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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.15  Curitiba  2021  Epub 02-Sep-2021

https://doi.org/10.5380/jpe.v15i0.80139 

Artigos

A assistência estudantil no “neodesenvolvimentismo”: direito ou concessão?1

Students assistance in the “neo-developmentalism”: right or concession?

La asistencia estudiantil en el “neodesenvolvimentismo”: derecho o concesión?

Carolina França Pessanha1 
http://orcid.org/0000-0001-8350-149X

Renata Maldonado da Silva2 
http://orcid.org/0000-0001-7901-623X

2Doutoranda em Políticas Sociais. Mestre em Políticas Sociais. Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF. Campos dos Goytacazes - RJ. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8350-149X. E-mail: carolfrancapessanha@gmail.com

3Pós-Doutora pela Universidade Nova de Lisboa e Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Professora Associada na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro desde 2013. Campos dos Goytacazes - RJ. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7901-623X. E-mail: r.maldonado@globo.com


Resumo

O artigo problematiza a construção e as principais concepções presentes nas políticas de assistência estudantil elaboradas durante o modelo econômico conhecido no Brasil como "neodesenvolvimentismo" (2002-2016). Nesse sentido, procuramos discutir a elaboração do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) e do Programa Nacional de Assistência Estudantil para as Instituições de Educação Superior Públicas Estaduais (PNAEST), e apontamos para as diferenças e convergências existentes entre essas políticas e sua articulação com a concepção de assistência estudantil proposta pelo Estado brasileiro no contexto de expansão do ensino superior. A metodologia utilizada no trabalho foi a pesquisa bibliográfica e análise documental, com abordagem qualitativa. Os resultados da pesquisa indicam que as políticas de assistência estudantil, implementadas por meio dos programas PNAES e PNAEST, sofreram contradições e impasses e contribuíram para ampliar o processo de privatização nas IES públicas brasileiras.

Palavras-chave: Neodesenvolvimentismo; Política Social; Assistência Estudantil; PNAES; PNAEST

ABSTRACT

The article problematizes the construction and the main conceptions present in the student assistance policies elaborated in the period known in Brazil as "neo-developmentalism" (2002-2016). In this sense, we sought to discuss the elaboration of the National Student Assistance Program (PNAES) and the National Student Assistance Program for State Public Higher Education Institutions (PNAEST). We point out to the differences and convergences between these policies and their articulation with the conception of assistance proposed by the Brazilian State in the context of an expanding higher education. The methodology used in the work was bibliographic research and document analysis, using a qualitative approach. The research results indicate that the student assistance policies, implemented through the PNAES and PNAEST programs suffered contradictions and impasses and contributed to expanding the privatization process in Brazilian public HEIs.

Keywords: Neo-developmentalism; Social policy; Student Assistance; PNAES; PNAEST

Resumen

El presente artículo tiene como objetivo problematizar la construcción y las principales concepciones presentes en las políticas de asistencia al estudiante elaboradas en el período denominado 'neodesenvolvimentismo', (2002-2016). En este sentido, buscamos discutir la elaboración del Programa Nacional de Asistencia al Estudiante (PNAES) y el Programa Nacional de Asistencia al Estudiante para las Instituciones Públicas de Educación Superior del Estado (PNAEST), señalando diferencias y convergencias entre políticas y su articulación con la concepción de asistencia estudiantil propuesta por el Estado brasileño en el contexto de la expansión de la educación superior. La metodología utilizada en el trabajo fue la investigación bibliográfica y el análisis de documentos, con un enfoque cualitativo. Los resultados de la investigación indican que las políticas de asistencia al estudiante, implementadas a través de los programas PNAES y PNAEST, sufrieron contradicciones y estancamientos y contribuyeron a ampliar el proceso de privatización en las IES públicas brasileñas.

Palabras-clave: Neodesenvolvimentismo; Política Social; Asistencia Estudiantil; PNAES; PNAEST

Introdução

O objetivo deste artigo é o de problematizar a construção e as concepções das políticas de assistência estudantil propostas pelo Estado brasileiro durante a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo federal, no contexto do neodesenvolvimentismo. Em função disso, na primeira parte desse trabalho serão discutidas as principais diretrizes e alguns elementos do neodesenvolvimentismo, assim como as críticas ao modelo. Na segunda parte, serão analisados o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) e o Programa Nacional de Assistência Estudantil para as Instituições de Educação Superior Públicas Estaduais (PNAEST), assim como os eixos norteadores da política de assistência estudantil proposta pelo Executivo brasileiro naquele contexto.

Após vivenciar um período de redução de políticas sociais, promovidos pela vigência da plataforma neoliberal, implementada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-1998 e 1999-2002), o Brasil, a partir dos anos 2000, sob a direção de um governo, pela primeira vez no país, representante da classe trabalhadora e dos movimentos sociais (Partido dos Trabalhadores - PT), instaurou, de acordo com seus teóricos oficiais, uma nova plataforma política e econômica denominada “neodesenvolvimentista”. Esta tinha como objetivo a conciliação do crescimento econômico com o desenvolvimento social e a implementação de uma agenda voltada para a tentativa de redução das desigualdades sociais por meio da execução de um conjunto de políticas sociais de caráter redistributivo.

As políticas sociais que vinham sendo reivindicadas pelos setores mais progressistas da sociedade, nos períodos anteriores ao da ascensão do PT, foram contempladas a partir do momento em que este assumiu o Poder Executivo. Nesse contexto, após décadas de reivindicações dos setores estudantis da sociedade, o Estado brasileiro instaurou uma política nacional de assistência estudantil para o ensino superior, por meio do PNAES, criado pela Portaria Normativa n° 39, de 12 de dezembro de 2007, que se transformou no Decreto n° 7.234, de 19 de julho de 2010 e do PNAEST, instituído em 28 de dezembro de 2010, pela Portaria Normativa n° 25. Ambas as políticas foram elaboradas sob o discurso da promoção da igualdade de permanência dos jovens pertencentes às classes subalternas4 nas redes públicas federal e estadual de ensino superior. Portanto, estavam em conformidade com o discurso oficial do governo de tentativa de redução das desigualdades sociais.

O referencial metodológico adotado no presente estudo se insere na perspectiva da abordagem qualitativa, que, de acordo, com Minayo e Sanchez (1993) busca acentuar a proximidade fundamental realizada entre sujeito e objeto, já que ambos possuem a mesma natureza e se movem a partir das intenções e das propostas dos diferentes atores, nas quais suas interações tornam-se significativas. Segundo os mesmos autores, os estudos qualitativos têm como enfoque a articulação entre o social e a subjetividade (MINAYO; SANCHEZ, 1993). Nesse sentido, utilizou-se a abordagem qualitativa das produções bibliográficas relacionadas aos temas do neodesenvolvimentismo e das políticas de assistência estudantil.

Incialmente, realizou-se uma pesquisa bibliográfica sobre a produção teórica acerca do modelo desenvolvimentista na Base de Dados Google Acadêmico entre 2007, quando o Executivo brasileiro lançou o PDE, até o ano de 2018, quando se constatou o maior número de produções bibliográficas sobre o tema. A partir das palavras-chaves neodesenvolvimentismo e conceito, buscou-se referências de autores que analisaram este modelo econômico, a fim de identificar os eixos norteadores dessa modalidade de Estado e seus impactos nas políticas educacionais. A pesquisa bibliográfica aqui utilizada abrange a bibliografia tornada pública e produzida sobre o tema de estudo, buscando identificar o que já foi escrito sobre determinado assunto, assim como propor novos enfoque sobre trabalhos já realizados sobre o mesmo objeto de estudo (LAKATOS; MARCONI, 2003). Simultaneamente a este processo, no mesmo período anteriormente citado e na mesma base de dados, tendo-se realizada buscas com as palavras-chaves PNAES e PNAEST, identificou-se textos que analisassem as referidas políticas, com o objetivo de apontar diferenças no processo de execução entre os modelos de assistência estudantil propostos para as instituições federais e estaduais de ensino.

Posteriormente, este trabalho adotou como pressuposto metodológico a análise documental das legislações relacionadas à criação das políticas de assistência estudantil no contexto neodesenvolvimentista: o Decreto n° 7.234, de 19 de julho de 2010, que dispôs sobre o PNAES e a Portaria Normativa n° 25, de 28 de dezembro de 2010, que instituiu o PNAEST. A coleta de dados por meio da análise documental, de acordo com Cellard (2008), tem por objetivo eliminar a influência do pesquisador sobre os elementos a serem investigados. Primeiramente, localizou-se os textos pertinentes sobre as políticas de assistência estudantil no neodesenvolvimentismo, avaliando-se a sua credibilidade e representatividade. Em segundo lugar, buscou-se analisar o contexto no qual os documentos foram produzidos, e sua relação com o modelo de Estado no qual estes documentos de política educacional foram elaborados. Em seguida, a partir da análise preliminar dos documentos referentes às duas políticas, surgiram três categorias emergentes que foram problematizadas na parte final do texto: público-alvo; ações e metas.

Partiu-se do pressuposto de que os documentos selecionados foram considerados estratégicos pelo pesquisador para a análise das políticas de assistência estudantil vigentes durante o período neodesenvolvimentista, sem esgotar o tema. Considera-se que, com o objetivo de retirar dos documentos analisados dados da realidade objetiva, o investigador deve assumir uma posição ativa na produção do conhecimento (EVANGELISTA; SHIROMA, 2019). Assim como as autoras, defende-se que, apesar das fontes terem objetividade, esta não se apresenta de modo claro, sendo necessário estabelecer diferenças entre a aparência e a essência dos fenômenos (EVANGELISTA; SHIROMA, 2019).

As políticas de assistência estudantil que serão aqui analisadas se inserem nos estudos do campo das políticas educacionais, compreendidas como as decisões implementadas pelo Estado em relação à educação (SAVIANI, 2012). A partir das contradições que se estabelecem entre o trabalho e o capital, e o papel que o Estado ocupa nesta relação, é que ocorre o processo de produção das políticas educacionais, considerando os interesses das classes fundamentais em uma determinada correlação de forças (EVANGELISTA; SHIROMA, 2019). Portanto, o trabalho tem o objetivo de articular as políticas educacionais, por meio da assistência estudantil, no contexto do chamado neodesnvolvimentismo, apontando as contradições e os limites desse modelo de Estado no processo de democratização da educação.

O PT e o “neodesevolvimentismo”

O PT surgiu a partir da oposição à ditadura empresarial-militar (1964-1985), que, nos seus últimos anos, vivenciou incontáveis greves, sobretudo, do movimento sindical do ABC paulista, além da mobilização dos demais movimentos sociais. A criação do chamado novo sindicalismo, do qual emergiu Luiz Inácio Lula da Silva, assim como a articulação com os setores mais progressistas da sociedade no contexto da chamada redemocratização brasileira, constituíram a base social do PT. Contudo, o mesmo partido só obteve a vitória política no ano de 2002 após três tentativas anteriores, em um contexto nacional e internacional bastante diferente da década de 1980. De acordo com Antunes (2018), as medidas neoliberais dos governos de FHC já haviam sido postas em prática, apesar da forte resistência dos trabalhadores e dos movimentos sociais. Portanto, nesse quadro, a vitória do PT nas urnas representou a possibilidade de ultrapassar esse cenário, no qual o movimento sindical não encontrava respostas para a superação do cenário neoliberal, tendo sido saudada por todos os movimentos sociais articulados à esquerda na região (SOARES, 2013). Entretanto, o caminho escolhido pelo bloco hegemônico que compunha o PT, juntamente com as suas coligações eleitorais à época, foi outro. Segundo Antunes (2018, p. 228), “a vitória do Partido dos Trabalhadores e da esquerda se deu quando o transformismo5 já havia começado a metamorfosear o PT em um partido da ordem”.

Castelo (2012) afirma que, ainda no período dos anos 1990, já se podia sentir o desgaste que o modelo político econômico neoliberal havia alcançado em toda a América Latina, em especial no Brasil. Os danos sociais foram sentidos e abriu-se o caminho para uma mobilização popular contrária a esta plataforma, o que possibilitou que os partidos políticos que defendiam a resistência ao modelo vigente fossem eleitos, como ocorreu no Brasil, com a eleição do PT (CASTELO, 2012). Entretanto, assim como Antunes (2018), Castelo (2012, p. 624) salienta que, “em alguns casos, as lideranças não mantiveram sua linha de resistência após a posse e aderiram ao neoliberalismo por intermédio do social-liberalismo”, sendo que “o governo Lula é o caso mais emblemático dessa adesão ao projeto de supremacia burguesa”.

Portanto, pode-se constatar que, quando eleito, “o PT já não era mais um partido da classe trabalhadora, oscilando entre a resistência ao neoliberalismo e a aceitação de uma nova ordem política, muito mais moderada, policlassista e adequada à ordem capitalista típica da era da financeirização” (ANTUNES, 2018, p. 228). Este novo projeto foi denominado pelos principais intelectuais orgânicos (GRAMSCI, 2002) do partido de “neodesenvolvimentismo”. De acordo com Castelo (2012, p. 624), “o novo desenvolvimentismo surgiu no século XXI após o neoliberalismo experimentar sinais de esgotamento e logo se apresentou como uma terceira via tanto ao projeto liberal quanto do socialismo”. Nesse sentido, Sampaio Jr. (2012, p. 679) ressalta que,

Os economistas que reivindicam o novo desenvolvimentismo compartilham um denominador comum: procuram uma terceira via que evite o que consideram o grave problema do neoliberalismo [...] e o que atribuem como as inaceitáveis perversidades do velho desenvolvimento [...]. O desafio do neodesenvolvimentismo consiste, portanto, em conciliar os aspectos positivos do neoliberalismo [...] com aspectos positivos do velho desenvolvimentismo.

De acordo com Boito Jr. (2018), em linhas gerais, o neodesenvolvimentismo pode ser definido como um programa de política econômica e social, que tem por objetivo promover o crescimento econômico, sob a liderança da burguesia interna, sem romper com o modelo econômico neoliberal e buscando a ampliação de políticas sociais, em geral focalizadas, com destaque para as voltadas para a transferência de renda. Além destas últimas, seus principais elementos discursivos seriam as políticas de recuperação do salário mínimo, aumento do orçamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) para promover empréstimos às empresas nacionais e o aumento dos investimentos para empresas nacionais e em infraestrutura (BOITO JR., 2018).

Nesse sentido, é importante atentar para o fato de que a teoria neodesenvolvimentista foi criada a partir da reformulação da corrente teórica nacional-desenvolvimentista, que vigorou no Brasil entre os anos de 1930 e 1960, com seu auge nos anos 1950-1960 (CASTELO, 2012). Esta última tinha por proposta a promoção do crescimento econômico e a superação do subdesenvolvimento do país por meio de três medidas: “forte intervenção governamental, política econômica voltada para o fortalecimento da indústria e a criação de um projeto nacional” (PAULANI, 2017, p. 136). Entretanto, ressalta-se também que, diferentemente desta, o neodesenvolvimentismo, apesar de ter buscado investir no setor industrial, não tinha como meta a construção de um projeto nacional. Houve uma reduzida intervenção estatal, associada à entrada do capital internacional, na medida em que apostou na primazia do setor privado (PAULANI, 2017).

Segundo Castelo (2012), com base nas ideias de um dos teóricos neodesenvolvimentistas, Bresser Pereira, “o novo desenvolvimentismo se diferenciava do nacional-desenvolvimentismo em três pontos: maior abertura do comércio internacional; maior investimento privado na infraestrutura e maior preocupação com a estabilidade macroeconômica” (BRESSER PEREIRA, 2004 apudCASTELO, 2012, p. 624). Contudo, assim como Castelo, Pfeifer (2014) relata que, enquanto o nacional-desenvolvimentismo buscava incentivar a industrialização interna, visando superar a dependência do Brasil em relação aos países de capitalismo central, o neodesenvolvimentismo, percorreu o caminho contrário. Seu objetivo seria o de promover o desenvolvimento econômico, por meio da abertura da economia ao capitalismo global e, portanto, estreitando seus laços de dependência (PFEIFER, 2014).

Entretanto, para Castelo (2012, p. 614), “com o aumento das taxas de crescimento econômico e a tímida melhora de alguns indicadores sociais, a ideologia desenvolvimentista voltou repaginada à cena, acoplada dos prefixos “novo” e “social” e tornou-se o tema da moda no Brasil”. De acordo com os teóricos oficiais do governo PT, as tênues melhorias no campo econômico e social, amparadas em políticas sociais mais abrangentes, ainda que calcadas no assistencialismo, associadas ao estímulo aos grandes capitais, principalmente industrial e financeiro (ANTUNES, 2018), foram consideradas por estes como um novo projeto político.

Desse modo, os intelectuais do PT abraçaram a teoria neodesenvolvimentista, com o objetivo de tentar diferenciar a política econômica posta em curso pelo partido das medidas neoliberais implementadas na gestão de FHC. Nesse sentido, Castelo (2012, p. 626) afirma que:

Um grupo de intelectuais ligados ao PT tenta sustentar a tese de que uma inflexão nas políticas econômicas [...], sociais e externa no Brasil a partir de 2007-2008 teria levado o país a romper com o neoliberalismo e viver uma época pós-neoliberal [...], uma grande transformação [...] e/ou a emergência de um padrão de acumulação chamado de social-desenvolvimentismo, baseado na produção de bens e serviços e na distribuição equitativa da renda.

O que se constata é que era objetivo do PT tentar se diferenciar das diretrizes neoliberais executadas durante os governos do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) no país, buscando conservar sua base de sustentação, ao mesmo tempo em que buscava a construção de um projeto baseado na possível conciliação de classes. Contudo, de acordo com os seus principais teóricos, a política econômica neodesenvolvimentista se diferenciava da neoliberal devido ao seu caráter voltado para a questão social, isto é, “o desenvolvimento para os novos-desenvolvimentistas é visto não só como crescimento econômico e a industrialização, mas também como a redução das desigualdades sociais e a melhoria no padrão de vida da população” (BRESSER PEREIRA; THEUER, 2012, p. 823).

Em vista disso, Paulani (2017, p. 138) afirma que foi “a partir do segundo mandato de Lula, nas referências à mudança nos rumos da política econômica, que começa a ser ouvido o termo neodesenvolvimentismo”. Segundo essa autora, este “passou a ser associado às políticas que, contrariando o cânone liberal vigente, apelavam para polpudos programas de investimento público [...] e para expedientes de intervenção na atividade econômica [...]” (PAULANI, 2017, p. 139). Nesta mesma direção, Sampaio Jr. (2012, p. 680), ressalta que “o diferencial do neodesenvolvimentismo se resume ao esforço de atenuar os efeitos mais deletérios da ordem global sobre o crescimento, o parque industrial e a desigualdade social”.

Portanto, as medidas executadas nos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, voltadas para a redução da desigualdade social e para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira, de acordo com o discurso oficial, estavam relacionadas ao desenvolvimento de políticas sociais de caráter redistributivo. Pode-se, portanto, concluir que “a plataforma da política neodesenvolvimentista (do governo PT) estava centrada na implementação de medidas redistributivas voltadas para a inclusão social” (PFEIFER, 2014, p. 746), nas quais a educação e a assistência estudantil se inserem.

No entanto, outras políticas sociais foram sendo desenvolvidas durante os governos do PT. No que tange às outras ações, observamos que o Programa Bolsa Família e a política do aumento do salário-mínimo são as que melhor retratam o perfil do conjunto de políticas sociais de caráter redistributivo promovidas por esse governo (PAULANI, 2017). Além dessas ações, as políticas sociais ligadas ao sistema de financiamento como o Minha Casa Minha Vida, o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), a abertura do sistema bancário e o consequente acesso popular ao cartão de crédito, foram desenvolvidas sob o discurso de ampliar o desenvolvimento social. Portanto, se caracterizariam como ações direcionadas à promoção da redução das desigualdades sociais (PFEIFER, 2014).

Contudo, nota-se que, a partir das ações acima citadas, instaurou-se o que Pfeifer (2014, p. 747) chamou de “inclusão social via consumo de massa, [...] conforme um modelo de política social como fator de crescimento econômico”. Desse modo, as políticas sociais implementadas apresentam um duplo objetivo: promoção da redução das desigualdades, tratadas apenas como desigualdade de renda, e aquecimento do mercado (economia) via oferecimento de oportunidades (renda) para que a população pudesse consumir bens e serviços (POCHMANN, 2011 apudPFEIFER, 2014).

Diante do exposto acima, é importante atentar para o fato de que os processos de acumulação financeira e privatização, pilares da política neoliberal, foram assegurados por meio das políticas sociais redistributivas e ligadas ao financiamento desenvolvidas pelos governos do PT. Nesse sentido, Pfeifer (2014, p. 757) afirma que:

O acesso aos bens e serviços sociais considerados no âmbito das necessidades humanas e no escopo da cidadania, vem sendo possibilitado não mais pela operacionalização direta do Estado na sua provisão - dentro da esfera pública estatal e de gratuidade, caracterizado por um Estado provedor, mas sim, verifica-se que as políticas públicas sociais passam a viabilizar o acesso aos bens e serviços sociais utilizando-se dos recursos públicos para a compra de vagas, de bens e de serviços oferecidos e comercializados pelo setor privado [...]. Verifica-se, assim, uma tendência geral no neodesenvolvimentismo: o Estado é o grande consumidor dos bens e serviços sociais mercantilizados.

Apesar da tentativa de defesa dos governos do PT e de seus teóricos no que se refere à implementação de uma nova plataforma política econômica, pretensamente desvinculada da ideologia neoliberal, o que se observou foi a permanência dos mesmos pressupostos. Nesse contexto, diferentes autores como Sampaio Jr. (2012), Castelo (2012) e Paulani (2017), argumentam que não houve o rompimento com o neoliberalismo, contrariando o discurso oficial.

É importante chamar a atenção de que as políticas de expansão de acesso ao ensino superior, neste contexto, se inserem na perspectiva do neodesenvolvimentismo, na medida em que buscam articular inclusão social juntamente com o desenvolvimento econômico (PFEIFER, 2014). Nesse sentido, as ações de assistência estudantil desenvolvidas nesse período estão vinculadas a um modelo de Estado que, por um lado, busca promover o crescimento econômico, e, por outro lado, visa garantir a inclusão social de classes historicamente excluídas do ensino superior, como será abordado na próxima seção deste trabalho.

A assistência estudantil por meio do PNAES e do PNAEST

A política econômica implementada pelos governos do PT começou a se modificar no final do primeiro mandato do presidente Lula da Silva, a partir da instauração do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que se caracterizou por um “programa de investimentos públicos, envolvendo recursos da ordem de 13% do Produto Interno Bruto (PIB), para serem gastos em quatro anos em setores de infraestrutura (transporte, energia, recursos hídricos e saneamento básico)” (PAULANI, 2017, p. 138). Este foi produzido com o objetivo de promover o desenvolvimento de políticas sociais na área de infraestrutura. Portanto, o PAC pode ser caracterizado como o precursor no que tange ao conjunto de medidas sociais desenvolvidas pelos governos do PT cujo objetivo, segundo o discurso oficial, era a redução das desigualdades sociais. No que diz respeito à área da educação, foi lançado “em abril de 2007 o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), imediatamente renomeado de PAC da educação” (MORAES, 2009, p. 5).

O PDE consistiu em um plano de metas que teve por objetivo melhorar a qualidade da educação brasileira em todos seus níveis e modalidades. Ele “agregou 30 ações do (Ministério da Educação - MEC) [...], parecendo um grande guarda-chuva que abrigou praticamente todos os programas em desenvolvimento pelo MEC” (SAVIANI, 2017, p. 1233), para os diferentes níveis e modalidades de ensino. No que se refere à educação superior, o PDE instituiu cinco metas a serem atingidas: “expansão da oferta de vagas; garantia da qualidade; promoção da inclusão social pela educação; tornar o ensino acessível inclusive nas regiões mais distantes e possibilitar a formação de recursos humanos qualificados” (SAVIANI, 2009, p. 18).

Dentre as principais medidas instituídas pelo PDE, voltadas para a expansão da educação de nível superior, é importante destacar a instituição do Programa Universidade Para Todos (PROUNI). Este, apesar de ter sido criado por meio da Lei n° 11.096, de 13 de janeiro de 2005, foi incorporado ao novo “plano”. Além disso, o PDE promoveu a ampliação do FIES, com critérios que visavam expandir o crédito aos estudantes dessa modalidade de ensino. Outro elemento estratégico do PDE foi a criação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído por meio do Decreto n° 6.096, de 24 de abril de 2007. Trata-se, portanto, de uma estratégia da gestão PT na qual, atendendo à histórica reivindicação dos movimentos sociais, por meio das políticas acima citadas, visando contribuir para o ingresso dos setores historicamente excluídos do ensino superior.

Embora os programas citados acima tenham auxiliado na expansão do acesso ao ensino superior, eles contemplaram, de forma apenas tangencial, a permanência dos estudantes. Entretanto, historicamente, o movimento estudantil brasileiro já havia sinalizado para a necessidade de mais ações voltadas para as áreas de assistência estudantil, sobretudo em um contexto de expansão do ensino superior. Assim, buscando garantir a permanência dos estudantes oriundos das classes subalternas nas instituições de ensino superior públicas federais, o PDE instituiu o PNAES, por meio da Portaria Normativa n° 39, de 12 de dezembro 2007. Segundo Saviani (2009, p. 19), o PNAES é “definido como um desdobramento necessário da democratização do acesso propiciada pelo REUNI”. Para Dutra e Santos (2017), a instituição do PNAES representou uma vitória para a política de assistência estudantil brasileira, que vinha sendo reivindicada desde a criação das primeiras universidades no país.

Contudo, é importante ressaltar que, embora o PDE tenha proposto várias ações no campo educacional, o "plano" não assegurou recursos para os programas que foram criados. Em função disso, todos estavam condicionados à disponibilidade de recursos do MEC. Isso, inclusive, foi um fator que impossibilitou a continuidade de várias das ações propostas, das quais se destaca o PNAEST, que é um dos nossos objetos de análise. Após a sua criação, o MEC poderia então disponibilizar editais determinando quais os recursos poderiam ser gastos com esse programa. Por outro lado, a adesão ao PNAEST era condicionada à implementação do Sistema de Seleção Unificada (SISU) pelas universidades estaduais. Isso acarretou que as Instituição de Ensino Superior (IES) recebessem alunos provenientes de várias regiões do país, embora os recursos não ocorressem em fluxo contínuo. A questão da descontinuidade da referida política fica evidente quando se observa que os editais referentes a ela foram lançados apenas nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014.

No que tange ao PNAES, em 2010, a Portaria Normativa n° 39 foi transformada no Decreto n° 7.234, instituindo o PNAES nas universidades federais (MACIEL, LIMA; GIMENEZ, 2016). Em relação às metas do PNAES, verificou-se que o plano pretendia:

A democratização das condições de permanência dos estudantes das IES públicas federais; a diminuição das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão no ensino superior; a minimização da taxa de evasão e retenção e promover a inclusão social por meio da educação (BRASIL, 2010).

Além disto, o PNAES determinou a articulação entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão nas IES federais, e sua abrangência era restrita aos estudantes matriculados nos cursos presenciais (BRASIL, 2010). Portanto, uma quantidade expressiva dos estudantes matriculados nos cursos superiores no pais na modalidade da educação a distância (EAD), que vem crescendo substancialmente nos últimos anos, não foi contemplada.

No que se refere às ações de assistência estudantil determinadas pelo PNAES, estas consistem em iniciativas nas seguintes modalidades: moradia, alimentação, transporte, assistência à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche, apoio pedagógico e atendimento aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades e superdotação (BRASIL, 2010).

O público-alvo do PNAES, de acordo com o documento, seriam os estudantes da rede pública de educação básica ou com renda familiar per capita de até um salário-mínimo e meio, o que caracteriza a sua focalização, em consonância com as características do neodesenvolvimentismo (BRASIL, 2010). Os recursos para a execução do plano estariam relacionados às dotações orçamentárias do MEC e, seriam repassados diretamente às IES, que deveriam fixar mecanismos de avaliação e monitoramento das ações de assistência estudantil (BRASL, 2010).

Nesse cenário, com o propósito de expandir a permanência dos estudantes no ensino superior público brasileiro, no ano de 2010, foi criado também pelo MEC, por meio da Portaria Normativa n° 25, o Programa Nacional de Assistência Estudantil para as Instituições de Educação Superior Públicas Estaduais (PNAEST). Dessa forma, ampliou-se as ações de assistência estudantil para as instituições estaduais de ensino superior. Assim como o PNAES, o PNAEST foi instituído com a finalidade de intensificar as condições de acesso, permanência e sucesso dos jovens na educação superior pública estadual (BRASIL, 2010a). Segundo o artigo 1°, inciso I, da Portaria Normativa MEC n° 25, as metas do PNAEST seriam:

I - Fomentar a democratização das condições de acesso e permanência dos jovens na educação superior pública estadual; II - minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais no acesso à educação superior; III - reduzir as taxas de retenção e evasão; IV - aumentar as taxas de sucesso acadêmico dos estudantes; V - contribuir para a promoção da inclusão social pela educação (BRASIL, 2010a).

No que tange às ações do PNAEST, estas dizem respeito às mesmas elencadas pelo PNAES: moradia estudantil, alimentação, transporte, assistência à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche, apoio pedagógico e acesso, participação e permanência de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação (BRASIL, 2010a). Portanto, os documentos citados buscam se articular às propostas de educação inclusiva implementadas nesse contexto, mediante a inserção do público-alvo da educação especial nas políticas de assistência estudantil.

Assim como o PNAES, o público-alvo do PNAEST era, prioritariamente, os estudantes da rede pública de educação básica ou com renda familiar per capita de até um salário-mínimo e meio. As instituições estaduais de ensino superior também seriam as definidoras dos critérios de utilização e a metodologia de seleção dos graduandos a serem beneficiados (BRASIL, 2010a).

Entretanto, diferentemente do PNAES, a distribuição dos recursos do PNAEST estava condicionada ao quantitativos de vagas ofertadas pelas IES no SISU. Segundo o documento, as instituições que ofertassem sua disponibilidade de vagas receberiam bônus de 30% até 50% sobre os valores repassados. Estes recursos seriam transferidos no formato de convênios, de acordo com a disponibilidade orçamentária do MEC, mediante a elaboração de planos de trabalho (BRASIL, 2010a). Portanto, constatou-se que o programa visava induzir o aumento da oferta de vagas nas IES estaduais, por meio das estratégias de bonificação.

Diante do que foi exposto acima, verificou-se que, assim como as demais políticas implementadas no contexto do “neodesenvolvimentismo”, a assistência estudantil foi criada com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais. Está relacionada às dificuldades de permanência na educação superior vivenciada pelos estudantes oriundos das classes sociais subalternas que historicamente vieram sendo excluídas dessa modalidade de ensino.

No que se refere ao caráter redistributivo das políticas sociais elaboradas durante o governo PT, as políticas de assistência estudantil PNAES e PNAEST também estimulam o consumo e as parcerias público-privadas, dentro dos marcos do projeto neodesenvolvimentista, no qual a intervenção do Estado tem o papel estratégico de captar recursos. O estímulo ao consumo, que é outra função das políticas sociais neste modelo, se relaciona ao fato de o PNAES permitir que as IES públicas utilizem a verba do programa para fins de bolsificação. Portanto, ao invés do incentivo às ações de assistência estudantil gestadas e oferecidas diretamente pelas IES como, por exemplo, na oferta de dormitórios, restaurantes universitários e creches pertencentes aos polos, o PNAES possibilita que a instituição distribua a verba do programa em formato de bolsas auxílios com determinado valor. Isto ocorre de forma que essas bolsas possam ser utilizadas para o pagamento de aluguéis, alimentação ou de mensalidades em creches privadas, estimulando, assim, as várias frações do setor empresarial.

No que tange ao PNAEST, o processo de transferência direta da verba ao estudante é proibido. Portanto, não é possível utilizar a verba do programa para fins de 'bolsificação', como no PNAES. No entanto, o PNAEST estimula as parcerias público-privadas, ao permitir que os valores sejam utilizados para o pagamento de serviços de alimentação e moradia, em geral, ofertados por restaurantes e imobiliárias, por exemplo. Desse modo, apesar de não oferecer diretamente a verba na forma de dinheiro (bolsa) aos estudantes, o PNAEST possibilita que as IES públicas estaduais contratem empresas, via processo licitatório, que ofereçam serviços que atendam às necessidades estudantis decididas pelas universidades estaduais, e, portanto, utilizando a verba do programa para essa finalidade.

Portanto, podemos aferir que as políticas de assistência estudantil desenvolvidas pelos governos do PT reforçam o que Pfeifer (2014, p. 757) salientou em relação ao papel do Estado como “o grande consumidor dos bens e serviços sociais mercantilizados”. Essa situação fica clara, especialmente, quando se analisa a implementação da assistência estudantil no âmbito da alimentação que, em alguns casos, são ofertados por meio de restaurantes que funcionam no interior das IES. Ao invés de disponibilizar recursos para que as instituições possam criar estratégias para ampliar as suas políticas que garantam a permanência dos estudantes nos campi, o programa induz a contratação de serviços oferecidos por empresas privadas, que se alocam nesses espaços e que são mantidas por verbas públicas.

Portanto, o discurso oficial ressaltava que as políticas de assistência estudantil tinham por objetivo principal a diminuição das desigualdades de permanência e exclusão dos estudantes das classes subalternas matriculados nas IES públicas. Entretanto, constata-se que estas se enquadram-se no modelo neodesenvolvimentista de promoção de políticas sociais voltadas para o desenvolvimento econômico e, que, atendem de forma pontual, às demandas dos estudantes pertencentes às classes subalternas, transformando o público-alvo destas medidas em potenciais consumidores e esvaziando o caráter universal das políticas de assistência estudantil.

Em suma, no que tange às políticas de assistência estudantil, verificou-se a predominância da lógica do mercado e a valorização do setor empresarial, impregnada em todas as ações desenvolvidas no âmbito da educação de nível superior, no contexto dos governos do PT, tais como o FIES e PROUNI. Contudo, é importante registrar que estas ações foram sendo implementadas sob o discurso de democratização do acesso e da permanência no ensino superior, voltado para atender aos setores historicamente excluídos desta modalidade de ensino.

Considerações finais

O presente estudo teve por objetivo a análise das políticas de assistência estudantil durante a vigência da chamada plataforma “neodesenvolvimentista”, implementada por meio da ascensão do Partido dos Trabalhadores no governo federal. Buscou-se compreender o discurso oficial produzido pelos intelectuais orgânicos do PT de que o modelo neodesenvolvimentista se diferenciava do neoliberal, presente durante a gestão FHC. Assim, salientou-se a aposta do governo no desenvolvimento social, via a promoção de políticas sociais de grande impacto, sobretudo, as de caráter redistributivo que, quando colocadas em prática, promoveram o aquecimento do mercado interno. Isto ocorreu por meio da expansão do acesso ao consumo e pelo fortalecimento dos setores financeiros e privados via políticas sociais de financiamento como o Minha Casa Minha Vida, o FIES e o PROUNI.

No que tange às políticas sociais voltadas para a educação superior, considerada pelo Estado neodesnvolvimentista como um mecanismo de desenvolvimento econômico e inclusão social, foi implementada neste mesmo contexto a política de assistência estudantil. Historicamente, as ações de assistência estudantil já vinham sendo reivindicadas pelo movimento estudantil, no sentido de garantir a permanência dos discentes nas IES públicas e de reduzir as desigualdades sociais nessa modalidade de ensino. No entanto, constatou-se que, assim como as demais políticas criadas pelo PT, a assistência estudantil também foi “concedida” de forma a estimular o mercado interno, articular a inclusão social com o desenvolvimento econômico, ampliar o processo de privatização nas IES públicas, dentro dos moldes e limites do projeto neodesenvolvimentista.

Contudo, não se pode deixar de ressaltar que, apesar das contradições analisadas, a instauração do PNAES e do PNAEST representou um avanço no que diz respeito à tentativa de estabelecimento de uma política pública voltada para a assistência estudantil nacional. Entretanto, em função do modelo adotado, esta ocorreu de forma focalizada e descontinuada, não sendo implementada enquanto um direito a todos os estudantes das IES públicas. Além disso, a inexistência de recursos próprios e as interrupções dos editais, no caso do PNAEST, dificultaram que as instituições pudessem consolidar uma política de assistência estudantil em seus campi.

Por um lado, constatou-se que a proposta de assistência estudantil produzida durante o modelo “neodesenvolvimentista”, em articulação com o projeto neoliberal ainda vigente, teve limitações e entraves, no sentido de promover a ampliação de direitos aos estudantes das classes subalternas matriculados nas IES públicas. Por outro lado, a implementação dessa política possibilitou a ampliação de discussões, debates e reivindicações na defesa de uma política de assistência estudantil nacional mais estruturada. Defende-se que esta deva ser construída a partir da análise das principais reivindicações dos alunos, professores e gestores das IES públicas brasileiras, assim como de toda sociedade civil comprometida em garantir o direito de todos à educação superior pública no país.

1Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES pelo financiamento do presente estudo.

4Trata-se de um conceito gramsciano, aplicado às classes exploradas economicamente e também submetidas à exploração nos âmbitos social, econômico e político (YAZBEK, 2015).

5Trata-se do movimento de cooptação dos agentes das classes dominantes sob os membros das classes subalternas, sobretudo, por seus intelectuais orgânicos. Ver: GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

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Recebido: Março de 2021; Revisado: Maio de 2021; Aceito: Agosto de 2021

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