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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.16  Curitiba  2022  Epub 30-Mayo-2023

https://doi.org/10.5380/jpe.v16i0.84265 

Artigos

A internacionalização da educação superior: relações de aproximação entre Brasil e Portugal

The internationalization of higher education: relations between Brazil and Portugal

La internacionalización de la educación superior: relaciones de aproximación entre Brasil y Portugal

Josie amaral Bastos1   
http://orcid.org/0000-0002-3426-072X

Juliana Campos Lobo2 
http://orcid.org/0000-0001-5725-5045

1Doutora em Políticas Públicas (UFMA) com Estágio Doutoral - Ohio State University- OSU, Columbus (EUA). Professora Adjunta do Departamento de Comunicação (UFMA). Coordenadora do Projeto de Ensino “Olhares do Brasil”. São Luiz, MA. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3426-072X. E-mail: josiebastos@hotmail.com

1Doutora em Políticas Públicas (UFMA) com Estágio Doutoral - Ohio State University- OSU, Columbus (EUA). Professora Adjunta do Departamento de Comunicação (UFMA). Coordenadora do Projeto de Ensino “Olhares do Brasil”. São Luiz, MA. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3426-072X. E-mail: josiebastos@hotmail.com

2Doutorado em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais pela Universidade de Aveiro Professora Adjunta Convidada do Instituto Politécnico de Viseu. Viseu, Portugal ORCID: 0000-0001-5725-5045 Email: jlobo@esev.ipv.pt


Resumo

Com a globalização, a relação entre as universidades se tornou mais complexa, criando novas conexões, consolidando uma agenda de cooperação internacional, com a transferência de conhecimento cada vez maior, o que torna imperativo compreender o entrelaçamento das diferentes culturas. Este artigo vem compreender e identificar algumas estratégias e ações no âmbito da internacionalização relatadas, por alunos de graduação e pós-graduação, matriculados em Instituições de Ensino Superior no Brasil e em Portugal. Para além da revisão bibliográfica, que demarca o campo das políticas de internacionalização das IES brasileiras, este estudo também contemplou a realização de entrevistas semiestruturadas com alunos de graduação e pós-graduação matriculados em universidades brasileiras e estrangeiras no ano de 2020. Este estudo permite compreender melhor as contradições que marcam o contexto da internacionalização das IES brasileiras e estrangeiras, desvelando dificuldades e desafios.

Palavras-chave: educação superior; internacionalização; comunicação; educação

Abstract

With global communication, the relationship between universities has become more complex, creating new connections, consolidating an international cooperation agenda, with increasing knowledge transfer, which makes it imperative to understand the intertwining of these different cultures. This article aims to understand and identify some strategies and actions in the scope of internationalization reported by undergraduate and graduate students enrolled in Higher Education Institutions in Brazil and Portugal. In addition to the bibliographic review that demarcates the field of internationalization policies of Brazilian education, this study also aimed to conduct semi-structured interviews with undergraduate and graduate students enrolled in Brazilian and foreign universities in the year 2020. The realization of this study allows us to better understand the contradictions that mark the context of the internationalization of Brazilian and foreign universities revealing difficulties and challenges.

Keywords: higher education; internationalization; communication; education

Resumen

Con la globalización, la relación entre las universidades se ha vuelto más compleja creando nuevas conexiones, consolidando una agenda de cooperación internacional, aumentando la transferencia de conocimiento, lo que hace imperativo entender el entrelazamiento de estas diferentes culturas. Este artículo tiene como objetivo comprender e identificar algunas estrategias y acciones en el ámbito de la internacionalización relatadas por estudiantes de grado y posgrado matriculados en Instituciones de Educación Superior en Brasil y Portugal. Además de la revisión bibliográfica que delimita el campo de las políticas de internacionalización de las IES brasileñas, este estudio también contempló la realización de entrevistas semiestructuradas con estudiantes de grado y posgrado matriculados en universidades brasileñas y extranjeras en el año 2020. La realización de este estudio nos permite comprender mejor las contradicciones que marcan el contexto de internacionalización de las IES brasileñas y extranjeras, revelando dificultades y desafíos.

Palabras clave: educación superior; internacionalización; comunicación; educación

1. INTRODUÇÃO

A internacionalização no Ensino Superior aponta a necessidade de um amadurecimento e construção de uma política pública direcionada a esse setor no Brasil. Stallivieri e Miranda (2017) demarcam o crescente movimento de criação de fóruns de discussão, por exemplo, que caminham para estes objetivos: construir linhas de definição sobre as suas prioridades nas IESs e fortalecer o diálogo entre as universidades públicas federais, o governo brasileiro e as empresas interessadas.

Com a globalização, a relação entre as universidades se tornou mais complexa, criando novas conexões, consolidando uma agenda de cooperação internacional, com a transferência de conhecimento cada vez maior, o que torna imperativo compreender o entrelaçamento das diferentes culturas e o papel das IESs brasileiras mediante essas práticas e trocas de conhecimento. Dessa forma, este artigo vem compreender e identificar algumas estratégias e ações no âmbito da internacionalização relatadas, por alunos de graduação e pós-graduação, matriculados em Instituições de Ensino Superior no Brasil e em Portugal.

O estudo é fruto de um projeto de pesquisa, nos eixos de comunicação, educação e políticas públicas, que objetivou, em um primeiro momento, criar conteúdos informativos e educativos audiovisuais com base nos relatos de experiência e imersão de intercambistas de IESs do Brasil e do exterior. As entrevistas ocorreram com alunos de graduação e pós-graduação matriculados em universidades brasileiras e estrangeiras no ano de 2020. A ideia desta investigação partiu de um conteúdo radiofônico criado em 2019 por esta autora com alunos de comunicação social de uma universidade pública, localizada no Maranhão, porção nordeste do Brasil. O conteúdo consistia em dar dicas educativas e informativas sobre experiências de viagens, com base nas falas de ex-intercambistas, para responder às demandas dos alunos, que ainda veem muitas lacunas e fragilidades no setor de internacionalização de algumas IESs públicas do país, como, por exemplo, a Universidade Federal do Maranhão, conforme afirma o estudo de Costa (2019).

A UFMA ainda não tem uma ação contínua e frequente que angarie todos os alunos estrangeiros [...], para acompanhar mais de perto suas experiências como universitários imigrantes no Brasil (o que já é uma realidade em outras universidades, onde o programa de internacionalização está mais maduro e conta, inclusive, com profissionais de Relações Internacionais) (COSTA, 2019, p.57).

Para a autora, essa dispersão se mostra como um problema para as ações de internacionalização na instituição. Ela destaca:

Os [alunos] da graduação, que entram pelo PEC-G, relacionam-se diretamente com a PROAES e os da pós-graduação nem sempre entram pelo programa vinculado ao NRI, pois os programas de pós-graduação têm autonomia para formar seus próprios convênios. Se existem estudantes internacionais que estão na universidade, mas não fazem parte dos programas, nenhum dos órgãos sabe (COSTA, 2019, p.57).

É com base na experiência do interprograma radiofônico veiculado em 2019, na Rádio Universidade FM e nos estudos de Costa (2018), Stalivieri (2017), Martins (2015), Raichelis e Ribeiro (2012), Chauí (2014), Almeida (2016), em que se evidencia esse lugar de fragilidades nas ações de internacionalização das IESs públicas brasileiras, é que se verifica a necessidade de desenvolver estratégias no campo da comunicação e internacionalização, como, por exemplo do projeto em questão, para fortalecer as ações de inclusão e integração desse grupo nas universidades brasileiras.

Para atingir aos objetivos deste trabalho, julga-se imperativo contextualizar também os programas de internacionalização da educação superior entre Brasil e Portugal. No caso brasileiro, considera-se que a política de cooperação internacional integra, de forma mais abrangente, as reformas no sistema de educação no país, mais especificamente, na educação superior, ocorridas a partir de 1990. Um período marcado pela política Neoliberal, acompanhada pela reestruturação produtiva do capital e pela reforma do Estado.

A educação, assim como as outras esferas sociais, também sentiu os reflexos dessas medidas na perspectiva de preparar o trabalhador para novos cenários e forças produtivas do trabalho no intuito de diminuir o desemprego e a exclusão social. Nesse ambiente, as políticas públicas para o setor de educação, principalmente, em nível superior, direcionaram-se para consolidar e fomentar ações a fim de garantir um maior acesso ao ensino e a sua democratização.

Dessa forma, a internacionalização da educação superior, assim como outras ações de diversificação e descentralização institucional, tornou-se foco de interesse e investimento do governo federal e/ou dos governos estaduais. Maues e Santos (2017) destacam que foi justamente o período em que o governo brasileiro implementou estratégias e ações voltadas para a internacionalização, seguindo uma tendência mundial, estimulando programas nas universidades e o desenvolvimento do estudo de uma língua estrangeira. Alguns órgãos federais se destacam nesse processo em relação ao financiamento, estímulo à realização de pesquisa e à concessão de bolsas: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) / Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) / Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

Apesar desse movimento de fomento para ampliação da mobilidade internacional no ensino superior no país, autores como Almeida (2016) atentam para a expansão de acesso sem qualidade e organizacão que “garantam o bom desempenho acadêmico e a permanência desses alunos” (p. 46). A autora defende que os programas internacionais, a exemplo do “Ciência sem Fronteiras” (CSF), em 2011, um dos maiores programas de concessão de bolsas do país, executado pela Capes e CNPq, objetivaram, de forma central, articular as políticas educacionais com as questões econômicas, em nível internacional, sem levar em consideração as problemáticas e contradições materializadas no âmbito institucional. Ela aponta falhas no planejamento de metas e ações institucionais específicas em ensino, pesquisa e extensão.

Em consonância com essa análise, Franco (2012) argumenta que, para além dos investimentos, como a oferta de vagas e bolsas concedidas pelo governo deferal e pelas próprias IESs, é preciso pensar também na própria dinâmica de implementação dos programas e nas ações que visam à integração e à inclusão dos alunos internacionais na cultura brasileira. Faz-se necessário, assim, avançar nas discussões que apontam para essa direção e propor, a exemplo do projeto aqui apresentado, ações e atividades com o propósito de garantir mais qualidade na experiência de mobilidade e inclusão dos alunos internacionais nas universidades públicas e em outras IESs do país e do exterior.

Para Santos (2020), é justamente nesse ambiente de intensa mobilidade e circulação dos grupos em universidades, propiciado pelo contexto global contemporâneo, que Portugal se configura, há alguns anos, como um dos países eleitos pelos brasileiros para realização de seus estudos superiores (26,8% do contingente de alunos/as) (OECD, 2013). Também Iorio e Fonseca (2018) afirmam que foi a partir da entrada de Portugal nas comunidades europeias, em 1986, que esse fluxo ganhou um impulso com a vinda de profissionais mais qualificados e com ensino superior, alguns descendentes de emigrantes portugueses no Brasil. Em relação aos estudantes universitários, as autoras apontam que o processo de mobilidade nessas instituições de ensino desenvolveu-se, sobretudo, nos últimos 15 anos. De acordo com elas, dados fornecidos pela Direção Geral de estatísticas da educação e Ciência (DGeeC), do Ministério da Educação e Ciência (de Portugal), no ano letivo de 2008/2009, mostram que o Brasil passou a ser o país estrangeiro com o maior número de alunos inscritos no ensino superior português e vem se mantendo nessa posição.

Em 2017/18, os brasileiros matriculados nas universidades e nos institutos politécnicos portugueses representaram 32% de um total de 37.198 estudantes em mobilidade internacional. É importante considerar alguns fatores nesse contexto de mobilidade em solo português: tendência para a diminuição futura do número de candidatos nacionais ao ensino superior daquele país, associada à progressiva redução do financiamento público das universidades e a estratégias para captação de novos estudantes internacionais.

No Brasil, verifica-se um investimento nas políticas brasileiras de fomento à mobilidade internacional, com a concessão de bolsas para formação superior no estrangeiro, a exemplo do Programa de Mobilidade internacional “Ciência sem fronteiras”, e o aceite, a partir de 2013, das notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para o ingresso de estudantes brasileiros em algumas universidades portuguesas. Para além dessas circunstâncias, entende-se também que os países dos continentes africanos e sul-americanos, em que se concentram as origens geográficas dos estudantes selecionados para estudo, mostram afinidades e proximidades históricas, culturais e linguísticas que certamente influenciam as escolhas da experiência internacional. Nesse contexto, Iorio e Fonseca (2018) destacam ainda que a Universidade de Coimbra foi a primeira a estabelecer um convênio interinstitucional, em 2014, com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do Ministério da Educação brasileiro com este propósito, e já existem protocolos semelhantes com 28 universidades e institutos politécnicos portugueses.

Dado esse cenário de elevado aumento da mobilidade acadêmica dos brasileiros em Portugal, alguns estudos, como de Santos (2020), Merçon et al. (2021), Iorio e Fonseca (2018), têm se debruçado em compreender a perspectiva dos estudantes sobre a experiência diante da realidade concreta, por meio da análise de narrativas, com base em entrevistas e /ou grupos focais. E, é diante desse olhar, sob a lente desses sujeitos em processo de mobilidade internacional, no Brasil e em Portugal, que o presente estudo procura colocar em evidência relatos, experiências, desafios e dificuldades, considerando os contextos de ambos os países e apontando aproximações e diferenças no processo da internacionalização nas universidades.

2. MÉTODOS E PROCEDIMENTOS

Como destacado anteriormente, para além da revisão bibliográfica que demarca, de forma breve, o campo das políticas de internacionalização nas IESs de ambos os países, este estudo também contemplou, na etapa empírica, a criação de roteiros para a realização de entrevistas semiestruturadas com alunos de graduação e pós-graduação matriculados em universidades brasileiras e estrangeiras no ano de 2020. Para tanto, seria, em um primeiro momento, necessário o contato com as Assessorias de Internacionalização de IESs, como, por exemplo, Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Universidade Estadual do Maranhão (Uema). Etapa que não se realizou a contento devido às dificuldades com os setores, em parte, tendo em vista o contexto pandêmico. As entrevistas poderiam fornecer importantes dados para uma compreensão mais aprofundada do processo de internacionalização desses alunos e informações importantes para a criação dos roteiros audiovisuais, uma etapa que ainda será desenvolvida.

Diante da ausência de informação dos setores de internacionalização, foi criada uma tabela inicial com a inserção de alunos estrangeiros na UFMA, contactados pela autora deste estudo, que trabalha com projetos de internacionalização na UFMA desde 2017, e de alunos de graduação e pós-graduação em processo de mobilidade internacional matriculados nas Universidades de Portugal em Aveiro, Porto e Beira do Interior. Destaca-se que os estudantes selecionados no exterior têm uma proximidade com uma das integrantes da pesquisa em nível de doutorado, que também se encontra em Portugal atualmente como professora adjunta em uma universidade portuguesa.

Com base nessa tabela, os bolsistas entraram em contato com dez alunos, via e-mail e Whatsapp e receberam devolutiva para confirmação de entrevistas de seis estudantes: dois alunos internacionais matriculados na UFMA (uma de pós-graduação no Programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica participante do Programa Estudante de Convênio de Alianças para a Educação e a Capacitação Bolsas Brasil - PAEC OEA-GCUB e o outro aluno integrante do Programa Estudante de Convênio de Graduação - PEC-G e matriculado no curso de Design da UFMA), além de quatro estudantes das Universidades de Portugal, sendo um de graduação e três de cursos de pós-graduação, a maioria formada em universidades públicas no Brasil e matriculada atualmente na Universidade de Aveiro - Portugal).

Diferente do previsto, e por causa da pandemia, as entrevistas foram realizadas via plataforma Google Meet, com duração média de uma hora. Todo esse material foi gravado com o consentimento dos entrevistados para posterior decupagem e coleta de dados. Para esse momento, foram levados em consideração critérios como: estar matriculado e ativo no Sistema de Gestão Acadêmica da UFMA (Sigaa) ou de outros sistemas de gestão acadêmica nas universidades estrangeiras, ter disponibilidade de tempo para as entrevistas e para a realização das produções audiovisuais e possuir proficiência apropriada em língua portuguesa para gravar e compreender adequadamente a proposta do projeto.

Para esta prática, elaborou-se um roteiro para as entrevistas e gravações com base em questões referentes à implementação da internacionalização na UFMA e em outras IESs brasileiras e estrangeiras, foco deste estudo. As dimensões elencadas foram: chegada ao país, relacionamento com a instituição receptora, canais de comunicação com a IES, formação e experiência em sala de aula, formação e vivência cultural, formação linguística e retorno ao país de origem.

Devido ao contexto de saúde do ano de 2020, optou-se por inserir mais uma dimensão: a mobilidade e os desafios na pandemia. A seguir, apresenta-se uma tabela com os alunos entrevistados, contendo o país de origem e o de destino para a realização da mobilidade internacional acadêmica entre alunos de graduação e pós-graduação:

ALUNO FORMAÇÃO PAÍS DE ORIGEM PAÍS DE DESTINO PARA ESTUDOS
ENTREVISTADO 1 GRADUAÇÃO BRASIL PORTUGAL
ENTREVISTADO 2 GRADUAÇÃO GUINÉ-BISSAU BRASIL
ENTREVISTADO 3 PÓS-GRADUAÇÃO ARGENTINA BRASIL
ENTREVISTADO 4 PÓS-GRADUAÇÃO BRASIL PORTUGAL
ENTREVISTADO 5 PÓS-GRADUAÇÃO BRASIL PORTUGAL
ENTREVISTADO 6 PÓS-GRADUAÇÃO BRASIL PORTUGAL

Fonte: elaborada pela autora.

Paralelamente às entrevistas, realizou-se a decupagem das falas gravadas para análise e coleta de dados. Destaca-se que este material também poderá contribuir para a construção dos roteiros audiovisuais e para outros produtos informativos e educativos a serem veiculados nos canais de comunicação institucionais da UFMA e de outras IESs no estado.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Concomitante a leitura, abertura de edital para novos alunos bolsistas voluntários, coleta de dados, desenvolvimento das dimensões da pesquisa, contato com as Ifes selecionadas, seleção de entrevistados e entrevistas na plataforma Google Meet, salienta-se que o projeto realizou também, como já destacado, de forma ininterrupta, a produção de conteúdo para as redes sociais (@olharesdobrasil.ufma), com destaque para a pesquisa de informações para a publicação sobre a pandemia e atendimento psicológico direcionado aos alunos de graduação estrangeiros na UFMA.

Para esse momento, apresentar-se-ão as principais evidências nas dimensões sobre aspectos linguísticos e culturais e relacionamentos com a instituição receptora, levando-se em consideração alguns aspectos do contexto da pandemia. Destaca-se que, para a elaboração do referencial teórico, procedeu-se a uma consulta nas bases de dados Google Scholar, Ebscohost e SciELO. Diante da revisão de literatura e das evidências empíricas, associadas a uma coleta de dados secundários do antigo Núcleo de Relações Internacionais (NRI), atual Diretoria de Internacionalização (AGEUFMA), identificou-se que uma dificuldade para a realização das ações de implementação de internacionalização das universidades nacionais, como a UFMA, e estrangeiras, como a Universidade de Aveiro, em Portugal, relaciona-se à proficiência e à precária oferta de programas de línguas aos alunos como parte das ações de mobilidade nessas instituições.

[...] eu passei 6 meses aprendendo português e depois eu fiz uma prova de proficiência. Aí eu passei. Só que esse português que a gente aprende na chegada é aquele português só para você poder conviver e tudo, mas eles não falam para gente que na universidade a gente vai encontrar uma realidade totalmente diferente. A gente aprende o básico (ENTREVISTADO 2).

Entendo perfeitamente que alguns vocabulários, alguns termos talvez não sejam os mais apropriados em Portugal e também não os mais entendíveis. Mas estando nós em um ambiente acadêmico, acho que era plenamente possível nos entender, mas senti certa hostilidade de alguns professores. Alguns eram extremamente acolhedores e desprovidos de preconceito (ENTREVISTADA 5).

[...] mas sim, eu percebi que tinha muita dificuldade em outros países de outros bolsistas, a respeito de Chile-Colômbia, que não tinha esse conhecimento do idioma. Eu acho que seria um dos requisitos solicitados ou fazer um curso a sua chegada […] Acho que poderia ter um curso à parte para o bolsista, que possa fornecer uma ajuda a mais ao bolsista (ENTREVISTADA 3).

Foram observadas também dificuldades fora do ambiente acadêmico, como parte do processo de adaptação à cultura e à língua local, preocupação extra para os bolsistas que levaram familiares:

Não dá tempo, com tantas coisas e explicar para meu filho, ver a dificuldade de um estrangeiro chegando. No primeiro dia de aula dele em uma escola, graças a Deus tinha uma pessoa que falava espanhol, tinha aula de espanhol, então ajudaram ele, ficaram do lado dele explicando, quando ele chegava da escola, eu explicava para ele. Ele não conseguia nem ler, imagina, eu tinha que fazer minhas coisas, dar aula para ele, preparar e ajudar para que ele não fosse reprovado e tentar estudar as minhas coisas (ENTREVISTADA 3).

O primeiro contato que tive foi com uma pessoa brasileira, quando tirei minhas malas do carro e apertei o interfone, porque já tinha umas colegas morando aqui. A síndica do prédio, a administradora, me viu tentando abrir a porta e veio me falar que eu estava tentando abrir de um jeito errado. Foi o que eu deduzi que ela quis falar, mas eu não entendi nada. Era uma senhorinha que falava muito rápido, fiquei com medo de ser assim por muito tempo (ENTREVISTADA 5).

Sobre essa questão, Stalivieri (2017) aponta como central a institucionalização e o plano de capacitação para a oferta de línguas estrangeiras nas universidades como um estímulo para a comunidade acadêmica e administrativa na realização de sua experiência internacional. Ademais, as instituições devem acompanhar os processos de estudantes que cursam disciplinas em instituições estrangeiras de forma sistemática para identificar dificuldades e possibilidades de melhoria. Paralelamente a isso, há também uma necessidade de inclusão de estudos sobre comunicação intercultural, para uma melhor compreensão e interação de alunos e professores de diferentes culturas fora e dentro do campus.

Conforme os relatos apresentados, entende-se que os interesses institucionais precisam se alinhar aos interesses dos estudantes, suas demandas e necessidades. Esse alinhamento certamente melhora a experiência da internacionalização, o desempenho acadêmico e os resultados esperados pelas próprias instituições. Santos (2020) destaca como estratégia institucional a implementação da figura do mentor nesse processo, como uma possibilidade de apoio aos novos estudantes, inclusive para as dificuldades do campo linguístico, principalmente no momento da chegada ao país de destino:

[...] a mentoria estabelece condições de base para uma transição positiva para o Ensino Superior que inclui a promoção de sentimentos de bem-estar pessoal e de pertença à comunidade, o desenvolvimento de competências relacionais, patentes nas dinâmicas de convívio e na partilha e intercâmbio cultural, a prevenção do abandono e a promoção do sucesso/progresso académico, assim como o incremento da qualidade das experiências de aprendizagem (SANTOS, 2020, p.84).

No caso da UFMA, há oferta de um curso de Língua Portuguesa para Estrangeiros oferecido pelo Núcleo de Cultura Linguística - NCL. No entanto, mesmo com esse serviço na IES, os estrangeiros ainda apontam dificuldades de acesso e informações. Quanto aos alunos advindos do programa Paec, como a entrevistada 3, o acesso à proficiência se torna uma ação fundamental na instituição, já que não está prevista no processo seletivo do edital essa necessidade, e a maioria chega ao Brasil sem nenhum ou pouco conhecimento da língua portuguesa.

Outra questão observada nos relatos refere-se ao relacionamento com a instituição receptora. Muitos alunos alegam obstáculos de acesso, contato e até desconhecimento acerca das Assessorias ou Diretorias de Internacionalização nas instituições destacadas. Segundo eles, há um tratamento impessoal e muito padronizado de envio de mensagens nos canais de comunicação, o que dificulta uma interação mais humanizada e atenta às necessidades e problemas individuais.

Em termos de me comunicar com a universidade, talvez não seja dificuldade, talvez seja o desenvolvimento deles na resposta. Tudo bem que é uma cidade grande e que tem muitos estudantes, mas um informativo basta para sanar as dúvidas de umas pessoas e de outras não. Nesse sentido, acho que teve uma grande falha (ENTREVISTADA 5).

[…] Eu cheguei mais perdido que sei lá o quê, eu cheguei perdido, fiquei perdido a primeira semana de aula, a segunda semana de aula, eu só me achava quando eu tinha aula de trombone. Porque aí o professor era de trombone, né? E daí a gente se entendia, mas assim eu ficava muito ansioso e tal, né? Tava ali tendo uma aula com o professor de fora a primeira vez na vida, mas assim, eu fiquei muito perdido (ENTREVISTADO 6).

Eu procurei o atendimento psicológico da universidade. E aí me disseram que os alunos de doutoramento não tinham direito, isso não tá dito em nenhum ato e isso oficialmente não é dito explicitamente [...]. Eu me senti como se a universidade fizesse propaganda enganosa, porque no site enquanto estava escolhendo a Universidade de Aveiro, me fizeram acreditar que o serviço fazia parte. Quando eu fui atrás, ele não é mais oferecido para os estudantes do 3º ciclo [ciclo PHD] (ENTREVISTADA IV).

Observa-se uma maior fragilidade ou ausência de relacionamento e das ações de comunicação entre os alunos em mobilidade matriculados em IESs no Brasil, entre elas a UFMA, como afirmou entrevistada 3, de um curso de Doutorado:

Eu, por enquanto, não sei se eu tenho um canal, se eu tenho... não sei se necessitei ou eu não procurei e nunca entraram em contato comigo. Entrei em contato só com você [a pesquisadora], não sei se quando você estava na internacionalização. (...) não sei, acho que o que poderia ter é um diagrama de fluxo ou, não sei como se chama, um fluxograma. “Passo 1, você deve fazer matrícula de tal coisa”, porque toda orientação é de um professor, mas poderia estar em um papel, todo para estrangeiro por dizer ou que brasileiro não goste, mas que possa pesquisar assim, porque aí tem o brasileiro e o estrangeiro, para nós, faça a diferença talvez, não sei. Nós não temos orientações, salvo de alunos ou professores (...) (ENTREVISTADA 3).

No período da pandemia, essa comunicação se tornou fundamental para a maioria. Muitos tiveram dificuldades nos contatos com os setores de internacionalização, o que contribui para retornos ao país de origem não previstos no processo de mobilidade, gerando mais custos e sensação de maior isolamento, problemas de saúde mental, como ansiedade e insegurança.

A pandemia estourou ano passado, pelo tempo do mestrado, já devia ter concluído, mas eu tive muitas questões emocionais e psicológicas que começaram em 2019, com mais força e foi logo depois da situação que eu comentei que eu não consegui entrar de novo na bolsa de ação social. Então entrei em 2020 já atrasado. Aí veio a pandemia e foi difícil, eu já tinha passado 2019 bem instável e, quando chegou 2020 e veio a pandemia, pensei que tudo podia piorar, então vamos tentar manter o controle. Mas chegou em um período que as forças já tinham se esgotado e eu entrei em um quadro depressivo e aí eu precisei ir de férias ao Brasil que eu não sabia se seriam só férias ou se era algo permanente. Eu precisei ir para o Brasil pois vi com a psicóloga que o acolhimento familiar seria fundamental (ENTREVISTADA 5).

Infelizmente não. Se não for o contato com o pessoal desse projeto, infelizmente, a gente não teve nenhum apoio, suporte assim, não. Acho que foi mais “cada um por si” (ENTREVISTADO 2).

Sobre esse assunto, Iorio e Nogueira (2019) chamam a atenção para a imagem que o “estudante-migrante” cria sobre o processo de acolhimento no país e na instituição de destino, a partir de informações e expectativas que os estudantes obtiveram antes de partir. Eles apontam que:

Quando um imaginário de aproximação com outro país é desenvolvido, o mesmo será colocado à prova no momento da chegada, assim que ocorrerem os primeiros contatos com o país de destino. É nesta fase que poderá emergir um quadro de “estranhamento” diante da realidade, face à representação que o agora imigrante tinha antes de emigrar (FERREIRA, CALLOU, 2016, p. 13), uma vez que a vivência cotidiana poderá desconstruir o imaginário (IORIO; NOGUEIRA, 2019).

As expectativas relatadas pelos entrevistados deste estudo em relação ao país de destino certamente evidenciam falhas e dificuldades no processo de comunicação. Esse imaginário sobre o país de destino, conforme relatos de estudantes entrevistados está, em muitos momentos e em fases de maior insegurança, como foi no início da pandemia, distante da realidade vivenciada nas instituições de ensino superior. Ademais, a ausência de uma relação institucional também prejudica quem realiza a experiência de mobilidade internacional com outros membros da família, uma vez que carregam responsabilidade a mais.

Outra coisa é que está complicado com essa pandemia, até agora, não estão deixando entrar no Brasil. A preocupação é que não sei como entrar no país. Com a vacina, eu acho que deixariam entrar. O problema é o meu filho, que tem 15 anos e tem como levar algo para lá. Não sei se vai dar certo tomar a vacina aqui, ou perguntar para a Internacionalização se tem como ele tomar essa vacina. Meu filho tem 15 anos e ele está precisando, porque tem asma, já pegou covid e até agora tem os sintomas (ENTREVISTADA 3).

Uma pesquisa recente divulgada por Costa (2019) e realizada na UFMA com alunos estrangeiros do PEC-G reforça esse lugar de fragilidades e inconsistências nos contatos e práticas direcionados a alunos intercambistas e na instituição. De acordo com essa autora, essa “lacuna” de ações contínuas e individuais de acolhimento institucional gera a sensação de dispersão, de impessoalidade, prejudicando a relação institucional entre alunos e setores responsáveis. Stallivieri (2017) reconhece que existem dificuldades nesse processo e frustrações na relação entre alunos e pesquisadores com a instituição receptora, sendo que uma delas se refere à comunicação e à compreensão da outra cultura. Por isso, faz-se necessário reavaliar as práticas de internacionalização, levando-se em consideração as dificuldades e falhas apontadas por esses sujeitos aos interesses da instituição.

Os depoimentos apresentados dos alunos estrangeiros no Brasil, e principalmente dos brasileiros residentes em Portugal, sobre o processo de acolhimento coadunam com as percepções de Iorio e Nogueira (2019) quando as autoras destacam que:

O que as pesquisas parecem indicar é que em grande medida as iniciativas pessoais de professores ou funcionários das universidades em Portugal, sensíveis a esses estudantes internacionais, vêm desempenhando um importante papel em termos de suporte para eles, mas que ainda há um deficit das informações que chegam até esses estudantes. Também pôde ser percebido que as universidades que possuem em seus quadros pessoal que de algum modo tenha participado em programas de cooperação tendem a ter políticas de acolhimento mais efetivas e afetivas voltadas aos alunos estrangeiros (IORIO; NOGUEIRA, 2019, p. 209).

Tendo em vista esse ambiente de desafios e contradições nas ações internacionais das universidades, públicas e privadas, brasileiras e estrangeiras, como apontam os relatos, ressalta-se a importância de desenvolver projetos como este e o Olhares do Brasil, para uma análise mais apurada e mais humanizada desse “acolhimento” e das práticas de implementação das ações de internacionalização nas instituições de ensino. Estratégias que se mostram fundamentais para a compreensão, de forma mais crítica e aprofundada, do campo de contradições que ainda demarca o lugar da internacionalização nas Ifes no Brasil e no exterior.

4. CONCLUSÕES

A realização deste estudo permite compreender melhor as contradições que marcam o contexto da internacionalização das IESs brasileiras e estrangeiras. É nesse ambiente de lacunas e falhas dos canais de comunicação que o projeto se fortalece, para apresentar esse olhar dos estrangeiros no processo de internacionalização, desvelando dificuldades e desafios. Olhares importantes para um melhor ajustamento das condutas, políticas e ações nessas instituições para a melhoria da experiência acadêmica internacional.

Referências

ALMEIDA, Simone Maranhão Costa. Do Maranhão para o mundo e vice-versa: Ciência sem Fronteiras como política de internacionalização do IFMA. Programa de Pós-Graduação em Educação- PPGE. 2016. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Maranhão, 2016. [ Links ]

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Recebido: 01 de Janeiro de 2022; Aceito: 01 de Fevereiro de 2022; Publicado: 01 de Março de 2022

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