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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.17  Curitiba  2023  Epub 11-Oct-2023

https://doi.org/10.5380/jpe.v17i0.89413 

Seção Artigos

Organismos multilaterais e instrumentos de regulação transnacional de políticas educacionais: regulação por resultados na América Latina

Multilateral organizations and instruments of transnational regulation of educational policies: regulation by results in Latin America

Instituciones multilaterales e instrumentos de regulación transnacional de las políticas educativas: la regulación por resultados en América Latina

Daniel Santos Braga1 
http://orcid.org/0000-0001-5075-4570

Débora Cristina Alves da Silva2 
http://orcid.org/0000-0003-2849-6733

Marisa Ribeiro Teixeira Duarte3 
http://orcid.org/0000-0002-1154-3006

1Doutor em Educação: conhecimento e inclusão social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor do Programa de Pós-Graduação e Formação Humana da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE/UEMG) e do Departamento de Educação da UEMG Ibirité. Minas Gerais, MG, Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0001-5075-4570. E-mail: danielsantosbraga@gmail.com

2Mestre em Educação e Formação Humana da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Minas Gerais, MG, Brasil. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-2849-6733; E-mail: debora.cristina542@gmail.com

3Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Professora Titular (aposentada) do Departamento de Administração Escolar e pesquisadora do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Minas Gerais, MG, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1154-3006. E-mail: marisartduarte@gmail.com


Resumo

O artigo aborda os instrumentos de regulação transnacional de educação e analisa as métricas utilizadas em estudo comparado de condições de oferta das escolas. O objeto de análise foram os relatórios do projeta School Resources Review da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico -OCDE, de três países latino-americanos signatários do programa: Uruguai, Chile e Colômbia. À luz da teoria da ação pública, foi realizado estudo documental nas diretrizes da OCDE para esses países. A hipótese é que ao estabelecer métricas para um estudo comparado, os relatórios também expõem padrões desejáveis de condições de oferta para diferentes países. Dessa forma, a assessoria política prestada pelo projeto atua no sentido de estabelecer uma padronização de procedimentos, para que os países com piores desempenhos executem ações específicas de gestão, que, supostamente, aproximá-los-ia daqueles com resultados mais exitosos.

Palavras-chave: Políticas de Educação; Regulação transnacional; Instrumentos de ação pública

Abstract

The article discusses transnational instruments for regulating education and analyzes the metrics used in a comparative study of school facilities.The subject of the analysis is the reports of the School Resource Review, a project of Organization for Economic Cooperation and Development (OECD), signed by three Latin American countries: Uruguay, Chile, and Colombia. In light of the theory of public action, a documentary study was conducted on the OECD policies for these countries. The hypothesis states that as metrics for a comparative study are established, undesirable patterns of offer conditions for various countries are also revealed in the reports. Thus, political advice provided by the project acts to establish a set of procedural guidelines for poorer-performing countries to implement specific management actions that, in theory, would bring them closer to more successful outcomes.

Keywords: Education Policies; Transnational Regulation; Instruments of public action

Resumen

El artículo discute las herramientas internacionales de regulación educativa y analiza las métricas utilizadas en un estudio comparativo de instalaciones escolares. Los informes de la Revisión de los Recursos Escolares, proyecto de la Organización para la Cooperación y el Desarrollo Económico (OCDE), suscrito por los tres países latinoamericanos de Uruguay, Chile y Colombia, fueron objeto de análisis. A la luz de la teoría de la acción pública, se realizó un estudio documental de las políticas de la OCDE para estos países. La hipótesis afirma que, a medida que se establecen métricas para un estudio comparativo, también se revelan en los informes patrones indeseables de condiciones de oferta para varios países. De este modo, el comité político asesor designado para el programa trabaja para establecer un conjunto de directrices de procedimiento para que los países con peores resultados lleven a cabo acciones de gestión específicas que, teóricamente, los acercarían a aquellos con resultados más satisfactorios

Palabras Clave: Políticas Educativas; Regulación transnacional; Instrumentos de acción pública

Introdução

Nas últimas décadas, os sistemas de educação de diferentes países da América Latina têm se concentrado em garantir a melhoria do desempenho de seus estudantes nas avaliações de larga escala. Essa preocupação se insere em um movimento global de reforma educacional ancorado na gestão por resultados e promoção de políticas de accountability (MAROY; VOISIN, 2013), incentivadas por organismos multilaterais.

Essa externalização de políticas (STEINER-KHAMSI, 2011), chamada por Ball (2002) de uma verdadeira “epidemia política da performatividade”, encontra respaldo quando as estratégias mínimas de sustentação da autoreferencialidade de cada sistema (conforme LUHMANN, 2006 como citado em STEINER-KHAMSI, 2011) não conseguem, por si mesmas, justificar a execução dessas políticas.

Assim, a introdução em nível nacional de políticas formuladas em outros lugares é legitimada junto à opinião pública uma vez que é atribuído a elas um caráter técnico que objetiva “melhorar a eficácia do ensino, reduzir as desigualdades e diferenças de desempenho entre grupos de alunos (a equidade), [...] controlar ou então reduzir os custos, ou seja, melhorar a eficiência” (MAROY; VOISIN, 2013, p. 882).

Ao analisar esse discurso institucional (KRIEG-PLANQUE, 2018) de aparente neutralidade da avaliação enquanto instrumento orientador de políticas educacionais, revela-se as dimensões do estabelecimento de um novo paradigma político (MAROY; VOISIN, 2013). Ou seja, por trás da despolitização técnica do instrumento, propõe-se uma concepção de educação escolar como sistema de produção, na qual são investidos insumos (inputs) e da qual se espera resultados (outputs).

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é um dos organismos multilaterais que exercem influência nas políticas latino-americanas. Na educação, o papel dessa organização se dá, sobretudo, através do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Trata-se de exame aplicado periodicamente com o objetivo de produzir indicadores de proficiência dos estudantes dos países envolvidos, referentes às áreas de Leitura, Matemática e Ciência4. Em função do desempenho de cada país no exame (e sua classificação em um ranking comparativo com os demais países participantes), a OCDE realiza consultorias, programas e assessoramento com vistas a melhoria da performance. Um desses programas é o "Estudo de políticas para a melhoria da eficácia na utilização dos recursos educativos"5, mais conhecido como School Resources Review (SRR). O programa analisa como a regulação, a distribuição e a gestão dos recursos educativos estão associadas à melhoria da qualidade, equidade e eficácia da educação (OCDE, 2013).

A pesquisa aborda o programa SRR e analisou, inicialmente, no documento denominado "Quadro Comum de Questões"6, a composição estabelecida pela OCDE para aferir recursos escolares. Este documento foi elaborado ainda na fase de planejamento do programa. Em seguida sistematizou as diferenças apresentadas nos relatórios de cada país disponibilizados na segunda fase do programa. Finalmente, foram analisadas as recomendações constantes no documento de resposta - Relatório de revisão -encaminhado aos governos dos países selecionados. Os documentos que compõem a fase final do programa não foram abordados neste estudo. A hipótese em discussão é que, ao estabelecer métricas comuns para um estudo de sistemas educacionais diversos, os relatórios também expõem uma concepção de padrões desejáveis de recursos escolares. Dessa forma, as recomendações de políticas públicas para "governança, distribuição e gerenciamento dos recursos" educacionais, presentes nos relatórios enviados pela OCDE aos países, legitimam-se por apresentar orientações capazes de promover melhores resultados de estudantes nos testes de desempenho. Assim, a assessoria prestada pelo projeto e, por conseguinte, pela OCDE, atuaria como instrumento de política de regulação transnacional no campo da educação, no sentido de estabelecer políticas prioritárias, para que os países com piores desempenhos executem ações que, pelo menos em tese, aproximem-nos daqueles com resultados mais exitosos.

Regulação transnacional e avaliações em larga escala

Instrumentos de políticas públicas são um tipo particular de instituição, uma vez que estabilizam os modos de cooperação entre atores diversos e desiguais. Além disso, os instrumentos não são neutros, mas portadores de valores e, ao mesmo tempo, produtores de valores, pois induzem uma problematização específica dos objetos na medida em que misturam componentes técnicos (métricas, cálculos, regras jurídicas e procedimentais) e sociais (representações e símbolos). “Cada instrumento é uma forma condensada de conhecer o poder social e as formas de exercê-lo” (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012, p. 202). O crescimento da instrumentalização de políticas nas últimas décadas se deu em um contexto de regulação pós-burocrática dos Estados, marcada pela crise das finanças públicas desde as décadas de 1970 e 1980. Se, tradicionalmente, a regulação política era considerada como um conjunto de arranjos institucionais e de mecanismos de controle e enquadramento das ações por uma autoridade política reconhecida (regulamentação), com a crise dos Estados-Providência novos atores sociais (públicos e privados) surgem -ou passam a se mobilizar por dentro, por fora ou em articulação com o Estado (MAROY, 2011). Dessa forma, há um deslocamento da noção de regulação como regulamentação para uma compreensão de regulação como “um jogo e como resultante de uma multiplicidade de ações em um campo de ação específico” (MAROY, 2011, p. 690).

A regulação política é pensada, à luz da sociologia política ou da sociologia das organizações, como um processo plural e conflituoso de produção de regras do jogo, como entrelaçamento de ações e de dispositivos de coordenação, por natureza, situados e em continua interação. (MAROY, 2011. p.691).

A literatura latino-americana de política educacional, desde as últimas décadas do século XX, tem analisado a regulação dos sistemas educacionais como processo de globalização de princípios e práticas políticas produzidos em outros lugares. Predominam abordagens que advogam a implementação de best practices político administrativas difundidas por organizações internacionais/nacionais e agenciadas por pesquisas que aferem fatores intervenientes sobre resultados. As ações de externalização de políticas educacionais voltadas para a promoção de resultados reforçam e são reforçadas pela difusão de medidas de reformas políticas da administração pública.

Nesse sentido, a regulação transnacional consiste em:

[...] o conjunto de normas, discursos e instrumentos (procedimentos, técnicas, materiais diversos etc.) que são produzidos e circulam nos fóruns de decisão e consulta internacionais, no domínio da educação, e que são tomados pelos políticos, funcionários ou especialistas nacionais como “obrigação” ou “legitimação” para adotarem ou proporem decisões ao nível do funcionamento do sistema educativo. (BARROSO, 2006, p. 44).

Esse contexto de transição dos modos de regulação burocráticos para os chamados pós-burocrático que mobiliza a difusão da regulação por resultados, mas o faz com a coexistência de múltiplas formas sistêmicas. Se, por um lado, podem melhorar os resultados; por outro, podem também aprofundar desigualdades sociais face à escola.

O School Resources Review como instrumento de regulação transnacional

O programa School Resources Review (SRR) foi inicialmente previsto no Plano de Trabalho e Orçamento 2013/14 do Comitê de Política e Educação da Divisão de Primeira Infância e Escolas da OCDE e, oficialmente, lançado em março/abril de 2013. O objetivo declarado pela OCDE para legitimar o SRR é de analisar como os recursos educativos podem ser regulados, distribuídos, utilizados e geridos para melhorar a qualidade, a equidade e a eficácia da educação.

No documento com o plano orientador do programa (OCDE, 2013), apresentado ao Comitê Orçamentário da OCDE, subdividiram-se como compondo os recursos educacionais itens agrupados em quatro categorias: i) recursos financeiros - orçamento disponível e despesas; ii) recursos físicos como infraestrutura escolar e computadores; iii) recursos humanos, em que constam professores, funcionários e os diretores de escola; e iv) outros recursos necessários para programas específicos (programas de financiamento orientados para grupos específicos ou com objetivos políticos específicos, tais como bolsas de estudo para estudantes desfavorecidos ou programas para melhorar liderança escolar).

Dessa forma, essas categorias foram consideradas como componentes de recursos necessários à oferta da educação escolar. A OCDE reconhece a prioridade da disponibilidade de recursos financeiros como principal fator interveniente no acesso e permanência na educação escolar (e.g. taxas de matrícula, abandono e conclusão) e nos resultados de longo prazo, tais como o mercado de trabalho e outros resultados sociais (e.g. rendimentos, taxas de retorno, níveis de produtividade, mobilidade social).

A metodologia de trabalho proposta foi dividida em três fases, nas quais a primeira, denominada fase analítica, se constituiria em um esforço da coordenação do SRR no sentido de se fazer estudos de revisão de literatura sobre o tema enquanto se recolheria informações sobre as políticas e práticas dos países através dos "Relatórios de Antecedentes dos Países"7 (RAPs). Estes foram preparados em resposta a um conjunto de questões utilizando um quadro comum elaborado desde o documento de apresentação. A segunda fase, de revisão por país, consistiria em uma equipe de até cinco revisores (incluindo pelo menos dois membros do Secretariado da OCDE) que analisaria o RAP e realizaria uma visita de estudo in loco no país participante. Para cada país seria produzido um "Relatório de Revisão do País"8, que forneceria conselhos políticos adaptados para melhorar a utilização dos recursos escolares. Por fim, na fase de síntese, combinaria as evidências analíticas e de revisão para alimentar uma série de relatórios comparativos temáticos que forneceriam uma conclusão política global.

Quadro comum para o Relatório de Antecedentes dos Países

A ferramenta de construção do RAP (OCDE, 2013b) é composta de seis capítulos que visam conhecer a realidade do país participante do programa. São eles: 1) aspectos do contexto nacional (social, econômico, político e demográfico); 2) o sistema escolar (organização, relevância social atribuída pela comunidade, distribuição de responsabilidades, existência de mercado escolar e desempenho); 3) utilização de recursos (fontes de receitas, planejamento, implementação de políticas); 4) distribuição de recursos (repasse de recursos aos subsistemas, escolas e grupos de alunos específicos, além de docentes); 5) utilização de recursos (tamanho de classes, aspectos do trabalho docente e dos gestores como jornada, remuneração e carreira); e 6) gestão de recursos (planejamento, monitoramento e avaliação dos gastos).

Um número considerável dos itens a serem respondidos pelos países previstos na ferramenta de construção do RAP diz respeito aos recursos financeiros. O documento indaga os países signatários sobre qual é o montante total de recursos disponíveis para a educação escolar, a procedência desses recursos, se e como sua alocação é planejada, o grau de centralização/descentralização da tomada de decisão em relação à alocação dos recursos, formas alternativas de captação, como os países têm lidado com a crise fiscal, dentre outros.

As questões relativas aos docentes são também detalhadas e aprofundadas em parte do capítulo 4, quando o documento inquire sobre formação inicial dos professores, formas de recrutamento, atração e retenção de corpo docente. No capítulo 5 o assunto é retomado nas perguntas referentes à relação quantidade de alunos x professor, jornada de trabalho, horários de planejamento, estrutura da carreira e remuneração.

As perguntas relativas à infraestrutura correspondem a um pequeno excerto do quadro comum de questões, no qual o documento em seu capítulo 3 inquire os países participantes sobre possíveis investimentos recentes nas instalações escolares. Questiona também se existem iniciativas políticas para garantir qualidade e adequação das instalações escolares para fins de ensino e aprendizagem e se essas instalações suprem as necessidades de cada escola.

As perguntas colocadas para os relatórios nacionais e o espaço destinado a elas contêm os elementos que configuram a ideia de recursos escolares difundida pela OCDE. Esse quadro de ideias de recursos necessários à educação escolar está voltado para a construção de um diagnóstico sobre as políticas de administração dos sistemas educacionais e não para a indicação de bens materiais e humanos necessários ao ensino e ao aprendizado. Esta pesquisa se fundamenta no conceito de condições de oferta como orientador de análises sobre bens materiais e humanos necessários ao ensino e à aprendizagem nas escolas. Ou seja, ainda que os objetivos educacionais possam variar de lugar para lugar, o documento parte da ideia de que todos os países comungam de elementos centrais no planejamento de seus sistemas educativos: o acesso, a participação e o desempenho. Da mesma forma, a eficácia escolar que transparece no documento é entendida como a capacidade de uma escola ou de um sistema escolar para realizarem adequadamente os objetivos educativos declarados; e eficiência escolar diz respeito à realização desses objetivos ao menor custo possível.

Recomendações políticas para Uruguai Chile e Colômbia

A análise dos Relatórios de Antecedentes dos Países e a posterior visita in loco da equipe da SRR da OCDE produziu um Relatório de Revisão individualizado para cada país participante, nos quais constam conselhos políticos adaptados para melhorar a utilização dos recursos escolares a fim de se superarem os problemas e desafios previamente identificados. Os relatórios seguem o mesmo esquema de organização do Quadro comum de questões, com a diferença que as questões referentes ao contexto nacional e aos dados educacionais foram condensadas em um único capítulo.

O relatório do Uruguai foi o primeiro entre os países latino-americanos, sendo realizado em março de 2015 e publicado em 2016. Segundo o texto (SANTIAGO et al., 2016) o ensino primário foi universalizado nesse país. Além disso, o acesso à educação inicial de crianças de quatro a cinco anos é alto, com taxas de cobertura consideravelmente superiores à média da América Latina. No entanto, apesar do (lento) crescimento das taxas de conclusão dos primeiro e segundo ciclos do ensino secundário em comparação com outros países da região, elas continuam a ser insatisfatórias. O Uruguai também tem taxas de repetência muito altas em comparação com a região e em nível internacional. Além disso, o nível de aproveitamento dos estudantes em avaliações internacionais diminuiu, mas permanece acima da média regional. Uma das principais preocupações do relatório é a proporção significativa de estudantes com fraco desempenho no ensino secundário, permanecendo desigualdades notórias no nível educacional de acordo com o nível socioeconômico dos estudantes.

Para superar os problemas identificados e melhorar a eficácia da utilização dos recursos no sistema educativo uruguaio, o relatório aponta como prioridades políticas para o país:

  • repensar a governança educacional para facilitar a implementação de reformas e melhorar o uso dos recursos educacionais;

  • aumentar a despesa pública global com a educação a fim de se resolverem as principais ineficiências;

  • melhorar a transparência dos mecanismos de financiamento da educação e o monitoramento do uso dos recursos públicos;

  • aumentar a profissionalização dos professores;

  • conceber a avaliação das escolas e lideranças escolares como promotores da melhoria contínua.

Em relação a governança, o relatório argumenta que a organização escolar no país é fragmentada e a distribuição de responsabilidades é ambígua, gerando falta de liderança em relação à política de educação como um todo e, por vezes, competição entre organismos por recursos. Essa fragmentação da educação dificultaria a partilha de recursos pelos subsistemas e impediria também que os recursos sejam transferidos de um sistema para outro quando necessário. Ao mesmo tempo, o documento aponta uma excessiva centralização, em que autoridades centrais não só gerem o orçamento da educação, a contratação de professores e a atribuição de infraestruturas e equipamento, como também concentram o poder de decisão sobre aspectos menos fundamentais das operações escolares, tais como a aquisição de material didático, as reparações necessárias nas escolas e a aprovação de atividades especiais.

No tocante à participação dos professores na administração do sistema, essa centralização também representa um risco. Ao elegerem representantes para o órgão nacional de administração (Consejo Directivo Central) e para cada conselho regional, apesar de participarem diretamente do desenvolvimento da política educacional. Isso inclui também decisões que dizem diretamente respeito aos seus interesses. Esa participação direta, inevitavelmente, reforçaria corporativismo que poderia influenciar o desenvolvimento da política de educação. Segundo o documento, o risco é que algumas políticas educacionais possam ser tendenciosas em favor dos interesses dos professores e, consequentemente, o sistema educativo poderia estar mais centrado nos docentes do que nos próprios estudantes.

O documento considera a política de educação uruguaia de busca pela equidade importante, mas entende que esse investimento tem se dado através de programas educativos específicos, especialmente no ensino secundário, enquanto o financiamento regular das escolas acaba por distribuir poucos recursos de acordo com as necessidades específicas das escolas. Isto traria como consequência a redução da transparência do financiamento das escolas. Ao mesmo tempo, outros problemas políticos, como a grande repetência de alunos e a distribuição de professores em certas escolas, não receberam atenção suficiente em termos das desigualdades que introduzem no sistema. O relatório ainda discute a necessidade de se estabelecerem políticas mais claras de responsabilização, uma vez que não foi implementada qualquer estratégia sistemática para incorporar os resultados da pesquisa educacional uruguaia e internacional nos processos de formulação de políticas.

Sobre o financiamento da educação, o documento reconhece que, embora os gastos tenham aumentado significativamente nos últimos anos em proporção do PIB e em proporção da despesa pública total, ele permanece consideravelmente abaixo da média da OCDE e abaixo do equivalente em outros países da América Latina. Comparada internacionalmente, a despesa pública é particularmente baixa nos programas do setor público em geral. Este nível relativamente baixo de gastos traduz-se em gastos insuficientes com salários de professores e diretores de escolas e materiais didáticos, tornando difícil atender à demanda por vagas na pré-escola. Os baixos salários dos professores afetam negativamente a qualidade daqueles que entram na profissão docente, uma vez que os melhores alunos não são recrutados devido a percepção da profissão por parte do público e a motivação daqueles que já trabalham na profissão. O atual nível reduzido das despesas com a educação insere-se num contexto em que existem várias pressões para aumentar as despesas públicas neste domínio. A expansão da cobertura, particularmente na educação infantil, exige mais recursos. Além disso, as horas de aula podem ainda ser consideravelmente aumentadas em diferentes níveis de ensino.

O relatório do Chile foi iniciado em 2015 e publicado em 2017. De acordo com os autores (SANTIAGO et al., 2016), o sistema educacional chileno cresceu consideravelmente nos últimos anos. As matrículas no ensino pré-primário aumentaram significativamente e o acesso universal ao ensino secundário foi praticamente alcançado. Também houve um bom progresso na retenção dos alunos no sistema escolar. No entanto, no ensino secundário, as melhorias nas taxas de conclusão e de retenção não foram sustentadas nos últimos tempos e cerca de 20% de uma coorte não chega ao último ano do ensino secundário. Da mesma forma, o desempenho dos estudantes em avaliações internacionais, apesar de ser o melhor da América Latina, permanece abaixo da média da OCDE. O sistema de financiamento por meio de vouchers é elogiado, mas a associação entre o nível socioeconômico e os resultados nos testes ainda é bastante forte. Outro ponto creditado como promissor é a política nacional de desenvolvimento da carreira docente, mediante progressão por avaliação de desempenho. Nesse sentido, as prioridades elencadas no relatório foram:

  • Consolidar o financiamento do ensino básico e secundário e garantir recursos para a execução da reforma;

  • Promover objetivos de equidade através de uma melhor orientação dos recursos para grupos vulneráveis de estudantes;

  • Manter esforços para fortalecer a liderança escolar e garantir que a avaliação da escola se concentre na melhoria da escola;

  • Assegurar que a reforma da política nacional de professores esteja intimamente ligada à melhoria da prática docente.

Apesar de creditar a política de subvenções como acertada, o documento reconhece que esse formato torna difícil o financiamento de infraestruturas das escolas. As subvenções incluem uma dotação para apoio à manutenção, mas, embora estes fundos possam cobrir os custos de pequenas reparações, não são suficientes (nem estão reservados) para investimentos maiores envolvendo construção. Além disso, o termo de subvenção proíbe explicitamente a utilização de recursos para investir em infraestruturas. Para tentar reverter a questão, o Ministerio de Educación tem seguido uma nova abordagem em que as necessidades são identificadas a nível regional e os fundos públicos são atribuídos com base em projetos. O relatório, no entanto, aponta que essa estratégia possa acabar por discriminar os municípios de baixa capacidade que não conseguem facilmente competir por esses fundos e, da mesma forma, discrimina os estabelecimentos privados subsidiados que não se enquadram como elegíveis. Este fator pode tornar-se um problema grave no futuro, uma vez que tais instalações não poderão utilizar pagamentos por vouchers ou lucros para recuperar os custos de tais investimentos.

Em relação ao trabalho docente, o relatório identifica que existe um excesso de profissionais lotados na educação, especialmente nos municípios. Um fator importante que contribui para esta tendência é a migração de alunos para escolas particulares subsidiadas, o que tem deixado muitas escolas públicas extremamente pequenas com altos gastos por aluno. Outro fator que contribui para novas pressões é a tendência demográfica de redução das taxas de natalidade, o que diminui o número de pessoas em idade escolar. Segundo o documento, não houve nenhuma revisão da rede escolar para avaliar a necessidade de uma reorganização da oferta de educação local, e não foram desenvolvidas estratégias importantes de transporte escolar.

O último relatório dos países latino-americanos signatários do SRR foi o da Colômbia, realizado em 2017 e publicado em 2018 (RADINGER et al., 2018). Embora a economia do país tenha crescido fortemente nas primeiras décadas do século XXI, após uma profunda recessão no final da década de 1990, o desenvolvimento econômico tem sido desigual em todo o país, sendo que entre suas regiões é mais de duas vezes maior do que a média da OCDE e ligeiramente maior do que em outros países latino-americanos, como Chile, México e Brasil. Essas disparidades regionais são influenciadas pela geografia do país, que limita as conexões entre regiões, e pela na ausência de infraestrutura eficiente. Instituições fracas, poucas ligações entre áreas rurais e urbanas e um foco em atividades agrícolas tradicionais também contribuem para as desigualdades regionais. Além disso, o encerramento dos conflitos armados e os acordos de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia em 2016 prometeram maior bem-estar social e prosperidade econômica, em particular para a população rural, por meio de um compromisso com uma reforma rural abrangente. No âmbito da educação, essa reforma - Plano Especial de Educação Rural - tem desempenhado um papel fundamental na redução das lacunas educacionais entre as áreas rurais e urbanas.

Na edição do Pisa de 2015, os estudantes rurais na Colômbia obtiveram, em média, 38 pontos abaixo dos estudantes urbanos do país, o equivalente a mais de um ano letivo. A maior pobreza nas áreas rurais explica a maior parte dessa diferença de desempenho, mas os estudantes rurais enfrentam outras barreiras. É importante ressaltar que os estudantes rurais tendem a ter menos aspirações para sua educação futura. A educação rural oferece oportunidades, como turmas menores, mas também acarreta desafios. Condições de trabalho menos atrativas tornam frequentemente difícil atrair e reter professores de elevada qualidade, e o baixo número de alunos representa um desafio para oferecer um currículo amplo, por exemplo. As prioridades elencadas para a Colômbia no SRR foram:

  • Conciliar a alocação de recursos com os esforços políticos, respondendo gradualmente às prioridades, assegurando uma maior continuidade e capacidade local, e reformar o sistema de transferência fiscal;

  • Melhorar a organização dos agrupamentos de escolas, reforçar a capacidade escolar através de uma maior colaboração e criar uma oferta educativa mais pertinente;

  • Promover uma nova visão do profissionalismo dos professores e tornar a alocação de professores mais eficiente e equitativa.

A expansão do atendimento escolar colombiano, como é recente, ainda consta com recursos suficientes. Portanto, ela precisa ser conciliada com os esforços necessários para preencher as lacunas persistentes na cobertura e na qualidade da educação, incluindo entre as áreas rurais e urbanas. No entanto, dado o aprofundamento da crise econômica, os próximos passos do crescimento devem se dar em uma base de recursos cada vez mais reduzida e dentro de um clima fiscal mais rigoroso. Como será financeiramente difícil atingir os objetivos estabelecidos sem financiamento suficiente, o relatório incentiva a Colômbia a aumentar os recursos públicos totais disponíveis para a educação escolar, explorando opções alternativas de financiamento deste nível, dando prioridade aos investimentos graduais nos primeiros anos. Dado que os esforços de financiamento devem ser permanentes, a Colômbia deve discutir uma reforma fiscal, mas também mecanismos horizontais de equalização para corrigir o elevado nível de assimetrias fiscais entre e dentro das entidades territoriais.

Em relação às escolas rurais, o relatório sugere a organização por meio de agrupamentos escolares a fim de se concentrarem unidades e recursos, mediados por mecanismos de transporte e alojamentos. A reorganização não deveria, inicialmente, implicar o encerramento de estabelecimentos com um número muito reduzido de alunos, mas sim a criação de escolas com um número adequado de instalações que proporcionem condições de aprendizagem de elevada qualidade. As entidades territoriais certificadas devem colaborar no planejamento da sua rede escolar e envolver as comunidades locais no seu processo de decisão. Para que os agrupamentos de escolas funcionem na prática, as autoridades educativas a todos os níveis deveriam investir significativamente na liderança escolar.

O documento identifica que a política nacional de professores na Colômbia se centrou no professor individual, dando menos atenção às condições organizacionais e institucionais necessárias para um ensino e uma aprendizagem eficazes. Ou seja, se organizaram de maneira coorporativa. Nesse sentido, o relatório indica uma nova visão da profissionalização docente criando incentivos financeiros mais fortes com base em evidências empíricas assim como uma oferta adequada de formação inicial de professores de elevada qualidade para as zonas rurais.

Considerações finais

A análise de políticas públicas por seus instrumentos é um meio de se compreender as relações entre a sociedade política e a sociedade civil no qual as escolhas dos instrumentos, em nome de sua racionalidade, modernidade ou eficácia são também escolhas políticas, e em um nível discursivo, às quais se atribui neutralidade. Nesse sentido, o programa School Resources Review (SRR) da OCDE pode ser pensado como um instrumento de regulação transnacional de políticas no âmbito da educação.

A escolha das questões na construção do quadro comum de questões do SRR permite inferir que, para esse instrumento e para sua entidade executora, a questão da melhoria do desempenho das escolas nos testes padronizados seria resultado de uma compreensão racional de políticas públicas, na qual eficácia e eficiência são frutos de escolhas baseadas em custos e efeitos de diferentes alternativas. Em outras palavras, ao destinar parte considerável das questões a informações relativas à administração dos recursos e para as características do trabalho docente (e à liderança de gestores), esses seriam elementos prioritários como fatores intervenientes de resultados educacionais. O pouco espaço destinado a questões referentes à infraestrutura pode estar ligado a duas hipóteses: ou para a maior parte dos países membros da OCDE - em geral, países ricos -esse elemento não se constitui como questão (afinal, a maior parte das escolas já consta de boas condições de infraestrutura); ou o organismo se ancora em pesquisas que relegam à fatores infraestruturais a um segundo plano no tocante a sua repercussão nos resultados em testes padronizados.

As recomendações de políticas dos relatórios contextuais trazem elementos comuns em todos os relatórios, apesar das diferenças nas trajetórias históricas, culturais e sociais de cada país, como demonstradas nos próprios documentos. Dentre as sugestões comuns se encontram a introdução de políticas claras de responsabilização, transparência de gastos, delimitação de objetivos educacionais nacionais, autonomia local da gestão educacional, políticas de profissionalização docente ancoradas em avaliação de resultados, ampliação de recursos para educação de fontes diversificadas com mecanismos de mercado.

Ao se reportar com frequência aos resultados dos demais países latino-americanos e da OCDE no Pisa para justificar a adoção dessas políticas sugeridas para governança, distribuição e gerenciamento dos recursos, o SRR estabelece uma padronização de

procedimentos. Dessa forma, os países signatários do programa poderiam se aproximar dos resultados daqueles com resultados mais exitosos, que se supõe, já adotaram tais medidas.

4O PISA foi criado em 1997 e é realizado a cada três anos, tendo o último sido aplicado em 2018 envolvendo 79 países (considerando Hong Kong, Macao e Taipei), incluindo os 36 países membros da OCDE e países convidados. Da América Latina participaram da última edição do exame Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Panamá, Peru, República Dominicana e Uruguai, além do Brasil.

5Tradução livre do original: Review of policies to improve the effectivenesses of resources use in schools.

6Tradução livre do original: Guidelines For Country Background Reports

7Tradução livre do original: Country Background Reports.

8Tradução livre do original: Country Review Report.

Referências

BARROSO, J. O Estado e a educação: a regulação transnacional, a regulação nacional e a regulação local. In: BARROSO, J. (Org.). A regulação das políticas públicas de educação: espaços, dinâmicas e atores. Lisboa: Educa, 2006. p. 41-70. [ Links ]

KRIEG-PLANQUE, A. Analisar discursos institucionais. Uberlândia: EDUFU, 2018. [ Links ]

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Recebido: de 2023; Aceito: de 2023; Publicado: de 2023

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