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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.15  Curitiba  2021  Epub 09-Abr-2022

https://doi.org/10.5380/jpe.v15i0.83252 

Dossiê: A Educação Básica na América Latina

Política nacional para educação da criança no Brasil e na Argentina: inventário dos aspectos normativos e práticos

National policy children education in Brazil and Argentina: an inventory of normative and practical aspects

Política nacional para la educación infantil en Brasil y Argentina: inventario de aspectos normativos y prácticos

Andréia Vicência Vitor Alves1 
http://orcid.org/0000-0002-5179-4053

Magda C. Sarat Oliveira2 
http://orcid.org/0000-0002-9388-0902

Mónica Fernández Pais3 
http://orcid.org/0000-0002-2884-7153

1Doutora em educação (2015) pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Atualmente é professora adjunta da Faculdade de Educação da UFGD nos cursos de graduação e na pós-graduação. Dourados, MS. Brasil. E-mail: andreiaalves@ufgd.edu.br

2Doutora em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba. Pós-doutorado pela Universidade de Buenos Aires/UBA (2014). Pós-doutorado na Universidade Federal de Mato Grosso UFMT pelo Programa PNPD/CAPES. Professora Titular da Universidade Federal da Grande Dourados. Docência na graduação e na pós-graduação (Mestrado e Doutorado em Educação). Pesquisadora líder do Grupo de Pesquisa "Educação e Processo Civilizador" do diretório do CNPq. E-mail: magdasarat@ufgd.edu.br

3Doctora en Educación por la Universidad Nacional de Entre Ríos y Licenciada en Ciencias de la Educación, de la Universidad de Buenos Aires. Tiene un Diploma Superior en Derechos del Niño y Prácticas Profesionales de la Universitè Paris VIII-cem. Profesora en Educación Preescolar. Profesora e investigadora en la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de La Plata. Directora Académica del Postítulo de Especialización Docente de Nivel Superior en Políticas de Infancia de la Esc. Normal N° 2 "Mariano Acosta" de la CABA y profesora del CFP N° 14 de UTE/CTERA. Autora de “Historia y pedagogía de la educación inicial en la Argentina”. Buenos Aires, AR. E-mail: moniferpais@gmail.com


Resumo

Considerando os ganhos obtidos no aspecto normativo para a Educação Infantil no Brasil e na Argentina principalmente a partir de 1988, neste artigo buscamos apresentar as ações voltadas para esta etapa da educação a partir de 1988, abarcando a normatização educacional e seus programas e ações para a Educação das crianças, a fim de compreender as iniciativas que os governos desses dois países vêm formulando para a política concernente à educação das crianças a partir de então. Apoiamos nossa reflexão em uma pesquisa documental utilizando como fonte as legislações educativas brasileiras e argentinas e constatamos que tanto a Educação Infantil no Brasil como a Educação Inicial como é chamada na Argentina obtiveram avanços de ordem legal na realização de programas e ações. Tais avanços se percebem na ampliação de sua oferta, na conquista da obrigatoriedade desde a pré-escola como forma de promover o seu direito e desenvolvimento integral. No entanto, ambos os países ainda não assumiram a sua responsabilidade com a educação dessas crianças pequenas e, muito embora as tenham reconhecido legalmente como sujeitos de direitos, estão distantes de fomentar concretamente tais garantias na efetivação das práticas de atendimento em instituições que atendam toda a demanda existente nos dois países.

Palavras-chave: Educação Infantil; Política Educacional; Direito a Educação; Normatização Educacional Brasileira; Legislação Educacional Argentina

Abstract

Considering the gains obtained in the normative aspect of Early Childhood Education in Brazil and Argentina, especially after 1988, this article seeks to present the actions aimed at this education stage, encompassing the educational standardization and its programs, as well as its actions, to understand the initiatives these two countries have been formulating. Our study is supported by documental research using the Brazilian and Argentinian legislation as sources. We verified that both the Early Childhood Education in Brazil and the Initial Education, as it is called in Argentina, have made legal progress in the programs and actions execution. These advances are perceived in the extension of the school places offer, as well as in the conquest of mandatory attendance since pre-school as a way to promote the right and integral development. However, both countries have not taken full responsibility for small children’s education and, even though they have legally recognized them as subjects with rights, the governments are far from concretely fomenting those guarantees to the effectuation of support practices in institutions that meet the existing demand in the two countries.

Keywords: Early Childhood Education; Educational Policy; The Right to Education; Brazilian Educational Standardization; Argentinian Educational Legislation

Resumen

Considerando los logros obtenidos en el aspecto normativo para la Educación de la Primera Infancia en Brasil y Argentina principalmente desde 1988, en este artículo buscamos presentar las acciones dirigidas a esta etapa de la educación a partir de 1988, abarcando las normas educativas y sus programas y acciones para el Educación de los niños, a fin de comprender las iniciativas que los gobiernos de estos dos países han estado formulando para la política relativa a la educación de los niños desde entonces. Apoyamos nuestra reflexión en una investigación documental que utiliza la legislación educativa brasileña y argentina como fuente y descubrimos que tanto la Educación Infantil en Brasil como la Educación Temprana como se la llama en Argentina han logrado avances legales en la ejecución de programas y acciones. Tales avances se pueden ver en la expansión de su oferta, en la conquista de la obligación desde el preescolar como una forma de promover su derecho y desarrollo integral. Sin embargo, ambos países aún no han asumido su responsabilidad por la educación de estos niños pequeños y, aunque los han reconocido legalmente como sujetos de derechos, están lejos de promover concretamente tales garantías en la implementación de prácticas de cuidado en instituciones que satisfacen toda la demanda existente en ambos países.

Palabras Clave: Educación Infantil; Política educativa; derecho a la educación; Normalización Educativa Brasileña; Legislación Educativa Argentina

Introdução

A Educação Infantil no Brasil e Educação Inicial na Argentina4 vem sendo tema de debate na educação, contudo em termos de normatização obteve poucos ganhos no que concerne à garantia do direito, considerando como marco histórico referencial no Brasil até o período de 1988 e na Argentina até o ano de 2006. Antes desse período, as creches no Brasil estavam vinculadas à área de assistência social e na Argentina a oferta era quase exclusivamente pela família e instituições privadas de cunho confessional. Foi somente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, com a inclusão da creche e da pré-escola no sistema educativo a partir da Lei (BRASIL, 1988), que o Brasil reconhece o direito da criança pequena à educação e a garantia do dever do Estado para com a educação dessa criança.

Na Argentina, tal garantia do direito à educação da criança ocorreu em 1993, com a aprovação da Lei Federal de Educação n. 23.195, que reconhece a Educação Inicial de 45 dias a 5 anos como parte do sistema educacional nacional, como obrigatório o atendimento à criança com 5 anos. Com aprovação da Ley n. 26.206, Ley de Educación Nacional em 2006, a Educação Inicial passa a se constituir em “[...] una unidad pedagógica y comprende a los/as niños/as desde los cuarenta y cinco (45) días hasta los cinco (5) años de edad inclusive, siendo obligatorio el último año” (ARGENTINA, 2006), o que é um ganho para essa Educação na Argentina.

A partir dessa conquista no plano institucional no que concerne à afirmação do direito da criança nos dois países, buscamos no artigo apresentar as ações voltadas a partir de 1988, abarcando a normatização educacional e seus programas e ações, a fim de compreender como os governos desses países vêm formulando políticas concernentes à educação das crianças a partir de então. Faremos tal reflexão partindo de uma pesquisa documental e utilizando como fonte as legislações educativas brasileiras e argentinas, disponíveis em bibliografias e sites, bem como produções de uma parceria em rede de pesquisa5 entre instituições brasileiras e argentinas, que vem investigando as aproximações, e distanciamentos entre os contextos latino americanos.

Nossa proposta abarca uma discussão em dois lugares geográficos e históricos, embora inicialmente apresentamos a formulação para a Educação Infantil no âmbito do Estado brasileiro, sua normatização educacional, programas e ações e seguimos com as formulações de práticas referentes a Educação Inicial na Argentina, buscamos evidenciar o diálogo entre estes dois países e suas ações de atendimento, compreendendo como esta Educação vem sendo apresentada nestes países e quais as possibilidades, aproximações e desafios que nos instigam a pensar nas crianças e sua educação nesses países da América Latina.

O Brasil e o contexto da normatização para Educação Infantil que conhecemos

No Brasil, nos anos de 1980, o movimento de distintos setores da sociedade civil (organizações não governamentais, pesquisadores na área da infância, comunidade acadêmica, população civil e outros) em prol da abertura política e do direito da criança a uma educação de qualidade desde o nascimento culminou na inclusão do direito da criança à educação na Constituição Federal de 1988, que passou a estabelecer que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de [...] oferta de creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL, 1988, s./p.), que se constitui em uma importante conquista no plano institucional para a afirmação do direito da criança pequena no Brasil.

Isso possibilitou a garantia de um espaço educacional apropriado para o exercício da infância, já que até então as creches eram vinculadas à área de assistência social e passou a ser de responsabilidade do sistema educacional brasileiro, sendo de incumbência das instituições que a ofertam tanto o cuidar das crianças como também o desenvolvimento de um trabalho educacional com elas, proporcionando ao atendimento institucional à criança um caráter educacional no âmbito dos sistemas de ensino.

Posteriormente em 1990, foi aprovada a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que estabeleceu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, assim como a Constituição, garantiu seus direitos fundamentais, entre estes, a educação e o direito da criança de ser criança. O ECA prescreve que a educação da criança é responsabilidade do Estado e dos pais ou responsáveis, uma vez que estes últimos têm a obrigação de matricular as crianças na rede regular de ensino, além de participar de seu processo educativo, enfatizando o direito da criança ao atendimento educacional em instituição próxima de sua residência (BRASIL, 1990).

Também com a aprovação da Lei n. 9.394, em 20 de dezembro de 1996, estabelecendo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a educação da criança pequena, de zero a seis anos de idade, passou a ser denominada Educação Infantil e a primeira etapa da Educação Básica, tendo “[...] como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (BRASIL, 1996, s./p.).

Tais avanços foram comemorados pelos pesquisadores, militantes e pessoas envolvidas com a educação das crianças pequenas pois tal Educação se tornou parte da estrutura e do funcionamento da educação escolar brasileira, como uma etapa de ensino a ser ofertada em escolas regulares, mas com formato de ensino diverso do ofertado nas demais etapas da educação básica, por considerar as dimensões do desenvolvimento da criança como um todo, em busca da promoção do desenvolvimento integral dela (BRASIL, 1996).

Portanto, dentre as disputas e embates no âmbito da garantia dessa Educação, no ano de 2001, foi aprovado pela Lei n. 10.172, de 09 de janeiro de 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE 2001), que apresentou como metas a ampliação da oferta e a instituição de infraestrutura adequada ao atendimento da criança pequena, assim como o atendimento em tempo integral dessa criança de zero a seis anos, progressivamente. Ao encontro da normatização supracitada, esse Plano estabeleceu a edificação de um Programa Nacional de Formação dos Profissionais de Educação Infantil, com a colaboração da União, dos estados e municípios; e buscou assegurar que todos os municípios brasileiros “[...] tenham definido sua política para a educação infantil, com base nas diretrizes nacionais, nas normas complementares estaduais e nas sugestões dos referenciais curriculares nacionais” (BRASIL, 2001), contribuindo para materialização de uma política educacional nacional e local para a Educação Infantil.

Entre os avanços no PNE 2001, estão a busca pela garantia de uma política educacional para a Educação Infantil, com a ampliação da oferta de vagas, a elaboração de sua proposta pedagógica, a organização do ensino e da infraestrutura das instituições que a ofertam, com a participação da comunidade escolar e local na edificação e materialização desse espaço educacional, concorrendo para a superação do assistencialismo dentro dessa Educação e, assim, para o fortalecimento da ampliação e qualificação de sua oferta. No entanto, se tais condições foram efetivadas, é motivo de discussão e debates que destacaremos ao longa da reflexão.

Pois com a aprovação da Emenda Constitucional n. 53, de 19 de dezembro de 2006, houve a alteração da duração da Educação Infantil, estabelecendo como dever do Estado a oferta dela em creche e pré-escola à criança até cinco anos de idade. Esse aspecto se constituiu em um retrocesso para a educação das crianças menores, já que retirou um ano dessa etapa da Educação Básica, até então ofertada de zero a seis anos de idade e passou a ser de zero a cinco.

Outro marco para a Educação Infantil foi a aprovação da Emenda Constitucional n. 59, de 11 de novembro de 2009, que tornou obrigatória e gratuita a oferta pelo Estado da Educação Infantil de quatro a cinco anos (BRASIL, 2009, s./p.), passando a figurar como um direito público subjetivo, sendo obrigatório o seu oferecimento à criança de quatro e cinco anos de idade, o que até então não havia sido firmado como obrigatório na redação inicial da Constituição. Embora ‘maquiada’ de avanço, na prática se constituiu um problema pois enviou crianças muito pequenas, de cinco anos, para escolas/instituições sem condições de recebê-las.

No mesmo ano, foi instituída pela Resolução do Conselho Nacional de Educação n. 5/2009 as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) com orientação das políticas públicas, elaboração, planejamento, execução e a avaliação de propostas pedagógicas e curriculares dessa etapa da educação, com vistas ao desenvolvimento integral da criança de zero a cinco anos de idade. Tal legislação concebe a criança como sujeito de direitos e centro do planejamento curricular, de forma que sua subjetividade e natureza sejam respeitadas e sua identidade considerada nos aspectos multiplurais do seu ser, assim como nos aspectos indissociáveis do cuidar e educar.

Ao encontro desta mesma Emenda Constitucional n. 59, cinco anos depois foi aprovado em 2014, pela Lei 13.005, o Plano Nacional de Educação (PNE 2014) que apresentou como meta para a Educação infantil a ampliação de sua oferta, preconizando a universalização da pré-escola para criança de quatro a cinco anos de idade até 2016, assim como a ampliação da oferta de creches para criança de zero a três anos de idade até o final da vigência desse Plano, dispondo de dezessete estratégias que apresentam ações importantes mas ainda não consolidadas em todos os municípios brasileiros. Podemos apontar que na maioria destes municípios as ações “não saíram do papel” pois o que caracteriza estes municípios seria: pouca oferta de vagas para a Educação Infantil; falta de profissionais habilitados nas instituições; ausência de proposta pedagógica própria; e, ainda, lugares que apresentam como critério para a matrícula da criança a carteira de trabalho da mãe, usurpando o seu direito à educação que é inerente à criança.

Tais limites se contrapõem aos avanços e as metas não foram atendidas, portanto aparecem novamente no PNE de 2014, que após sua aprovação dá início às discussões concernentes à formulação e adequação dos Planos Municipais e Estaduais de Educação ao PNE 2014 e, nesse contexto, intenciona edificar uma base curricular comum para educação básica em nível nacional, iniciando a elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 2015 com participação da sociedade brasileira. Assim, a terceira versão foi homologada pelo MEC em 2017.

É importante destacar que ela foi aprovada sujeita a inúmeras críticas pelos representantes da área e pesquisadores da Educação Infantil6, pois foi um documento discutido, no entanto a versão final ficou aquém do que a área defendeu especificamente. No entanto, destaca-se a necessidade de participação na Educação Infantil, pois conforme a coordenadora da área no Ministério da Educação que esteve à frente do processo por anos, professora Rita Coelho, aponta:

a área da educação infantil tem voz, tem concepção, tem pesquisa, tem produção, tem posicionamento político articulado. [...] Participar da construção da Base possibilita defender as especificidades da educação infantil relacionadas a uma série de fatores, decorrentes do modo de agir das crianças de zero a cinco anos de idade e que não são contemplados na legislação” (VITÓRIA, 2016, p. 05).

A BNCC propõe no desenvolvimento das crianças na Educação Infantil os direitos de aprendizagem: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se, e tem como intento reformular a organização curricular para que a criança possua condições de desempenhar um papel de cidadania e consiga resolver os conflitos que surgem cotidianamente em sua vida. Contudo, o documento tem sido questionado e criticado porque em alguns pontos fundamentais não atende a histórica luta pela educação infantil de qualidade e se apresenta como proposta escolarizante, discutida pela área.

A BNCC enfatiza a cisão creche e pré-escola – as quais são instituições demarcadas por atendimento de caráter coletivo e não apenas individual –, bem como a seriação de atividades elencadas por idade de modo compartimentado. A Educação Infantil deve ser tratada na sua totalidade, sem que se percam as especificidades das crianças em suas vivências e diferentes idades. Ademais, o documento da BNCC não alude à diversidade de infâncias e ao ensino especial, ao tratar das experiências e objetivos de aprendizagem (BARBOSA, et al, 2018, p.03).

Para a autora, na BNCC, as atividades se apresentam de forma segmentada e não em sua totalidade de modo que se leve em consideração as especificidades da criança, além de se fundar na concepção de “competências” individuais, fazendo referência a demanda do mercado em detrimento de uma formação com vista ao desenvolvimento integral da criança para a cidadania (BARBOSA, et al 2018), ferindo os princípios e fundamentos das Diretrizes Curriculares para a Educação Básica e das DCNEI.

Neste contexto, no âmbito da normatização educacional, a Educação Infantil obteve ganhos normativos, garantido o direito à educação à criança pequena obrigatório dos quatro aos cinco anos, teve a ampliação de vagas, com oferta dessa Educação de forma qualitativa, legislação para uma proposta educacional que garanta o seu desenvolvimento integral com perspectivas de uma formação para a cidadania, mas a BNCC vai à contramão desse intento tornando-se um desafio a ser perseguido pelos programas, ações e políticas para a Educação Infantil, que vieram no bojo da normatização educacional brasileira para a sua qualificação.

Programas e Ações para a Educação Infantil brasileira: algumas experiências

A partir da aprovação da Constituição Federal de 1988, que passou a prescrever como um dever do Estado e da família a oferta da creche e da pré-escola, além da normatização educacional subsequente que reafirma esse ganho, a União passou a propor programas e ações voltadas para a Educação Infantil, sendo publicado pelo Ministério da Educação (MEC) documentos para auxiliar na organização e no funcionamento das instituições de educação infantil, dentre eles: “Por uma política de formação do profissional de educação infantil”; “Educação infantil: bibliografia anotada”; “Propostas pedagógicas e currículo em educação infantil”; a “Política Nacional de Educação Infantil”; “Critérios para um atendimento em creches que respeite os direitos fundamentais das crianças”; “Critérios de atendimento de uma creche que respeita os direitos fundamentais da criança”. Tais documentos concorrem para o estabelecimento de diretrizes pedagógicas para a melhoria da qualidade desta etapa da educação. Estes documentos fazem parte de uma coleção que se constitui em um marco na construção de propostas de Educação Infantil por privilegiar práticas que representam as crianças.

Posteriormente, novamente na contramão da discussão e do projeto que vinha sendo construído desde a publicação dos “cadernos das carinhas” (como ficou conhecido o documento), em 1998 o MEC elaborou o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI) que teve como fim auxiliar as instituições de Educação Infantil na realização de seu trabalho educativo junto à criança pequena, bem como oferecer subsídios para a construção de propostas e práticas pedagógicas com vistas à formação dos profissionais.

O RCNEI trazia os conceitos cuidar e educar como indissociáveis. Apresentando o cuidar relacionado ao desenvolvimento integral da criança e sua capacidade humana no que se refere a cuidados relacionais, de dimensão afetiva, como também a aspectos biológicos do corpo, como qualidade da alimentação, cuidados com a saúde, considerando suas necessidades. Para o RCNEI, as ações de educar estavam definidas como proporcionar de modo integrado iniciativas voltadas para o cuidar, brincadeiras e aprendizagens. Ambos, cuidar e educar se complementam na busca pelo desenvolvimento integral da criança para a sua formação humana de forma qualitativa, sendo essencial no atendimento à Educação Infantil.

Embora tenha trazido contribuições como uma referência para estruturação de um currículo na Educação Infantil em âmbito nacional, o documento foi seriamente criticado por pesquisadores/as, associações científicas e movimentos sociais, pois representava um retrocesso às discussões feitas até então, já que o RCNEI mantinha caráter escolarizante e preparatório para as crianças pequenas, desprezando o trabalho construído nos anos precedentes. Para Cerisara (2002), os três volumes foram organizados em torno de uma estrutura comum e o conteúdo evidenciava uma subordinação ao que é pensado para o ensino fundamental, submetido à versão escolar de trabalho, sem levar em consideração as especificidades da criança de zero a seis anos e o sentido da Educação Infantil como lugar de cuidado e educação.

Outro programa de destaque na qualificação dos professores - em exercício nos sistemas municipais e estaduais de educação - que não possuíam a formação mínima exigida para atuar nas instituições de Educação Infantil foi criado em 2005 pelo MEC, o Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil (Proinfantil). Foi um curso à distância, em nível médio, disponibilizando aos professores diploma para o exercício da docência apenas nessa Educação. O Proinfantil tinha um cunho emergencial, considerado relevante para a resolução do problema de formação inicial de professores leigos, na Modalidade Normal, mas não resolveria as contradições nesse campo.

Nessa direção ainda de programas visando a organização e o funcionamento dos sistemas do ensino quanto à oferta qualificada da Educação Infantil para todas as crianças de zero a cinco anos de idade, em 2006 foi criado ainda os Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil. E por meio da Resolução n. 6 de 24 de abril, em 2007 o MEC criou o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância) destinado à construção e aquisição de equipamentos e mobiliário para creches e pré-escolas públicas, tendo em vista a edificação e a melhoria das condições das instalações físicas das instituições públicas que a ofertam (BRASIL, 2007).

Tal aporte financeiro permite perceber indícios de que, com o recurso do Proinfância para assistência financeira aos municípios na construção de prédios próprios para a educação infantil, houve a redução das adaptações, ampliações, construções e aluguel de espaços quase sempre inadequados para a sua oferta (KRAMER, TOLETO E BARROS, 2014). A distribuição destes recursos se deu levando em consideração as condições populacionais, educacionais e sociais dos municípios a serem contemplados.

Outros programas na garantia de ações de cuidado integral estão presentes para garantir segurança alimentar e nutricional as famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, matriculadas em creches públicas ou conveniadas com o poder público; em 2012 foi criado o Programa Brasil Carinhoso que se constitui em transferência automática de recursos financeiros para as despesas relacionadas à manutenção e desenvolvimento da Educação Infantil ao público supracitado.

Os programas e as ações buscaram concorrer para a ampliação do atendimento e a qualificação da oferta da Educação Infantil, mas ainda esbarram em problemas estruturais não resolvidos e que impedem a sua real efetivação como: os sistemas públicos de educação que não assumem a educação da criança pequena; a falta de vaga e a alta demanda de crianças; a política de atrelar a matrícula a carteira de trabalho da mãe ferindo o direito da criança; o não oferecimento de atendimento universal a todas as crianças; a falta de infraestrutura física; falta de proposta pedagógica; falta profissionais com formação adequada. Enfim, são entraves que na prática impedem o direito e o dever do Estado, que ainda não é obrigatório, especialmente para o público de 0 a 3 anos.

A Argentina e o contexto da Educação Inicial na normatização educacional

A Educação Inicial na Argentina aparece nos primeiros debates quanto à edificação do sistema nacional de educação, e a proposição da criação dos primeiros Jardins de Infância ocorre desde meados de 1875 com Sarmiento7, período em que outros países da América Latina estão passando pelas mesmas trasformações, segundo a bibliografia as origens e os “precursores de los jardines de infantes en Argentina son los filántropos, pedagogos y médicos europeos cuyas ideas surgieron muy lejos de estas tierras” (PAIS, 2015, p 70). Tais ideias são parte do discurso do final do século XIX- que via na educação das crianças preceitos de civilidade e progresso para as nações em constituição no continente, e na Argentina, “las adaptaciones locales defendieron los valores y las propuestas del padre del jardín de infantes [...] y que algunos investigadores definen como poco fieles de su verdadera teoría de la esfera, central en su obra” (PAIS, 2015, p 70). Um marco importante na educação inicial teve seus aspectos pedagógicos pautados em propostas europeias e norte americanas trazidas por Sarmiento.

La educación inicial argentina nació bajo la influencia de los postulados con los que Federico Fröebel organizó el Kindergarten alemán y fue evolucionando a lo largo del tiempo con diversos aportes entre los que se destacan los de María Montessori, las hermanas Agazzi y Ovidio Decroly. Las transformaciones en las prácticas escolares se fueron sucediendo a la par de las luchas por su reconocimient o y expansión en el sistema educativo (PAIS, 2015, p 02).

Nesse contexto histórico, o atendimento nas instituições se desenrola, posteriormente começou a ser ofertado pelo Estado a partir das políticas implantadas pelo peronismo, ou seja, somente em meados do século XX. Destacamos tais aspectos, mas nos debruçaremos na contemporaneidade, discutindo a Educação Inicial, como é chamada atualmente na Argentina, aquela oferecida em instituições formais públicas e privadas, sob responsabilidade do Ministério da Educação Argentino, para as crianças menores de cinco anos. Há também os espaços de cuidados para a primeira infância sob a responsabilidade do Desenvolvimento Social Nacional, bem como distintas jurisdições, serviços estaduais, municipais e comunitários de gestão social que atendem a educação das crianças argentinas na atualidade.

Na Argentina não há uma política educacional para a educação básica, e consequentemente para a Educação Inicial que seja única para todo o país, devido à forma como é organizado o Estado argentino, pois cada estado tem autonomia em matéria educacional. Assim cada subsistema educacional apresenta sua normatização para a educação básica com pleno poder de decisão e de organização desse ensino. Existe em âmbito nacional a articulação de políticas nacionais para todo o país, mas em cada estado existe por parte do Conselho Federal de Educação formas distintas de implementação, considerando a ausência de uma organização articulada entre todos os ministérios que atendem as crianças e ofertam a Educação Inicial.

No ano de 1993 foi aprovada a Ley Federal de Educacion en la Argentina, n. 24.195, que vigorou por treze anos e estabeleceu as diretrizes e bases da educação com vista a garantir o direito de ensinar e aprender de modo igual e equitativo, firmando a Educação Inicial a criança dos 45 dias aos cinco anos de idade. Essa Lei amplia a escolaridade obrigatória de sete para dez anos, sendo ela, a partir de então, do último ano da Educação Inicial (cinco anos de idade) até o último ano da Educação Geral Básica (ARGENTINA, 1993).

Tal ampliação se constituiu em um ganho para a Educação Inicial, já que até então somente a Educação Primária era considerada obrigatória aos sete anos, e teve um efeito negativo para a Educação Inicial argentina em âmbito nacional, pois os estados tiveram que garantir o atendimento das crianças de cinco anos em detrimento das outras etapas de ensino. Assim, com o objetivo de proteger integralmente os direitos das crianças e adolescentes na Argentina, em 2005 foi aprovada a Ley 26.061, Ley de Protección Integral de los Derechos de las Niñas, Niños y Adolescentes, em seu art. 7 aponta que a família é prioritariamente responsável pela garantia dos direitos da criança e de seu gozo de forma efetiva e o Estado tem a incumbência de “[...] asegurar políticas, programas y asistencia apropiados para que la familia pueda asumir adecuadamente esta responsabilidade” (ARGENTINA, 2005a, s./p.).

No âmbito da Educação Inicial, essa Lei preconiza que as meninas e meninos possuem direito a educação pública e gratuita, visando o seu desenvolvimento integral, seu preparo para o exercício da cidadania, bem como sua formação para a convivência democrática e o trabalho; respeitando a sua identidade cultural e a língua de origem; em busca de fortalecer os valores da solidariedade, a tolerância, o respeito aos direitos humanos e a conservação do meio ambiente (ARGENTINA, 2005a). No entanto, tal legislação exime do Estado sua obrigação primeira com a Educação, constituindo-se em perda para a educação argentina, ao colocar como obrigação primeira da família a sua oferta, em caso de considerar as condições de famílias vulneráveis as crianças estariam em risco do mesmo modo.

Entretanto, a normatização garante, quando comprovado a ameaça ou violação dos direitos da criança, que seja realizada como medida de proteção a solicitação de bolsas para creches ou bebês, assim como a inclusão e permanência dessa criança em programas de apoio escolar. Estabelecendo, ainda, como obrigação do Estado, da família e da sociedade a garantia do completo desenvolvimento da personalidade da criança e o gozo de sua vida plena e digna. Assim como o ECA no Brasil, determina também que a criança tem o direito ao atendimento em uma instituição educacional próxima de sua residência (ARGENTINA, 2005a).

Ainda com vistas a aumentar os investimentos em educação, ciência e tecnologia, assim como apoiar as políticas para a melhoria da qualificação do ensino e fortalecer a pesquisa científico-tecnológica, em 2005 foi aprovada a Ley 26.075, Ley de Financiamiento Educativo, que em seu art. 2º apresenta dentre seus objetivos a inclusão de todas as crianças de cinco anos de idade na Educação Inicial e a garantia da crescente incorporação da criança de três e quatro anos nessa Educação, priorizando as mais desfavorecidas; bem como a realização de alterações pedagógicas e organizacionais que proporcionem a melhoria da qualidade e a equidade do sistema nacional de ensino, buscando garantir a apropriação dos Núcleos de Aprendizagem Prioritária a todos os alunos no ensino inicial (ARGENTINA, 2005b).

Buscando unificar o sistema de educação nacional, por meio da atuação do Conselho Federal de Educação, como um órgão que busca recuperar as vozes jurisdicionais, em 2006 foi aprovada a Ley 26.206, Ley de Educación Nacional, que começou a ser discutida em 2003 com a participação de sindicatos e outros representantes da sociedade na área da educação. Assim, com a aprovação dessa Lei, é organizado na Argentina um sistema educacional formado por distintos estados, com realidades específicas, e todos devem respeitar as diretrizes do Direito Nacional como ponto de partida. Tal Lei cria o Instituto Nacional de Treinamento para Professores, iniciando suas atividades em abril de 2007 com a responsabilidade de realizar políticas de formação docente inicial e continuada traçando linhas de ação comum para todas as jurisdições. Além disso, apresenta como uma de suas principais contribuições para a educação argentina o estabelecimento da obrigatoriedade do ensino para treze anos, que corresponde ao último ano da Educação Inicial, a educação primaria e secundária.

A mesma legislação estabelece ainda em seu art. 18 que a Educação Inicial se constitui em uma unidade pedagógica voltada para criança de quarenta e cinco dias a cinco anos de idade, sendo este último ano obrigatório. E em seu art. 24 dispõe que a organização dela tem como características “Los Jardines Maternales atenderán a los/as niños/as desde los cuarenta y cinco (45) días a los dos (2) años de edad inclusive y los Jardines de Infantes a los/as niños/as desde los tres (3) a los cinco (5) años de edad inclusive” (ARGENTINA, 2006, s./p.). A referida norma ainda explicita quais são os objetivos da Educação Inicial, em seu art. 20:

  • a) Promover el aprendizaje y desarrollo de los/as niños/as de cuarenta y cinco (45) días a cinco (5) años de edad inclusive, como sujetos de derechos y partícipes activos/as de un proceso de formación integral, miembros de una familia y de una comunidad.

  • b) Promover en los/as niños/as la solidaridad, confianza, cuidado, amistad y respeto a sí mismo y a los/as otros/as.

  • c) Desarrollar su capacidad creativa y el placer por el conocimiento en las experiencias de aprendizaje.

  • d) Promover el juego como contenido de alto valor cultural para el desarrollo cognitivo, afectivo, ético, estético, motor y social.

  • e) Desarrollar la capacidad de expresión y comunicación através de los distintos lenguajes, verbales y no verbales: el movimiento, la música, la expresión plástica y la literatura.

  • f) Favorecer la formación corporal y motriz a través de la educación física.

  • g) Propiciar la participación de las familias en el cuidado y la tarea educativa promoviendo la comunicación y el respeto mutuo.

  • h) Atender a las desigualdades educativas de origen social y familiar para favorecer una integración plena de todos/as los/as niños/as en el sistema educativo.

  • i) Prevenir y atender necesidades especiales y dificultades de aprendizaje (ARGENTINA, 2006, s./p.).

Tais objetivos destacam o desenvolvimento cognitivo, afetivo, ético, estético, motor, social e o respeito mútuo, bem como a participação da família, em busca do desenvolvimento integral da criança, além de indicar como as autoridades educacionais dos estados e de Buenos Aires deverão supervisionar as atividades pedagógicas realizadas nas instituições de Educação Inicial apontando também a formação dos docentes para atuarem nessa Educação, a qual todos deverão ser qualificados com formação em nível superior.

A norma estabelece que tanto os estados argentinos como a Capital Federal Buenos Aires apresentam como incumbência a expansão do atendimento educacional inicial; a promoção da participação das famílias no desenvolvimento das ações voltadas para o cuidar e o educar da criança; bem como a garantia do acesso e da permanência da criança na instituição de Educação Inicial, atendendo especialmente a criança dos setores menos favorecidos da população argentina; além de realizar a regulação, o controle e a supervisão do funcionamento dessa instituição, a fim de garantir atenção, o cuidado e a educação integral da criança.

No entanto, com vistas a assegurar o cumprimento dos direitos da criança e o atendimento integral dos quarenta e cinco dias aos dois anos, contando com a participação da família e de outros atores sociais, a Lei aponta a articulação entre a família, o Ministério da Educação, o Ministério da Saúde e o do Desenvolvimento Social a partir de diferentes ações voltadas para a criança, considerando aquelas em situação de vulnerabilidade, que embora esteja na letra da lei, as práticas não representam um atendimento a todas as crianças. Portanto, a Lei apresenta a finalidade da Educação Inicial, os modos de organizá-la para garantir a sua oferta qualitativamente, a prioridade do atendimento a criança em situação de vulnerabilidade, o que é avanço, mas somente a normatização não garante a oferta dessa Educação de forma universal.

Neste contexto, em busca de promover e regulamentar os Centros de Desenvolvimento Infantil e proteger e promover a criança e seus direitos, bem como seu desenvolvimento integral, em 2007 foi aprovada a Ley n° 26.233, Ley de Promoción y Regulación de los Centros de Desarrollo Infantil. Tais Centros se constituem em um espaço de atendimento integral a criança de até quatro anos de idade, sendo um espaço de assistência as famílias e, no âmbito do atendimento à criança, tem um cunho mais voltado para as ações de cuidados imprescindíveis e adequados à criança, a fim de complementar, orientar e auxiliar as famílias em seu papel a partir de uma função preventiva e promocional (ARGENTINA, 2007).

Estes Centros são considerados espaços de encontro, participação e organização das comunidades que possuem maior situação de vulnerabilidade, sendo destinados ao atendimento de saúde (atendimento médico, odontológico, de vacinação e prevenção), apoio escolar, bem como a atividades culturais e recreativas a criança com até quatro anos de idade em busca de sua integração social, institucional e territorial. Contudo, se tornaram espaços em que a Educação Inicial vem sendo terceirizada para outros setores – caso da Cidade Autônoma de Buenos Aires –, retirando assim a responsabilidade do Estado, nesse sentido um retrocesso.

A partir destas conjunturas e buscando garantir o direito de todos a uma educação mais qualitativa, no ano de 2012 foi aprovado pela Resolución do Conselho Federal de Educação n. 188 o Plan Nacional de Educación Obligatoria y Formación Docente 2012-2016, construído de forma coletiva com a participação de diferentes atores, no intento de expressar os interesses e necessidades coletivas. Esse Plano reafirma o exposto na Ley de Educación Nacional sobre a educação obrigatória no país, bem como, responsabiliza o Ministério da Educação e as autoridades jurisdicionais a garantir o cumprimento de tal obrigatoriedade de forma qualitativa no que concerne ao atendimento educacional da criança, apresentando ações voltadas para o cumprimento e as disposições dessa Lei (ARGENTINA, 2012.).

Assim, como um dos eixos estratégicos pretende privilegiar a primeira infância e tem como objetivo promover práticas com vistas a aumentar os níveis de responsabilidade dos estados e da Cidade Autônoma de Buenos Aires, no que concerne aos resultados e ao impacto referente ao cumprimento dos objetivos e metas da Ley de Educación Nacional, orientados por políticas que privilegiam a inclusão e a qualidade do ensino e da aprendizagem. Na esteira dessas garantias em 2015, com a aprovação da Lei 27.045, a Educação Inicial de quatro anos torna-se obrigatória, tornando-se obrigatório pelo Estado argentino o atendimento à Educação Inicial dos quatro e cinco anos, o que se constiuiu em importante vitória da Educação Inicial.

Bem recentemente em 2016, por meio do Decreto nº 574, do Poder Executivo, foi criado o Plan Nacional de Primera Infancia, sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social argentino, redigido nos termos de buscar proporcionar a promoção e proteção dos direitos da criança de quarenta e cinco dias a quatro anos, bem como o seu desenvolvimento integral, condições de participação ativa no ambiente familiar e comunitário, a fim de fortalecer o vínculo familiar, intrafamiliar e comunitário (ARGENTINA, 2016). O Plano visa assegurar o direito da criança a uma boa qualidade de vida, educação, saúde, benefícios de segurança social, além do atendimento educacional. Prevê assistência nutricional, prevenção e promoção de saúde, estimulação precoce e psicomotricidade, bem como oficinas de treinamento, sendo destinado principalmente às crianças em situação de vulnerabilidade, proporcionando cuidados imprescindíveis e adequados à criança em complementação e auxílio às famílias. Conforme mencionado, a ênfase no cuidar e a educação inicial vai sendo implementada pelo país com distintas perspectivas seja na cidade autônoma de Buenos Aires e em outras jurisdições.

Programas e Ações para a Educação Iniciale as Crianças na Argentina

Na Argentina os programas e ações8 para a Educação Inicial em sua maioria são iniciativas realizadas em parceria entre o Ministério da Educação, o Ministério do Desenvolvimento Social e o da Saúde, que em ações conjuntas pensam o atendimento às crianças. Importante destacar que em relação ao Brasil e ao que chamamos de Educação Infantil, desde a LDB de 1996, esta migrou somente para o Ministério de Educação.

No ano de 2005 foi criado o Programa Nacional de Desarrollo Infantil "Primeros Años", que tem em vista a promoção do desenvolvimento da criança e das pessoas envolvidas em sua formação por meio de implementação de diversas estratégias realizando uma conscientização sobre a relevância do início da vida e o papel dos adultos na vida da criança a partir de projetos de apoio institucional aos pais, familiares e a comunidade de instituições formais – como Jardim de Infância e Jardins Maternais; e não formais – como espaços de apoio à comunidade e iniciativas comunitárias. Tais programas consideram a criança sujeito de direito e não apenas de cuidado.

Assim, buscando melhoria da infraestrutura educacional destes espaços que ofertam a Educação Inicial, implementou o Programa de Apoyo a la Política de Mejoramento de la Calidad Educativa (Promedu), com o objetivo de expandir a infraestrutura educacional com vistas a universalizar o nível inicial buscando construir 225 escolas do nível inicial, através de um empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento, especialmente em locais com população em situação de pobreza para garantir a estes o acesso à educação.

Outra iniciativa foi a criação do Programa Creciendo Juntos, buscando edificar, renovar, ampliar e equipar espaços de atendimento à criança até quatro anos de idade oferecendo serviços de cuidado e educação – Jardins Maternais e de Infância; e centros comunitários ligados ao sistema de educação formal ou espaços de atendimento à criança promovidos por organizações sociais, por grupos de mães ou por áreas específicas do governo –, objetivando melhorar as condições de cuidado e educação e desenvolvimento integral da criança.

Nestes contextos, proporcionou recursos didáticos para o trabalho na educação infantil a partir do Provisión de Libros, para assegurar condições materiais básicas para o ensino e aprendizagem dos alunos, disponibilizando livros didáticos e obras literárias para as bibliotecas das instituições de ensino. Também em 2009, implantou o Proyeto Más Libros Más Mundos Posibles, que distribui uma biblioteca de literatura infantil com mais de 90 livros para as instituições que ofertam Educação Inicial às crianças em situação de vulnerabilidade.

Na Argentina temos as Ludotecas Escolares, com o fim de assegurar o direito ao lazer, a brincadeira e participação na vida cultural a toda criança argentina, por meio da distribuição de bibliotecas, de brinquedos escolares a estabelecimentos de ensino de nível inicial com desafios e potencialidades de aprendizagem e desenvolvimento. Ainda o Programa Cultura e Infancia, que busca propiciar a garantia do acesso à cultura infantil através de distintas ações como: "Kermeses Culturales Infantiles", clubes e parques; instalação e treinamento de jogos; feiras de livros; festivais de marionetes e de espetáculos de circo, comédia e teatro de qualidade. Em 2008 foi elaborado o Plan Ahi, no âmbito da educação, saúde e trabalho, que proporcionava benefícios para a saúde da criança, bem como a bolsas e materiais de estudo, possibilitando a organização de oficinas recreativas e culturais com crianças, e a implementação de bibliotecas populares, orquestras e bandas infantis.

Visando socializar todas as informações sobre as ações em curso em 2010, foi edificado o Sistema Integrado de Información sobre las Políticas Públicas dirigidas a la Niñez, la Adolescencia y la Familia (SIIPPNAF), um conjunto de informativos sobre as atividades voltadas para a Educação Inicial, possibilitando o acompanhamento das famílias, professores e demais profissionais que atuam nas instituições. E, entre tais ações e informações, poderíamos ver em 2012 o Programa Primera Infancia objetivando estreitar o vínculo entre escola, família e sociedade, considerando a criança como sujeito de direitos. E no mesmo ano, foi criado o Programa Jugando Construimos Ciudadanía com vistas a estimular a solidariedade e a cooperação entre as crianças através de brincadeiras e atividades integradoras, bem como promover a edificação de materiais recreativos, tais como brinquedos, jogos coletivos e educativos, além de instrumentos musicais.

A bibliografia nos informa que na Argentina, a Educação Inicial é um dever da família, com a cooperação do Estado. Sua normatização e ações são de responsabilidade do Ministério da Educação (Plan Nacional de la Educacion Inicial; Programa Nacional de Desarollo Infantil “Primeros Infantil "Primeros Años" entre outros já mencionados) em parceria com o Ministério da Saúde e do Desenvolvimento Social (Programa Cresciendo Juntos). No entanto, algumas ações são realizadas exclusivamente pelo Ministério do Desenvolvimento Social, como exemplo, o Plano Nacional Primera Infancia, os Centros de Desarrollo Infantil, estas últimas de caráter mais assistencial auxiliando famílias em vulnerabilidade social.

Finalizando, outro aspecto importante a ser considerado sobre a sistema educacional na Argentina é que existem diferentes ações do Estado voltadas para a Educação Inicial, algumas mais ligadas ao Ministério de Desenvolvimento Social e outras ao Ministério da Educação. Além disso, em torno de 60% (sessenta por cento) das matrículas das crianças menores de 3 anos são ofertadas por instituições privadas. Sem contar que a partir de 2016, a lacuna no atendimento à primeira infância se ampliou e observou-se um avanço das organizações internacionais em sugestões de Think Tank9 que incentivam a ruptura da unidade pedagógica de Educação Inicial apresentada na Lei de Educación Nacional, especialmente ao promover um sistema de atendimento em creches com recursos de Desenvolvimento Social para a faixa de 45 dias a três anos e Jardins de Infância, assim como para a faixa de três a cinco anos, de forma a atender a educação obrigatória (de quatro a cinco anos) que é dever do Ministério da Educação, ignorando os diversos formatos e propostas pedagógicas do país por mais de três décadas.

Considerações à guisa de diálogo

A Educação Infantil tanto na Argentina como no Brasil vem obtendo ganhos significativos em termos normativos nos últimos anos, bem como vem criando ações e programas com vista a garantir o direito, a organização e o financiamento desta etapa da educação das crianças, uma vez na Argentina há alguns anos a oferta era feita exclusivamente pela família e no Brasil o acesso estava restrito somente como direito a mãe trabalhadora e não a criança, portanto estes avanços podem ser celebrados como importantes.

Assim, se no Brasil a Educação Infantil se tornou um direito da criança a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo normatizada em âmbito nacional a partir de então com um cunho universal, com a garantia de oferta a todas as crianças pequenas brasileiras, na Argentina essa oferta pelo Estado é destinada principalmente às crianças pequenas em situação de vulnerabilidade, sendo obrigação primeira da família com o auxílio do Estado. Fato que se constitui em uma preocupação para o atendimento e a educação da criança pequena argentina, quando consideramos que embora ela tenha o direito à educação inicial assegurado, mas não tem a garantia de oferta pelo Estado.

Nesses contextos de diálogos, tanto na Argentina como no Brasil a oferta da Educação Infantil dos quatro aos cinco anos de idade é obrigatória. Na legislação do Brasil é um dever do Estado e da família de incumbência do sistema municipal de ensino. Na Argentina a Educação Inicial mesmo sendo um direito da criança, ainda apresenta características assistenciais em detrimento ao caráter educacional, em razão das parcerias com os órgãos assistenciais dos Ministérios da Saúde e Desenvolvimento Social. Embora o cuidar e o educar estejam na pauta, tanto no Brasil como na Argentina, objetivando proporcionar o desenvolvimento integral da criança, sua participação na sociedade, promoção e proteção dos seus direitos, os modos como as ações e os programas são concebidos definem as práticas a serem executadas por cada órgão ministerial, imprimindo distintamente concepções de infância e de educação das crianças.

Nesta perspectiva, observamos a normatização educacional, os programas e ações dos dois países que dão a ver os modos como a Educação Infantil e Inicial vêm sendo definidas nas suas realidades concretamente. No caso brasileiro, a Educação Infantil mais ligada ao Ministério da Educação vem reafirmando o direito a essa Educação, buscando organizar a gestão, a estrutura adequada, o currículo e a formação dos professores, além de lutar pela ampliação de vagas e a oferta dessa educação, buscando uma reflexão dos conceitos de cuidar e o educar de forma indissociável e que proporcione desenvolvimento integral, estimule o desenvolvimento psicológico, intelectual, social e a autonomia e independência da criança.

No caso da Argentina, a normatização educacional, os programas e ações para essa Educação tem procurado superar as ações que as veem de modo separado nas esferas públicas voltadas para órgãos administrativos diferentes, buscado discutir a organização da educação das crianças nos diferentes modelos que existem no país, fazendo discussões, especialmente nos modelos de ênfase assistencialista contemplados pela legislação ao atrelar essa etapa da educação a um dever da família com a colaboração do Estado, e assim alocando seus programas e ações em políticas de assistência as crianças em situação de vulnerabilidade nos Ministérios da Educação em Colaboração com o Ministério de Desenvolvimento Social, da Saúde e do Trabalho (com alguns edificados apenas pelo Ministério do Desenvolvimento Social).

Portanto, o contexto mostra que a Educação das crianças pequenas na Argentina como no Brasil teve muitos avanços, estes representados pela conquista da obrigatoriedade, desde a pré-escola, a ampliação da oferta como forma a promover o direito e desenvolvimento integral da criança, contudo, nos dois países, ainda existe escassez de oferta de vagas relativas à demanda do atendimento às crianças menores de 5 anos e muitos problemas estruturais a serem enfrentados. Os avanços na legislação, na realização de programas e ações não atingiram os patamares de atendimento adequado a toda a população, e um dos motivos pode ser atribuído ao fato que tanto o Estado brasileiro como o Estado argentino não assumiram a sua responsabilidade com a educação dessas crianças.

Concluindo, embora reconhecer as crianças, sua existência legal e social nas inúmeras normatizações como sujeitos de direito, criança cidadã e partícipe do seu grupo social tenha grande significado na luta histórica, o desafio que se apresenta é a realização de ações concretas no sentido de fomentar e permitir que tais garantias se efetivem como direito, fazendo com que todas as crianças de modo universal e suas famílias tenham acesso às instituições educativas com qualidade no atendimento, só assim todas as famílias e crianças argentinas e brasileiras terão garantido, assegurado e efetivado seu direito sentindo-se cidadãs no seu país.

4A nomenclatura para esta etapa na Argentina se chama Educação Inicial e corresponde a Educação Infantil no Brasil.

5Red de Historia de La Educación Preescolar criada desde 2014, no contexto dos eventos de história da educação e tem membros de instituições do México, Argentina, Colômbia, Brasil, Uruguai e Chile.

7“Domingo Faustino Sarmiento, pensador, político y diplomático que trabajó y militó por la educación argentina y se constituye como una fuente para la historia de la educación” (SARAT, 2014, p. 101).

8As informações sobre os programas e ações foram referenciadas no Sistemas de Informações de Tendências Educacionais na América Latina (Siteal).

9Um Think Tank, seria um laboratório de ideias, gabinete estratégico, centro de pensamento ou de reflexão formada por uma instituição ou grupo de especialistas de natureza investigativa cuja função é a reflexão intelectual sobre assuntos de política social, estratégia política, economia, assuntos militares, de tecnologia ou de cultura.

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Recebido: Outubro de 2021; Aceito: Novembro de 2021; Publicado: Dezembro de 2021

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