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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.15  Curitiba  2021  Epub 01-Dic-2021

https://doi.org/10.5380/jpe.v15i0.82585 

DOSSIÊ A RELAÇÃO PUBLICO-PRIVADA DA EDUCAÇÃO NA AMÉRICA LATINA: APONTAMENTOS DE UMA PESQUISA

Alinhamento entre investimento social privado e negócios: um campo de atuação da esfera privada na oferta educacional

Alignment between private social investment and business: a field of action of the private sphere in the educational offer

Alineación entre inversión social privada y empresa: un campo de acción del ámbito privado en la oferta educativa

Elma Júlia Gonçalves de Carvalho1 
http://orcid.org/0000-0003-4770-4649

Daniela de Oliveira Pires2 
http://orcid.org/0000-0002-6671-9195

1Doutora em Educação. Professora do Programa de Pós-graduação da Universidade Estadual de Maringá-UEM. Maringá, Paraná, Brasil.

2Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Paraná - UFPR/DEPLAE. Integrante do Núcleo de Políticas Educacionais - NUPE. Curitiba, Paraná, Brasil.


RESUMO:

Neste artigo, considerando a redefinição do papel do Estado e o redimensionamento das relações entre o público e o privado a partir dos anos de 1990, que tem por fundamento o deslocamento de grande parte da execução das políticas sociais do Estado para grupos do terceiro setor, para empresas e para fundações e institutos empresariais que tenham o interesse em prestar serviços sociais em colaboração com a aparelhagem estatal, exploraremos o alinhamento entre o investimento social privado na educação e os negócios. Recuperamos a legislação brasileira que regulamenta as parcerias e o debate fomentado pelas empresas e pelas ONGs, no sentido de evidenciar o estímulo do investimento social empresarial e associá-lo ao negócio, revelando uma nova configuração e lógica de ações de ajuda. Destacaremos, por meio do mapeamento das produções científicas sobre o assunto, seus impactos para a educação pública e sua consonância com a nova lógica de expansão do capital.

Palavras-chave: Parceria público-privada; Investimentos Sociais; Negócios

ABSTRACT:

In this article, considering the redefinition of the role of the State and the redimensioning of the relations between the public and the private since the 1990s, which is based on the displacement of a large part of the execution of the State's social policies to third party groups sector, for companies and for foundations and business institutes interested in providing social services in collaboration with the state apparatus, we will explore the alignment between private social investment in education and business. We recovered the Brazilian legislation that regulates partnerships and the debate fostered by companies and NGOs in order to highlight the encouragement of corporate social investment associating to business, revealing a new configuration and logic of aid actions. We will demonstrate, through the mapping of scientific productions on the subject, its impacts on public education and its consonance with the new logic of capital expansion.

Keywords: Public-private partnership; Social Investments; Business

RESUMEN:

En este artículo, considerando la redefinición del rol del Estado y el redimensionamiento de las relaciones entre lo público y lo privado desde la década de 1990, que se fundamenta en el desplazamiento de gran parte de la ejecución de las políticas sociales del Estado a terceros sector de grupos partidarios, para empresas y para fundaciones e institutos empresariales interesados en brindar servicios sociales en colaboración con el aparato estatal, exploraremos la alineación entre inversión social privada en educación y empresa. Recuperamos la legislación brasileña que regula las alianzas y el debate impulsado por empresas y ONG, con el fin de resaltar el fomento de la inversión social empresarial y asociarla a la empresa, revelando una nueva configuración y lógica de las acciones de ayuda. Destacaremos, a través del mapeo de producciones científicas sobre el tema, sus impactos en la educación pública y su consonancia con la nueva lógica de expansión del capital.

Keywords: Asociación público-privada; Inversiones sociales; Negocio

Introdução

A partir da década de 1990, o Estado, com base no programa da terceira via como um projeto político, redefine seu papel no sentido da “modernização política” e da construção de um “novo Estado democrático” (GIDDENS, 2005). A nova atuação do Estado, sustentado no modelo da Nova Gestão Pública (NGP), tem como características a separação das funções de planejamento e de execução de serviços, eximindo-se da ação direta pelos serviços com a transferência de funções, para as instituições do setor privado, que, até então, eram de sua competência, abrindo novas vias para a expansão do capital.

Desde então, novas estratégias de redefinição da relação entre o Estado e a sociedade civil e as parcerias entre o público e o privado passaram a ser priorizadas na legislação brasileira. A participação do setor empresarial é reconhecida para o desenvolvimento econômico e social com foco em temas da agenda pública e contemporânea (questões ambientais, sociais e culturais). A participação “filantrópica/voluntária” da sociedade e da comunidade empresarial, nas questões educacionais, são uma tendência mundial (PERONI, 2013; ROBERTSON, 2012; BALL, 2014). No Brasil, esse envolvimento tem ocorrido por meio da atuação das entidades do terceiro setor, na coordenação e na execução de ações educacionais. O Todos Pela Educação (TPE), o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, o Movimento Colabora Educação e o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) se inserem nessa política de que a iniciativa privada deve se tornar parceira do Estado na promoção da educação.

O marco das parcerias público-privadas tem início no governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), tendo continuidade nos governos subsequentes. A partir de 2014, com o novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) - Lei 13.019/14 (BRASIL, 2014), objetivando o aperfeiçoamento do ambiente jurídico relacionado às Organizações da Sociedade Civil e suas relações de parceria com o Estado, o “[...] governo entende que a participação da sociedade é essencial na concepção, execução e acompanhamento de políticas públicas” (BRASIL, 2014, p. 3). Com o Novo Marco, as parcerias são feitas com instrumentos jurídicos próprios que “[...] permitirão o fomento às Organizações da Sociedade Civil que já desenvolvem atividades de interesse público e a colaboração dessas organizações com as políticas públicas” (BRASIL, 2014, p. 6).

A Lei 13.019/14, foi alterada pela Lei 13.204/15 (BRASIL, 2015) e regulamentada pelo Decreto Federal 8.726/16 (BRASIL, 2016), que dispõe sobre regras e procedimentos do regime jurídico das parcerias celebradas entre a administração pública federal e as OSC. Em 2017, a Lei 13.019/14, (BRASIL, 2014, Art. 88, § 1º) entrou em vigor nos municípios. A Lei 13.800/19 (BRASIL, 2019) autorizou a administração pública a firmar parcerias e a execução de projetos de interesse público com organizações gestoras de fundos patrimoniais.

O investimento social privado é uma tendência que está no debate fomentado por parte das associações e fundações, centrado na dimensão econômico-financeira. No campo educacional, um exemplo é o manual O que as empresas podem fazer pela educação, elaborado pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC) e publicado pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Assim, busca-se sensibilizar o empresariado brasileiro para uma atuação “[...] no sentido de se articular com seus pares e a outros atores, para influir na elaboração e execução das políticas públicas na área da educação” (CENPEC; INSTITUTO ETHOS, 1999, p. 5).

Assim, com a aproximação dos seus interesses com o poder público, em nome da responsabilidade social, o setor empresarial tem assumido um papel cada vez mais decisivo nas questões educacionais, conforme se pretende explicitar neste artigo.

Para isso, primeiro, abordaremos a configuração das ações, a partir da qual o investimento social passou a ser visto como estratégico para empresas, sendo associado às oportunidades de negócios e ao retorno de capital. Em seguida, recuperamos a legislação que regulamenta as parcerias e o debate fomentado pelas empresas, com a associação do investimento social empresarial ao negócio e, por meio do mapeamento das produções sobre o assunto, apontaremos suas consequências para a educação. Ao final, evidencia-se que as reformas neoliberais e gerencialistas reforçam as parcerias e favorecem novas oportunidades de negócios ao setor privado, com ou sem fins de lucro, em consonância com o alargamento das condições de reprodução do capital, com impactos para a educação.

Uma nova configuração e lógica de ações de ajuda: investimento social privado como investimento estratégico para empresas

O termo investimento social privado é definido como, segundo Gife (2021, online), “[...] o repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais, culturais e científicos de interesse público”. Nele são incluídas as “[...] ações sociais protagonizadas por empresas e institutos de origem empresarial ou instituídos por famílias, comunidades ou indivíduos” (GIFE, 2021, online), cujas diferenciações para além das ações assistencialistas são: “preocupação com planejamento, monitoramento e avaliação dos projetos; estratégia voltada para resultados sustentáveis de impacto e transformação social e envolvimento da comunidade no desenvolvimento da ação” (GIFE, 2021, online). Porém, os “[...] recursos não se limitam ao dinheiro; as empresas possuem outros ativos, que podem e devem ser utilizados em benefício da comunidade, como funcionários que podem contribuir com voluntariado ou conhecimento técnico”, e, ainda, “O Investimento Social Privado pode ser alavancado por meio de incentivos fiscais concedidos pelo poder público e também pela alocação de recursos não-financeiros e intangíveis” (GIFE, 2021, online).

Em nome da responsabilização social e da auto-organização social surgem novos sujeitos, papéis e espaços e novas relações políticas. Conforme Martins (2009, p. 142), em 1995, o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) foi criado “[...] com a missão de ordenar e incentivar a intervenção burguesa na ‘questão social’ a partir do que denominaram de ‘investimento social privado’” e, em 1998, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, de modo a “[...] estimular uma nova cultura empresarial na sociedade” e novos parâmetros de gestão dos negócios. A esse respeito, o objetivo do GIFE é “[...] gerar conhecimento a partir de articulações em rede para aperfeiçoar o ambiente político-institucional do investimento social e ampliar a qualidade, legitimidade e relevância da atuação dos investidores sociais privados” (MARTINS, 2009, p. 142).

Para o autor, a atuação do GIFE e do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social foi fundamental para a formação de uma nova consciência empresarial identificada com o programa neoliberal da terceira via, ou seja, envolvendo a responsabilização social empresarial junto ao Estado na definição e implementação de políticas públicas, “[...] quando defende que o modelo empresarial de gestão deve ser tomado como referência para o campo social e que os ensinamentos da cultura empresarial devem ser aproveitados para as soluções criativas para tratar os problemas sociais”, a fim de legitimar o “[...] papel da classe empresarial na direção do processo histórico” e “[...] assegurar a afirmação da nova sociabilidade do capital” (MARTINS, 2009, p. 143), a qual reforça a responsabilidade social e da cidadania ativa circunscrita à noção de voluntariado, incentiva a execução de políticas sociais fora do Estado e fortalece modelos descentralizados. Nesses termos, a conciliação entre investimento social privado e lucro passa a compor a nova lógica destinada a estimular as ações do empresariado.

Segundo Ball e Olmedo (2013, p. 33), com os métodos empresariais e as inciativas de empreendedorismo social, “[...] fundações cooperativas e familiares e os indivíduos filantrópicos estão começando a ‘assumir deveres sociomorais que eram de responsabilidade de OSC, entidades governamentais e agências estatais”. Estão sendo redefinidos o sentido e o modo de operar da velha filantropia, ou seja, surge uma “nova filantropia” ou “filantropoia 3.0”, marcada pelo “[...] envolvimento direto dos doadores nas ações filantrópicas e nas comunidades de políticas” (BALL; OLMEDO, 2013, p. 33), explorando o lucro e a filantropia e expandindo as oportunidades de negócios e o alcance das forças de mercado (CARVALHO, 2019), como um recurso de contratendência à queda da taxa de lucro.

No escopo da filantropia tradicional, os autores identificam uma mudança, dividida em três etapas: “[...] da caridade paliativa (ou seja, a filantropia tradicional ou a ‘filantropia 1.0’) à filantropia para o desenvolvimento (‘filantropia 2.0’), e, finalmente, à doação ‘rentável’, constituindo o que é chamado de ‘filantropia 3.0’” (BALL; OLMEDO, 2013, p. 34). A ‘filantropia 3.0’, “[...] está assentada em três princípios de trabalho: ampliação e adequação das organizações sem fins lucrativos, comprometendo grandes lotes de financiamento por longos períodos de tempo; ênfase na avaliação e na gestão de desempenho; a promoção de relações ‘investidor-investido’ com base em ‘engajamento consultivo’” (BALL, 2014, p. 122).

Ball e Olmedo (2013, p. 40) destacam que a ‘filantropia 3.0’, faz parte de “[...] uma nova configuração e lógica de ações de ajuda”, cria espaços, motivações e ações cuja tendência é se expandir além do âmbito local, regional ou nacional, o que implica a tecnologia política das redes globais de influência - denominada de ‘filantropia de rede’.

A Filantropia 3.0 faz parte de uma nova configuração e lógica de ações de ajuda e desenvolvimento e de um novo conjunto de relações ligadas a problemas de desenvolvimento e aos grandes desafios. Chamamos esta lógica e relações de ‘filantropia de rede’. Ao usar este termo estamos sugerindo que para entender o trabalho das ‘novas’ organizações filantrópicas e seus ‘parceiros’, precisamos considera-los não sob uma perspectiva individual, como atores isolados, mas sim como nós interconectados que operam de acordo com lógicas de rede e configuram suas agendas e ligações de formas mutantes e fluídas. Essas redes retrabalham e repovoam a comunidade de políticas de ajuda e desenvolvimento, conectando de novas maneiras e os interesses e as atividades das empresas, governos, filantropia e agências não governamentais [...] (BALL; OLMEDO, 2013, p. 40).

As empresas se envolvem nas políticas de diferentes maneiras, dentre as quais: as novas formas de filantropia e agenciamentos globais (BALL, 2014). É válido destacar a expansão das redes de políticas públicas, suas formas de atuação, o poder e a influência que exercem sobre os governos. Lembrando que, conforme nos adverte Peroni (2018, p. 214), as mesmas, “[...] não são abstrações, mas formadas por sujeitos (individuais e coletivos) em relação, perpassados por objetivos de classes”.

Como evidência de que a ‘filantropia 3.0’ é uma tendência, temos o fato de a mesma passou à categoria do investimento social privado como uma forma de adicionar valor social aos negócios. Dados do IPEA (2019, p. 117) nos oferecem uma visão sobre o aumento do interesse de investidores que aplicam recursos em “[...] atividades que geram resultados econômicos de uma maneira sistemática, organizada e programada para iniciativas sociais, ambientais e culturais”.

O volume de investimentos e o interesse de grandes investidores nos negócios de impacto têm crescido aceleradamente. De acordo com dados da Global Impact Investment Network (GIIN), esses já representam US$ 228 bilhões em ativos no mundo. Somente no ano de 2017, foram investidos cerca de US$ 35 bilhões, e em 2018 os investidores planejam investir 8% a mais (Mudaliar, Bass e Dithrich, 2018). No Brasil, o 1º Mapa de Negócios de Impacto, produzido pela Pipe Social, detectou a presença de 578 empreendimentos, dos quais 12% faturavam por ano R$ 500 mil ou mais (IPEA, 2019, p. 117).

No Brasil, de acordo com o GIFE, o investimento social vem sendo percebido pelo setor empresarial como uma tendência desde o final da década de 2000. Isso reflete uma mudança na cultura empresarial, “[...] tornou-se um tema proeminente para os associados do GIFE, sendo cada vez mais percebido como prioritário entre institutos e fundações vinculados ao campo da ação social empresarial” (GIFE, 2016, p. 9), especialmente entre as companhias de capital aberto.

O reconhecimento sobre o alinhamento para o setor levou o GIFE a publicar, em 2016, o Alinhamento entre investimento social e negócio (OLIVA, 2016). Entre outras publicações, estão: Guia de tendências e práticas do investimento social empresarial (BRETTAS, 2017), Olhares sobre a atuação do investimento social privado no campo de negócios de impacto (BRETTAS, 2018). Além disso, ele passou a realizar o Censo GIFE com sua base associativa. Em dezembro de 2017, o GIFE lançou a oitava edição do Censo de 2016, resultante de uma pesquisa sobre investimento social privado. Realizada desde 2001, a pesquisa teve como objetivo compreender o montante de investimento, como se investe no Brasil e quais são as empresas, as fundações e os institutos de origem empresarial, familiar, independente e comunitária que investem recursos privados em ações de finalidade pública. Cabe destacar que, conforme estudo sobre o Perfil das organizações da sociedade civil no Brasil, divulgado pelo IPEA (2018, p. 21), em 2016, na “[...] população de OSCs, 709 mil (86%) são associações privadas, 99 mil (12%) são organizações religiosas e 12 mil (2%) são fundações privadas”.

Em relação aos recursos, o Censo Gife 2016 revela que, entre seus associados, o total do investimento social privado em 2016 foi de R$ 2.9 bilhões, movimentando “[...] mais de 350 mil organizações da sociedade civil. Em números absolutos, o Brasil está entre os 10 maiores em doações do mundo, mas em números relativos está entre os últimos, apenas na 90ª posição” (GIFE, 2018). O total investido representou “[...] uma queda de 19% no volume total em comparação com 2014, algo já esperado pelos organizadores devido à crise econômica, social e política que marca o país. Porém, percebe-se, na série histórica, uma tendência de manutenção dos recursos” (GIFE, 2018). Em 2017, “[...] houve um suave incremento de 2%, acompanhado de nova redução de 4% entre 2017 e 2018”, sugerindo haver uma “tendência de estabilização” (GIFE, 2019, p. 17). O levantamento realizado em 2018 revelou que “[...] houve um aumento do investimento em projetos de terceiros, que passou de 21%, em 2016, para 35% do investimento total, em 2018, somando 1,1 bilhão de reais”. Adrião (2017) destaca que se trata de uma nova modalidade de investimento que tem se desenvolvido.

O crescimento da presença deste tipo de investimento privado em áreas relacionadas a políticas sociais, por exemplo, segundo a própria OCDE esta também relacionadas ao aumento de concentração da riqueza em mãos privadas e ao crescimento de empresas multinacionais, da filantropia empresarial somados à crescente visibilidade dos perfis desses filantropos (ADRIÃO, 2017, p. 27).

A pesquisa do GIFE evidencia que “[...] 46% são provenientes das empresas mantenedoras e 28% rendimentos de fundo patrimonial (16% das organizações tem essa possibilidade)”. Os dados revelam que “[...] os institutos e fundações familiares e independentes têm fontes mais diversas de recursos, como venda de produtos e serviços, no caso dos familiares, e de recursos públicos, quando diz respeito aos independentes”. Conforme informações do GIFE, “[...] quando questionados sobre o orçamento para 2018, 70% apontaram que pretendem aumentar ou manter”. Um dos dados que chama atenção é o dado sobre a área de investimento social: 84% das organizações associados do GIFE informam que investem na educação, 65% na assistência social, 61% na saúde e 51% na cultura (GIFE; FOUNDATION CENTER, 2016, p. 2).

O Mapa da Atuação do Investimento Social Privado em Educação (GIFE, 2019a), publicado em 2019, a partir de dados do Censo GIFE 2016, revela que a educação manteve no período de 2001 a 2016 a média de 85% dos investidores que afirmam terem atuado com essa temática. De acordo com o IPEA (2019, p. 27), essa prioridade “[...] está relacionada ao fato de que a educação universal e de qualidade ainda é um desafio que o Brasil precisa superar”. De nossa perspectiva, ela revela uma associação entre oportunidade de negócios e retorno de investimentos. Segundo Voltolini, em uma matéria do GIFE em 2007, em O valor estratégico do Investimento Social Privado, a empresa ao realizar o seu investimento, “[...] seleciona temas que, de alguma forma, contribuem para melhorar a competitividade do seu empreendimento. São os casos das empresas de software ou biotecnologia que investem, em programas de educação tecnológica para comunidades porque dependem de jovens qualificados para os seus negócios”.

Essa prioridade levou a publicação, em 2013, do Guia GIFE sobre Investimento Social Privado em Educação. O objetivo é oferecer, às empresas, orientações para desenvolver, ou financiar de maneira estratégica, projetos sociais na área educacional ou para as que já investem e querem se aperfeiçoar (GIFE, 2013). O Censo Gife 2018 identificou que o alinhamento entre o investimento social e o negócio das empresas tem revelado uma propensão ao crescimento, segundo os dados obtidos, 44% das organizações apontaram um movimento de ampliação dos investimentos, conforme apontado no gráfico 2.

Fonte: GIFE (2019, p. 78)

Gráfico 2 Organizações por percepção de alinhamento entre ISP e o negócio das empresas mantenedoras (2016-2018) 

Outro aspecto relacionado ao investimento social é que, na perspectiva do Estado gerencial, o mesmo pode ser alavancado por meio de incentivos fiscais concedidos pelo poder público. Embora a pesquisa realizada pelo GIFE (2016, p. 2) demonstre que essa forma de investimento “[...] diminuiu em 33%, passando de R$ 599 milhões em 2014 para R$ 402 milhões em 2016”, e que a “[...] participação dos recursos incentivados no volume total do investimento caiu de 17% para 14%”, observamos que entre os respondentes “43% dos institutos e das fundações empresariais” e “59% das empresas” investem via incentivos fiscais (GIFE; FOUNDATION CENTER, 2016, p. 2).

De acordo com Mendes (2015, p. 7), com base na receita federal, na educação, houve um aumento de “[...] isenção tributária concedida a instituições de ensino consideradas como sendo ‘sem fins lucrativos’” de 444 milhões de reais, em 2004, para 776 milhões de reais, em 2014, ou seja, nesse período foi registrado um aumento equivalente a 525%.

O Censo GIFE 2018 revelou que, no período de 2016 a 2018, a parcela de organizações que utilizam incentivos fiscais foi diminuída, “[...] passando de 37% para 35% do total de respondentes” e que as “[...] empresas e seus institutos e fundações continuam sendo os respondentes que mais recorrem a esse mecanismo”, sendo os 71% de empresas e, dessa porcentagem, 39% os seus institutos e fundações, respectivamente (GIFE, 2019, p. 34), conforme gráfico 4.

Fonte: GIFE (2019, p. 34).

Gráfico 3 Organizações por uso de incentivo fiscal e tipo de investidor 

Enquanto o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2018, p. 24) expõe-nos que “[...] em relação à transferência federal de recursos para OSCs, o valor total alcançou R$ 75 bilhões, de 2010 a 2017”.

Fonte: IPEA (2018, p. 125)

Gráfico 4 Transferências voluntárias da União, dos estados, e dos Munícipios para a ESFLS (2002-2016) 

Em um texto para discussão sobre a atuação das ONGs no Brasil, publicado pelo IPEA (2019), a fim de explicitar a identificação dos recursos públicos federais designados às OSCs, são apresentados dados referentes às transferências voluntárias federais efetuadas entre 2010 e 2018, relacionados aos valores de empenho, conforme tabela a seguir.

Fonte: IPEA (2018, p. 21)

Tabela 1 Distribuição dos empenhos, por número de empenhos, número de OSCs, total empenhado, média de valor empenhado e média de valor empenhado por OSCs, segundo modalidade de aplicação (2010 a 2018) 

A partir dos dados, observa-se, como modalidades de aplicação, as aplicações diretas, com 77% dos repasses, e as transferências às instituições privadas sem fins lucrativos, com 22,8%. Ao montante de recursos, as aplicações diretas correspondem a 64% dos recursos e as transferências às entidades privadas sem fins lucrativos somam 32%. Outra fonte é a “Modalidade 50”. No livro Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil: avanços e desafios, publicado pelo GIFE, em parceria com FGV e IPEA (2020), são apresentados resultados de pesquisas dos dados dos repasses realizados pelos estados brasileiros e pelo DF, conforme a Consolidação das Contas Públicas, de 2013 a 2018, na “Modalidade 50” - Transferências a Instituições Privadas sem Fins Lucrativos”, conforme o gráfico 5.

Fonte: GIFE; FGV (2020, p. 183).

Gráfico 7 Evolução dos dados globais das transferências por municípios sob a “Modalidade 50” (2013-2018) 

Conforme levantado pelo Censo GIFE 2016, diz respeito à relação dos investidores sociais com as ações filantrópicas e comunidades de políticas,

[...] à forma como os diversos atores com os quais os investidores se relacionam estão inseridos nos processos e instâncias de tomada de decisão. Verificou-se que os acionistas e colaboradores das empresas estão muito mais presentes nestes espaços, do que os outros tipos de atores, como organizações da sociedade civil, co-investidores, representantes do poder público (GIFE, 2017, online).

O Censo GIFE 2016, ao mapear as parcerias no Investimento Social Privado, identificou que é uma prática entre os investidores, visto que “[...] 79% das organizações têm parcerias formais estabelecidas para os três programas mais representativos, com destaque para os seguintes parceiros: 72% têm parcerias com OSC, 71% com órgãos da administração pública direta e 49%, com academias e centros de pesquisa” (GIFE, 2017, online). Nesse sentido, observa-se a porcentagem elevada de parcerias com a administração pública. Os dados do Censo GIFE 2018 expõem que um dos parceiros de investidores sociais é o poder público, sendo que 45% dos institutos, fundações e empresas afirmam trabalhar em parcerias com governos municipais, enquanto 29% atuam junto às instâncias estadual e 23% com o governo federal, correspondendo a 97% das parcerias (GIFE, 2019).

O Censo GIFE 2018 revela uma convergência entre os investimentos sociais com as políticas públicas. Dentre as principais estratégias, destacam-se: desenvolvimento de métodos/tecnologias sociais para serem incorporados às políticas públicas; produção de conhecimento para auxiliar na gestão pública e na articulação de atores para elaborar, executar e monitorar políticas públicas; apoio técnico especializado para elaboração, execução e monitoramento de programas governamentais; ações de advocacy para influenciar políticas públicas; atuação diretamente em conselhos ou outros órgãos colegiados de participação social; desenvolvimento de ações de formação/capacitação de gestores ou servidores públicos (GIFE, 2019).

O grupo GIFE, com o propósito de refletir sobre o campo do investimento social privado e da filantropia, articulando atores e produzindo para o setor, lançou, em 2019, uma edição do Boletim de Análise Político-Institucional (BAPI), com o tema Organizações da Sociedade Civil no Brasil. A escolha se deu por reflexões realizadas no Grupo de Conhecimento no Investimento Social Privado. A publicação se soma à oficina do Seminário Internacional: espaço cívico e fortalecimento da sociedade civil.

De acordo com a pesquisa BISC, instituída em 2008 e realizada pela Comunitas, com base no Committee Encouraging Corporate Philanthropy (CECP), cujo “[...] objetivo central é acompanhar o perfil da atuação social de empresas no Brasil, definir padrões de benchmarking e realizar comparações internacionais”, ao longo dos anos “[...] observa-se que cerca de 80% das empresas se articulam com órgãos governamentais, especialmente no âmbito municipal, para o desenvolvimento dos seus projetos sociais” (IPEA, 1019, p. 107).

A pesquisa revela as mudanças na atuação das empresas e aponta um movimento de parceria entre empresas e governos, alinhando os investimentos sociais às diretrizes das políticas públicas no âmbito local, sendo que “[...] cerca de metade delas declarou ter ampliado, nos últimos anos, as atividades voltadas para o apoio à gestão escolar, à capacitação de professores e à promoção do diálogo entre organizações públicas e comunitárias” (IPEA, 2019, p. 112).

A expansão das parcerias, fomentadas a partir da reforma do Estado brasileiro, dos anos de 1990, envolve a atuação de sujeitos privados no âmbito do setor público, o que inclui especialmente arenas tradicionais dos sistemas públicos de ensino, o que favorece oportunidades de negócios e de lucro e afeta os processos de formulação e execução de políticas. Ao recuperamos os discursos, no sentido do que motiva a investida dos empresários, priorizando a educação, observamos a perspectiva das parcerias na resolução dos problemas sociais e na melhoria da qualidade dos serviços públicos. De acordo com o (GIFE):

Trabalhar em parceria tende a elevar a qualidade do projeto, à medida que cada parceiro comparece com aporte de knowhow específico à ação empreendida, leva à otimização de recursos, promove a troca de experiências, a formação de redes e o desenvolvimento de tecnologia de ponta na área social. Confere, ainda, visibilidade e força política ao projeto, favorecendo sua repercussão na sociedade e na esfera pública (GIFE, 2013, p. 17).

Os discursos em prol dos investimentos sociais privados sugerem que a ação entre os setores púbico e privado deve ser observada na realização do investimento social privado em educação, alinhando a atuação do investimento social às políticas públicas e participando de novas formas de governança (BALL, 2014), segundo o discurso do GIFE:

A articulação com os órgãos públicos merece atenção especial do investidor social privado e deve ser vislumbrada desde a origem do projeto. Ela será determinante para que experiências bem-sucedidas - desenvolvidas, testadas, aprimoradas e sistematizadas pelo investidor social privado em escala piloto - sirvam de inspiração para a elaboração e implementação de políticas públicas inovadoras [...] essa articulação pode ser o caminho para a perenização desse investimento que nasce privado e cresce e se fortalece no espaço público (GIFE, 2013, p. 17).

O interesse do setor empresarial levou o Potencia Ventures e o Instituto Inspirare (2013) a um estudo sobre oportunidades no setor de educação para negócios focados na população de baixa renda nos estados de Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, no qual é feito um mapeamento das oportunidades com as áreas mais promissoras para os negócios. Dentre as áreas mais promissoras atualmente para novos negócios, destacam-se: ferramentas para a criação de objetos, gestão educacional, gestão administrativa, cursos de atividades complementares e formação de professores

Abre-se um campo de indagações sobre as motivações do investimento social. O investimento empresarial pode estar relacionado às iniciativas com a finalidade de dar visibilidade e legitimar no mercado a marca da sua empresa, ou para abrir outras dimensões de marketing relacionado às causas, de modo a agregar valor aos seus produtos e a obter vantagens competitivas, numa mistura de solidariedade e competitividade. Conforme o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS): “[...] Estudos em diversos mercados evidenciam o impacto positivo gerado para a causa, trazendo mais recursos e mobilização, além de agregar valor à marca, fidelizando consumidores e envolvendo colaboradores”.

Um mapeamento das pesquisas sobre a atuação e os interesses do empresariado na educação pública

Para esclarecer as motivações do empresariado na educação pública, recorre-se ao estudo de revisão. Os estudos que realizam revisões têm se tornado comuns no campo das políticas educacionais, devido ao expressivo crescimento quantitativo das pesquisas, bem como a identificação de tendências, recorrências e “[...] lacunas que podem estimular [fornecer referências] a produção de novas pesquisas” (VOSGERAU; ROMANOWSK, 2014, p. 170).

Para o mapeamento, em um primeiro momento, realizamos um levantamento da produção de dois grupos de pesquisa que tem se dedicado a refletir sobre a relação público-privada e as formas de privatização da educação. Os grupos são: Grupo de Pesquisa Relações entre o Público e o Privado na Educação (GPRPPE) e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional (GREPPE). Embora ambos possuam uma vasta produção acadêmica, tomaremos como base o resultado das pesquisas que foram publicadas na forma de artigos entre os anos de 2018 a 2020. Em geral, os estudos analisam as motivações e as implicações da participação dos setores empresarias na consecução do direito à educação pública.

No artigo, “Estado, mercado e formas de privatização: a influência dos think tanks na política educacional brasileira” de Valdelaine da Rosa Mendes e Vera Maria Vidal Peroni (2020), as autoras trazem uma das premissas gerais que orientam as análises aqui apresentadas, qual seja: “[...] entender como se efetiva a relação entre o público e o privado na educação, por meio de sujeitos que defendem projetos societários distintos” (MENDES; PERONI, 2020, p. 67). O texto trabalha com um tipo específico de sujeito privado mercantil - os think tanks, entendidos como “[...] organizações que existem desde o século XIX e atuam como formuladoras de ideias e opiniões, produtoras de conhecimento e influenciadoras de políticas públicas nas mais diversas áreas de atuação” (MENDES; PERONI, 2020, p.66).

Cabe esclarecer que as pesquisas, quando abordam a relação entre a esfera privada e a esfera pública, compreendem que ambas carregam consigo visões de mundo e de sociedade distintos. As autoras questionam os propósitos que levam o setor privado a manifestar o interesse pela educação pública. A análise aponta que uma das motivações, dizem respeito aos aspectos econômicos, ou seja, “[...] quando o privado transforma a receita estatal em lucro” (RIKOWSKI, 2017). Com base nas contribuições de Rikowski (2017), as autoras observam não se tratar de uma preocupação genuína do setor privado com as questões educacionais, mas, ao contrário, a educação torna-se um meio para atingir um fim maior, cujas ações, ao fundamentar-se nos pressupostos da competição e da concorrência, podem significar a sua transformação em uma atividade lucrativas. O texto demonstra que os thinks tanks passam por transformações, incorporando valores da gestão gerencialista, inspirados em princípios importados do mercado e atuando, prioritariamente, na disputa pelo fundo público e na definição do conteúdo da proposta educacional.

Como forma de garantir uma posição favorável na disputa pelo fundo público, o setor privado se afirma no campo da direção/definição das políticas educacionais. Nessa perceptiva, no artigo “Agora o Brasil tem uma Base! A BNCC e as influências do setor empresarial. Qual Base?”, Maria Raquel Caetano (2020) destaca a atuação dos grupos empresariais em torno da formulação das propostas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O estudo aponta que, por meio da criação do Movimento pela Base Nacional Comum (MPB), articulado pela Fundação Lemman, houve uma influência decisiva dos empresários na elaboração da BNCC. O MPB, ao envolver uma nova dinâmica de articulação em rede, ampliou as possibilidades de inserção de suas propostas no documento. Dentre as consequências apontadas pela autora, têm-se as implicações para o processo democrático, pois o movimento excluiu as entidades representativas da comunidade escolar e das universidades. Por meio da atuação do movimento empresarial, a análise esclarece o que não é evidenciado no discurso do setor privado mercantil, ou seja, que está envolvido na construção e consolidação de um projeto societário específico - a privatização da educação.

O termo privatização é entendido sob uma nova conotação, na qual a educação não fica incólume. Significa que, nos encaminhamentos da política educacional da atualidade, a propriedade permanece pública, mas, por meio das parcerias e contratos de gestão, a direção, gestão, currículo, avaliação, dentre outros aspectos, passam a ser sustentados por valores privados tais como: individualismo, competitividade e concorrência. Ressalta-se, assim, que tal processo de privatização torna-se possível por meio da mediação do Estado.

O artigo “Gerencialismo, Internacionalização da educação e o papel da Teach For All no Brasil”, de Maria Raquel Caetano e Marilda de Oliveira Costa (2018), evidencia a influência do setor privado mercantil na proposta de formação de professores implementada na rede estadual de ensino de Mato Grosso por meio da ONG “Ensina Brasil”. As autoras destacam que essa ONG seria uma espécie de filial brasileira da organização global Teach For All responsável pela internacionalização da ONG Teach For America. A investigação aprofundou conhecimentos sobre as seguintes categorias: internacionalização de políticas educacionais, gerencialismo, capitalismo global e capitalismo social (CAETANO; COSTA, 2018).

O texto apresenta as premissas do chamado capitalismo global, no qual a educação pública, não pode ser mais definida como uma prerrogativa do Estado-nação, mas como uma pauta associada aos interesses do capital internacional. O estudo evidencia uma das principais motivações do setor privado mercantil na seara educacional pública - a de ampliar o seu espectro de atuação e, com isso, a sua lucratividade. As pesquisadoras salientam, ainda, que as reformas da década de 1990, com destaque para o reconhecimento da educação como um serviço não-exclusivo do Estado, a partir da aprovação do PDRAE, são partes constitutivas de um contexto mais amplo, ou seja, como forma de defender os seus interesses, em escala nacional e internacional, o setor privado influencia a agenda política, definindo a condução da política educacional com consequências para a formação de professores da educação pública que, orientada pelos valores do mercado, se distancia dos princípios da gestão democrática.

Elma Júlia Gonçalves de Carvalho (2018), no artigo intitulado “Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADEs): instrumento de soluções colaborativas para a educação ou uma nova estratégia de expansão e de controle do mercado educacional?”, argumenta que os ADEs, a piori, envolvem relações entre entes governamentais e instituições privadas e não-governamentais, alicerçadas na ação colaborativa horizontal entre os municípios e no trabalho em rede, com vistas a promover a melhoria da “qualidade” da oferta educacional, sem aparentemente envolver a transferência de recursos públicos à essas instituições. Porém, a análise, com foco na parceria entre a Associação de Municípios da Grande Florianópolis (GRANFPOLIS) e o Instituto Positivo, revela que se trata de uma “[...] uma nova estratégia de influência direta do setor privado na gestão da educação pública e, ao mesmo tempo, de expansão e controle do mercado educacional” (CARVALHO, 2018, p. 103).

Ao abordar as bases legais e institucionais para a implementação dos ADEs, o texto evidencia os caminhos trilhados para a construção, para a institucionalização e para a implementação do novo modelo de colaboração entre os entes federados, que contaram com uma forte atuação do setor empresarial-financeiro. Também, é destacada a forma pela qual o empresariado tem tentado influenciar a formulação da política educacional, com o apoio tanto do poder legislativo e do executivo (CNE, MEC/SASE) quanto de agências internacionais (UNESCO, BID), mas, também, com os acordos e consensos, forjados em torno da proposta nos diferentes ambientes institucionais.

Liane Maria Bernardi, Lucia Hugo Uczak e Alexandre José Rossi (2018), no artigo “Relações do movimento empresarial na política educacional brasileira: a discussão da Base Nacional Comum”, com foco no processo de elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), analisam a atuação do Movimento Todos pela Educação (TPE), evidenciando sua interferência na formulação/execução de políticas educacionais nos diferentes governos e na naturalização da presença setor privado no âmbito do público. O estudo expõe-nos quem são os sujeitos privados que atuam nas atividades do TPE e que se auto intitulam “especialistas em educação” e demonstra que, mais do que parceiros do poder público, ao negociar tecnologias e soluções educacionais, o movimento empresarial interfere no conteúdo da proposta educacional e consolidam suas estratégias na disputa do fundo público.

Theresa Adrião e Cassia Alessandra Domiciano (2020), no texto “Novas formas de privatização da gestão educacional no Brasil: as corporações e o uso das plataformas digitais”, problematizam a influência das corporações transnacionais na educação pública brasileira por meio da utilização das plataformas digitais para o ensino remoto, especialmente durante a pandemia da Covid 19 em 2020. Ao analisar a atuação da corporação Google For Education nas redes estaduais de ensino, as autoras defendem a premissa de que o contexto pandêmico revelou a adoção de plataformas e recursos digitais operados por corporações pelos sistemas públicos como uma dimensão particular do processo de privatização da gestão educacional no Brasil. Embora o foco de análise seja a corporação Google, as autoras destacam que é indiscutível a ampliação da atuação das corporações digitais transnacionais articuladas em rede, possibilitando a construção da hegemonia da ação privada no âmbito dos sistemas de ensino e das unidades escolares públicos, cujas implicações resultam na privatização da gestão da educação básica.

Por meio das diferentes pesquisas, é possível constatar vários perfis jurídicos e que favorecem a atuação do setor privado, porém, existe um aspecto que os aproxima: a motivação de ordem econômico-financeira, que impulsiona suas ações, em última instância, para a disputa pelo fundo público. Com vistas à ampliação da sua lucratividade, a atuação direta ou indireta desses grupos, no campo da educação pública, vem transformando-a em um bem de natureza mercantil.

Considerações Finais

O estudo partiu a sua análise do contexto de reconfiguração do papel do Estado, que ocorreu a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998), após a promulgação do PDRAE, em 1995, organizado pelo MARE, sendo o ministro Luiz Carlos Bresser Pereira o então titular da pasta. Dentre as características desse plano, consta uma espécie de “autorização legal” para que a execução dos serviços sociais fosse transposta para além da aparelhagem estatal, isto é, transferindo a execução para o terceiro setor e mantendo o financiamento pelo Estado.

A reforma do Estado, pautada na orientação neoliberal e nos princípios do gerencialismo, afirma as parcerias do setor público com o terceiro setor como estratégia na promoção da educação. Como forma de regulamentar o terceiro setor, uma série de legislações foram aprovadas, fomentando uma diversidade de tipologias jurídicas que passam a reconhecer a atuação das entidades privadas com ou sem fins de lucro como as principais “parceiras” do poder público para a promoção de ações de natureza social, numa tentativa de compatibilizar economia de mercado com justiça social (GIDDENS, 2005).

Nesse contexto, se destaca a atuação do GIFE, do Instituto Ethos e do IDIS no impulsionamento da reconfiguração do próprio conceito de filantropia, em uma improvável associação entre as categorias de solidariedade e de competitividade. O investimento de natureza social passa a ser reconhecido e incentivado como estratégia do setor privado para ampliar os seus rendimentos, seja por meio do marketing ou da disputa do fundo público. Assim, sob o fundamento da responsabilidade social, a educação pública passa a ser associada à perspectiva da rentabilidade.

As reflexões aqui apresentadas acabam por fomentar novos questionamentos: Quais sãos as formas de disputa do fundo público permitidas pela legislação aos grupos privados com ou sem fins de lucro? Como se materializam os seus procedimentos de prestação de contas e quais são as formas de controle social dos recursos públicos repassados a eles?

Cabe salientar que a educação faz parte do movimento histórico e não pode ser analisada de forma desvinculada dos fatores políticos e econômicos. Esse entendimento nos leva a concluir que, na disputa de interesses, no âmbito do Estado, pela formulação e execução das políticas para a educação, enquanto não superarmos o privilegiamento da lógica privada e das virtualidades do sistema de mercado, a relação público-privada continuará sendo estimulada como um mecanismo útil para criar um ambiente favorável para favorecer a privatização na e da educação, em consonância com a lógica de acumulação do capital. Destaca-se que essa relação reflete a sobreposição dos interesses privados aos interesses públicos, no âmbito do Estado, como um espaço hegemonizado pelo setor privado com ou sem fins de lucro para a reprodução de seus interesses e para a manutenção do status quo.

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Recebido: de 2021; Aceito: de 2021; Publicado: de 2021

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