominante, pois esses movimentos tomam os conselhos como apêndices da sociedade política (DAGNINO, 2004).

Os conselhos configuram-se como instâncias conflituosas, com embates ideológicos, que envolvem sua essência e funcionalidade, contemplando as lutas de interesses das sociedades política e civil. Dentro das escolas essa realidade também se traduz e, pode ser constatada nos discursos antagônicos sobre o próprio princípio de organização das instituições escolares.

Segundo Verde (2018), que desenvolveu uma pesquisa que teve o objetivo de analisar os desafios dos conselhos escolares na democratização da escola pública, a atuação dos conselheiros é concebida sem a clareza necessária sobre suas atribuições e conhecimento teórico e legal sobre o que é conselho escolar, quais são suas funções e objetivos, princípios e fundamentos, o que contribui para o funcionamento inadequado, enquanto instância colegiada de representação social, pois impede uma atuação efetiva que pode contribuir para alterar significativamente a realidade da escola pública.

Os conflitos sobre os fundamentos da gestão escolar tornam-se evidentes na análise do Quadro 1, formulado a partir da aplicação de um questionário, que buscou contemplar todos os sujeitos legitimados pela comunidade a participar dos conselhos de suas respectivas escolas. A escolha das 9 escolas como amostra obedeceram a critérios de polos geográficos diferentes: três delas estão situadas no polo Cidade Operária, outras três no Itaqui-Bacanga e as demais localizam-se no Centro.

Quadro 1 Concepção de gestão escolar dos conselheiros da rede pública estadual de educação do estado Maranhão 

CONCEPÇÃO DE GESTÃO SEGMENTO GESTOR
POLO - Cidade Operária POLO - Itaqui Bacanga Polo - Centro
Escola 1 Escola 2 Escola 3 Escola 1 Escola 2 Escola 3 Escola 1 Escola 2 Escola 3
Democrática X X X X X X X X X
Autogestionária                  
Técnico-científica                  
CONCEPÇÃO DE GESTÃO SEGMENTO DOCENTE
Democrática X X X   X X     X
Autogestionária                  
Técnico-científica       X     X X  
CONCEPÇÃO DE GESTÃO SEGMENTO FUNCIONÁRIOS
Democrática X X X   X X X X X
Autogestionária                  
Técnico-científica       X          
CONCEPÇÃO DE GESTÃO SEGMENTO ALUNOS
Democrática   X       X      
Autogestionária                  
Técnico-científica X   X X X   X X X
CONCEPÇÃO DE GESTÃO SEGMENTO PAIS
Democrática   X X     X     X
Autogestionária                  
Técnico-científica X     X X   X X  

Fonte: (VERDE, 2018)

A análise da percepção dos conselheiros escolares sobre a concepção de gestão das escolas que atuam, leva a inferir que essas instituições são organizadas por múltiplas vertentes, principalmente no que diz respeito à condensação dos tipos de gestão técnico-científica e da gestão democrática participativa.

No quadro abaixo, observa-se que todos os gestores escolares definiram a gestão das escolas que atuam como democrática. Tal afirmação é contextualizada pela configuração do cargo que esses sujeitos ocupam na escola.

Para Libâneo:

Quem ocupa cargo de liderança como diretor ou coordenador pedagógico precisa dispor-se do posicionamento de predominante autocrático para possibilitar o desenvolvimento de um clima em que todos contribuam com ideias, críticas, encaminhamentos, pois a gestão e participação pedagógica pressupõem uma educação democrática. (2013, p. 200).

Concorda-se com Libâneo, uma vez que a instauração da cultura democrática na escola pública possibilita posicionamentos críticos, protagonismo dos sujeitos, enfim, esta perpassa pela ressignificação da função do gestor e pela necessidade de rompimento com paradigmas históricos que estão atrelados ao seu papel, os quais vêm sendo fundamentados, ao longo do tempo no caráter centralizador da gestão pública (VERDE; LIMA, 2021).

Os resultados começam a desvelar as contradições, quando se observa que um terço do segmento docente define a gestão de suas escolas como técnico-científica. Contudo, deve-se perceber esse processo de uma forma contextualizada, não simplificando a análise da gestão escolar como uma inquisição ao trabalho de um indivíduo, no caso, o gestor. Portanto, quando o professor denomina a gestão da escola como técnico-científica, ele também está pontuando sua atuação, visto que seu trabalho como docente e conselheiro escolar perpassa pelo processo de gestão.

A função do docente vai além das relações da sala de aula e, mesmo nesse campo, sua atuação pedagógica também é política e de gestão por essência. Uma vez que a gestão de conflitos, organização do plano de aula, participação em projetos, na elaboração do Projeto Político Pedagógico, escolhas e omissão de conteúdos curriculares, organização da sala de aula, métodos e avaliações são processos que se desdobram por uma concepção de gestão. Tais apontamentos buscam ampliar um campo de atuação ao estabelecer que os docentes que não se situam nos processos organizados e institucionalizados de participação, por consequência não desempenham funções gestoras.

Ao analisar o segmento de funcionários, os resultados são mais homogêneos, pois grande parte da amostra afirma que a gestão das escolas em que trabalham é organizada pelos princípios democráticos. Vale ressaltar que a escola é uma instituição que valoriza a cultura letrada, que organiza e didatiza o conhecimento. Assim, segundo Libâneo (2013), ocorre o processo de invisibilização dos sujeitos que trabalham nos campos operacionais, o que é fruto do processo de hierarquização dos postos laborais, ou seja, da dicotomia existente entre o trabalho prático e trabalho intelectual.

Quanto ao estabelecimento da relação entre saber e poder, este é o segmento que mais se aproxima dos dados relacionados à gestão, o que reflete uma prática na composição dos conselhos, que é sua organização estabelecida no cooptação de alguns segmentos. Geralmente, isso ocorre entre os grupos com menor acumulação de capital econômico, cultural e social, o que inviabiliza não apenas sua participação crítica, mas também a representação efetiva nas tomadas de decisões (GOHN, 2006).

Em contrapartida, o maior número do segmento aluno definiu a gestão de suas escolas como técnico-científica. Isso reflete uma realidade próxima como a do segmento pais. Segundo a pesquisa desenvolvida por Verde (2018) o segmento aluno, nas escolas pesquisadas tende a desenvolver um processo mais ativo na participação da gestão escolar.

A participação desse segmento nos espaços de decisões deve ser compreendida como uma conquista da história de afirmação social e política. Libâneo (2013) recorda que, durante os anos ditatoriais e de redemocratização social, a classe estudantil protagonizou lutas importantes na construção da democracia brasileira.

Ademais, o quadro 1 apresenta dados importantes para a análise da realidade das escolas e da concepção de gestão. Demostrando a visão de agentes participantes de um espaço legítimo de participação e deliberação. Esses dados apresentam contradições que contribuem na compreensão da realidade escolar, pois apresenta a “voz” de agentes escolhidos pela própria comunidade como representantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ênfase dada ao trabalho sobre a percepção dos conselheiros escolares da rede pública estadual do Maranhão induz que a democracia, como projeto de gestão da escola pública, ainda não se constituiu como discursos em consenso. As escolas pesquisadas demonstram, nos discursos dos membros dos conselhos escolares, uma condensação ideológica que transita entre a gestão democrática e os princípios técnico-científicos.

No caso específico desta pesquisa o objetivo visava, sobretudo, analisar a participação dos conselhos escolares, enquanto instâncias colegiadas que, historicamente, atuam no processo de democratização das escolas públicas, bem como a concepção dos seus membros sobre gestão escolar, e quanto à contribuição com os debates teóricos sobre gestão escolar, democracia e participação. Ressalta-se, então, o papel dos conselhos no fortalecimento da democracia como princípio da gestão escolar, uma vez que este assume a função de instância colegiada, com funções deliberativas, consultivas, avaliadora e fiscalizadora.

A análise da concepção dos conselheiros sobre a gestão das escolas confirmou a tese de que há, por parte dos gestores, princípios democráticos, e a existência de similaridades com os dados analisados pelo segmento de funcionários. Um fato importante é que todas as escolas sinalizadas como técnico-científicas pelo segmento de docentes, resultaram de dados reafirmados pelos segmentos de alunos e pais.

O segmento aluno é o que possui uma maior variedade de resultados e, junto com o segmento de pais, demonstram que as escolas analisadas são organizadas, majoritariamente, pelos fundamentos técnico-científicos. Importa, aqui, enfatizar a análise de algumas variantes, como é o caso da Escola 1 do Polo Itaqui-Bacanga, onde todos os segmentos, exceto a gestão, afirmaram que a escola não é democrática. Enquanto isso, na Escolas 2 do Polo Cidade Operária, e 3 do Polo Itaqui-Bacanga houve um consenso enquanto o princípio democrático, como fundamento de gestão escolar. Entre consensos e desacordos, pode-se afirmar que a democracia nas escolas ainda é um projeto com variáveis, uma vez que em algumas ainda precisa ser implantado, em outras, já está consolidado.

O que se percebe, por fim, é que esse caminho está ligado à legitimação de alguns fundamentos nas organizações escolares, entre eles: o fortalecimento da autonomia das escolas e da comunidade escolar; o estabelecimento de uma relação horizontal e mais orgânica entre gestão e participação da comunidade nos espaços de decisões; na institucionalização dos órgãos colegiados e de participação como conselhos escolares, conselhos de classe, grêmio estudantil e outros; desburocratização do processo de organização e planejamento de atividades e estabelecimento de processos formativos e avaliações. compartilhadas.

REFERÊNCIAS

BATISTA, Neusa Chaves. Políticas públicas para a gestão democrática da educação básica: um estudo do Programa Nacional de Formação de Conselheiros Municipais de Educação. Jundiaí, SP: Paco Editorial. 2013. [ Links ]

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Recebido: Fevereiro de 2021; Revisado: Abril de 2021; Aceito: Junho de 2021

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