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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.15  Curitiba  2021  Epub 03-Set-2021

https://doi.org/10.5380/jpe.v15i0.82161 

CONCESSÃO DO TÍTULO DE DOUTOR HONORIS CAUSA AO PROFESSOR CARLOS ROBERTO JAMIL CURY

Carlos Roberto Jamil Cury: uma vida em defesa da Educação

Carlos Roberto Jamil Cury: a life in defense of Education

Carlos Roberto Jamil Cury: una vida en defensa de la Educación

Claudia Regina Baukat Silveira Moreira1 

1Doutora em Educação. Professora e pesquisadora do PPGE/UFPR e NuPE/UFPR. Curitiba, PR. Brasil. Orcid: E-mail


“Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.

- Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? - pergunta Kublai Khan.

- A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra - responde Marco -, mas pela curva do arco que estas formam.

Kublai Khan permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta:

- Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.

Polo responde:

- Sem pedras o arco não existe.”

Italo Calvino, As cidades invisíveis.

Magnífico Reitor da Universidade Federal do Paraná, Professor Ricardo Marcelo Fonseca;

Magnífica Reitora da Universidade Federal de Minas Gerais, Professora Sandra Regina Goulart Almeida;

Excelentíssima Vice-Reitora da Universidade Federal do Paraná, Professora Graciela Ines Bolzon de Muniz;

Diretor do Setor de Educação da UFPR, Professor Marcos Alexandre dos Santos Ferraz;

Nosso homenageado, Professor Carlos Roberto Jamil Cury, que neste ato receberá o Título de Doutor Honoris Causa da UFPR;

Demais presentes nesta cerimônia,

A citação do escritor italiano Italo Calvino, em epígrafe, se coloca, neste contexto, como um convite à reflexão sobre o papel dos indivíduos na produção do conhecimento. O saber é ponte que liga pessoas, que permite a passagem, que torna possível definir o sentido da mudança. A metáfora não é nova. A novidade consiste em destacar a importância de cada pedra sobre a curvatura do arco da ponte, ou seja, como cada indivíduo contribui para a construção do conhecimento. Sob este aspecto, as contribuições do professor Carlos Roberto Jamil Cury, sua presença, sua interlocução, constituem pedra basilar para o campo da Educação.

Trata-se de trajetória construída no decurso dos últimos cinquenta e três anos - tempo de exercício de magistério - que tem ocorrido em paralelo com os principais eventos da história do nosso país no final do século XX e neste início de século e que, no campo das Políticas Educacionais, têm em seu nome uma figura de referência. É, portanto, impossível pensar o debate e a definição das políticas de reconhecimento do Direito à Educação neste período sem mencionar sua obra e seu esforço pessoal.

Nascido em São José do Rio Preto (SP) em 1945, sétimo filho de imigrantes libaneses, o menino Carlos nasceu junto com o fim do Estado Novo. Cresceu junto com o interregno democrático que o país viveu, estudando em escolas públicas no Jardim de Infância e no Primário.

O Ginasial foi cursado parcialmente no Seminário Nossa Senhora do Carmo dos padres do Verbo Divino em Araraquara (SP), nos anos de 1956 e 1957 e, posteriormente, num seminário maior, localizado em Ponta Grossa (PR), que ofertava os ensinos Ginasial e Colegial (Clássico com Científico).

O passo seguinte foi a transferência para São Paulo, para o Seminário Maior, em 1964. O contato com colegas mineiros, capixabas e, particularmente, gaúchos brizolistas, naquele contexto de ânimos exaltados, marcou sua trajetória. Foi o momento de contato com a Doutrina Social da Igreja, que se encontrava em debate no Concílio Vaticano II. Foi no segundo ano do curso de Filosofia, em 1968, que Cury decidiu deixar a vida religiosa e partir para a docência.

Ao mesmo tempo em que retomava seus estudos em Filosofia, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora de Medianeira, foi convidado pelas freiras do Colégio Sacré-Coeur de Marie para inicialmente lecionar Filosofia no Clássico. A vigência da Lei n. 5692/1971 impôs o ensino profissionalizante para o Segundo Grau, o que o obrigou a se adaptar. Já formado, foi convidado em 1972 para lecionar no Ciclo Básico na PUC-SP, uma novidade introduzida pela Reforma Universitária de 1968 (Lei n. 4024/1968), permanecendo naquela instituição como docente até 1978.

Concomitantemente, Cury iniciou o mestrado na PUC-SP. Orientado pelo professor Casemiro dos Reis, mergulhou na querela entre católicos e liberais que teve início na década de 1930. Por exigência de seu objeto de pesquisa, mergulhou nos Anais da Assembleia Nacional Constituinte de 1933-1934. A disputa pelo conteúdo e finalidade da Educação, bem como a defesa da laicidade, seriam as marcas de uma trajetória tanto do ponto de vista acadêmico, quanto do ponto de vista da construção de uma militância que se inicia na Academia, mas que tem repercussões em toda a sociedade.

O doutoramento, também na PUC-SP, ocorreu em continuidade com o mestrado, agora sob a orientação do professor Dermeval Saviani. Ainda no primeiro ano de doutorado, surge um novo desafio: o convite para trabalhar no Mestrado em Educação da UFMG. Era o ano de 1978 - o doutoramento viria no ano seguinte. Tinha início uma inserção que nas duas décadas seguintes fizeram aquela Universidade ser imediatamente associada, no campo da Educação, ao nome do professor Cury.

Participação, diálogo e democracia. Esse era o clamor daquele tempo, de luta pela redemocratização, que conduziu Cury ao fortalecimento da convicção de que compreender o sentido do reconhecimento do direito à Educação se constituía enquanto resposta a um chamamento para se engajar na construção de uma nova institucionalidade, temática que o tem acompanhado desde então.

Entre o ingresso na UFMG (1978, na graduação e na pós-graduação) e o concurso para professor titular (1991), foi Coordenador do PPGE/FaE/UFMG (1982-1986), pesquisador do CNPq (1984-1986), presidente da área de Educação da Capes (1986-1990) e assessor especial para fomento interno da pesquisa (Pró-Reitor Adjunto) da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG (1987-1990). Tendo uma trajetória ligada à gestão de pesquisa em Educação, o professor Cury construiu uma sólida carreira no campo. Contudo, a promulgação da Constituição Federal em 1988 e a exigência, dela derivada, de se construir uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, exigiram mais estudo e mais engajamento.

Em 1993 foi indicado ao Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais, onde permaneceu por um ano. A exigência de elaboração de pareceres fez com que mergulhasse na temática do Direito Educacional e suas interfaces com o Direito Constitucional, num momento em que tramitavam projetos, no Legislativo, da Lei de Diretrizes e Bases. Fazia-se necessário estudar mais, era chegada a hora do pós-doutorado. Foi assim que, em 1994, sob supervisão do professor Fábio Konder Comparato e, em 1995, sob supervisão do professor Eric Plaisance, Cury se dividiu entre a USP e a Université Paris V - Sorbonne. No horizonte de preocupações, a compreensão da experiência histórica do Estado de Bem-Estar Social, materializada na Constituição de Weimar, e a construção do reconhecimento do Direito à Educação na experiência histórica francesa.

Por indicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), do Conselho Geral das Instituições Metodistas de Educação (COGEIME) e do Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEESP) seu nome foi indicado ao Conselho Nacional de Educação, sendo eleito para presidir a Câmara de Educação Básica durante os oito anos em que foi conselheiro.

Concomitante aos dois mandatos de conselheiro do CNE, realizou um novo estágio pós-doutoral, desta vez na École des Hautes Estudes em Sciences Sociales (EHESS, França) em 1998. Em 1999, cumpridos os requisitos necessários, aposenta-se da UFMG e, no ano 2000, aceita convite para lecionar no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Minas, onde trabalha até hoje. Em 2003, indicado pelo conjunto da comunidade científica, aceita a presidência da Capes.

O acúmulo de tanta experiência, seja na prática da pesquisa, seja na prática da gestão, fizeram de Carlos Roberto Jamil Cury referência inequívoca no campo das Políticas Educacionais, um nome diretamente associado à constituição do campo sobretudo dentro do marco normativo inaugurado pela Constituição de 1988. Para não fugir da métrica dos instrumentos de avaliação tão em voga em nossos dias - e objeto de tantas controvérsias e temores - contam-se cento e quarenta artigos completos publicados desde 1989. São quatorze livros, oitenta e quatro capítulos de livros e dezenas de outras produções, como apresentações de livros, prefácios e posfácios. São, também, duzentas e cinquenta e seis apresentações de trabalho, no Brasil e no exterior.

Uma breve consulta ao seu nome no mais importante buscador disponível na internet traz, em 0,51 segundos, duzentos e setenta e cinco mil resultados, dos quais somam-se mil quatrocentos e oitenta vídeos, o que atesta que, além do reconhecimento dentro dos muros da Academia, Cury goza de prestígio em toda a sociedade, promovendo o diálogo e a formação de professoras e professores atuantes na Educação Básica, tanto quanto os quadros de excelência da Educação Superior. São inúmeras as palestras, conferências, consultorias, cursos, orientações, participações em bancas. Reconhecimento que também se materializa em láureas a ele conferidas, entre as quais se destacam a Medalha da Inconfidência do Estado de Minas Gerais (2017), o Prêmio Anísio Teixeira da Capes (2016), o título de Cidadão Honorário de Belo Horizonte (2015), o Prêmio Paulo Freire da ANPEd (2012), o título de Professor Emérito da UFMG (2003).

O exemplo e as ideias de Carlos Roberto Jamil Cury transcendem a existência do indivíduo e se espraiam entre seus leitores, colegas, alunos, que assim se elevam à condição de interlocutores, convergindo para um mesmo fim: a construção de uma sociedade democrática, em que a Educação seja efetivada como um direito de cidadania. Voltando a metáfora sugerida por Italo Calvino, estamos diante de uma preciosa existência que, ao lado de grandes vultos da nossa História da Educação como Anísio Teixeira e Paulo Freire - não por coincidência patronos de láureas a ele conferidas - é sustentáculo da grande ponte da Educação em nosso país.

Muito obrigada!

Recebido: Julho de 2021; Revisado: Julho de 2021; Aceito: Julho de 2021

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