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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.16  Curitiba  2022  Epub 30-Maio-2023

https://doi.org/10.5380/jpe.v16i0.83258 

Artigos

Política de avaliação educacional em Pernambuco e a influência do IDEPE1

Educational assessment policy in Pernambuco and the influence of IDEPE

Política de evaluación educativa en Pernambuco y la influencia del IDEPE

Ana Lucia Felix dos Santos2 
http://orcid.org/0000-0002-1040-2156

Alexandre Viana Araújo3 
http://orcid.org/0000-0002-1349-5378

Danila Vieira de Melo4 
http://orcid.org/0000-0001-8369-4746

Kysy Taysa Ferreira do Nascimento5 
http://orcid.org/0000-0003-4227-7377

2Doutora em Educação-UFPE. Professora do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0002-1040-2156. E-mail: analufelix@gmail.com

3Doutor em Educação. Professor do Centro Acadêmico do Agreste – UFPE. Caruaru, PE. Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0002-1349-5378. E-mail: xandosport@gmail.com

4Mestre em Educação-UFPE. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Educação - UFPE. Recife, PE. Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0001-8369-4746. E-mail: danilamelo@hotmail.com

5Mestre em Educação – UFPE. Recife, PE. Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-4227-7377. E-mail: kysy_kaynne@hotmail.com


Resumo

Tomando a avaliação educacional e os indicadores sintéticos como foco, o presente texto é fruto de uma pesquisa realizada no estado de Pernambuco (PE) cuja política educacional articula avaliação dos estudantes, metas para as escolas, pautadas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco - IDEPE, e Bônus de Desenvolvimento Educacional (BDE). O estudo analisou o discurso de professores e gestores de escolas estaduais acerca das influências do IDEPE no cotidiano escolar. Os resultados revelaram que, em se tratando de uma política que envolve um indicador sintético, PE apresenta especificidades, pois os sujeitos passam a trabalhar em função dos resultados do IDEPE e do recebimento do BDE. Mais que apontar tendências, o Índice atua diretamente no cotidiano das escolas com consequências objetivas (recebimento ou não do BDE) e subjetivas (sentimentos de sucesso/fracasso pelos sujeitos; competição; meritocracia).

Palavras-chave: Política educacional; Avaliação Educacional; Índice de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco (IDEPE)

Abstract

Taking the educational evaluation and synthetic indicators as focus, the present text is the result of a research carried out in the state of Pernambuco (PE) whose educational policy articulates the evaluation of the student, goals for schools, based on the Education Development Index of Pernambuco – IDEPE, and Educational Development Bonuses (BDE). The study aimed to analyze the discourse of teachers and managers who work in state schools about the influences of IDEPE in school every day. The results revealed that, in the case of a policy involving a synthetic indicator, PE presents a specific scenario since the subjects start to work in function of the results of the IDEPE and the receipt of the BDE. In addition to pointing out trends, the Index acts directly in the daily life of schools with objective consequences (receiving or not from DBE) and subjective (feelings of success/failure by the subjects, competition, meritocracy).

Keywords: Educational Politics; Educational Evaluation; Education Development Index of Pernambuco

Resumen

El texto tiene la evaluación educativa y los indicadores sintéticos como foco de discusión, él mismo muestra los resultados de una investigación realizada en el estado de Pernambuco (PE) cuya política educativa articula evaluación de los estudiantes, metas para las escuelas, pautadas por el Índice de Desarrollo de la Educación de Pernambuco (IDEPE), y Bono de Desarrollo Educativo (BDE). El objetivo del estudio consistió en analizar el discurso de los profesionales de las escuelas sobre las implicaciones y de las influencias del IDEPE en el día a día escolar. El estudio se ha revelado que, al tratarse de una política que implica un indicador sintético, PE presenta especificidades, ya que profesores y gestores pasan a trabajar en función de los resultados del IDEPE y de la recepción del BDE. Además de las indicaciones de tendencias, el Índice actúa directamente en el cotidiano de las escuelas con consecuencias objetivas (recepción o no del DBE) y subjetivas (sentimientos de éxito / fracaso por los sujetos, competencia, meritocracia).

Palabras Clave: Política Educativa; Evaluación Educativa; Índice de Desarrollo de la Educación de Pernambuco

Introdução

As ações de políticas, em andamento no cenário brasileiro atual, que vêm articulando avaliação educacional e metas por desempenho para as escolas, fazem com que diferentes pesquisadores (FREITAS, 2011; ZATTI e MINHOTO, 2019, dentre outros) concluam que exista uma crescente preocupação política que vincula educação e avaliação, buscando a garantia da produtividade e eficiência para se atingir determinados indicadores educacionais.

Tomando essa ideia como norte e caminhando na esteira da ordem internacional, o desafio do governo brasileiro (em nível nacional e local) vem sendo o de definir políticas educacionais que tomam a avaliação do sistema educacional e indicadores sintéticos de qualidade da educação como um dos seus pontos, a exemplo da adoção do Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e do o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica6 (IDEB).

No rastro dessa política nacional, estados e municípios brasileiros também têm organizado seus processos avaliativos padronizados. Pernambuco (PE) é um estado que implantou esse tipo de ação educacional, sua política educativa conta com estratégias de avaliação do sistema educacional atrelado à implantação de um indicador sintético de qualidade específico para seu sistema: o Índice de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco (IDEPE), nos mesmos moldes do IDEB. Além disso, há também o oferecimento do Bônus do Desenvolvimento Educacional (BDE) e metas a serem atingidas pelas escolas.

Esse tipo de ação governamental é mais complexo do que a adoção de uma avaliação via aplicação de exames em larga escala. A sua complexidade, que envolve avaliação externa do estudante, metas e BDE, nos leva a entendê-lo como política de accountability, termo oriundo da língua inglesa que vem sendo traduzido, comumente, como prestação de contas e responsabilização. Oliveira (2019) reforça essa afirmativa a partir de estudo realizado na região Nordeste do Brasil na qual a autora reafirmou que o termo não possui uma definição unânime. Dutercq (2016, p. 149), nos ajuda a esclarecer:

[...] la accountability hace referencia a un conjunto de procedimientos técnicos y organizativos que favorecen la evaluación de la acción y la rendición de cuentas a una autoridad jerárquica o a diferentes actores externos a la luz de los resultados de las acciones empreendidas.

Como o termo advém do campo da administração, a justificativa da prestação de contas é respaldada no argumento da transparência e da democratização do acesso da população as informações do setor público. Para Afonso (2018), ao se adotar um modelo ou sistema de accountability na educação, é certo que haverá consequências nas formas de responsabilização, sejam elas “positivas ou negativas, materiais ou simbólicas, implícitas ou explícitas” (p.12).

Nesse sentido, partimos do pressuposto que a política implementada em PE agrega os elementos acima citados pelos autores, com ênfase nas consequências, já que o BDE vai se tornar uma das “estrelas” da política, conforme buscaremos apresentar nesse trabalho. Assim, tomando o IDEPE como componente da política de avaliação e responsabilização educacional de PE, nosso objetivo consistiu em analisar o discurso de professores e gestores que atuam nas escolas estaduais acerca das influências do IDEPE no cotidiano escolar.

O estudo, que é um recorte de uma investigação mais ampla que abarca a rede estadual de ensino do estado de PE, apresenta resultados de uma pesquisa realizada na Gerência Regional de Educação7 Metropolitana Sul, a qual é constituída pelos municípios do Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe, Ipojuca, Moreno, São Lourenço da Mata e Jaboatão dos Guararapes. Realizamos análise documental do Programa de Modernização da Gestão Pública no Estado de Pernambuco - Metas para a Educação (PMGP/ME) e aplicamos entrevistas semiestruturadas a professores e gestores escolares de duas escolas em cada um dos municípios citados8. A análise dos dados se deu com base na análise crítica do discurso (FAIRCLOUGH, 2001).

Política de Avaliação Educacional e Indicadores de Desempenho

No âmbito das políticas educacionais, é possível dizer que a avaliação vem instrumentalizando as reformas educacionais e produzindo mudanças nas configurações gerais do sistema educativo (DIAS SOBRINHO, 2004). Esse autor chama a nossa atenção para o fato de o processo de avaliação guardar em si não apenas o componente técnicoinstrumental necessário à sua implementação, mas carrega, em seu interior, as dimensões ética e política, próprias das ações humanas. Sobre isso, podemos mencionar o posicionamento de Bauer e Sousa (2015) no que se refere a funcionalidade da avaliação. Assim, para elas

(...) é preciso avançar no sentido da maior institucionalização das avaliações não no plano meramente administrativo, fiscalizatório ou burocrático-formal, mas no plano formativo, que busque incorporar o uso dos resultados obtidos para eventuais mudanças de rumo, reajustes e melhorias das políticas públicas, e o controle social das intervenções realizadas (BAUER e SOUSA, 2015, p. 260).

A avaliação como política educacional vem se expandido, contribuindo para formular um diagnóstico do sistema educacional. Diante disso, ela passa a se constituir como guia para políticas educacionais. E também observamos que dois elementos vêm sendo agregados às atuais políticas: a criação de indicadores sintéticos e a inserção de metas (algumas vezes, com consequências para as escolas e para os professores).

Pode-se dizer que é com essas orientações que a avaliação dos sistemas educacionais aqui no Brasil tem utilizado cada vez mais indicadores sintéticos de qualidade educacional. Tais indicadores são caracterizados pela falta de aprofundamento dos dados, pois estes são tratados de forma generalizada. Mesmo assim, “parece haver um certo deslumbramento com as novas tecnologias e técnicas e a crença de que essas ferramentas e a disponibilidade de novos indicadores garantiriam, per se, uma melhor gestão dos recursos e programas sociais” (GUIMARÃES & JANNUZZI, 2004, p. 3). Os indicadores vão sendo utilizados em várias esferas do governo e, vale salientar, que a sua construção se torna um movimento complexo e está relacionado à concepção de qualidade almejada, o que vem a influenciar na função de avaliação (BAUER & SOUSA, 2015).

Ferreira e Tenório (2010a) se apoiam em Babbie (2001), para dizer que, de forma técnica, um indicador é um composto construído para medir uma dimensão ou uma variável de um fenômeno qualquer, no nosso caso, o fenômeno educacional. Um indicador, como já diz, nos indica ou aponta um caminho.

A sua definição envolve a seleção de critérios relevantes e úteis para julgar, comparar e acompanhar a evolução dos benefícios, efeitos adversos e custos dos serviços e produtos educacionais. Os indicadores de qualidade, assim, são fundamentais para acompanhar as mudanças na dimensão de realidade que se quer avaliar, permitindo: 1. Consolidar informações relevantes, úteis e a apreensão imediata de aspectos da realidade; 2. Aprimorar a gestão; 3. Desenvolver políticas; 4. Trocar informações entre, instituições regiões, municípios, etc.; 5. Apoiar ações de caráter gerencial e de monitoramento que justificam a criação e utilização de indicador de qualidade em educação. (FERREIRA & TENÓRIO, 2010a, p. 73).

Diferentes autores vão afirmar que os indicadores funcionam como um tipo de sinalizador da realidade, no entanto a maioria deles dá ênfase ao sentido de medida e balizamento de processos de construção da realidade ou de elaboração de investigações avaliativas (GUIMARÃES & JANNUZZI, 2004; MINAYO, 2009), bem como contribuem para diagnosticar, localizar, qualificar ou retratar o público o qual se destina, e assim realizar um levantamento socioeconômico e desenvolver programas na área da educação (JANNUZZI, 2011). Apesar das limitações, os indicadores, assim como as avaliações, são considerados importantes instrumentos de gestão, pois ajudam a monitorar ações e contribuem com processos de tomada de decisão e para o planejamento educacional. No entanto, não é possível garantir que suas propostas e seus usos venham favorecer ou promover mudanças ou avanços nas condições sociais.

Os indicadores assinalam tendências. No entanto, nenhum indicador pode aportar certeza absoluta quanto aos resultados de uma ação ou de um processo, pois sua função é apenas ser um sinalizador: indicadores são instrumentos, não operam por si mesmos, indicam o que devem indicar. (MINAYO, 2009, p. 85)

Vale ressaltar que na realidade brasileira a utilização de indicadores sintéticos de qualidade no campo educacional é fruto do desenvolvimento e uso das avaliações externas, cujos resultados já fazem parte do cotidiano escolar. “Como decorrência, houve uma ampliação da utilização dos índices gerados a partir dessas avaliações para uso nas políticas públicas, com vistas à regulação dos sistemas educacionais” (ALMEIDA; DALBEN & FREITAS, 2013, p. 1155). Como exemplos destes indicadores, já citamos o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), no âmbito federal, e que hoje ocupa um lugar de evidência no cenário nacional, assim como é possível citar vários indicadores gerados em nível estadual: Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (IDESP); Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado do Rio de Janeiro (IDERJ); o Índice de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco (IDEPE), foco do nosso estudo, dentre outros.

Em Pernambuco, temos visto que o IDEPE tem funcionado para além de um simples parâmetro para avaliação do sistema de educação, pois tem se apresentado como um forte instrumento de gestão, com foco no monitoramento de ações, nos resultados e na responsabilização de professores e gestores escolares. Assim, é que tomamos esse indicador sintético por objeto de estudo a fim de entender melhor sua influência no cotidiano das escolas estaduais.

Avaliação Educacional e a Política de PE: o caso do IDEPE

Pernambuco segue a tendência nacional de organizar sua política tomando como um dos elementos os processos avaliativos estandardizados. Em 2008, lança o Programa de Modernização da Gestão Pública no Estado de Pernambuco – Metas para a Educação (PMGP/ME) como política governamental composta por um conjunto de iniciativas que se proclamam com o objetivo de melhorar os indicadores educacionais, tais como: diminuir as taxas de repetência, evasão escolar e analfabetismo. (PERNAMBUCO, 2008a).

As ações educacionais do PMGP/ME contam com uma série de estratégias vinculadas a uma política de resultados e um sistema de responsabilização educacional, como: o monitoramento de indicadores e metas para as escolas e GREs (mediante a assinatura do Termo de Compromisso9); a criação do IDEPE; a criação Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco (SAEPE); Sistema de monitoramento e avaliação; e a bonificação por desempenho aos servidores da educação, o BDE.

O discurso do PMGP/ME aponta como principal objetivo a melhoria dos indicadores educacionais da Rede Estadual de Ensino, assim como diminuição da taxa de evasão dos estudantes, por meio de instrumentos avaliativos, atrelado ao oferecimento do BDE aos servidores em exercício nas unidades da rede pública estadual de ensino. As ações dessa política estão diretamente atreladas ao sistema de recebimento de bônus.

O discurso promovido pelo governo com a implementação da bonificação é de promover a melhoria no processo de ensino e aprendizagem”, porém alguns estudos, como o de Alcântara (2010), sobre política de incentivo financeiro, demonstram que é temeroso vincular a qualidade na educação tomando como base a responsabilização dos docentes. Essa política de bonificação incide nas atividades desenvolvidas pelos profissionais da educação que estão intrinsecamente relacionadas com a qualidade da educação, visto que:

Além de serem responsabilizados pela carreira, pelo salário e pelos resultados do processo educativo, a intensificação das formas de controle impõe a responsabilização pelo desempenho dos alunos, pelo desempenho institucional e até pelas condições estruturais, físicas e administrativas das escolas. Diante dessa lógica em que o professor deve responder por quase tudo, indaga-se a respeito da obrigação que resta às instituições públicas e à administração estadual na qualidade do desempenho escolar de suas respectivas redes de ensino (ZATTI & MINHOTO, 2019, p. 10).

Essa discussão se aproxima da realidade da política educacional pernambucana e para o melhor entendimento dela ainda é necessário destacar que o Programa em análise articula metas que são pautadas pelo IDEPE, que, por sua vez, está vinculado aos resultados do SAEPE. O SAEPE faz parte do sistema de monitoramento dos indicadores e das metas pactuadas com as unidades escolares. Composto por avaliações de Língua Portuguesa e Matemática, serve para medir a proficiência dos alunos do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e 3º ano do Ensino Médio. Com o cálculo do resultado do SAEPE junto à média da taxa de fluxo escolar, que é calculada pelo Censo Escolar, compõe-se o IDEPE, um indicador sintético de qualidade que toma como referência a metodologia do IDEB.

Esse indicador é utilizado para definição das metas a serem atingidas por cada escola. Ou seja, o papel do IDEPE no PMGP-ME é fornecer um diagnóstico das escolas, sinalizando a evolução dos índices educacionais, ano a ano. No entanto, tal diagnóstico se dá tendo como base as provas nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática, redundando num diagnóstico limitado do ponto de vista dos conhecimentos adquiridos pelos estudantes. Como consequência do cumprimento das metas, as escolas estaduais conseguindo atingir pelo menos 50% das metas determinadas, receberão um pagamento de incentivo, o BDE.

Em PE encontramos no discurso oficial argumentos que reforçam a adoção desse tipo de política que agrega incentivos financeiros no padrão meritocrático ao trabalho cotidiano das escolas.

Essas ações constituem em uma via de mão dupla, onde o Estado fornece condições mínimas para viabilizar o processo ensino-aprendizagem e ao mesmo tempo cobra resultados. [...] O novo sistema também incentiva os profissionais que vivem o dia-a-dia da escola (diretor, professores, coordenadores e funcionários) para trabalharem de forma agregadora e com mais entusiasmo, uma vez que uma política de incentivo também foi pensada para esses trabalhadores (PERNAMBUCO, 2008a, p. 05, grifos nossos).

Como podemos perceber, o argumento produzido pelo PMGP/ME reforça a opção pela política de responsabilização e advoga e redução do gasto público estatal sobre as políticas educacionais quando ressalta “fornece condições mínimas”. Além disso, parte da premissa que o “incentivo” atua como ação agregadora da classe trabalhadora.

No mesmo contexto, o governo estadual de PE ressalta que a avaliação surge como principal instrumento da regulação, pois entre os objetivos do SAEPE estão os de monitorar o desempenho dos estudantes ao longo do tempo, possibilitando a implementação de medidas corretivas quando necessário; associar os resultados da avaliação às políticas de incentivo; compor, em conjunto com as taxas de aprovação verificadas pelo Censo Escolar, IDEPE (PERNAMBUCO, 2008b). Os resultados anuais do IDEPE são divulgados para que a sociedade e pais possam também monitorar o andamento da educação escolar dos seus filhos.

Freitas (2012, p. 383), ancorado nos pensamentos de Kane e Staiger (2002), ressalta que “um sistema de responsabilização envolve três elementos: testes para os estudantes, divulgação pública do desempenho da escola, recompensas e sanções”. Como tentamos apresentar, são justamente essas as características encontradas na política educacional pernambucana. Dessa forma, as reflexões e o contexto, acima discutido, nos levaram a indagar sobre as influências e consequências do IDEPE no cotidiano das escolas estaduais. É o resultado de nossas indagações que procuraremos apresentar no próximo item.

O IDEPE é o bônus? Sentidos discursivos da política em ação

Algumas especificidades do contexto pernambucano vão nos revelando sentidos discursivos justamente pelo fato do IDEPE ter um papel ativo no interior da política, desvelando a força desse indicador sintético no cotidiano das escolas. Entendemos aqui como sentido as interpretações a partir das subjetividades dos entrevistados nessa pesquisa, ou seja, como percebem a realidade, e suas consequências, a partir da política educacional implantada no estado de Pernambuco.

Os dados foram revelando que o IDEPE está intimamente vinculado com a política implantada no estado que responsabiliza professores e gestores pelo alcance ou não das metas estipuladas. Outra característica é sua inserção em uma política estadual que organiza seu sistema com escolas diferentes: escolas técnicas, escolas de referência (integrais e semi-integrais) e escolas regulares10. Além disso, outros elementos já identificados em outras pesquisas também vão ser destacados em PE: intensificação do trabalho docente, valorização do magistério e efeitos subjetivos (sentimentos de sucesso fracasso; competitividade; meritocracia) (SANTOS, 2019).

Em primeiro plano, queremos destacar que no discurso dos entrevistados quando mencionado ou questionado sobre o IDEPE, outros dois elementos se fizerem presentes de forma substancial: as metas e o bônus do desempenho, ou seja, os elementos que compõem a política estão intimamente imbricados, uma especificidade que marca a política pernambucana. Para os sujeitos, não se pode falar de IDEPE sem os outros dois elementos.

Quando vai falar de IDEPE, você fala de Bônus, quando se fala de BDE, então automaticamente é aquela história, mexe na carteira do povo e o povo todinho quer correr pra poder chegar lá. (GESTOR 2).

Aí o IDEPE, traz pra gente o Termo de Compromisso, uma meta que a gente precisa trabalhar pra alcançar, mas que o nosso primeiro foco é fazer nosso trabalho direito. Se alcançar o IDEPE ótimo, ele é um norte, mas em 1º lugar está o que a gente vê dos nossos estudantes lá fora. (GESTOR 4).

Como se pode perceber, o indicador em PE está atrelado pela discussão sobre metas e bônus, ou seja, o IDEPE não tem razão de ser sozinho.

Então dentro desse plano de modernização, dessas ações, tem o Pacto pela Educação que infelizmente, só funciona agora, pelo que eu sei, nas escolas do Ensino Médio. Então o Pacto pela Educação, ele estabelece uma série de diretrizes, uma série de metas que essas escolas que estão pactuadas têm que atingir, né? E um dos critérios de avaliação que eles utilizam é exatamente o índice, o IDEPE (PROFESSOR 4).

O IDEPE, as metas e o BDE vão interpelando os sujeitos e as práticas cotidianas das escolas de tal modo que os discursos revelam uma visão de “totalidade”, próprio do que se deseja numa política desse tipo. O papel do indicador tem a finalidade de apontar “caminhos” que embasem as tomadas de decisões que “se revela, portanto, como um elemento, sinal ou aviso que revela ou denota características especiais ou qualidades, que aponta (como o dedo indicador) uma direção, mostrando a conveniência de, ou aconselhando a alguma ação” (FERREIRA & TENÓRIO, 2010b, p. 73), logo, atua enquanto balizador das políticas públicas educacionais e das ações nas escolas.

O reconhecimento do trabalho por resultados que embasa as ações da política pernambucana é uma segunda evidência de que os sujeitos vão revelando concepções que vinculam a adoção do indicador a esse tipo de política.

Hoje em dia o governo ele tem um olhar para a educação empresarial da coisa. O governo ele vê a educação como... É uma empresa? É! Não tem outro termo pra isso não, é uma empresa. Então você como dono de uma empresa, você quer resultado! Então o IDEPE tá exatamente pra tentar aferir o que ele acredita ser, não é? Os resultados da educação. (PROFESSOR 4).

Então vejo assim, como uma coisa boa. Porque daí você tem que se adaptar, você tem que seguir aquelas regras, né? [...]. Sim, mudou bastante. A nível de comprometimento, né? Agora as escolas estão mais preocupadas em melhorar... Os índices, né? Tem que tentar melhorar, pra poder ganhar alguma coisa, vir alguma verba... Por conta desse Programa de Modernização. Se você atingir essa meta você recebe mais... (PROFESSOR 8).

Observamos que os sujeitos vão revelando um saber e uma consciência sobre o modelo de resultados e de responsabilização presentes na política. Percebeu-se isso a partir das constantes repetições como forma de assegurar e firmar tal pensamento. O primeiro trecho destacado das falas acima explicita isso, há repetição (enfática) da palavra empresa, vinculando essa palavra à necessidade “natural” de gerar resultados. Ou seja, o sujeito em questão sente a necessidade de reforçar suas concepções e, para isso, utiliza o recurso da repetição. Cabe destacar a menção indireta à prestação de contas, às metas e as bonificações também é revelado nesse trecho de fala quando o sujeito repete a palavra “resultado” duas vezes. Nesse sentido, tornou-se naturalizado a associação da escola a uma empresa e isso advém das reformas e da inserção do modelo gerencial, então

Se a escola é vista como uma empresa atuando em um mercado, é obrigatória a recomposição simbólica além dos círculos dos ideológicos liberais: tudo que diz respeito à escola pode ser parafraseado em linguagem comercial. A escola é obrigada a seguir uma lógica de marketing, é convidada a empregar técnicas metodológicas para atrair a clientela, tem de inovar e esperar um ‘retorno de imagem’ ou financeiro, deve se vender e se posicionar no mercado etc. (LAVAL, 2019, p. 124).

O segundo trecho de entrevista destacado revela um discurso de aceitação: “...daí você tem que se adaptar, você tem que seguir aquelas regras, né?”. Novamente observamos que as práticas cotidianas vão sendo redirecionadas a partir do paradigma próprio da política em ação. Os discursos vão se revelando como prática social, influenciada pela lógica de mercado, pela lógica da responsabilização e meritocracia (FREITAS, 2011). Como também pode ser destacado do trecho: “Se você atingir essa meta você recebe mais...”.

Tal pensamento vai aparecendo em outros trechos discursivos, haja vista que em várias passagens pode-se registrar uma aceitação da lógica meritocrática, mas há a crítica também: “Só que ao buscar os resultados, você tem que ver a que custo, suor e lágrimas se vê em cima do trabalhador, que é, no caso, a gente” (PROFESSOR 5). Ou seja, aqui nos parece uma denúncia pela falta de condições estruturais/financeiras para apoiar tal política, o que reforça o caráter de responsabilização da política: é preciso chegar aos resultados; atingir as metas! Caso isso não ocorra, a culpa é da escola e dos professores.

O que podemos perceber aqui é a responsabilização que recai aos profissionais da educação que, por intermédio da avaliação, são julgados como responsáveis pelo sucesso ou fracasso do desempenho dos estudantes nas avaliações externas e, em consequência disso, são instituídas as punições ou premiações, o que se configura também como uma medida de regulação. Reforçando esse nosso entendimento, é certo dizer que a adoção dessas políticas está vinculada à instauração da lógica neoliberal de governar que favorece “o avanço de ações de regulação nas políticas educacionais expressas, dentre outras formas, na adoção de avaliações em larga escala” (LINDOSO & SANTOS, 2019).

No nosso entendimento, o peso dessa “responsabilização” pode ser diferenciado de acordo com os modelos de escolas implementadas na rede estadual de ensino de Pernambuco, já que outra característica que vai revestindo o discurso dos entrevistados diz respeito à separação e à hierarquização entre as escolas, principalmente entre as escolas de referência, as técnicas e as regulares. Essa diferenciação entre as escolas implica que há, dentro da mesma rede de ensino, professores com contratos de trabalho diferentes, com tempo de jornada escolar diferentes. No entanto, todas estão submetidas a mesma política de responsabilização.

Uma professora chega a mencionar que o modelo adotado pelo governo do estado incita a uma divisão da classe dos trabalhadores em educação.

Então é nisso que serve o IDEPE, é pra isso. Que isso se chama divisão de classes, entendeu? Divisão de classes. Eu divido as classes com as escolas integrais, mas ainda não estou satisfeito, eu crio escolas técnicas, não estão divididos ainda, continuam unidos. Acaba com essa união agora! Coloca uma cem por cento e coloca outra zero por cento. Porque eu quero ver agora eles brigarem agora entre eles! (PROFESSOR 2).

Nesse trecho, observa-se que os sujeitos vão reconhecendo um dos objetivos que estão nas entrelinhas da política: o enfraquecimento da classe dos trabalhadores em educação. Isso vai acontecer não apenas pelo recebimento ou não do bônus, mas pela organização do sistema de ensino atual com as diferentes escolas. Por certo, uma escola de tempo integral vai demandar um trabalho diferenciado, dado que a maior parte dos professores dessas escolas atuam com contratos de trabalho que os colocam o dia inteiro na escola e os estudantes também estarão o dia inteiro na escola, ou seja, o ambiente e o tempo pedagógico são mais favoráveis para o alcance de metas.

Por outra parte, mas de maneira interligada, a intensificação do sentido responsabilização pelo sucesso ou fracasso da escola é outro elemento possível de ser destacado a partir dos dados analisados. Oliveira e Vieira (2014), em pesquisa sobre trabalho docente em PE já haviam identificado que a adoção da política de resultados e metas faz com que os profissionais se sintam mais cobrados e responsáveis pelo desempenho dos estudantes nas avaliações externas, e não considera os fatores externos que também podem influenciar no resultado dos testes, e nos índices gerados por esses resultados.

Vamos dizer “foram tantos por cento alunos reprovados em uma matéria. Próximo ano qual o plano de ação vamos fazer para melhorar isso?” Aí a escola vai traçar um plano estratégico para melhorar nesse contexto da realidade pedagógica. Então esse plano pedagógico é pra isso, aí depois eles vão cobrar “mas vocês não fizeram assim... porque não bateu?” Então é assim... São metas, tudo na vida a gente traça metas e tem que planejar. Senão nada vai dar certo, porque não é mágica, né? (PROFESSOR 14).

É possível perceber no discurso do professor que há um movimento que envolve as escolas com vistas ao atendimento das metas. É dever da escola e dos profissionais, que dela fazem parte, organizar estratégias para o atendimento as metas. Assim, os discursos vão revelando que as metas e os indicadores regulam e responsabilizam, num movimento que destaca o papel do professor e do gestor e sua função no sucesso ou fracasso da educação na escola.

Esse processo de responsabilização gera sentimento de frustração ou de alegria, que podem ser compreendidos como as consequências subjetivas da política, as perdas e os ganhos. Foi comum, então, encontrar a relação entre o IDEPE e os discursos reveladores dos sentimentos, sejam eles de alegria, tristeza ou frustração, conforme as falas abaixo. Tal sentimento está atrelado tanto ao reconhecimento do trabalho quanto ao recebimento do bônus.

E você pegou a escola até num momento que a gente tá... Ontem a gente recebeu o resultado do bônus e a nossa escola não foi contemplada e isso assim... Entristeceu muito, muito a gente! O diretor está abatidíssimo porque pra ele é questão até de honra, porque a escola desfruta de um certo prestígio na comunidade (PROFESSOR 1).

Além de perceber o envolvimento e o sentimento de frustração por não ter alcançado a meta, é possível perceber no discurso dos entrevistados que o bônus seria a recompensa do esforço e que quando não atingido “mexe com o moral” não só do gestor, mas de todos os profissionais da educação. No trecho acima, destacamos a palavra abatidíssimo, na nossa língua usamos o grau superlativo em um adjetivo para elevar ao máximo uma qualidade, para garantir um tom de intensificação a determinado fenômeno. Ou seja, foi justamente o que o trecho discursivo ressalta: uma intensificação da frustração que aparece como sentimento oriundo do fracasso do sujeito.

Eu mesmo ontem quando eu recebi a notícia, eu fiquei sem jeito, esfriou. É como se tivesse levado um banho de água fria. Eu esfriei e disse “Meu Deus, hoje eu não trabalho mais!” O diretor ficou acabado. A gente estava naquela ansiedade. Todo mundo já, né? “A gente vai ganhar o bônus esse ano” porque a gente trabalhou pra ferrar e na hora “H”: O QUE FOI QUE A GENTE FEZ QUE NÃO CONSEGUIU??? Os critérios não são esclarecidos. Não, não fica claro. Então a gente subentende que é por conta única e exclusivamente do IDEPE (GESTOR 1).

É possível notar nos discursos que já há uma introjeção da responsabilização. Os sujeitos sentem-se culpados pelo “fracasso” da escola. Mesmo que, em determinados momentos não apoiem o tipo de política, eles vão se empenhar para alcançar bons resultados. E quando esse bom resultado não vem, resulta em frustração, em tristeza, seja porque não vai haver bônus, seja porque a ausência de um resultado favorável é sinônimo de fracasso coletivo. O trecho da entrevista que aparece grafado em caixa-alta tem como propósito ressaltar a ênfase do sujeito ao fazer esse comentário.

Sendo assim, as situações apresentadas nos trechos discursivos destacados são reveladoras do sucesso da política em ação: as consequências atuam como moduladoras/reguladoras das práticas cotidianas no interior das escolas. Professores e gestores escolares vão adequando suas ações ao recebimento do bônus, ao alcance das metas.

Os sentimentos positivos também são expressados, como dessa gestora cuja escola ganhou a bonificação:

Então o bônus é consequência, todo mundo gosta dele, é claro! Todo mundo gosta de receber um prêmio, né? De um reconhecimento... mas, aqui pela realidade que a gente vive, nós fazemos o nosso trabalho porque somos comprometidos. Agora o bônus é muito bom (risos) que venha todos os anos! (GESTOR 7)

As consequências subjetivas oriundas da política vão se expressar não apenas pelo recebimento ou não do bônus, mas pela própria estratégia de rankeamento das escolas, elemento presente nessa política. Os resultados do IDEPE vão sendo publicados em forma de rankings, o que redunda em dizer que, do ponto de vista desses resultados, há escolas melhores e escolas piores, incentivando a competição entre as escolas e entre os professores.

Tem competição, é uma briga só! Aí a professora colocou no Facebook indignada e eu compartilhei. Porque dizem que aquele professor que consegue o bônus é o professor competente. Conseguiu porque é competente! E eu que não consegui sou incompetente? Não! É um absurdo! (PROFESSOR 17).

Diante disso, podemos dizer que o discurso da política e as práticas que a envolvem ultrapassam os muros da escola e vão se evidenciando como prática social a ponto de alcançar um lugar de destaque nas redes sociais e até mesmo na mídia. Mas o que vai ser divulgado na mídia está intimamente atrelado ao discurso da responsabilização, de forma que vai se naturalizando cada vez mais a ideia de que o bom profissional recebe o bônus, o que contribui ainda mais para segregar e classificar os professores bonificados dos não bonificados, ou dedicados dos não dedicados. Esse é o sentido discursivo que a política vem implementando no interior das escolas estaduais de PE e da sociedade como um todo: comparar, competir, monitorar e responsabilizar.

Por fim, foi possível observar também as influências do IDEPE no que diz respeito à valorização do magistério e do trabalho pedagógico como um todo. Professores e gestores, mesmo quando reconhecem pontos positivos na política pernambucana, conseguem identificar as lacunas que existem no que diz respeito à essa questão.

O IDEPE vai identificar onde está mais... Onde a aprendizagem está mais alta e onde a aprendizagem está menor e vai servir pra isso aí. Então o que acontece com esse Índice? Peraí, os professores dessa área estão precisando de quê? Estão precisando de especialização aonde? Deveria existir um investimento na formação dos professores para melhorar o índice. Nós não queremos só dinheiro não, nós queremos valorização. Então investe em mim que eu vou fazer o índice aumentar, entendendo? Mas é só índice! (PROFESSOR 2).

Há de se destacar que a política de responsabilização que pretende ‘valorizar’ o professor com o oferecimento de um bônus, parte de uma “[...] idéia de valorização individualizadora e abstrata, pautada em uma proposta que associa remuneração e mérito profissional [...], a discussão sai de uma arena social e profissionalizante e entra num campo individualizante e motivacional” (RAMOS, 2008, p.118/119). O foco recai no plano individual, com base no merecimento, privilegiando mais a pessoa, isto é, suas capacidades, suas competências, seus méritos. Consiste em tornar a valorização como ato particular, pautada na atuação individual condicionada ao mérito por ter atingindo os fins determinados. No caso aqui da política em análise, o foco recai sobre a escola individualmente, sobre os méritos que aquele grupo de professores, liderados pelo gestor escolar, consegue alcançar.

Considerações Finais

O indicador em Pernambuco não apenas indica, não se limita a apontar tendências. Ele define o rumo das ações no cotidiano das escolas, colabora na constituição de uma nova prática social no interior das escolas pautadas pelas metas e pelo BDE. Ou seja, o IDEPE atua como elemento fundamental na política de responsabilização implantada no estado de PE, que busca melhorar os resultados das escolas mediante a criação de consequências para professores e gestores escolares.

Foi possível observar como um dos pontos fortes dos discursos dos entrevistados as consequências (positivas e/ou negativas) desse processo de responsabilização. Essas podem ser expressas em recompensas ou sansões, que são os elementos mais importantes, ou, o que nos revelou os discursos, o mais fortemente reconhecido pelos sujeitos. Observamos que as consequências objetivas (recebimento da bonificação) e subjetivas (sentimentos de sucesso e fracasso; competitividade; meritocracia), expressas especificamente em PE pelo recebimento ou não do incentivo financeiro (BDE), provenientes da política pautada pelo atendimento de metas do IDEPE, vão regulando as práticas cotidianas no interior da escola.

As contribuições aqui apresentadas não significam dizer que as avaliações, bem como os indicadores sintéticos de qualidade, não deveriam estar presentes na educação. Pelo contrário, a inserção desses instrumentos de gestão carrega um papel fundamental de contribuir para se pensar novos caminhos e melhorias para as políticas educacionais. No entanto, é preciso destacar que a forma com que estão sendo colocados em prática acaba gerando, direta ou indiretamente, uma cultura de competição e de ações cotidianas voltadas fortemente para as avaliações externas e com fortes elementos de responsabilização dos professores e gestores escolares.

Assim, esse artigo vem somar aos demais estudos tanto em nível de Pernambuco quanto nacional. Acredita-se também que tal discussão venha incentivar novas investigações, contemplando outras formas de ver a avaliação educacional e em larga escala nas políticas para educação brasileira.

1A pesquisa teve apoio financeiro do CNPq e contou com bolsa da CAPES.

6O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) é um indicador educacional que relaciona de forma positiva informações de rendimento escolar (aprovação) e desempenho (proficiências) em exames padronizados, como a Prova Brasil e o SAEB. O IDEB é calculado a partir de dois componentes: a taxa de rendimento escolar (aprovação) e as médias de desempenho nos exames aplicados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP). Os índices de aprovação são obtidos a partir do Censo Escolar, realizado anualmente. (http://portal.mec.gov.br/ideb).

7O sistema organizacional da educação de Pernambuco é dividido por Gerências Regionais da Educação (GREs), distribuídas por todo estado, somando ao todo 16 GREs.

8Foram entrevistados oito gestores e vinte e dois professores, totalizando trinta entrevistas, em 11 escolas. Nesse texto, eles serão identificados por: professor 1, professor 2 e assim por diante; gestor 1, gestor 2 e assim por diante. A numeração expressa a ordem cronológica de aplicação das entrevistas.

9O Termo de Compromisso é um contrato de gestão formulado pela Secretaria de Educação e assinado pelo gestor escolar no qual são estabelecidas as metas de desempenho institucional a serem alcançadas a cada ano. O IDEPE é o grande norteador desse compromisso. (PERNAMBUCO, 2008b).

10Atualmente, em Pernambuco, as escolas estaduais são organizadas da seguinte forma: escolas de referência em tempo integral; escola de referência em tempo semi-integral, e escolas regulares. Ainda existem as escolas técnicas estaduais, algumas funcionando também em tempo integral. Pernambuco possui atualmente 1.057 escolas de ensino médio e ensino fundamental dos anos finais, sendo 470 funcionando em jornada integral/semi-integral.

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Recebido: 01 de Outubro de 2021; Aceito: 01 de Dezembro de 2021; Publicado: 01 de Janeiro de 2022

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