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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.16  Curitiba  2022  Epub 30-Maio-2023

https://doi.org/10.5380/jpe.v16i0.89062 

Resenhas

A Educação no Brasil e no Mundo: prioridades e desafios – Estudos em homenagem à Profa. Dra. Naura Syria Carapeto Ferreira

Andréa Barbosa Gouveia1 
http://orcid.org/0000-0002-8260-2720

1Doutora pela Universidade de São Paulo. Professora Associada da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, PR. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8260-2720. E-mail: andreabg@ufpr.br


O Livro “A Educação no Brasil e no Mundo: prioridades e desafios” é um encontro de intelectuais com diferentes trajetórias e tempos de carreira para uma homenagem. O livro curiosamente tem dois subtítulos, que lhe fazem justiça. O primeiro subtítulo abre a perspectiva de um debate atual e abrangente e o segundo apresenta a motivação: “Estudos em homenagem à Professora Dra. Naura Syria Carapeto Ferreira”.

O primeiro olhar ao prefácio o livro provoca um certo estranhamento, pois os títulos dos capítulos não deixam perceber imediatamente como a homenagem vai se construir. Porém, a leitura da obra nos conduz a diferentes temáticas que permitem encontrar as preocupações teóricas, os problemas de pesquisa, os compromissos políticos da Professora Naura, forma que vou me referir carinhosamente a pesquisadora homenageada.

Superado o primeiro estranhamento lembrei da obra primorosa de Simone de Beauvoir “A força das coisas”, livro que compõe uma trilogia de memórias da autora. Para começar o livro ela explica:

Mais envolvida do que antes nos acontecimentos políticos, falarei mais deles; nem por isso minha narrativa será mais impessoal; se a política é a arte de “prever o presente”, não sendo especialista; é de um presente imprevisto que darei um depoimento: a maneira como a história se apresentou a mim no dia a dia é uma aventura tão singular quanto a minha evolução subjetiva. (BEAUVOIR, 2018, p.9)

Esta ideia de que uma biografia pode ser sobre a forma como a história se apresentou ao sujeito, ou seja sobre “as coisas” faz aquele livro inovador, ao menos no meu olhar leigo no gênero literário. A obra organizada por Melek e Fortunato me parece que também faz uma certa inovação ao homenagear a professora Naura com um encontro de pesquisadores, mais e menos experientes, que dialogam a partir de temas que marcaram a trajetória acadêmica da professora Naura. Não é uma homenagem que propõe passar a limpo a obra da professora pesquisadora, mas uma homenagem que toma outro caminho, colocar em debate diferentes autores que visitam com seus olhares, os temas da gestão da educação, da formação humana e da formação de professores no contexto das políticas públicas no Brasil e, provocativamente da Espanha. Estes diferentes olhares tem um grande campo comum que é o compromisso político com a emancipação humana que cose a obra da professora Naura.

Cabe explicar o que chamo de provocação no caso do artigo sobre a Espanha para refletir sobre o alcance do título proposto pelos organizadores. O título “A Educação no Brasil e no Mundo” demandaria que os diálogos nos levassem a mais contextos nacionais além de Brasil e Espanha, porém a presença do intelectual espanhol na obra é relevante para compreender o trânsito da professora Naura no campo das políticas educacionais. Parece não se tratar de um compromisso com debates sobre a educação diferentes lugares no mundo, mas compreender que as múltiplas questões que o fenômeno educacional enseja está para além das fronteiras nacionais. Para isto a singular contribuição do capítulo sobre a Espanha é pertinente, ainda que o título pudesse ser mais tímido.

Para o diálogo sobre prioridades e desafios da educação a obra está organizado em 3 eixos que compõe as seguintes sessões: políticas públicas e gestão da educação; formação de professores; e, educação trabalho e direitos humanos. Um elemento interessante a se destacar é que há dimensões que são revisitadas nas três sessões o que, por um lado, permitiria outras organizações da obra. Mas por outro lado, permite leituras transversais dos textos e materializam a ideia de um debate entre pares.

Na primeira sessão encontram-se seis autores/as. Carlos Roberto Jamil Cury visita o compromisso da Constituição Federal com a ideia de pleno desenvolvimento humano na construção da formação humana e problematiza as condições contemporâneas de assegurar a ideia de igualdade nas políticas educacionais. Luiz Fernandes Dourado olha para a gestão das políticas educacionais a partir do sujeito docente e reflete sobre as tensas disputas em torno das diretrizes para a formação de professores nos anos 2010-2022. Este tempo, que marca o mundo pela Pandemia de Covid 19 e o Brasil com a gravidade da situação política de um golpe (MACHADO e TOLEDO, 2017) que afastou uma presidenta eleita sem comprovação de crime de responsabilidade e abre espaço para a chegada de um governo ultraconservador no executivo federal, será por diversos pontos analisado. O capítulo de Yvelize Arcoverde explora esta ideia de tempo e focaliza o tempo escolar tensionado pela pandemia.

Jefferson Mainardes nos convida a pensar que enfrentar esta conjuntura e as diferentes conjunturas ao longo da história do Brasil consolida um campo de estudos, onde encontramos a professora Naura, e a trajetória dos grupos de pesquisa em políticas educacionais no Brasil. Este capítulo, sob o meu olhar, deve ser lido primeiro, pois possibilita dimensionar que uma obra de encontro como esta, só é possível, em um campo de estudos que se consolidou e segue produzindo intensamente interpretações sobre os desafios permanentes da formação humana. Esta sessão termina com o texto de José Augusto de Brito Pacheco e Helena Natália Pereira Inês, estes autores tratam de pensar o currículo a partir do desafio da diversidade e articulam estas preocupações com o contexto da pandemia COVID 19.

A segunda sessão do livro está organizada em torno do eixo formação de professores, nesta encontram-se cinco pesquisadores/as e os diálogos com os temas da primeira sessão se intensificam. O texto que abre a sessão é de Dermeval Saviani, orientador de doutorado da professora Naura e exímio historiador da política educacional. Saviani toma a questão da formação de professores a partir do que chama gentilmente de contratempos para as políticas de formação docente, o autor revisita a história da formação, seus impasses e dilemas desde o Ato Adicional de 1834 até a entrada do século XXI. Em seguida, Juan Salomé Sala reflete sobre a história conflituosa da formação docente no contexto Espanhol. Leda Scheibe discute a formação dos profissionais do magistério problematizando as políticas que tem desconstruído o compromisso com a educação emancipadora e se reencontra com o debate das diretrizes curriculares para o curso de pedagogia. Estes três artigos poderiam estar compondo uma sessão com o texto de Dourado numa outra organização da obra.

Esta sessão, ainda ultrapassa o debate interno da formação ao discutir as condições de trabalho. Acácia Zeneida Kuenzer enfrenta a questão das condições de trabalho docente no contexto geral da precarização e individualização do trabalho na sociedade capitalista. E, Luiz Carlos Eckstein aborda uma dimensão específica dos desafios da formação de professores ao colocar luzes na formação continuada de profissionais da educação no contexto da educação tecnológica.

Na terceira sessão temos mais 9 pesquisadores provocados a dialogar com o eixo educação trabalho e direitos humanos. Miguel Gonzáles Arroyo apresenta uma sintese de seus debates sobre a dimensão do reconhecimento dos sujeitos que aprendem e dos sujeitos que ensinam, construindo uma reflexão sobre a emancipação humana como um desafio de reconhecer a diversidade. Antonio Joaquim Severino enfrenta um tema recorrente na obra de Naura que é a questão da formação para o mundo do trabalho em uma perspectiva ampla e que se contrapõe a lógica pragmática e instrumental da escola capitalista.

Marcelo Ivan Melek e Sarita Aparecida de Oliveira Fortunato olham para os sujeitos da infância e os dilemas da exploração do trabalho das crianças, refletindo sobre as políticas estruturais de combate ao trabalho infantil no Brasil. Marcia Regina Mocelin e Dinamara Pereira Machado mobilizam o leitor para refletir sobre outra dimensão da negação da infância que é as condições de desenvolvimento humano no contexto prisional. Fausto dos Santos Amaral Filho propõe um olhar para a relação entre a ciencia e a tecnologia como desafios para a educação ao longo da trajetória humana, considerando que a humanidade se construiu enfrentando a inovação o que desconstrói a ideia de que formar para a inovação seja um elemento novo.

Esta última sessão se encerra com um texto que cose os diálogos. Daniel Markowicz e Roberta Ravaglio Gagno fecham a obra com a trajetória da homenageada e contextualizam, em grande medida, o encontro de intelectuais e temáticas que se entrelaçam com a história da professora Naura. Ao colocar o foco agora subjetivamente na trajetória de formação e de ação da professora, da gestora universitária e da pesquisadora, o percurso do livro se consolida ao leitor.

Numa consulta ao google acadêmico é possível identificar mais de 2 mil referências a professora Naura. Em seus 54 artigos e 71 livros, entre obras autorais e organização de livros que promovem diálogos como este que a homenageia. Uma consulta a Plataforma Acácia, que faz a “Genealogia Acadêmica do Brasil”, é possível identificar a potência da contribuição da professora Naura para a pesquisa em educação, com uma descendência de 83 orientandos e uma fecundidade2 de 54, a amplitude de seu trabalho fica evidente.

Finalmente, cabe considerar que a obra faz uma contribuição original ao campo das políticas educacionais, menos pelo conteúdo em si, pois os capítulos ainda que interessantes e provocativos, visitam temas conhecidos do campo; porém, a forma de debate, com foco no trabalho intelectual de uma pesquisadora é uma novidade. Temos na área de educação mais experiências de reconhecimento dos nossos intelectuais vivos e potentes, a iniciativa da ANPED na revista Resenhas Educativas com a sessão Legados Pedagógicos3 tem esta mesma inspiração, homenagear nossos intelectuais ativos; a iniciativa do grupo Pensar a Educação da UFMG, com os debates Bibliografia Viva vão na mesma direção.

Em um momento em que a ciência foi tão duramente atacada de forma simbólica, mas sobretudo materialmente por falta de financiamento, reconhecer os pesquisadores e pesquisadoras que constroem o conhecimento e a forma coletiva como isto se faz é uma expressão de compromisso com a emancipação humana como aprendemos com a professora Naura. Ao refletir sobre os desafios da supervisão escolar, em uma de suas obras de sucesso, a professora nos ensina sobre o lugar desta construção coletiva, cabe lembrar os seus termos:

O que está verdadeiramente em causa é a criação de novos espaços políticos, a ampliação do espaço público, a criação de novas identidades e de novos sujeitos coletivos capazes de aprofundar a humanização no próprio processo de luta pela própria hominização da humanidade. Da heterogeneidade que o paradigma da modernidade apresenta surge a vitalidade de uma concepção emergente cada vez menos resignada e cada vez mais atenta às práticas quotidianas em que se satisfazem efetivamente as necessidades básicas, não só as necessidades materiais, mas também as necessidades afetivas e expressivas, aquelas cuja satisfação nos confere um sentido e um lugar no mundo, no mundo dos cidadãos. (FERREIRA, 1999, p. 253)

O percurso deste livro é um convite à leitura da obra da autora, mas também um desafio para a área produzir balanços sobre a obra de outros pesquisadores que tem construído ciência a partir do fenômeno educacional. Fica o convite.

2Fecundidade: Número de descendentes que um acadêmico orientou no decorrer de sua carreira. Considera apenas orientações realizadas diretamente (filhos acadêmicos). (http://plataforma-acacia.org/faq)

3O primeiro artigo publicado na sessão Legados Pedagógicos é de Lucídio Bianchetti acesse em: https://edrev.asu.edu/index.php/ER/article/view/3651

Referências

BEAUVOIR, S. A força das coisas. 5ª edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2018. [ Links ]

FERREIRA, N S (org). Supervisão Educacional para uma escola de qualidade. São Paulo: Cortez, 1999. [ Links ]

MACHADO, A. R. de (org) Golpes na História e na Escola: O Brasil e a América Latina nos séculos XX e XXI. São Paulo: Cortez/ ANPUHSP, 2017. [ Links ]

MELEK, Marcelo Ivan; FORTUNATO, Sarita Aparecida de Oliveira. A Educação no Brasil e no Mundo: prioridades e desafios – Estudos em homenagem à Profa. Dra. Naura Syria Carapeto Ferreira. Curitiba: Editora CRV, 2022. [ Links ]

Recebido: 01 de Dezembro de 2022; Aceito: 01 de Dezembro de 2022; Publicado: 01 de Dezembro de 2022

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