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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.16  Curitiba  2022  Epub 30-Maio-2023

https://doi.org/10.5380/jpe.v16i0.85485 

Artigos

Gestão democrática nas escolas brasileiras e Plano Nacional de Educação: desafios do tempo presente

Democratic management in Brazilian school and the National Education Plan: current time challenge

Gestión democrática en las escuelas brasileñas y Plan Nacional de Educación: desafíos del tiempo presente

Roni Monteiro Kampf1 
http://orcid.org/0000-0003-3240-1303

Gilvan Luiz Machado Costa2 
http://orcid.org/0000-0003-4882-6824

1Mestre em Educação. Prefeitura Municipal de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3240-1303. E-mail: ronikampf@gmail.com

2Doutor em Educação. Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, Santa Catarina, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4882-6824. E-mail: gilvan.costa@unisul.br


Resumo

O presente artigo buscou apontar desafios que emergem da gestão democrática da educação pública no Brasil. Para entendê-lo, percorreu os marcos legais vigentes, aspectos históricos, políticos e sociais e indicadores educacionais. O Plano Nacional de Educação em vigor e o Relatório do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação do ano de 2020 foram utilizados como material de investigação. Outras fontes de estudo complementaram a pesquisa, cuja natureza é teórica. O estudo procurou compreender o assunto a partir de uma perspectiva dialética, sem perder de vista possíveis soluções para os desafios encontrados. Algumas soluções são apontadas, apesar da consciência de que elas devem ser construídas, sempre que possível, coletivamente. A gestão democrática da educação pública é, assim, um grande desafio a ser superado através do envolvimento e da participação da sociedade e da organização de todo o Estado brasileiro.

Palavras-chave: gestão democrática; escola pública; educação básica; conselhos escolares; participação social

Abstract

This paper searched for pointing challenges which emerge from democratic management of public education in Brazil. To understand it, legal marks were studied, as well as historical, political, and social aspects, further educational indicators. The current National Education Plan, the 3rd Cycle Monitoring Goals Report on the National Education Plan 2020 were used as investigation material. Other study sources complemented the theoretical research. The study searched for understand the subject from a dialectic perspective without losing sight possible solutions for the challenges found. Some solutions are pointed, despite the consciousness that they should be build, whenever possible, in a collective way. Democratic management of public education is hence a big challenge to be overcome by society involvement and participation, and the organization of the whole Brazilian State as well.

Keywords: democratic management; public school; basic education; educational councils; social participation

Resumen

Ese artículo buscó apuntar desafíos que emergen de la gestión democrática de la educación pública en Brasil. Para entenderlo, recurrió los marcos legales vigentes, aspectos históricos, políticos y sociales e indicadores educacionales. El Plan Nacional de Educación en vigor y el Reporte del 3º Ciclo de Monitoreo de las Metas del Plan Nacional de Educación del año de 2020 fueron utilizados como material de investigación. Otras fuentes de estudio complementaron la investigación, cuya naturaleza es teórica. El estudio procuró comprender el asunto desde una perspectiva dialéctica, sin perder de vista posibles soluciones para los desafíos encontrados. Algunas soluciones son apuntadas, a pesar de la consciencia de que ellas deben ser construidas, siempre que posible, colectivamente. La gestión democrática de la educación pública es, así, un gran desafío para ser superado a través del involucramiento y de la participación de la sociedad y de la organización de todo Estado brasileño.

Palabras clave: gestión democrática; escuela pública; educación básica; consejos escolares; participación social

Introdução

No que tange a gestao democratica da escola, e fundamental considerar pontos relevantes que tratam da realidade atual da escola publica, ja que grandes desafios sao enfrentados na sua materializaçao. Sao estes desafios, quando enfrentados no dia a dia, que acabam por interferir tambem nos processos da democratizaçao da escola. Dentre os inumeros desafios da gestao escolar, tem-se o da falta e da precariedade de recursos financeiros, materiais e da formaçao docente. Ja nao e de hoje que varios gestores escolares se deparam com a falta de materiais e com a deficiencia e a pouca manutençao dos predios em todo ou parte de seus ambientes ou da falta destes. Encontram-se no territorio brasileiro, a depender do sistema de ensino, seja ele municipal, estadual ou federal, varias escolas sem ginasios ou quadras de esportes, sem bibliotecas equipadas, sem refeitorios organizados, sem aporte e estrutura de tecnologia educacional e ate mesmo com poucos banheiros.

Diante deste cenario, a gestao escolar se torna tarefa ardua e, por melhor que seja a capacitaçao dos gestores, o dia a dia da escola se torna complexo, o que faz questionar: quais poderiam ser as melhores estrategias de gestao escolar para enfrentamento desta realidade? A gestao democratica na escola pode ajudar no enfrentamento desses desafios?

Essas amplas indagaçoes estao diretamente relacionadas ao sucesso na gestao de uma instituiçao escolar e suscitam focar na sua materializaçao em ambito nacional. Sugerem observar, atentamente, os marcos legais do tema gestao democratica da educaçao publica para, a partir daí, confrontar com os dados da realidade objetiva e concreta da educaçao publica e do cotidiano da instituiçao escolar. Importa problematizar o cumprimento da legislaçao específica, com destaque a Meta 19 do Plano Nacional de Educaçao (PNE), e observar se ela e aplicada plenamente ou parcialmente. Com essa compreensao, elegeu-se a seguinte pergunta diretriz: como se materializa a gestao da educaçao publica no sistema educacional brasileiro, com destaque aos indicadores da Meta 19?

A tentativa de responder a pergunta diretriz pautou-se em indicadores relacionados a meta que trata da gestao democratica no PNE. Mais especificamente, o PNE em vigor e o Relatorio do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE do ano de 2020 foram utilizados como material de investigaçao. Analisou-se o objeto de estudo, tomando-o na relaçao inseparavel entre o plano estrutural e o conjuntural. Deste modo, as concepçoes, as ideologias, teorias e políticas relativas a gestao da educaçao e da escola “ganham sentido historico quando aprendidas no conjunto de relaçoes sociais de produçao da existencia e dentro de um determinado contexto”. (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2011, p. 621). Com esse entendimento, a abordagem teorico-metodologica utilizada e a dialetica. Tal escolha e a mais adequada a pesquisa, pois contempla possibilidades de se trabalhar com maior criticidade e com mais amplitude sobre o tema, ja que alcança tambem os movimentos políticos e ideologicos que compoem de forma marcante a historia da educaçao brasileira. O ponto de partida para a pesquisa dialetica em educaçao e a analise crítica do objeto a ser pesquisado, sendo necessario considerar a totalidade, a historicidade e a contradiçao como categorias metodologicas fundamentais, “o que significa encontrar as determinaçoes que o fazem ser o que e. Tais determinaçoes tem que ser tomadas pelas suas relaçoes, pois a compreensao do objeto devera contar com a totalidade do processo” (WACHOWICZ, 2001, p. 171).

A analise foi realizada com base nas categorias metodologicas e de conteudo (WACHOWICZ, 2001). As primeiras constituem a teoria que vai informar a maneira pela qual o pesquisador trabalha a totalidade e que apontam a contextualizaçao do seu objeto. As segundas, categorias de conteudo, se revelam durante a pesquisa. Compreendem os elementos iniciais determinados pelos conteudos de analise crítica, na açao direta sobre os dados coletados (WACHOWICZ, 2001). Nesse sentido, as categorias de conteudo “dizem respeito a especificidade do objeto investigado e das finalidades da investigaçao, com o seu devido recorte temporal e delimitaçao do tema a ser pesquisado” (MASSON, 2012, p. 6). Adotou-se, entao, como eixo de analise a gestao democratica. Apos a imersao nos documentos e indicadores educacionais, as seguintes categorias de conteudo foram desveladas: processos de nomeaçao e formaçao de diretores e gestores escolares, constituiçao dos conselhos intra e extraescolares e participaçao da comunidade escolar. Interessante assinalar como fundamental que as categorias de conteudo delineadas terao reflexos e implicaçoes no funcionamento da escola como um todo, seja no acompanhamento pedagogico como tambem nos processos de planejamento e avaliaçao escolar. Pode-se afirmar, assim, que a gestao da educaçao, o financiamento da educaçao e a aprendizagem dos alunos sao elementos indissociaveis, sendo o funcionamento deles interdependentes em seus processos e em seus resultados.

Importante ressaltar que, ao assumir os processos de nomeaçao e formaçao de diretores e gestores escolares, e constituiçao dos conselhos intra e extraescolares e participaçao da comunidade escolar como categorias de conteudo, vislumbra-se uma melhor compreensao dos limites e das possibilidades da gestao democratica nas escolas. Deste modo, busca-se superar a mera descriçao do objeto de estudo com intuito de ir alem da compreensao imediata do objeto, ampliando, assim, o campo de percepçao de analise na busca de uma aproximaçao da totalidade. Neste sentido, enfatizam Tello e Mainardes (2015, p. 155), que os fundamentos teoricos e epistemologicos de uma pesquisa em política educacional devem permitir a compreensao de um objeto de estudo e nao meramente a descriçao.

A pesquisa recorreu aos documentos oficiais, indicadores educacionais relacionados a gestao no ambito das políticas publicas educacionais implementadas no tempo presente. Apresenta indicadores oficiais mais recentes publicados sobre gestao escolar democratica e percorre a legislaçao pertinente. Realizou-se uma imersao nos textos e contextos, com intuito de explicitar e compreender os limites e as possibilidades a gestao democratica das escolas. Com o referido entendimento, a pesquisa utilizou os pressupostos teorico-metodologicos de imersao nos dados quantitativos e qualitativos, a fim de ir alem da compreensao imediata do objeto. Buscou-se compreender a gestao educacional e escolar, explicitando, dialeticamente, suas relaçoes com o contexto economico, político, social e cultural (NOSELLA; BUFFA, 2005). Importa superar a mera descriçao do objeto de estudo e avançar na sua compreensao (TELLO; MAINARDES, 2015), o que sugere, segundo Mainardes (2014), apreender os processos e as estruturas, ou seja, os seus condicionantes mais gerais.

Gestão democrática da educação pública no Brasil: marcos legais e indicadores educacionais

A legislaçao vigente, que trata de garantir a gestao democratica da educaçao publica, em sua lei maior, a Constituiçao Brasileira de 1988, no seu artigo 206, inciso VI, explicita este ordenamento ao afirmar e garantir que o ensino publico sera ministrado sob o princípio da gestao democratica na forma da lei. Entende-se, assim, que a lei de ensino que ira orientar inicialmente este princípio sera a Lei de Diretrizes e Bases da Educaçao Nacional (LDB), no caso, a Lei nº 9.394, que foi promulgada posteriormente em 1996 e que esta em vigor ate hoje.

Vale ressaltar que o artigo 206 da Constituiçao brasileira toca em outros princípios de natureza democratica ao determinar, em seu paragrafo primeiro, a igualdade de condiçoes para o acesso e permanencia na escola; no paragrafo segundo, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte; no paragrafo terceiro, a garantia do princípio do pluralismo de ideias e de concepçoes pedagogicas, e coexistencia de instituiçoes publicas e privadas de ensino; e ainda no paragrafo setimo, a garantia de padrao de qualidade do ensino publico, importantíssimo princípio democratico. Sobre os desdobramentos que vieram posteriormente com a inclusao do princípio democratico na educaçao, Cardozo e Colares (2020) atentam para a importancia de se considerar o contexto da aplicabilidade da lei:

A inclusao do princípio democratico abriu e garantiu espaços para professores, estudantes e comunidades escolares reivindicarem e organizarem experiencias de gestao com processos mais participativos e ampliados de tomadas de decisoes e fizeram emergir outras tensoes que gravitam em torno dos seguintes eixos: conselhos escolares e participaçao, descentralizaçao/centralizaçao, autonomia, projeto político-pedagogico e eleiçoes de gestores. Somente a institucionalizaçao de um ou outro desses componentes, entretanto, nao e garantia de democratizaçao de fato, pois se torna necessario atentar para a ideologia impregnada no discurso de apropriaçao dos apelos sociais em favor dos preceitos do sistema socioeconomico, bem como para o fato de que a lei, por si so, nao e garantia de direito efetivo. O contexto da aplicabilidade dessa lei e os atores envolvidos nesse processo tem importancia preponderante para que a democracia se concretize, atendo-se aos preceitos implícitos nos discursos ou as reivindicaçoes reais dos movimentos e das necessidades dos sistemas e das escolas. (CARDOZO; COLARES, 2020, p. 15)

Com base em Cardozo e Colares (2020), pode-se deduzir que legislaçao por si so nao e garantia da democratizaçao de fato, o que torna fundamental, portanto, tambem atentar para os condicionantes ideologicos que estao presentes nos discursos atrelados ao sistema socioeconomico vigente. Apesar deste aspecto ressaltado, vale dizer que a legislaçao de ensino se faz necessaria e e, por conseguinte, imprescindível, pois e ela que vai balizar grande parte das políticas publicas em educaçao. Em relaçao a LDB, Lei nº 9.394, de 1996, a gestao democratica da educaçao publica aparece mencionada de modo mais específico nos artigos 3º e 14º com as seguintes redaçoes:

Art. 3º - O ensino sera ministrado nos seguintes princípios: VIII – gestao democratica do ensino publico, na forma desta Lei e da legislaçao dos sistemas de ensino.

Art. 14 - Os sistemas de ensino definirao as normas da gestao democratica do ensino publico na educaçao basica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – participaçao dos profissionais da educaçao na elaboraçao do projeto pedagogico da escola; II – participaçao das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (BRASIL, 1996)

Um aspecto importante a se observar e que a LDB de 1996 estabelece linhas gerais da gestao democratica, enumerando apenas dois princípios entre os quais nao inclui o da participaçao da comunidade escolar no processo de escolha dos diretores e gestores escolares. Sobre esta limitaçao quanto a gestao democratica na LDB de 1996, Cardozo e Colares (2020) afirmam que:

Embora com limitaçoes, a LDB nº 9.394/1996 abriu algumas possibilidades para a gestao democratica da educaçao, ao reforçar o princípio constitucional dispondo no artigo 3º que o ensino sera ministrado tendo como princípio ‘a gestao democratica do ensino publico na forma desta Lei e da legislaçao dos sistemas de ensino’ (BRASIL, 1996, p. 47). Ja o artigo 14 preve que ‘os sistemas de ensino definirao as normas da gestao democratica do ensino publico na educaçao basica, de acordo com suas peculiaridades’ (BRASIL, 1996, p. 52). Mesmo que o princípio da gestao democratica da educaçao publica esteja garantido nos instrumentos legais, considera-se que o seu processo de materializaçao e contraditorio, lento e atravessado por conflitos, avanços e retrocessos, pois ainda se vivenciam praticas autoritarias e clientelistas do mandonismo local e regional e da hegemonia da elite sobre as classes populares. (CARDOZO; COLARES, 2020, p. 6)

Observa-se, assim, como discorrem Cardozo e Colares (2020), que a materializaçao dos instrumentos legais, no caso a gestao democratica mencionada na LDB/1996, fica por vezes comprometida por imposiçoes de governantes locais e regionais, ja que estes desconsideram o papel relevante do dialogo e da participaçao no campo da educaçao.

Voltando-se novamente para a Constituiçao do Brasil de 1988, esta apresenta, em seu artigo 214, o estabelecimento do PNE cujo detalhamento inicial veio a aparecer com a nova redaçao dada ao artigo pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009. Fica com a nova emenda estabelecida a duraçao decenal do Plano Nacional, com o objetivo de articular e desenvolver o Sistema Nacional de Educaçao (SNE) a partir de açoes integradas dos poderes publicos das diferentes esferas federativas. Explicita que o SNE trabalhara em regime de colaboraçao, com o intuito de definir objetivos, metas e estrategias para os diversos níveis, etapas e modalidades do sistema publico de ensino. Em relaçao a gestao democratica da educaçao, o PNE atual, instituído pela Lei nº 13.005, de 2014, assinala, em seu artigo 9º, que:

Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverao aprovar leis específicas para os seus sistemas de ensino, disciplinando a gestao democratica da educaçao publica nos respectivos ambitos de atuaçao, no prazo de 2 (dois) anos contados da publicaçao desta Lei, adequando, quando for o caso, a legislaçao local ja adotada com essa finalidade. (BRASIL, 2014).

Percebe-se que, a partir da promulgaçao desta lei, os entes federados tiveram ate o ano de 2016 para elaborar suas leis com características gerais e outras peculiares e proprias. Surgiram, deste modo, os Planos Estaduais e Municipais de Educaçao em todo o Brasil, entre eles o de Santa Catarina e de seus respectivos municípios.

Outro ponto a destacar no PNE sao suas metas e estrategias, que vieram redigidas como anexo na Emenda Constitucional nº 59, de 2009. Aqui cumpre mencionar a Meta 19, que diz respeito a gestao democratica da educaçao. Estabelece a Meta 19:

Assegurar condiçoes, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivaçao da gestao democratica da educaçao, associada a criterios tecnicos de merito e desempenho e a consulta publica a comunidade escolar, no ambito das escolas publicas, prevendo recursos e apoio tecnico da Uniao para tanto. (BRASIL, 2014)

Considerando a duraçao decenal do atual PNE, iniciada em 2014 e com vigencia ate 2024, pode-se analisar como se encontram ate o momento os indicadores referentes a Meta 19, que aborda a gestao democratica da educaçao publica, a qual e objeto desta pesquisa. Antes de apresentar os indicadores educacionais referentes a Meta 19, e importante dizer que todo monitoramento da execuçao e do cumprimento das metas do PNE esta previsto na Lei nº 13.005, que instituiu o proprio PNE no ano de 2014. Nela, o artigo 5º preve o monitoramento por cinco instancias, a saber: Ministerio da Educaçao (MEC); Camara dos Deputados, atraves da Comissao de Educaçao; Senado Federal, atraves da Comissao de Educaçao, Cultura e Esporte; Conselho Nacional de Educaçao (CNE) e Forum Nacional de Educaçao (FNE). Ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) ficou a responsabilidade de realizar, a cada dois anos, estudos para aferir a evoluçao do cumprimento das 20 metas que constituem o PNE e, por consequencia, publica-los.

Em relaçao aos indicadores publicados no ano de 2020 pelo INEP sobre a gestao democratica da educaçao publica, apresenta o Relatorio do 3º Ciclo de Monitoramento em sua introduçao:

A gestao democratica nas escolas e definida pela Meta 19 em termos da forma de seleçao dos diretores e da presença de colegiados intraescolares, bem como da existencia e capacitaçao de conselhos extraescolares em nível estadual e municipal. Os resultados indicam que a existencia de conselhos externos a escola ja se encontra bastante disseminada pelo País, estando presentes em todas as unidades federativas e em 84% dos municípios – ainda resta elevar o provimento de infraestrutura para seu funcionamento e de capacitaçao para os conselheiros, algo que ainda nao atinge 20% dos estados e 40% dos municípios. A maior dificuldade, no entanto, e garantir que a escolha dos gestores escolares se realize por processo seletivo qualificado e eleiçao com a participaçao da comunidade escolar: em ambito nacional, em menos de 7% das escolas publicas se percebe a adoçao desses dois criterios simultaneamente. (BRASIL, 2020)

No quadro-resumo dos indicadores apresentado inicialmente no Relatorio do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educaçao 2020, encontram-se os seguintes dados distribuídos por 6 indicadores referentes a Meta 19 e considerando todo o territorio nacional (Grafico 1):

Fonte: Elaboraçao dos autores, 2021.

Grafico 1 19A Seleçao de diretores escolares por eleiçao e processo seletivo qualificado 

No indicador 19A, que aponta o percentual de escolas publicas que selecionam diretores por meio de processo seletivo qualificado e eleiçao com participaçao da comunidade escolar, a meta e 100%. Como ultimo resultado, em 2019, apenas 6,6% da meta foi alcançada e 93,4% das escolas publicas nao a alcançaram. A grande maioria das escolas nao realiza eleiçao. O modesto percentual alcançado no ano de 2019, de 6,6% em todo o territorio nacional diante da meta de 100%, ficou, provavelmente, comprometido em virtude da relativa estagnaçao nos repasses dos recursos publicos por parte da Uniao como um todo, tomando como base o Produto Interno Bruto (PIB), fator que certamente afetou o sucesso de todas as metas, incluindo a Meta 19. Diante do que foi colocado, questiona-se: quais outros fatores tiveram influencia para o baixo percentual de 6,6% no indicador 19A? Para responder a esta pergunta, recorre-se a Brandao (2018), ao discorrer sobre a gestao escolar democratica:

O problema existente, porem, nem sempre evidente, diz da contradiçao entre como a gestao escolar se apresenta na forma da lei (gestao democratica), e da forma como ela se efetiva na praxis social em alguns casos, dependendo do sistema de ensino valendo-se para isto, dos instrumentos que a propria lei preve para gestao democratica, a saber: da forma de investidura do gestor no termo da lei bem como da relaçao com os orgaos colegiados. Dependendo da forma de investidura do gestor em alguns sistemas de ensino, os instrumentos que deveriam servir para democratizaçao passam a servir para a legitimaçao de um poder investido arbitrariamente na pessoa do gestor, nem sempre legítimo. Por ser legal a forma de investidura do gestor do cargo e do seu exercício atraves dos orgaos colegiados, a comunidade escolar entende como democratica e legitima o poder arbitrario deste gestor arbitrariamente legal, passa entao a ser legítimo e inquestionavel. (BRANDAO, 2018)

E de se observar que o Brasil esta bem longe da meta traçada pelo PNE em 2014. Convem destacar, para efeito de analise, as estrategias do PNE mais diretamente relacionadas ao indicador 19A, estrategias 19.1 e 19.8, as quais apresentam as seguintes redaçoes:

19.1) priorizar o repasse de transferencias voluntarias da Uniao na area da educaçao para os entes federados que tenham aprovado legislaçao específica que regulamente a materia na area de sua abrangencia, respeitando-se a legislaçao nacional, e que considere, conjuntamente, para a nomeaçao dos diretores e diretoras de escola, criterios tecnicos de merito e desempenho, bem como a participaçao da comunidade escolar; 19.8) desenvolver programas de formaçao de diretores e gestores escolares, bem como aplicar prova nacional específica, a fim de subsidiar a definiçao de criterios objetivos para o provimento dos cargos, cujos resultados possam ser utilizados por adesao. (BRASIL, 2014)

As duas estrategias focam a formaçao e nomeaçao de gestores e diretores. A nomeaçao dos diretores, destacada na estrategia 19.1, esta associada a participaçao da comunidade escolar, entretanto, nao deixa claro como essa participaçao se dara. Por outro lado, a referida estrategia busca estimular a materializaçao da Meta 19 nos estados e municípios, por meio do repasse, da Uniao, “de verbas para aqueles estados e municípios que aprovem uma lei para garantir a escolha do gestor por meio de consulta à comunidade escolar e que levem também em consideração o mérito e desempenho do candidato”. (SANTOS; GOMES; PRADO, 2021, p. 4). Sobre essa questao, Peroni e Flores (2014) alertam para a contradiçao entre a participaçao, possível na consulta publica e os criterios de merito na nomeaçao dos diretores.

Se por um lado, a consulta publica a comunidade escolar prevista na Meta 19 pode significar um avanço nos locais onde nao ha historico de gestao democratica, seja na forma de lei propria, seja na forma da vivencia de processos democraticos, por outro lado, cabe um alerta no sentido de que a associaçao de criterios tecnicos de merito e desempenho a essa consulta a comunidade restringe a propria efetividade deste princípio (PERONI; FLORES, 2014, p. 186).

Ha de se estar atento, portanto, conforme alertado por Peroni e Flores (2014), que a estrategia 19.1 do PNE merece um maior aprofundamento no sentido de maiores debates e discussoes, caso seja oportuno realizar um aprimoramento.

Passando a vislumbrar a organizaçao e a constituiçao de colegiados intraescolares, estes se colocam na perspectiva de potencializar a participaçao dos sujeitos no ambito das escolas. Tal movimento se articula como o indicador 19B (Grafico 2).

Fonte: Elaboraçao dos autores, 2021.

Grafico 2 19B Existencia de APP, Gremio Estudantil e Conselho Escolar 

No indicador 19B, o percentual de inexistencia de colegiados intraescolares (APP, Gremio Estudantil e Conselho Escolar) e de 62,4%. Portanto, apenas 37,6% da meta foi alcançada em 2019. Ganha importancia a materializaçao das estrategias da Meta 19 no fortalecimento dos Conselhos.

19.4) estimular, em todas as redes de educaçao basica, a constituiçao e o fortalecimento de gremios estudantis e associaçoes de pais, assegurandose lhes, inclusive, espaços adequados e condiçoes de funcionamento nas escolas e fomentando a sua articulaçao organica com os conselhos escolares, por meio das respectivas representaçoes; 19.7) favorecer processos de autonomia pedagogica, administrativa e de gestao financeira nos estabelecimentos de ensino; 19.6) estimular a participaçao e a consulta de profissionais da educaçao, alunos (as) e seus familiares na formulaçao dos projetos político-pedagogicos, currículos escolares, planos de gestao escolar e regimentos escolares, assegurando a participaçao dos pais na avaliaçao de docentes e gestores escolares. (BRASIL, 2014)

Segundo o Relatório do 1º Ciclo de Monitoramento que avaliou a participação de profissionais da educação, pais e alunos na formulação dos projetos político-pedagógicos e na constituição do conselho escolar, constatou-se que houve a participação da equipe escolar, porém não foi percebida a de pais e alunos na atividade. Quanto ao projeto pedagógico, verificou-se que 89,1% das escolas afirmaram que contaram com algum tipo de discussão somente com a equipe escolar, sem a presença de alunos e familiares (BRASIL, 2016).

Necessarios tambem a gestao democratica sao os colegiados extraescolares. No Indicador 19C, o percentual de colegiados extraescolares - Conselhos de Educaçao, Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutençao e Desenvolvimento da Educaçao Basica e de Valorizaçao dos Profissionais da Educaçao (CACS-FUNDEB), Conselhos de Alimentaçao Escolar (CAE) e Foruns Permanentes de Educaçao (FPE) - presentes nas unidades federativas foi plenamente alcançado no ano de 2019 (Grafico 3).

Fonte: Elaboraçao dos autores, 2021.

Grafico 3 19C Existencia de colegiados extraescolares nas unidades federativas 

Os dados apontam um resultado extraordinario e sugerem cautela. E absolutamente central a ampla participaçao na conquista de uma educaçao de qualidade social (DOURADO; OLIVEIRA, 2009). A existencia dos referidos colegiados em todas as unidades federativas suscita que sejam dotados de qualidade social. Ganham visibilidade as estrategias 19.2, 19.4; 19.5 e 19.7:

19.2) ampliar os programas de apoio e formaçao aos (as) conselheiros (as) dos conselhos de acompanhamento e controle social do Fundeb, dos conselhos de alimentaçao escolar, dos conselhos regionais e de outros e aos (as) representantes educacionais em demais conselhos de acompanhamento de políticas publicas, garantindo a esses colegiados recursos financeiros, espaço físico adequado, equipamentos e meios de transporte para visitas a rede escolar, com vistas ao bom desempenho de suas funçoes; 19.5) estimular a constituiçao e o fortalecimento de conselhos escolares e conselhos municipais de educaçao, como instrumentos de participaçao e fiscalizaçao na gestao escolar e educacional, inclusive por meio de programas de formaçao de conselheiros, assegurando-se condiçoes de funcionamento autonomo; (BRASIL, 2014)

No indicador 19E e destacado o percentual de existencia de colegiados extraescolares (Conselhos de Educaçao, CACS-FUNDEB e CAE) dos municípios. A meta e de 100%. O grafico 4 indica que, no ano de 2018, 83,9% foram alcançados e 16,1% nao foram alcançados.

Fonte: Elaboraçao dos autores, 2021.

Grafico 4 19E Existencia de colegiados extraescolares nos municípios 

Os dados apontam que os desafios a gestao democratica persistem. Superar os obstaculos exige condiçoes adequadas. Ganha relevo problematizar a infraestrutura oferecida aos colegiados intra e extraescolares.

No Indicador 19D, encontra-se o percentual de oferta de infraestrutura e capacitaçao aos membros dos Conselhos Estaduais de Educaçao (CEE), CACS-FUNDEB e CAE das unidades federativas; da meta de 100% foram alcançados 79,1% em 2018 e nao foram alcançados 20,9%. Como mostra o grafico 5.

Fonte: Elaboraçao dos autores, 2021.

Grafico 5 19D Oferta de infraestrutura e capacitaçao de membros de conselhos extraescolares nas unidades federativas 

No Indicador 19F, o percentual de oferta de infraestrutura e capacitaçao aos membros dos CEE, CACS-FUNDEB, CAE dos municípios, da meta de 100% foram alcançados 60,4% no ano de 2018 e 39,6% nao foram alcançados (Grafico 6).

Fonte: Elaboraçao dos autores, 2021.

Grafico 6 19F Oferta de infraestrutura e capacitaçao de membros de conselhos extraescolares nos municípios 

O Relatorio do 3º Ciclo de Monitoramento do Plano Nacional de Educaçao, publicado no ano de 2020, apresenta tambem, em relaçao a Meta 19, que trata da gestao democratica da educaçao publica, as seguintes principais conclusoes:

Dos diretores das escolas publicas do País, 6,58% foram selecionados por meio de processo seletivo qualificado e eleiçao com a participaçao da comunidade escolar. 2. Estao presentes nas escolas publicas do País 37,60% dos gremios estudantis, conselhos escolares e associaçoes de pais e mestres. 3. Todas as unidades federativas (100%) possuem Foruns Permanentes de Educaçao, Conselhos Estaduais de Educaçao, Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb e Conselhos de Alimentaçao Escolar. 4. Dos conselhos estaduais, 79,01% possuem infraestrutura para seu funcionamento e capacitaçao para seus conselheiros. 5. Existem nos municípios 83,89% dos Conselhos Municipais de Educaçao, Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb e Conselhos de Alimentaçao Escolar. 6. Possuem infraestrutura para seu funcionamento e oferecem capacitaçao para seus conselheiros 60,39% dos conselhos municipais. (BRASIL, 2020)

Assim exposto, um elemento fundamental para se avaliar o sucesso da Meta 19 do PNE e o repasse de verbas voluntarias da Uniao para os estados e municípios, bem como o apoio tecnico. Alias, nao somente a Meta 19, como o sucesso de todo o PNE. Sem o repasse dos recursos previstos e necessarios, o sucesso da Meta 19 e de todo o PNE fica prejudicado. Interessante perceber que em nenhum momento o Relatorio do 3º Ciclo de Monitoramento especifica os recursos repassados para o alcance de cada uma das 20 metas, inclusive a Meta 19. Limita-se tao somente na Meta 20 a apresentar, de um modo geral, o investimento publico em educaçao de acordo com o PIB do país. Entretanto, o Relatorio do 3º Ciclo de Monitoramento e bem avaliativo ao apresentar na Meta 20, em suas principais conclusoes sobre os investimentos publicos, o seguinte apontamento:

Considerando que a meta definida pelo PNE e de ampliaçao do investimento publico em educaçao publica, atingindo 7% do PIB ate 2019 e 10% do PIB ate 2024, os resultados observados de relativa estagnaçao dos gastos em torno de 5% e 5,5% do PIB, com indicativo de pequena queda, indicam grande desafio para o atingimento das metas intermediaria e final (BRASIL, 2020).

Sem desconsiderar os limites do financiamento, a Meta 19 se apresenta como uma possiblidade alvissareira à gestão democrática. Ganham destaque as estratégias para a sua materialização:

Contemplam o repasse financeiro da Uniao para os entes federados que aprovem, em lei, formas de nomeaçao dos diretores(as) de escola, conselhos de acompanhamento e controle social, foruns permanentes de educaçao, gremios estudantis, associaçoes de pais, conselhos escolares e conselhos municipais de educaçao, e que estes atuem como instrumentos de participaçao e fiscalizaçao na gestao escolar e educacional. Estes devem colaborar para a formulaçao dos projetos político-pedagogicos, dos currículos escolares, dos planos de gestao escolar e dos regimentos escolares, assegurando a participaçao dos pais na avaliaçao de docentes e gestores escolares, dessa forma favorecendo os processos de autonomia pedagogica, administrativa e de gestao financeira nos estabelecimentos de ensino. (MARTINS; FERREIRA, 2019, p. 207)

Dessa forma, a gestao escolar ganha um corpo mais robusto, assegurando a participaçao da comunidade escolar na gestao da escola, a fim de alcançar a autonomia pedagogica, administrativa e de gestao financeira do ensino publico. Como se ve, a gestao democratica com participaçao ampla “e fundamental para que a escola realize o seu trabalho, oferecendo um ensino de qualidade referenciada que recoloque a questao da funçao política e social da escola, no contexto dos interesses diferenciados que marcam a sociedade e a educaçao brasileira”. (CARDOZO; COLARES, 2020, p. 15)

O destaque dado a gestao democratica se intensifica na ampla participaçao da comunidade educacional nas Conferencias Nacionais, Estaduais e Municipais de Educaçao. Nesse ambito, destaca-se a estrategia 19.3, que atinge a Meta 19 como um todo e que possui a seguinte redaçao:

19.3) incentivar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a constituírem Foruns Permanentes de Educaçao, com o intuito de coordenar as conferencias municipais, estaduais e distrital bem como efetuar o acompanhamento da execuçao deste PNE e dos seus planos de educaçao. (BRASIL, 2014)

Destaca-se o FNE na realizaçao das ediçoes das Conferencias Nacionais de Educaçao (CONAE). A ampla participaçao na ediçao de 2010 foi fundamental a aprovaçao do PNE. A materializaçao da estrategia 19.3 potencializa a participaçao democratica. O novo PNE 2014-2024, elaborado apos ampla participaçao popular na CONAE/2010, fortalece a gestao democratica da educaçao publica. Suas estrategias, alem de preverem o auxílio do poder publico para a efetivaçao da gestao democratica, destacam: formas de escolha de diretores(as) de escola, orgaos colegiados de acompanhamento e controle social como conselho escolar e conselhos de educaçao, FPE, projetos político-pedagogicos, planos de gestao escolar e regimentos escolares. Avanços importantes sao evidentes, mas ha limites que ainda persistem e que importa que sejam superados.

O PNE aprovado traz a gestão democrática como um de seus princípios, o que consideramos como um grande avanço. No entanto, a própria redação da meta 19 traz elementos da gestão meritocrática e da gestão democrática que se apresentam antagônicas. Assim, percebe-se uma disputa por projetos educacionais e sociais na própria redação desta meta, expressando, portanto, as múltiplas vozes presentes no PNE. O grande desafio que se coloca, por conseguinte, é a forma como esta meta vai se efetivar em sistemas estaduais e municipais, nos PEE [Plano Estadual de Educação] e nos PME [Plano Municipal de Educação], assim como nas próprias escolas. Há, portanto, um tensionamento na própria meta e serão as bases da regulamentação que irão indicar que projeto de gestão se colocará como hegemônico, aquele fundamentado na meritocracia ou aquele fundamentado na participação. É fundamental, portanto, que os setores que defendem a gestão democrática da educação tenham papel ativo na construção dos planos municipais e estaduais e em sua regulamentação, em articulação com o PNE, interferindo, desta forma, no desenho de gestão que será implantado nas escolas. (MARQUES, 2014, p. 469)

Interessante perceber que Marques (2014) evidencia a importancia da necessidade de esforços nas esferas estaduais e municipais para que o desenho de gestao a ser implantado nas escolas seja de fato democratico. Neste sentido, fica claro que meritocracia e um grande obstaculo para a gestao democratica e que produz entraves. Como visto, a superaçao desta limitaçao deve se dar atraves de esforços coletivos, pois somente assim se tera a garantia da ampla participaçao de todos os segmentos da escola.

Considerações finais

Ao longo do artigo foi possível perceber que a gestao democratica da educaçao publica e um assunto que esta intrinsecamente relacionado a organizaçao do Estado brasileiro. Ela reflete, em boa parte, a configuraçao organizacional da sociedade brasileira, seja na sua estrutura como no seu funcionamento. Ha de se constatar que, se a escola nao e democratica em maior magnitude, e porque o Estado brasileiro tambem nao o e. Afinal, a escola publica reproduz em grande parte a sociedade em que se vive. Assim compreendido, entende-se que a democratizaçao das relaçoes sociais seja fator determinante para a mudança do Estado brasileiro e consequentemente da escola. Esta e a alternativa que se pretende apontar nesta pesquisa, seria o maior de todos os desafios.

Foi possível perceber tambem, a partir das reflexoes realizadas sobre a gestao democratica da educaçao publica, que a democratizaçao da escola passa necessariamente pela ampliaçao da participaçao de todas as pessoas que, de alguma forma ou de outra, convivem com a vida escolar. O mesmo raciocínio pode-se aplicar para o Estado brasileiro, a sua democratizaçao deve passar pela ampliaçao da participaçao de toda a sociedade, discutindo, refletindo e debatendo acerca da totalidade dos problemas sociais que sao comuns a todos. Democratizar as relaçoes sociais, entao, seria promover a participaçao das pessoas na vida em sociedade atraves das mais diversas formas, de modo que pudessem opinar sobre os problemas do presente, refletindo o passado e pensando em como deveria ser o futuro.

A instancia dos trabalhos sob os moldes de um colegiado e uma alternativa viavel, certamente nao a unica que pode ser aplicada na educaçao e nas mais diversas esferas. E atraves do envolvimento das pessoas, da socializaçao de ideias e do compartilhamento do poder que se pode democratizar as relaçoes sociais, democratizando, assim, a escola e todo o Estado brasileiro. E aqui, portanto, onde e possível acertar; envolver as pessoas na vida em sociedade e promover a inclusao social, e gerar a cultura democratica, e combater, acima de tudo, as desigualdades sociais, e combater a herança escravocrata que historicamente se instituiu no país, e pensar num mundo cada vez mais globalizado, onde o Estado brasileiro e uma parte de um todo maior, que e o conjunto de todas as naçoes que, juntas, constituem o planeta em que todos vivem.

Ao analisar os marcos legais, vislumbra-se mais um grande desafio para a gestao democratica da educaçao publica, problematizar o cumprimento da legislaçao específica, com destaque a Meta 19 do PNE, e observar como ela vem sendo tratada pelos entes federados. Aponta-se, pelo movimento intrínseco que existe entre escola e sociedade, que a materializaçao da gestao democratica da educaçao publica, de um modo geral, ainda e uma pratica bem distante. Como destacado, a escolha do gestor escolar por parte da comunidade escolar e apenas uma das facetas dessa democratizaçao, haja vista que esta escolha por si so nao traz nenhum tipo de garantia em relaçao a ela. Seria necessario efetivar um fortalecimento mais concreto dos conselhos intra e extraescolares, o que, pelos estudos realizados sob o marco teorico, e algo ainda incipiente. Tem-se, desse modo, um esvaziamento quanto ao cumprimento da legislaçao específica do PNE vigente no tocante a Meta 19, que para se reverter implicaria haver muitas mudanças na estrutura e na conjuntura da organizaçao e do funcionamento de todo o Estado brasileiro.

Tem-se, neste aspecto, um grande desafio para a gestao democratica, promover a cooperaçao e a colaboraçao mutuas entre os entes federados municipais por macrorregioes. Sob diversos angulos, o regime de colaboraçao e cooperaçao e extremamente salutar. Possibilita a troca de experiencias entre os municípios, o que favorece o avanço e o crescimento pedagogico. Ajuda a consolidar em maior magnitude a gestao democratica da educaçao publica, pois promove a participaçao e o dialogo democratico. Possibilita maior economia dos recursos publicos, pois açoes conjuntas muitas vezes se tornam mais viaveis financeiramente. E principalmente, e acima de tudo, cumpre a Constituiçao Federal, cumpre a LDB, cumpre tambem o PNE, trazendo maior segurança jurídica para o Estado e para toda a sociedade, pois favorece a expansao da confiança e da credibilidade entre todos os cidadaos.

Discorrendo ainda sobre os principais desafios da gestao democratica da educaçao publica, evidencia-se que as formaçoes e as capacitaçoes dos gestores e conselheiros intra e extra escolares sao outra grande adversidade que importa ser superada. Com essa compreensao, a formaçao continuada de gestores e conselheiros escolares se constitui um dos pilares centrais da democratizaçao da educaçao e, portanto, deve tambem ser uma das prioridades de um projeto mais amplo do Estado brasileiro. Neste sentido, vale lembrar ainda a necessidade paralela que se deve ter em relaçao a aplicaçao de recursos para a criaçao da infraestrutura para o funcionamento de todos os conselhos, principalmente os extraescolares, ja que esses devem funcionar em espaços adequados e com aparelhamento.

Concluindo, cumpre dizer que ao assumir os processos de nomeaçao e formaçao de diretores e gestores escolares, e constituiçao dos conselhos intra e extraescolares e participaçao da comunidade escolar como categorias de conteudo, procura-se facilitar a compreensao do objeto de estudo, sem perder de vista a totalidade, ao tentar descortinar o plano estrutural e conjuntural. Por essa razao, estudou-se o tema mapeando o Brasil. Ao se debruçar sobre a analise crítica, procurou-se ser fiel a perspectiva dialetica, mantendo, sempre que possível, a visao do eixo historico e, ao mesmo tempo, lançando indagaçoes com o objetivo de desvelar os movimentos contrarios. A contextualizaçao e a busca de alternativas e soluçoes foram pontos-chaves, ja que a criticidade, apesar de fundamental, sozinha, nao aponta caminhos. Sobre esses pontos, ate por coerencia, constituíram-se sugestoes, pois certamente as melhores saídas e os principais caminhos devem ser construídos coletivamente com participaçao plena de toda a sociedade e de todos os setores que nela se inserem. Ha perspectiva de novos tempos, ja que as possibilidades constituem a força possível que surge do impossível. A gestao democratica da educaçao publica e, assim, uma possibilidade que deve ser conquistada com muito trabalho, articulaçao entre toda a sociedade e esforço coletivo.

Referências

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Recebido: 01 de Abril de 2022; Aceito: 01 de Junho de 2022; Publicado: 01 de Julho de 2022

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