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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.16  Curitiba  2022  Epub 30-Maio-2023

https://doi.org/10.5380/jpe.v16i0.87771 

Artigos

Usos e finalidades do Ideb nos municípios do Nordeste a partir do questionário contextual do Saeb (2019)

Uses and purposes of Ideb in the municipalities of Northeast from the Saeb contextual questionnaire (2019)

Usos y finalidades del Ideb en los municipios del Nordeste a partir del cuestionario contextual Saeb (2019)

Anderson Gonçalves Costa1 
http://orcid.org/0000-0001-8897-3816

Eloisa Maia Vidal2 
http://orcid.org/0000-0003-0535-7394

1Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Integra o Grupo de Pesquisa Política Educacional, Gestão e Aprendizagem (GPPEGA-UECE). Bolsista da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe). Recife, PE. Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0001-8897-3816. E-mail: andersongoncalvescosta0@gmail.com

2Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora Associada da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Vice-líder do Grupo de Pesquisa Política Educacional, Gestão e Aprendizagem (GPPEGA). Fortaleza, CE. Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-0535-7394. E-mail: eloisamvidal@yahoo.com.br


Resumo

O artigo analisa os usos e as finalidades do Ideb nos municípios da região Nordeste com base nas respostas de 1.743 secretários(as) municipais da educação que responderam ao questionário aplicado no Saeb em 2019. Procurou-se observar se o Ideb reorientou as práticas de avaliação e contribuiu para a instituição de políticas de responsabilização educacional nas redes municipais da região. De natureza quantitativa e abordagem descritiva, as respostas foram analisadas com enfoque nos usos pedagógicos e políticos do Ideb, estes últimos em associação a políticas de responsabilização educacional. Observou-se o fortalecimento de uma cultura de avaliação em âmbito municipal, com formas de utilização compartilhadas pela ampla maioria dos municípios; maior incidência sobre o monitoramento das escolas e o estabelecimento de metas de desempenho; e menor incidência em estratégias de responsabilização forte, com impacto material sobre as escolas e os profissionais da educação.

Palavras-chave: Ideb; Responsabilização educacional; Cultura de avaliação; Nordeste

Abstract

The paper analyzes the uses and purposes of Ideb in the municipalities of the Northeast region based on the responses of 1,743 municipal education secretaries who responded to the questionnaire applied in the context of Saeb in 2019. We aimed to observe whether Ideb reoriented evaluation practices and contributed to the establishment of educational accountability policies in municipal networks in the region. With a quantitative nature and descriptive approach, the answers were analyzed with a focus on pedagogical and political uses of Ideb, these in association with educational accountability policies. The strengthening of a evaluation culture at the municipal level was observed, with forms of use shared by the vast majority of municipalities; greater focus on monitoring schools and setting performance targets; and less focus on strong accountability strategies, with material impact on schools and education professionals.

Keywords: Ideb; Educational accountability; Evaluation culture; Northeast

Resumen

El artículo analiza los usos y las finalidades del Ideb en los municipios de la región Nordeste a partir de las respuestas de 1.743 secretarios de educación municipales que respondieron al cuestionario aplicado a Saeb en 2019. Buscamos observar si el Ideb reorientó las prácticas de evaluación y contribuyó al establecimiento de las políticas de rendición de cuentas educativas en las redes municipales de la región. De carácter cuantitativo y enfoque descriptivo, las respuestas fueron analizadas con foco en los usos pedagógicos y políticos del Ideb, este último en asociación con las políticas de rendición de cuentas educativas. Se observó el fortalecimiento de una cultura de evaluación a nivel municipal, con formas de uso compartidas por la gran mayoría de los municipios; un mayor enfoque en el seguimiento de las escuelas y el establecimiento de objetivos de rendimiento; y menos énfasis en estrategias sólidas de rendición de cuentas, con un impacto material en las escuelas y los profesionales de la educación.

Palabras Clave: Ideb; Rendición de cuentas educativa; Cultura de evaluación; Nordeste

Introdução

Este artigo analisa os usos e as finalidades do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos municípios da região Nordeste a partir das respostas dos secretários municipais da educação ao questionário contextual aplicado pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) em 2019. A tentativa de entender como os municípios que compõem a região utilizam o Ideb, por ocasião da proximidade do encerramento do ciclo de metas projetadas até 2021 é, portanto, exercício oportuno para observar as implicações desse índice na gestão da educação municipal no período de sua implementação. Especificamente, busca-se observar se o Ideb reorientou as práticas de avaliação e/ou contribuiu para a instituição de políticas de responsabilização educacional nas redes municipais do Nordeste.

Os questionários contextuais são aplicados desde 1995 aos diretores das escolas que participam do Saeb, aos professores das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática dos anos avaliados (5º, 9º anos do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio), aos alunos que participam das provas, e um questionário é aplicado à escola. Pela primeira vez, na edição do Saeb 2019, o questionário contextual foi também direcionado aos secretários municipais, visando coletar informações sobre suas experiências profissionais e práticas administrativas, além de dados sobre a rede que geria, permitindo que se pudesse melhor conhecer a realidade da educação básica no Brasil (INEP, 2019).

Para atender ao objetivo, foi selecionado o bloco de questões relativo à temática da avaliação (bloco 7) presente no questionário dos secretários municipais, que contêm 30 questões (Q.156 a Q.185). Elas indagam sobre utilização dos resultados do Ideb; preparação das escolas para as avaliações externas; realização de avaliações externas pela gestão municipal, as etapas e a periodicidade com que acontecem as avaliações e o que é avaliado. Desse conjunto, foram selecionadas a Q.156 e a Q.172. Os dados foram analisados e associados a outras constatações observadas em estudos realizados por pesquisadores a respeito do Ideb, especialmente no contexto de sua implantação, seus objetivos e seus desdobramentos na gestão pública.

O artigo, além desta introdução e das considerações finais, é organizado em mais quatro seções. Na sequência, é tratada a metodologia do estudo, seguido de notas sobre o Ideb como estratégia de responsabilização educacional. O artigo continua apresentando o perfil da educação municipal no Nordeste e, finalmente, a análise dos usos pedagógicos e políticos do Ideb na região.

Metodologia

A pesquisa caracteriza-se como de natureza quantitativa, com uso de dados secundários obtidos em base de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que foram analisados e interpretados à luz de literatura produzida sobre o assunto.

Os microdados dos questionários contextuais do Saeb encontram-se disponíveis no site do Inep para todas as edições do exame, desde 1995. Os arquivos podem ser obtidos, por meio de download, compactados no formato (.zip), sendo necessário o uso de algum software descompactador. A análise dos dados pode ser realizada com a adoção de softwares variados e, no caso deste estudo, utilizou-se o Excel do pacote Microsoft Office©, com tratamento por meio de estatística descritiva.

O questionário aplicado a(o) secretário(a) municipal em 2019 e divulgado em 2021 consta de 217 questões organizadas em nove blocos: 1) Informações pessoais e experiência profissional; 2) Organização e planejamento; 3) Conselhos de Gestão; 4) Educação Infantil; 5) Ensino Fundamental; 6) Ensino Médio; 7) Avaliação; 8) Plano de Carreira e 9) Avaliação do questionário. Tendo sido aplicado de forma eletrônica, apresenta um conjunto de questões que dependem de respostas de questões anteriores e algumas questões abertas a serem preenchidas com valores numéricos inteiros.

Do total dos 1.794 municípios dos nove estados que compõem a região Nordeste, 1.743 secretários(as) municipais de educação responderam total ou parcialmente o instrumento, correspondendo a 95,5% do total de municípios. Dos 80 municípios cujos secretários não responderam ao questionário, o estado da Bahia é o que apresenta maior número absoluto (n = 15), e Sergipe, o menor (n = 5). Quando se observa, em termos relativos, Pernambuco é quem apresenta maior percentual de secretários que preencheu o questionário (96,8%), e Alagoas, o menor (89,2%).

No que se refere ao tema presente no bloco de avaliação que será analisado neste artigo – utilização do Ideb – além da Q.156, que indaga se a Secretaria Municipal de Educação utiliza os resultados do Ideb, as Q.157 a Q.171 dizem respeito à forma como os resultados são utilizados, e, nelas, é apresentado um enunciado que exige uma resposta afirmativa ou negativa e sobre preparação dos alunos para as avaliações externas. A Q.172 indaga se a Secretaria Municipal orienta as escolas a prepararem seus alunos para as avaliações externas.

Notas sobre o Ideb e a responsabilização educacional

No ano de 2007, como iniciativa do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o Ideb foi criado, instituindo metas a serem alcançadas pelas redes públicas e privadas da educação básica, estratificando até a unidade escolar. Naquele momento, foi estabelecido que, até o ano de 2021, municípios e estados alcançariam a nota seis, média dos estudantes dos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para tanto, com o objetivo de aferir a qualidade da educação básica, o Ideb passou a ser divulgado a cada dois anos pelo Inep, combinando dados sobre aprovação, obtidos no Censo Escolar, e o desempenho dos estudantes no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). No decorrer de sua implementação, o Ideb teve crescente importância na política educacional do país, a ponto de ser instituído como política de Estado no Plano Nacional de Educação (PNE 2014 - 2024) (ALVES; ASSIS, 2018).

Dada a centralidade desse indicador, estados e municípios têm se mobilizado em torno da elevação de seus resultados, que pautam o planejamento das ações pedagógicas no interior das redes de ensino. Stoffels e Carvalhaes (2022) argumentam que o Ideb se transformou no principal objetivo de políticos e profissionais da educação, instituindo uma crença em torno da qualidade da educação que criou uma disputa envolvendo entes federados e instituições de ensino. Decorre daí o fortalecimento de uma cultura de avaliação educacional que reorienta as práticas de gestão e pedagógicas das escolas e dos municípios.

O Ideb institui a lógica de que sua elevação corresponde à melhoria da qualidade do ensino. Para Oliveira (2013), esse é um risco que acompanha a proposição do indicador: se, por um lado, ele serve para o fortalecimento dos debates sobre políticas públicas, por outro representa uma lógica perigosa que tende à simplificação grosseira dos fins da educação brasileira, pois, se a proficiência em língua portuguesa e em matemática e a aprovação são importantes, não são os únicos indicadores desejáveis para aferir a qualidade.

Mesmo sob as críticas dirigidas a sua constituição, sobretudo pelo risco real de ele tornar-se sinônimo do conceito que busca medir, não se pode negar que o Ideb instrumentalizou a gestão das redes educacionais. Ele permitiu aos gestores a definição de estratégias de ação para alcance das metas estabelecidas e somou-se a mecanismos implementados pelos municípios, como as políticas de responsabilização. Era esse, inclusive, o objetivo dos seus formuladores, uma vez que, ao inovar com um indicador que combinou fluxo escolar com desempenho discente, reconhecia-se o potencial do Ideb para induzir mudanças nas práticas de gestão e de ensino que pudessem contribuir com a melhoria da qualidade do aprendizado em leitura e em matemática (FERNANDES; GREMAUD, 2009).

A criação do Ideb significou a implantação de uma política de responsabilização educacional, fato que é anunciado em documento do próprio governo federal ao tratar do PDE e do Ideb como “[...] inéditas conexões entre avaliação, financiamento e gestão, que invocam conceito até agora ausente do nosso sistema educacional: a responsabilização, e, como decorrência, a mobilização social” (BRASIL, 2008, p. 19). Se, até aquele momento, essas relações eram tratadas sob certo ineditismo, o mesmo não pode ser dito sobre os desdobramentos pós-Ideb: um maior número de redes de ensino o vêm utilizando como política de responsabilização educacional, além de como balizador de outros domínios da gestão municipal da educação, como o planejamento, o currículo e a formação de professores.

A responsabilização, como estratégia de premiação ou punição de agentes educacionais, pode ser categorizada em dois níveis: políticas high stakes, ou de responsabilização forte, com implicações materiais; ou políticas low stakes, ou de responsabilização branda, quando há apenas consequências simbólicas (BONAMINO; SOUSA, 2012). O Ideb tem como lógica uma responsabilização branda, mas, quando associado a estratégias em âmbito local, tende a ser fortalecido com iniciativas de responsabilização forte.

Perfil da educação básica municipal no Nordeste brasileiro

O Nordeste é uma região com severas desigualdades socioeconômicas, detendo a marca de maior concentração de pessoas em situação de pobreza entre as regiões do Brasil. Ainda que reúna 27,3% da população, o Nordeste concentra quase metade da pobreza do país (47,9%) (IBGE, 2020). Em termos educacionais, a região apresenta a maior taxa de analfabetismo entre pessoas de quinze anos ou mais (13,9%), superando a média nacional de 6,6% (IBGE, 2019).

No que diz respeito ao perfil dos estudantes, dados divulgados pelo Inep revelam a desigualdade na região quando, no Nordeste, há maior concentração de estudantes de 5º e 9º ano no nível 2 do Indicador de Nível Socioeconômico (Inse), numa escala de oito níveis, em que o 1 é o mais desfavorecido, e o 8, o mais favorecido economicamente (INEP, 2021).

Entre os anos de 2005 e 2019, a região Nordeste se destacou como a que mais cresceu o Ideb Anos Iniciais do ensino fundamental, passando de 2,7 para 5,2, o que representa um aumento de 92,6%. Assim, se antes era a região com o menor Ideb, em 2019 passou a ocupar a quarta posição entre as cinco regiões brasileiras. A situação do Ideb Anos Finais é similar, tendo saído de 2,6 em 2005 para 4,2 em 2019, registrando um crescimento de 61,5%, o maior entre as regiões. No entanto, importa destacar que, embora o crescimento do Ideb nos dois segmentos do ensino fundamental na região tenha sido expressivo, a situação quando do estabelecimento da linha de base do índice era muito precária no que dizia respeito aos dois componentes do Ideb: taxa de aprovação no ensino fundamental e proficiência dos alunos nas duas disciplinas avaliadas pelo Saeb.

A taxa de aprovação em 20073 no ensino fundamental público da região era de 74,8%, a menor entre as cinco regiões, sendo que o maior desafio era representado pela taxa de reprovação, que chegava a 16,2%. No que diz respeito às proficiências no Saeb, tanto nos anos iniciais como finais do ensino fundamental, a região apresentava os menores resultados. Em 2019, em que pese a melhoria da taxa de aprovação, que chega a 89,3%, um aumento de 14,5 pontos percentuais em quinze anos, e um crescimento da ordem de 30% nas proficiências das duas disciplinas, os Ideb (Anos Iniciais e Anos Finais) da região continuam ocupando a 4ª e 5ª posição entre regiões brasileiras, respectivamente. Ou seja, as desigualdades educacionais se mantêm, e a região Nordeste, apesar de um maior esforço empreendido nestes anos, não conseguiu reverter a ordem que se apresentava em 2005.

Os estados do Nordeste apresentam uma peculiaridade em relação às demais regiões no que diz respeito à oferta do ensino fundamental. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (nº 9394/1996), art. 10, “Os Estados incumbir-se-ão de: II -definir, com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino fundamental [...]” (BRASIL, 1996). Nessa região, segundo o Censo Escolar de 2005, 76% das matrículas do ensino fundamental encontravam-se nas redes municipais, o maior percentual entre as regiões. Esse valor cresce para 89,9% em 2019, continuando o maior entre as regiões. Explicações que possam justificar essa diferenciação em relação à municipalização da oferta podem ser buscadas na forma como as variáveis políticas e econômicas foram forjando as redes públicas, especialmente a partir dos anos 1970, com o desenvolvimento de projetos financiados pelo governo federal com apoio de organismos internacionais, a exemplo do Edurural, Fundescola e outros.

Essa capilarização da oferta de ensino fundamental nas municipalidades faz com que os governos estaduais compreendam que quaisquer iniciativas que busquem melhorias associadas à qualidade da educação, passam, necessariamente, por forte articulação com as redes municipais. Nesse caso, o processo de descentralização da oferta opera uma fragmentação e diversificação de interesses e pautas e só uma recomposição centralmente coordenada pode realinhar os objetivos no território.

Essa percepção se faz sentir no esforço empreendido pelos estados em instituir formas de colaboração entre os entes federados do seu território e na criação de sistemas de avaliação externa em larga escala com a participação das redes municipais. O que se tem observado é que a saída aos desafios enfrentados tem sido, com maior ou menor ênfase, uma agenda de políticas de focalização em resultados que tem no Ideb um dos seus expoentes, fortalecida, ainda, por iniciativas locais, muitas das quais direcionadas aos municípios4.

A adoção de estratégias de gestão focalizadas em resultados, com forte presença da avaliação em larga escala, foi analisada por Oliveira e Clementino (2020), que observaram dinâmicas diferentes nos estados da região: Ceará, Paraíba e Pernambuco possuem políticas de alta responsabilização, com implicações materiais e simbólicas sobre as escolas; Alagoas, Maranhão e Piauí possuem estratégias de média responsabilização, que, embora não tenham implicações materiais, procuram envolver e garantir o comprometimento dos professores; e Bahia, Rio Grande do Norte e Sergipe adotam políticas de baixa responsabilização, embora os três possuam sistemas próprios de avaliação em larga escala.

A tipologia apresentada por Oliveira e Clementino (2020), somadas às evidências já conhecidas da implantação do Ideb, contribuem para o entendimento das respostas dos secretários municipais da educação no Nordeste, analisadas na seção seguinte, principalmente quanto à indução de práticas de gestão assentes na avaliação e políticas de focalização em resultados.

Usos pedagógicos e políticos do Ideb: análise das respostas dos secretários municipais ao questionário do Saeb (2019)

A experiência dos autores com pesquisas em redes de ensino permite afirmar que, no cotidiano dos municípios, o Ideb teve forte impacto, e seu papel indutor se fez sentir, pelo menos, a partir de dois movimentos: o primeiro, vinculado à publicização dos resultados escolares, gerando sentimentos de satisfação, mas também de constrangimento; e o segundo, relacionado aos usos e às finalidades apropriados pela gestão municipal, muitas das quais passaram a capitanear as ações educacionais a partir dos valores obtidos. As respostas dos secretários municipais da educação ao questionário contextual do Saeb, em 2019, confirmam as evidências encontradas em trabalhos anteriores (COSTA et al, 2019; COSTA et al, 2021; FERREIRA et al, 2020; GOMES; VIDAL, 2021; VIDAL; VIEIRA, 2011), mas agora permitindo visualizar os usos do Ideb numa perspectiva regional e com maior discriminação em relação às estratégias criadas e implementadas.

Para análise das respostas, cabe informar que 99% (n = 1.714) dos secretários afirmaram que as secretarias da educação utilizavam os resultados do Ideb em suas redes (Q.156). No questionário, quando a resposta a Q.156 era positiva, abria-se um conjunto de enunciados sobre as formas de utilização do Ideb, que envolvem as Q.157 a Q.171. Para efeitos de análise neste artigo, procurou-se organizar as questões em dois blocos (Q.157, Q.158 e Q.160 a Q.164) e (Q.159, Q.165 a Q.171). Enquanto o primeiro bloco envolve questões relacionadas à utilização do Ideb na implementação de políticas educacionais, o segundo está relacionado a iniciativas que envolvem maior ou menor grau de responsabilização dos atores escolares. No Gráfico 1, são apresentadas as formas de utilização do Ideb que constam no primeiro bloco.

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados do Saeb (2019).

Gráfico 1 Formas de utilização dos resultados do Ideb, municípios do Nordeste, Saeb 2019 

Constata-se, a partir do gráfico, que o Ideb é utilizado por 97,5% (n = 1.671) dos municípios para orientar o planejamento das ações educacionais, corroborando o protagonismo que esse índice vem adquirindo na educação brasileira, e sendo considerado pelos secretários um parâmetro que deve nortear a política educacional municipal. Se observado pelo viés do bom uso dos indicadores educacionais, a afirmativa dos secretários é um aspecto importante a ser considerado, uma vez que os indicadores de políticas públicas permitem reorientar ações quando associadas ao planejamento, no sentido mesmo da palavra “planejar”, ou seja, de definir objetivos, e não o de improviso de ações.

Para 86,9% (n = 1.490) dos secretários, o Ideb também é utilizado para a promoção de debates sobre educação, o que aponta para uma divulgação cada vez maior sobre ele, alimentando, dessa forma, um círculo virtuoso pró-Ideb, mostrando que os debates na área não prescindem desse indicador. Isso tem relação com o fato de o Ideb ser materializado como instrumento de leitura da realidade municipal, favorecendo análises em termos micro e macro educacional, a partir de exercícios comparativos das escolas ou dos municípios, ou, mesmo, em uma análise espacial, quando se considera o estado ou a região (MELO; SALES JUNIOR, 2013). Como o Ideb passou a ser orientador das ações municipais, os debates na área adotaram o indicador como referência para enfrentar os problemas impostos à agenda governamental, o que pode ser considerada uma prática saudável desde que se reconheça seus limites e o associe também a análises qualitativas.

Em 81,2% (n = 1.392) dos municípios, o Ideb fornece subsídios para a formação continuada de professores. Entendida como uma atividade complementar e direcionada aos profissionais docentes no exercício da função, a formação continuada é estratégia de fundamental importância para o desenvolvimento profissional docente e busca contribuir com a qualidade do ensino. Pesquisas já demonstraram como a formação continuada nos municípios carece de consensos quanto a sua execução e sua implementação, pois ainda é marcada por fragilidades (GOMES; VIDAL, 2021), mas, confirmando o alinhamento entre formação continuada e Ideb, há evidências que constatam a conciliação entre o currículo e a matriz das avaliações externas nas iniciativas de formação continuada (FERREIRA et al, 2020). Esses achados são também confirmados quando 64% (n = 1.027) dos secretários municipais5, questionados sobre cursos de formação continuada para professores da rede, responderam abordar o tema da avaliação em larga escala.

Em 75,8% (n = 1.299) dos municípios o Ideb orienta a implantação de políticas para redução da repetência. As altas taxas de repetência, o abandono escolar e a baixa proficiência dos estudantes foram fatores que serviram de argumentos para a criação do Ideb e, por isso, a inclusão de indicadores de fluxo escolar na composição do índice, quando se discutia à época que as taxas de repetência eram reveladoras de algo errado com o sistema educacional brasileiro (FERNANDES, 2007). A preocupação com a redução da repetência se faz presente em mais de ¾ dos municípios nordestinos e se articula com a presença da taxa de aprovação na composição do Ideb e com o que foi apontado como o maior problema em termos de taxa de rendimento da região: a reprovação, que, embora tenha se reduzido em 46% no período 2007 – 2019, ainda era de 8,7% em 2019.

Em 74,7% (n = 1.281) das secretarias municipais, o Ideb fornece subsídios para a avaliação de programas ou projetos da Secretaria de Educação, mostrando que, em cerca de ¾ dos municípios, há preocupação de avaliar as políticas educacionais em âmbito local.

Em 61,6% (n = 1.056) dos municípios, o Ideb orienta a revisão ou a criação de orientações curriculares e, em 61,3% (n = 1.050), influencia na produção de materiais didáticos e pedagógicos. Ao utilizar o Ideb como indutor dessas duas iniciativas, emergem duas preocupações: (i) utilização do indicador como justificativa de práticas reducionistas no âmbito do currículo, como alinhá-lo às matrizes de referências do exame e a (ii) produção de materiais didáticos estruturados a partir de descritores e objetos de conhecimentos que compõem a matriz de referência dos exames, reduzindo a autonomia de professores em torno das suas escolhas pedagógicas e a capacidade de autoria da sua prática docente. Muito se discute sobre a redução curricular promovida pelas avaliações em larga escala, com o objetivo de treinamento dos alunos e constante estado de prontidão para a avaliação (OLIVEIRA; COSTA; VIDAL, 2021), realidade que é confirmada pelos secretários quando 99% (n = 1.723) deles dizem orientar as escolas a prepararem seus alunos para as avaliações externas (Q.172).

Os dados permitem observar que, de cada dez municípios, seis utilizam o Ideb para orientação do currículo e produção de materiais. Uma análise mais acurada desses materiais poderia apresentar elementos do alinhamento entre estes e aquele, o que não é possível inferir desses dados. Bonamino e Souza (2012), em artigo bastante difundido no campo, observam que as escolas organizam o currículo com base nos testes, mas as autoras reconhecem o potencial da avaliação educacional em propiciar a discussão sobre as habilidades que não são garantidas a todos os alunos. As respostas dos secretários municipais observadas no Gráfico 1 vão ao encontro das constatações de pesquisa realizada no Ceará, nos primeiros anos de implementação do Ideb, por Vidal e Vieira (2011). Para as autoras,

Há uma aceitação incondicional do Ideb. O índice passou a ser o elemento norteador, por excelência, da política municipal de educação. A gestão da educação municipal gira em torno da melhoria do Ideb nas escolas, e, para isso, as SME procuram estabelecer mecanismos de monitoramento das escolas. Houve um fortalecimento generalizado da dimensão pedagógica nas SME, no entanto se percebe uma redução das propostas curriculares nas matrizes da Prova Brasil (VIDAL; VIEIRA, 2011, p. 430).

O conjunto das informações até aqui discutidas tratam sobre uma cultura de avaliação adotada pelas municipalidades do Nordeste a partir do Ideb, envolvendo tanto aspectos pedagógicos como da gestão educacional. Esses indícios dão conta, principalmente, das ações de planejamento e orientação das redes municipais de educação, todavia, a partir do questionário do Saeb (2019), é possível constatar que a cultura de avaliação se estende para o âmbito da responsabilização de escolas e de professores, associada a uma tendente cultura de auditoria e punição, em que se encontram medidas de responsabilização branda e forte.

A proposição do Ideb, em 2007, como dito anteriormente, avançou em relação aos indicadores até então existentes para o monitoramento dos sistemas de ensino (FERNANDES, 2007), passando a ser o principal indicador da responsabilização educacional no país (FERNANDES; GREMAUD, 2009). Os dados a seguir apresentam um retrato desse objetivo, que remete ao movimento antes mencionado de publicização dos resultados escolares. Os usos associados à responsabilização educacional são destacados no Gráfico 2.

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados do Saeb (2019)

Gráfico 2 Usos dos resultados do Ideb como política de responsabilização, municípios do Nordeste, Saeb 2019 

No gráfico, é apresentado um conjunto de alternativas relacionadas à responsabilização branda e forte, e os secretários respondiam se elas eram utilizadas ou não no seu município. Entre as sete opções citadas, destacam-se com uso em maiores percentuais de municípios – 83,6% (n = 1.433) e 83,2% (n = 1.426) – que afirmam realizar o monitoramento das escolas e a divulgação de informações para a sociedade, respectivamente, cumprindo a finalidade do indicador em prestar contas da qualidade do ensino à população. Numa segunda faixa de utilização por 53,9% (n = 923) e 47,4% (n = 812) dos municípios, encontram-se o estabelecimento de metas de desempenho nos testes de proficiência e o auxílio a unidades escolares com resultados inferiores. Com menores percentuais de uso, encontram-se recompensa para escolas com melhores resultados (22,0%, n = 377); criação de critérios para remanejamento de diretores (10,7%, n = 183) e subsídios para pagamento de bonificação para professores (8,8%, n = 151).

A fim de analisar o comportamento dos estados nordestinos diante das estratégias de responsabilização educacional, os gráficos que se seguem apresentam as quatro alternativas apresentadas no Gráfico 2, que podem ser reconhecidas como de responsabilização forte, a citar: estabelecimento de metas de desempenho nos testes de proficiência; recompensa para escolas com melhores resultados; subsídios para pagamento de bonificação para professores e criação de critérios para remanejamento de diretores. O intuito é tentar compreender em quais estados têm se proliferado com maior destaque iniciativas dessa natureza.

Fixação de metas de desempenho é uma das características de políticas de responsabilização escolar, pois são nelas em que são definidos os resultados esperados das escolas. Isso permite que as instituições tenham ciência dos esforços necessários para alcançar o objetivo fixado e planejem e implementem iniciativas para tal. As metas de desempenho estão vinculadas ao estabelecimento de estándares – padrões – (MCMEEKIN, 2006), ou seja, conteúdos e resultados esperados dos alunos nas provas de proficiência, como o Saeb. O Gráfico 3 apresenta os percentuais de municípios de cada estado da região Nordeste que utilizam o estabelecimento de metas de desempenho nos testes de proficiência.

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados do Saeb (2019)

Gráfico 3 Estabelecimento de metas de desempenho nos testes de proficiência, municípios do Nordeste, Saeb 2019 

Dos 53,9% de secretários que informaram utilizar os resultados do Ideb para estabelecer metas de desempenho, o Ceará é o estado que mais adota, correspondendo a 85,8% (n = 151) dos municípios que responderam, seguido de Alagoas, com 80,2% (n = 72) dos 91 respondentes; sendo Rio Grande do Norte (28%, n = 45) e Sergipe (38,6%, n = 27) os estados cujos municípios menos utilizam essa estratégia. Conforme Clementino e Oliveira (2020), os estados do Ceará e de Alagoas possuem mecanismos de alta e média responsabilização, respectivamente, enquanto Rio Grande do Norte e Sergipe apresentam políticas de baixa responsabilização. O estabelecimento de metas de desempenho pelos próprios municípios, em um cenário onde já estão fixadas metas nacionais, é característico de uma pirâmide de medição e controle instituída no federalismo educacional brasileiro.

Outro aspecto que qualifica o Ideb como estratégia de responsabilização educacional são as recompensas financeiras associadas à divulgação de seus resultados em 22% (n = 377) dos municípios nordestinos. Defensores de políticas dessa natureza argumentam que sistemas de recompensas, na forma de premiação às escolas, por exemplo, são de fundamental importância para a responsabilização dos agentes educacionais, sob o argumento de que geram estímulo ao trabalho em equipe (BROOKE, 2006; MCMEEKIN, 2006).

O Gráfico 4 apresenta a situação dos municípios que utilizam os resultados do Ideb para estabelecer recompensas para as escolas com melhores resultados.

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados do Saeb (2019)

Gráfico 4 Recompensa para escolas com melhores resultados, municípios do Nordeste, Saeb 2019 

Como observado, o estado de Alagoas é aquele em que 39,6% (n = 36) dos secretários municipais afirmaram adotar esse tipo de procedimento, seguido do Ceará, em que 34,7% (n = 61) informaram também recompensar as escolas com melhores resultados. Considerando os nove estados da região, Paraíba e Rio Grande do Norte, são os dois estados cujos secretários municipais menos utilizam o expediente da recompensa às escolas, com 14,5% (n = 31) e 12,4% (n = 20), respectivamente. Diferente do número de municípios que estabelecem metas para as escolas, a estratégia de recompensar material ou financeiramente as instituições têm menor percentual, mesmos naqueles estados onde são identificadas políticas de alta responsabilização, como Ceará, Paraíba e Pernambuco, condição esta que merece mais investigações, mas que pode estar associada às capacidades técnicas e financeiras dos municípios para implementação de políticas dessa natureza.

Com o fito de estimular e reconhecer o mérito profissional, a bonificação de professores é outra estratégia de responsabilização a que se associa o Ideb. Conforme Brooke (2013), a bonificação tem como premissa que há uma relação entre o desempenho docente e os resultados dos estudantes, por isso, bonificar ou premiar os professores é uma forma de incentivar a docência, aumentando seu desempenho profissional, e, consequentemente, a aprendizagem discente. No entanto, críticas à bonificação de professores são recorrentes na literatura da área, considerando as inconsistências nesse tipo de política, as pressões advindas sobre o trabalho docente e a instituição de práticas indesejáveis para alcançar as premiações (PASSONE; RONCOLI, 2022).

O Gráfico 5 diz respeito ao uso do Ideb como subsídio para pagamento de bonificação para professores.

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados do Saeb (2019)

Gráfico 5 Subsídio para pagamento de bonificação para professores, municípios do Nordeste, Saeb 2019 

No que se refere à bonificação docente, o estado do Ceará é o que apresenta maior percentual de municípios adotando essa estratégia, com 21,6% (n = 38), indicando que, de cada cinco municípios, um deles implementa políticas de bonificação docente, seguido de Alagoas, em que 18,7% (n = 17) dos municípios adotam mecanismos de pagamento de bonificação para professores. Em estados como Bahia, Paraíba e Sergipe, menos de 5% dos municípios adotam algum mecanismo dessa natureza.

O Gráfico 6 apresenta os dados referentes ao uso do Ideb para criação de critérios de remanejamento de diretores nas redes municipais, por estado.

Fonte: Elaboração própria com base nos microdados do Saeb (2019)

Gráfico 6 Criação de critérios para remanejamento de diretores 

O remanejamento de gestores escolares em decorrência do Ideb é fenômeno ainda pouco observado em pesquisas sobre responsabilização educacional no Brasil, provavelmente por ser um tema velado no interior das próprias redes municipais. Bauer et al (2015) já haviam observado que 11,4% dos municípios brasileiros com iniciativas próprias de avaliação utilizam os resultados para remanejamento de gestores entre escolas da rede. A demissão e o remanejamento de gestores educacionais é uma prática já tratada na literatura internacional sobre responsabilização (RAVITCH, 2011). Conforme o Gráfico 6, é o estado do Ceará que possui, proporcionalmente, mais municípios que adotam estratégias para remanejar diretores escolares em função dos resultados do Ideb (19,9%, n = 35), seguido por Maranhão (15,4%, n = 32) e Pernambuco (15,1%, n = 27). Apenas no estado do Piauí, menos de 5% (n = 9) dos municípios afirmam utilizar estratégias dessa natureza.

Considerando os quatro critérios, constata-se que o Ceará apresenta os maiores percentuais de municípios em todos eles, e o estado de Alagoas, em três. O Ceará tem sido alçado à condição de referência de política educacional no país, ao instituir uma gestão focalizada em resultados, utilizando-se da avaliação em larga escala e de políticas de premiação às escolas e aos municípios. Os dados aqui apresentados confirmam que, junto à forte política estadual de educação, os municípios cearenses também se apropriam da política federal, fortalecendo-a e adaptando-a aos seus interesses.

Os menores usos do Ideb para definir critérios associados a mecanismos de responsabilização encontram-se nos estados da Paraíba, em três deles, e no Rio Grande do Norte, em dois. O estudo realizado por Oliveira e Clementino (2020) classifica a Paraíba como um estado que possui mecanismos de alta responsabilização, o que, ao que parece, não é acompanhado por seus municípios, e Rio Grande do Norte como possuindo baixa responsabilização.

Ao analisar os resultados do Ideb Anos Iniciais na rede pública nos nove estados do Nordeste, são o Ceará e Alagoas os que mais cresceram no período 2005 – 2019, com 125% e 120,8%, respectivamente. Nos anos finais do ensino fundamental a situação se repete no que diz respeito ao crescimento do Ideb: Alagoas cresce 95,7%, e Ceará, 87,5% no mesmo período. As constatações advindas das quatro estratégias especificadas apontam para um cenário de incertezas ou, no limite, de soluções não conclusivas sobre quais iniciativas de responsabilização contribuem de forma mais efetiva sobre os resultados de desempenho das redes escolares.

Considerações Finais

Do ineditismo de seus fundamentos a mecanismo de acompanhamento da qualidade da educação no país, o Ideb instrumentalizou a gestão educacional no âmbito das redes de ensino e, mesmo sob críticas quanto aos seus limites, condicionou ações pedagógicas e políticas no âmbito dos municípios.

Este artigo, ao procurar observar se o Ideb reorientou as práticas de avaliação e se contribuiu para a instituição de políticas de responsabilização educacional nas redes municipais do Nordeste, com base nas respostas dos secretários municipais da educação, evidenciou que, inegavelmente, houve o fortalecimento de uma cultura de avaliação que toma o Ideb como orientador da política municipal. Isso revela a forte incidência do indicador no cotidiano da gestão municipal e escolar, com formas de utilização compartilhadas pela ampla maioria dos municípios, como as que dizem respeito ao planejamento das ações educacionais, à promoção de debates sobre a educação e aos subsídios para a formação continuada, dentre outras antes mencionadas.

Confirmando-o como estratégia de responsabilização educacional, finalidade para a qual foi criado, o Ideb tem servido em um maior número de municípios do Nordeste para o monitoramento das escolas, a divulgação de informações e o estabelecimento de metas de desempenho, que podem ser consideradas políticas de responsabilização branda, com consequências simbólicas. No entanto, ainda que com menor incidência, também foram confirmadas, pelos secretários municipais, estratégias de responsabilização forte, com impacto material sobre as escolas e os profissionais da educação, como a recompensa em razão dos melhores resultados, o remanejamento de diretores e a bonificação de professores. O uso do Ideb para iniciativas dessa natureza tem relação com as condições políticas de cada um dos estados e merece mais pesquisas que investiguem o fenômeno numa perspectiva regional.

Cabe, por último, observar que os dados aqui apresentados foram coletados pelo Inep em 2019, período anterior à pandemia da Covid-19, e divulgados somente em 2021. Dadas as consequências econômicas, políticas e sociais dos eventos que se desdobraram a partir de 2020, o comportamento dos municípios em relação aos usos do Ideb deverá ser comparado com os aqui discutidos, o que será possível com a publicação dos microdados do Saeb 2021. Diante das condições adversas geradas pela pandemia, com o fechamento das escolas, o Ideb teve protagonismo? Essa é uma questão que pode orientar novas investigações e que não poderá desconsiderar que, em um cenário pandêmico, com o fim das metas fixadas para o Ideb, e no contexto de celebração dos 200 anos da Independência do país, é preciso repensar as condições das escolas brasileiras, para além das metas fixadas pelas políticas de avaliação.

3Foi utilizada a taxa de aprovação do ensino fundamental de 2007 porque não se conseguiu dados disponíveis na página oficial do Inep sobre taxa de aprovação de 2005.

4Podem ser mencionadas as alterações do rateio do ICMS nos estados de Alagoas, Ceará, Pernambuco, Piauí e Sergipe, que associam o imposto devido aos municípios aos resultados em avaliações educacionais. Além disso, têm proliferado políticas de colaboração entre estado e municípios com foco em resultados, como em Alagoas, no Ceará e em Pernambuco.

5Esta questão é encontrada no Bloco 8 – Plano de Carreira, aqui utilizada para confirmar os achados da literatura, uma vez que diz respeito à discussão tratada no artigo.

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Recebido: 01 de Setembro de 2022; Aceito: 01 de Outubro de 2022; Publicado: 01 de Novembro de 2022

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