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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.15  Curitiba  2021  Epub 02-Set-2021

https://doi.org/10.5380/jpe.v15i0.82215 

CONCESSÃO DO TÍTULO DE DOUTOR HONORIS CAUSA AO PROFESSOR CARLOS ROBERTO JAMIL CURY

Homenagem do Setor de Educação ao professor Carlos Roberto Jamil Cury por ocasião da outorga do título de Doutor Honoris Causa da UFPR, em 2 de julho de 2021

Homage from the Education Sector to Professor Carlos Roberto Jamil Cury on occasion of the award of Doctor Honoris Causa degree at UFPR, on July 2, 2021

Homenaje del Sector Educación al profesor Carlos Roberto Jamil Cury con motivo de la entrega del título de Doctor Honoris Causa en la UFPR, el 2 de julio de 2021

Marcos Alexandre dos Santos Ferraz1 
http://orcid.org/0000-0002-5790-2457

1Doutor em Sociologia. Diretor do Setor de Educação da UFPR. Curitiba, PR. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5790-2457 E-mail: ferrazmarcos@uol.com.br


Magnífico Reitor da Universidade Federal do Paraná, companheiro de luta em defesa da Universidade Pública, Professor Ricardo Marcelo Fonseca;

Magnífica Reitora da Universidade Federal de Minas Gerais, Professora Sandra Regina Goulart Almeida;

Excelentíssima Vice-Reitora da Universidade Federal do Paraná, mulher, guerreira, Professora Graciela Ines Bolzon de Muniz;

Cara amiga de Departamento, de Setor e de trajetória de vida em conjunto, representante da Comissão de Honra desta homenagem, Professora Claudia Regina Baukat Silveira Moreira;

Caros Conselheiros e Conselheiras do Conselho Universitário da Universidade Federal do Paraná;

Queridos discentes, técnicos administrativos e docentes que constituem a comunidade do Setor de Educação;

Nosso queridíssimo Homenageado, Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Paraná, Professor Carlos Roberto Jamil Cury;

Senhoras e senhores que nos acompanham nesta transmissão via canal do cerimonial da Universidade Federal do Paraná;

A concessão do título de Doutor Honoris Causa é sempre um momento especial de reconhecimento, que a Universidade concede a educadores - no sentido amplo da palavra - que contribuíram para a consolidação e a expansão do ensino, da ciência, da cultura, e do compromisso social da nossa instituição.

Mas ao começar a pensar no que deveria dizer aqui hoje, comecei a tentar lembrar, quando foi a última vez que a UFPR concedeu esse título, a partir de uma iniciativa do Setor de Educação. Pode ser o limite do meu próprio conhecimento da história de nosso Setor, mas, pela memória, não consegui lembrar quando foi. Relembro este fato para salientar que não é algo comum ou corriqueiro para o Setor de Educação prestar essa honraria e essa homenagem aos nossos educadores.

Assim, resolvi me fazer um conjunto de questões. Em primeiro lugar, porque a iniciativa de propor ao Conselho Universitário a concessão desta honraria, já que não nos é habitual. Na sequência me questionei por que a entregar a Carlos Roberto Jamil Cury. Por fim, porque o fazer nesse momento que vivemos.

Para responder a primeira questão, me vem à mente o eterno dilema: a história faz os seres humanos, ou os seres humanos fazem a história? Ao longo da nossa trajetória como humanidade, essa questão já foi pontuada de várias maneiras. No campo conservador, o inglês Edmund Burke, feroz crítico da Revolução Francesa, ao atacar a Declaração dos Direitos do Homem, dizia: “Eu nunca conheci o homem; eu conheço apenas o inglês, o francês, o alemão”. Ou seja, para Burke só existia o indivíduo e jamais a abstração histórica ou mesmo o coletivo, o social. Em contraponto, no campo progressista, Marx, no início do 18 Brumário, afirma: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. Na literatura, Tolstói, em Guerra e Paz, afirma: “O rei é escravo da história. A história, ou seja, a vida inconsciente, comum, a vida de colmeia da humanidade, usa todos os minutos da vida do rei para si mesma, como um instrumento para alcançar os seus objetivos”. Na educação, nosso campo, o nosso centenário patrono Paulo Freire afirma: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas mudam o mundo”. Eu poderia continuar com referências até o infinito, como Elias, Berger e Luckmann, Hemingway, etc..., etc..., etc... Mas creio que os exemplos já são suficientes para responder a primeira questão. Devemos render homenagens ao coletivo, à comunidade, à sociedade, à história, à cultura, à educação que faz o indivíduo, mas igualmente devemos homenagens e honrarias ao indivíduo.

Passo então a segunda questão, mas por que homenagear Carlos Roberto Jamil Cury? A apresentação que Claudia fez da trajetória de vida e da trajetória acadêmica do Cury, poderia já nos ser suficiente para responder a questão. Mas talvez, isso significaria apenas justificar a homenagem ao indivíduo e poderíamos questionar, por que não outros indivíduos com trajetórias pessoais e acadêmicas igualmente singulares. Creio, portanto, que se faz necessário reunir o indivíduo e seu lugar na história. Nestes termos, faz-se necessário compreender Carlos Roberto Jamil Cury no campo educacional brasileiro. Não vou fazer um retorno a toda história da educação brasileira, mas me concentrar na construção do campo educacional democrático no Brasil, a partir de finais dos anos de 1970 e meados dos anos de 1980; que vão desaguar na Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, nos avanços progressistas que conquistamos ao longo dos anos 2000 e da resistência que hoje exercemos.

Cury não é apenas um intelectual que pensou e refletiu sobre a educação pública. Cury é um personagem político. Um militante que nos ajudou a construir um sistema educacional público mais inclusivo e a fazer avançar a democratização do acesso e do aprendizado, ampliando o alcance do direito à educação.

Mas eu diria um pouco mais. Carlos Roberto Jamil Cury vai além do indivíduo amoroso, cordial e carinhoso que conhecemos. Cury é um símbolo do campo educacional democrático e progressista. Se o Centro Acadêmico de Pedagogia de nossos discentes homenageia Anísio Teixeira; se hoje debatemos nominar o auditório do Setor de Educação com o nome de Paulo Freire; eu gostaria de lembrar que Cury é portador e perpetuador da herança desses nomes tão importantes. Cury é parte intelectual e política singular do nosso campo educacional democrático, progressista e popular.

Por fim, nos resta a questão: por que agora? Não precisamos esconder de ninguém o inferno que enfrentamos no momento: ataques constantes à nossa democracia, desde o golpe jurídico, parlamentar e misógino de 2016; cortes contínuos no financiamento da educação pública e, em especial, das universidades; negação das contribuições da ciência, seja no que diz respeito ao cuidar da vida, seja no que diz respeito a construção das políticas educacionais; uma pandemia que nos isola, nos rouba o abraço, a convivência e o carinho; um governo que abriga genocidas e que condena à morte centenas de milhares de pessoas por sua política ineficiente e descomprometida com a vida. Mas se o momento é tão duro, por que devemos homenagear e celebrar agora? Respondo a esta questão, lembrando de uma música da trilha sonora do filme Ata-me, de Pedro Almodóvar, que tem sido muito cantada durante a pandemia:

Resistiré, erguido frente a todo

Me volveré de hierro para endurecer la piel

Y aunque los vientos de la vida soplen fuerte

Soy como el junco que se dobla, pero siempre sigue en pie

Resistiré, para seguir viviendo

Soportaré los golpes y jamás me rendiré

Y aunque los sueños se me rompan en pedazos

Resistiré, resistiré...

Celebrar e homenagear o Cury, neste momento, é ato de resistência. É ato político. Em um momento que teima em tentar nos desumanizar, homenageamos a doçura, o carinho, o compromisso, a coerência política, a inteligência humana.

Cury, estamos longe. Você se encontra nas Minas Gerais em que cresci, mas sinta a profundidade da admiração, do respeito e do carinho que o Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná lhe dedica. Sinta-se profundamente abraçado por toda comunidade do Setor de Educação. Tenho certeza de que toda a nossa comunidade está comigo neste abraço caloroso, pois agora você faz parte de nossa história e de nosso Setor.

Parabéns!

Recebido: Julho de 2021; Revisado: Julho de 2021; Aceito: Julho de 2021

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