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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.17  Curitiba  2023  Epub 11-Oct-2023

https://doi.org/10.5380/jpe.v17i0.89486 

Seção Artigos

O Programa Aprendizagem para Todos como instrumento de racionalidade técnica na formação de professores em Angola

The Learning for All Program as an instrument of technical rationality in teacher training in Angola

El Programa Aprendizaje para Todos como instrumento de racionalidad técnica en la formación docente en Angola

Camila Maria Bortot1 
http://orcid.org/0000-0002-9355-8876

Chocolate Adão Brás2 
http://orcid.org/0000-0003-3229-8369

1Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pós-doutoranda em Educação pela UFPR. Curitiba, PR. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9355-8876 E-mail: camilabortot@gmail.com

2Mestre em Administração Educacional pelo Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda. Doutorando em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Assistente de Investigação no Centro de Investigação Sol Nascente. Huambo, Angola. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3229-8369. E-mail: chocolatebras@gmail.com


Resumo

O presente artigo tem por objetivo analisar a construção e a consolidação da agenda que tem por base a racionalidade técnica para programas de formação inicial e continuada de professores angolanos no período de 2010-2020. Para tanto, focaliza o exame ao Projeto de Aprendizagem para Todos (PAT), em implementação desde 2013 com financiamento e assistência técnica do Banco Mundial e da Fundação Calouste Gulbekian. Apresenta dados relativos aos instrumentos pedagógicos que atribuem a formação docente à institucionalização da agenda pedagógica-mercantil de competências, aos preceitos da Nova Gestão Pública. Assim, ocorre em Angola, no período analisado, a racionalidade pelas vias endógenas e exógenas, em que instituições internacionais promovem a instalação da interdependência ao traçar planos nacionais a partir de pautas globais para lidar com problemas que exigem cooperação internacional e/ou alinhamento de políticas nacionais. O PAT, por sua vez, institucionaliza e direciona a formação inicial e continuada de docentes e gestores ao projeto internacional do direito à aprendizagem de harmonização para o controle e a eficácia de resultados em larga escala.

Palavras-chave: Políticas educacionais; Mercantilização da educação; Formação de professores em Angola; Programa Aprendizagem para Todos

Abstract

The present article aims to analyze the construction and the consolidation of the agenda that is based on the technical rationality for programs of initial and continued training of Angolan teachers in the period of 2010-2020. To this end, it focuses on examining the Project Education for All (PAT), implemented since 2013 through funding and technical assistance from the World Bank and the Calouste Gulbekian Foundation. The article presents data on pedagogical instruments that attribute teacher training to the institutionalization of the pedagogical-mercantile competency agenda, to the rules of the New Public Administration. Thus, in Angola, in the analyzed period, the rationality occurs by endogenous and exogenous means, in which international institutions promote the installation of interdependency when tracing national plans from global guidelines to deal with problems that demand international cooperation and/or alignment of national policies. The PAT, in turn, institutionalizes and directs the initial and continued training of teachers and managers to the international project of the right to harmonization learning for the control and effectiveness of results on a large scale.

Keywords: Educational policies; Technical rationality; Teacher training in Angola; Education for All Program

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar la construcción y consolidación de la agenda a partir de la fundamentación técnica de los programas de formación inicial y continua de profesores angoleños en el período 2010-2020. Para ello, se enfoca en examinar el Proyecto Aprendizaje para Todos (PAT), que se implementa desde 2013 con financiamiento y asistencia técnica del Banco Mundial y la Fundación Calouste Gulbekian. Presenta datos sobre los instrumentos pedagógicos que atribuyen la formación docente a la institucionalización de la agenda pedagógico-comercial de competencias, a los preceptos de la Nueva Gestión Pública. Así, en Angola, en el período analizado, la racionalidad ocurre a través de vías endógenas y exógenas, donde las instituciones internacionales promueven la instalación de la interdependencia mediante la elaboración de planes nacionales basados en directrices globales para enfrentar problemas que requieren cooperación internacional y/o alineación de políticas nacionales. El PAT, a su vez, institucionaliza y orienta la formación inicial y continua de docentes y directivos al proyecto internacional del derecho a la armonización de aprendizajes para el control y eficacia de resultados a gran escala.

Palabras Clave: Políticas educativas; Racionalidad técnica; Formación de profesores en Angola; Programa Aprendizaje para Todos

Introdução

O presente estudo busca analisar a construção e a consolidação da agenda que tem por base a racionalidade técnica para programas de formação inicial e continuada de professores angolanos no período de 2010-2020. Para tanto, focaliza o exame ao Projeto de Aprendizagem para Todos (PAT), em implementação desde 2013, com financiamento e assistência técnica do Banco Mundial e da Fundação Calouste Gulbekian.

A priori, entende-se formação inicial aquela em cursos médio ou superior, na forma da lei, e continuada, de desenvolvimento pedagógico-docente, e que agreguem, no bojo desses programas, a valorização profissional e formativa como condição para o pleno exercício da docência. Por sua vez, ambas devem ser pautadas na coletivização dos processos e na defesa dos direitos humanos, com programas de qualidade de ensino, em uma perspectiva de respeito à diversidade sociocultural e, ao mesmo tempo, de estímulo à formação crítico-emancipatória.

A pesquisa que fundamenta o presente texto tem abordagem qualitativa e foi realizada a partir de levantamento bibliográfico e documental, cujo corpus documental foi composto de planos e relatórios do PAT, documentos do Banco Mundial para o continente africano, legislação educacional angolana e outros documentos que embasam o direito à educação. É organizado em dois tópicos principais: o primeiro trata de aspectos que integram o desenvolvimento da racionalidade técnica global alinhada à Nova Gestão Pública e elementos de privatização, onde tem um de seus principais disseminadores o Banco Mundial a um projeto de formação de professores; em seguida examinamos o Programa Aprendizagem para Todos (PAT) como parte de uma agenda mercantil de competências, como representação empírica da ótica do fundamentos mercantis sob a formação docente em Angola; ao fim, tecemos as conclusões acerca dos riscos que o movimento de racionalidade técnica traz para a região estudada.

Racionalidade técnica global e suas relações com a educação: o protagonismo do Banco Mundial

Nos últimos anos, o mundo vem passando por transformações que envolvem a atuação do Estado na busca de padrões de eficiência e qualidade. Uma das formas dessa mudança vem ocorrendo pela privatização de serviços e pela economização do conhecimento, aceitando-se que, a nível político, são cada vez mais convergentes os modos de regulação das políticas educacionais e que, a nível cultural, são transnacionalizados padrões comuns que resultam do reconhecimento de princípios quanto a modos de ser e de viver (BORTOT, 2022). Uma característica desses padrões é a ascensão do discurso de boas práticas que colocam no centro os padrões mercantis na educação, ascensão essa que está intimamente relacionada com a existência de uma política educativa global (PEG) (ROBERTSON, 2012).

Segundo Verger e Normand (2015), nos últimos anos, a esses elementos integram a Nova Gestão Pública (NGP) e da PEG, tanto em países industrializados como nos em vias de desenvolvimento. A NGP agrega um conjunto de princípios da gestão privada que são indicados para a otimização dos serviços no âmbito do setor público, o qual passa a incorporar valores e estratégias de mercado a fim de otimizar sua ação, com flexibilidade, eficiência e baixo custo (SCAFF; SOUZA; PAXE, 2018). Sobre isso, Verger e Normand (2015) afirmam que “seus discursos e instrumentos circulam globalmente, mas são reformulados e traduzidos em contextos nacionais e locais de tal forma que as políticas desenvolvidas podem ter abordagens bem diferenciadas” (VERGER; NORMAND, 2015, p. 614-615).

Em consonância com a égide mercantil, denota-se a consolidação de um modelo de gestão de racionalidade, sob a justificativa de melhorar a eficácia e a eficiência do Estado com um movimento integrador e descentralizado. Esse modelo provocou uma reforma de Estado, que passa a adotar um novo modelo de governança, centrado na implementação efetiva da lógica concorrencial em detrimento do princípio de direito público e das políticas de proteção e promoção da justiça social (DARDOT; LAVAL, 2016), entre sujeitos individuais e coletivos, sejam nacionais ou internacionais.

A racionalidade capitalista, sobretudo orientada pelos Organismos Internacionais, em voga a partir de 1980, deu origem aos termos das boas práticas com governança, ou seja, com a participação da sociedade civil nos processos de planejamento, coordenação e implementação das ações para eficiência e eficácia das ações, a fim de unir desenvolvimento social e econômico (BORTOT, 2022). A intenção é dar bases para a reinvenção do Governo, pela via da construção de um novo modo de racionalização que submeta a produção dos serviços públicos à lógica mercantil, de forma a atender aos interesses oligopolistas e às recomendações dos organismos financeiros internacionais (Banco Mundial, FMI, OMC, OCDE, dentre outros). Na acepção de Dardot e Laval (2016, p. 276) “a boa governança é a que respeita as condições de gestão sob os préstimos do ajuste estrutural e, acima de tudo, a abertura aos fluxos comerciais e financeiros, de modo que se vincula intimamente a uma política de integração ao mercado mundial”.

Há, sob o discurso de eficiência e modernização do global ao local, ampla abertura à mercantilização e à racionalidade, que afetou, também, o campo educacional por meio da privatização exógena e endógena na educação. Segundo Ball e Youdell (2008), a privatização exógena é definida pelos autores como aquela que envolve a abertura dos serviços públicos de educação ao setor privado por meio de acordos com base no benefício econômico e uso do setor privado na concepção, gestão ou prestação de diferentes aspectos da educação pública. Já a privatização endógena envolve a importação de ideias, métodos e práticas do setor privado para tornar o setor público cada vez mais comercial (BALL; YOUDELL, 2008, p. 41). Sinaliza-se que, em sua maioria, esses tipos de privatização” costumam se apresentar de forma imbricada e híbrida” (MOSCHETTI; FONTDEVILA, VERGER, 2019, p. 6).

Verifica-se, com base na literatura, que a privatização na educação acontece por várias frentes. Ocorre tanto por meio da oferta direta de serviços educacionais por instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, como também por meio de políticas em que o privado disputa o conteúdo das políticas públicas educativas. Tais ações alinhamse especialmente às políticas de instituições como OCDE, Banco Mundial, BID, além de conglomerados internacionais privados, que concentram para isso especialistas e financiam governos na adaptação de seus projetos educacionais aos objetivos de seus investimentos.

Essa perspectiva, conduzida pelo empresariado global tem no grupo Banco Mundial um catalisador da experiência internacional e um forte indutor de políticas, que amplifica estratégias e argumentos em prol da construção de sociedades reguladas pelo mercado. O Banco atua na concessão de empréstimos e oferece assessoria técnica aos países membros, assim como desempenha uma função expressiva na produção intelectual, por meio da elaboração de um conjunto de documentos que subsidiam a implementação das políticas educacionais.

Nesse ínterim, assistimos, em nível global, a discursos que consideram que o conceito de mercado educacional integre os princípios de escolha com os de liberdade para, dessa maneira, argumentar que, por exemplo, padrões educacionais definidos internacionalmente originem educação de qualidade para todos, afetando diretamente a formação de professores. Esses discursos circulam pelas organizações, assim como, posteriormente, por ministérios e outros atores.

Isso pode ser verificado também quando o Banco Mundial financia e influencia boas práticas e programas tendo por base essas características para a educação, cuja formação docente é uma de suas principais frentes de atuação. Logo, a formação de professores é um elemento importante no cumprimento da agenda social, econômica e cultural do país, em consonância com as agendas internacionais ligadas à PEG.

Desde os anos 1990, os professores, nos documentos do Banco Mundial, têm sido vistos como peça-chave no que se refere à melhoria dos índices de aprendizagem dos estudantes. Desde Prioridades y estrategias para la educación (BANCO MUNDIAL, 1996, P. 4), os professores são considerados um insumo educacional como tantos outros. Mais recentemente, em 2011, o Banco Mundial lançou a “Estratégia 2020 para a Educação: Aprendizagem para Todos - Investir nos conhecimentos e competências das pessoas para promover o desenvolvimento”, construída por intermédio de consultas com governantes, parceiros de desenvolvimento, estudantes, professores, pesquisadores, sociedade civil e representantes de negócios de mais de cem países, de acordo com a diretriz de participação adotada pelo BM nos últimos anos (WORLD BANK, 2011).

Segundo o documento de 2011, existe um hiato entre os anos de escolarização e os conhecimentos e competências que os indivíduos precisam desenvolver para contribuir com o crescimento econômico dos seus países com base no direito à aprendizagem. Nesse sentido, faz parte da agenda do Banco:

[...] apoiar reformas dos sistemas educacionais. O termo “sistema educacional” refere-se tipicamente às escolas públicas, universidades e programas de formação que fornecem serviços de educação. Nesta estratégia, “sistema educacional” inclui a gama completa de oportunidades de aprendizagem que existem num país, quer sejam fornecidas ou financiadas pelo setor público quer privado (incluindo organizações religiosas, organizações sem fins lucrativos ou com fins de lucro). Inclui programas formais ou não formais, para além de toda a gama de beneficiários e interessados nestes programas: professores, formadores, administradores, funcionários, estudantes e as suas famílias e empregadores. Inclui também as regras, políticas e mecanismos de responsabilização que aglutinam um sistema de educação, bem como os recursos e mecanismos de financiamento que o sustentam (WORLD BANK, 2011, p. 5, grifos nossos).

Anos após, o Banco Mundial (2017) elencou dimensões do que denominou de crise de aprendizagem, quais sejam: resultados de aprendizagem pouco satisfatórios; quebra da relação entre o ensino e a aprendizagem; causas sistêmicas de natureza política; “professores não têm as competências nem a motivação para ensinar de maneira eficaz. Os professores são o principal fator que afeta a aprendizagem nas escolas” (Banco Mundial, 2017, p. 1-3, tradução nossa). Nessa direção, no ano seguinte, o Banco Mundial publicou novo estudo intitulado “Informe sobre el desarrollo mundial 2018: aprender para hacer realidad la promesa de la educación” (BANCO MUNDIAL, 2018), destacando que as reformas educacionais permitem aos países usufruírem de benefícios de desenvolvimento econômico a longo prazo, preparando as pessoas para a o trabalho e a para a vida. Traz o conceito de aprendizagem em seu sentido instrumental e dissolve a função do ensino, da apropriação da cultura e da ciência historicamente acumuladas.

Nessa ótica, com base em Libâneo (2012), o conceito de aprendizagem, para o Banco Mundial, expressa, mais uma vez, visão restrita ao se referir a aprendizagens mínimas, ou seja, competências básicas para a sobrevivência, com o ensino e, por conseguinte, a aprendizagem, reduzido a habilidades e competências. Nesse contexto, o Banco Mundial constitui-se como importante agente de um continuum formativo de docentes, baseado em “competências, na definição de metas de aprendizagem consubstanciadas por descritores, na avaliação externa e censitária, na intensificação tecnológica e na correspondente expropriação de conhecimentos dos docentes” (LEHER, 2019, p. 8).

Em Angola, a agenda reformista das políticas educacionais vem se constituindo de modo que professores sejam o centro de programas e agendas modeladas pelo Banco Mundial, que vem traçando as metas acerca do financiamento e do conteúdo formativo, mobilizando parceiros e instituindo o discurso do desenvolvimento econômico e social pela lógica de mercado e das competências.

Assim, a racionalidade técnica do Banco vem a organizar, sob os discursos de boas práticas e da importância de parcerias, a pedagogia das competências, em que as dinâmicas exógenas de privatização interagem, dialeticamente, com as tecnologias políticas de privatização endógenas influenciadas fortemente pela política global com “relações de responsabilização entre os vários atores e participantes no sistema educacional, para que esse relacionamento seja claro, coerente com as funções, medido, monitorizado e apoiado” (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 6).

Tal assertiva pode ser verificada quando o Banco Mundial, por sua vez, atua diretamente na formação de professores em Angola. Desde 2013, a instituição vem financiando o Projeto Aprendizagem para Todos (PAT), em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian (União Europeia) e o apoio técnico e metodológico da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal (Portugal).

No próximo item, busca-se compreender as atuais políticas de formação de professores em Angola e sua articulação com o PAT, para, posteriormente, analisar a agenda mercantil de competências do Programa.

O Programa Aprendizagem para Todos (PAT): implementação da agenda mercantil de competências

O PAT é um programa de âmbito nacional aprovado em setembro de 2013, com administração do Banco Mundial. Teve o início efetivo da sua implementação em junho de 2014, objetivando preparar, implementar e testar um programa de formação de professores do ensino primário, cujas atividades desenvolvidas tenham impacto direto nos professores, diretores de escolas, técnicos centrais e municipais da educação (PAT, 2022). Com a primeira fase findada em março de 2022, alcançou mais de 15 mil professores em todo país, como se pode observar na figura 1.

Fonte: Banco Mundial - PAT, 2022.

Figura 1 Representação Geográfica do PAT Em Angola 

O Programa é uma das ações criadas no âmbito de quadro de macropolítica do governo angolano, em parceria com o Banco Mundial, nomeadamente, a Estratégia de Longo Prazo Angola 2025 (ANGOLA, 2007) e os Planos Nacionais de Desenvolvimento 2013-2017 e 2018-2022 (ANGOLA, 2012; 2018), que elegeram a educação básica e o ensino superior como suas principais prioridades, de modos a promover o desenvolvimento humano e educação do cidadão angolano, que se baseia na educação e na aprendizagem ao longo da vida.

O PAT integra as ações do governo Angolano em relação à formação de professores, corroborando o objetivo de:

Assegurar que de acordo com as necessidades quantitativas do sistema educativo, as funções docentes na educação pré-escolar, no ensino primário e em cada disciplina do I e II Ciclos do Ensino Secundário (geral, técnico-profissional e pedagógico) sejam asseguradas, em cada província, por professores devidamente qualificados e com bom desempenho (ANGOLA, 2018, p.4396).

Em Angola, o Regime Jurídico da Formação Inicial de Educadores de Infância, de Professores do Ensino Primário e de Professores do Ensino Secundário, aprovado em 2020, constitui-se em fundamento de regulação da estrutura e funcionamento das instituições do ensino secundário pedagógico e do ensino superior pedagógico. Os domínios de qualificação profissional docente que cada instituição e curso de formação inicial de professores certifica e habilita são descritos no quadro 1.

Quadro 1 Níveis de formação inicial de Professores por domínios de qualificação profissional 

Domínio de qualificação profissional docente Nível de formação Cursos de formação
Educador de Infância Superior Licenciatura em Educação de Infância
Médio Curso Secundário em Educação de Infância
Professor do Ensino Primário Superior Licenciatura em Ensino Primário
Médio Curso Secundário em Ensino Primário
Professor do I Ciclo do Ensino Secundário Superior Licenciatura em Ensino de: (áreas científicas específicas das disciplinas do I Ciclo - 7ª a 9ª Série)
Médio Curso Secundário em Ensino de: (áreas científicas específicas das disciplinas do I Ciclo - 7ª a 9ª Série)
Professor do II Ciclo do Ensino Secundário (ensino médio) Superior Licenciatura em Ensino de: (áreas científicas específicas das disciplinas do II Ciclo - ensino médio

Fonte: Elaboração dos autores com base no Regime Jurídico da Formação Inicial de Educadores de Infância, de Professores do Ensino Primário e de Professores do Ensino Secundário, 2023.

A formação inicial de professores que atuam na educação básica (da educação préescolar ao ensino médio) ocorre maioritariamente nas instituições de nível médio, conforme indicam os dados do Instituto Nacional de Formação de Quadros da Educação (INFQE). Esse órgão executivo do MED aponta a existência de 98 escolas de formação de professores de nível médio nas 18 províncias angolanas, as designadas “Escolas de Magistério”, sendo que pelo menos 35% delas se encontram nos municípios do interior e nas zonas mais recônditas do país (INFQE, 2021).

Quanto à formação continuada, ocorre nas instituições de ensino por meio de seminários e outras ações de capacitação anuais, bem como de programas e projetos implementados e geridos pelo INFQE, financiados pelo governo de Angola e/ou por agências de regulação internacional, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Banco Mundial (BM).

Para o triênio 2020-2022, o MED, por via do INFQE, está a implementar projetos de formação continuada de professores da educação básica em nível nacional, visando “criar um ambiente sustentável de oferta de formação continuada para os agentes da educação e ensino, garantindo a formação de uma bolsa de formadores a nível nacional” (INFQE, 2019, p. 6). Os projetos em referências são apresentados no quadro 2.

Quadro 2 Projetos de formação continuada de professores 2020-2022 

N.º Designação dos projetos de formação
1 Projeto de Formação de Professores em Metodologias de Ensino e Técnicas de Expressão da Língua Portuguesa
2 Projeto de Capacitação de Professores Tutores das Escolas de Aplicação do Ensino Primário e I Ciclo
3 Projeto de Formação de Professores em Educação Especial na Perspetiva Inclusiva
4 Projeto de Capacitação de Formadores de Professores em Expressões e Educação Física
5 Projeto de Capacitação de Formadores de Professores de Língua Inglesa
6 Projeto de Capacitação de Professores da Classe de Iniciação
7 Programa Aprendizagem para Todos

Fonte: Elaborado pelos autores com base no INFQE (2019) e PAT (2022).

O PAT, no bojo das políticas de formação de professores angolanos, constitui-se como uma das principais iniciativas formativas junto ao Governo de Angola. O orçamento aprovado no início do PAT foi de 80.000.000,00 USD, sendo U$ 75.000.000,00 respeitantes ao financiamento do International Development Association (IDA) e U$ 5.000.000,00 do financiamento do Governo de Angola (GOA). A Figura 2 ilustra o desembolso do programa em série histórica de 2015-2021.

Fonte: PAT, 2022.

Gráfico 1 Execução Financeira 2015-2021 

Desse montante, com predominância de financiamento advindo do Banco Mundial por meio de subvenção. O Projeto integra, diretamente, 18.846 profissionais da educação, distribuídos entre professores, diretores de escolas, membros dos conselhos de escolas, formadores das Zonas de Influência Pedagógica e das Escolas de Magistério, supervisores, inspetores, facilitadores, coordenadores provinciais e municipais da educação, contabilistas, técnicos do próprio projeto, membros do Grupo Técnico do Sistema Nacional de Avaliação e técnicos do MED (PAT, 2021), subdivididos conforme se apresenta no quadro 3.

QUADRO 3 BENEFICIÁRIOS DIRETOS DO PAT 

Grupo de beneficiários diretos
Professores Formadores ZIP Formadores EM Supervisores Quadros provinciais e municipais da educação Contabilistas Quadros do PAT
15.000 669 60 43 228 36 19
Facilitadores Inspetores Diretores de escolas Membros do Conselho de Escola Coordenadores Municipais da ZIP Quadros do GTSNA Técnicos do MED
30 18 842 1684 167 26 24
Total 18.446

Fonte: organizado pelos autores, 2023.

Os professores beneficiados pelo projeto pertencem aos quadros do MED integrados na carreira docente nas diferentes províncias e municípios do país e, sendo funcionários do Estado, têm a sua remuneração paga pelo governo angolano, mas ainda se beneficiam de um subsídio pago pelo Banco Mundial pela sua participação nas atividades do PAT, isto é, durante a frequência de formações e avaliações do projeto. O mesmo sucede com os técnicos do MED, diretores de escolas, inspetores, supervisores e formadores, que, estando no aparelho do Estado, recebem subsídio de participação nas atividades e tarefas do PAT. Desses beneficiários, os membros de conselho de escola não recebem qualquer tipo de subsídio diretamente do projeto, tendo em conta que o projeto apenas apoia sua criação e funcionamento por meio do fornecimento de materiais de apoio para atividades regulares, tais como reuniões de trabalho.

A preocupação com a tipologia da formação dos professores que atuam fundamentalmente na educação básica se constitui um constrangimento para a garantia da melhoria da qualidade de ensino, apontando a necessidade de se proporcionar aos docentes “oportunidades de desenvolvimento de competências profissionais, predominantemente centradas na melhoria das práticas em sala de aula e de coordenação pedagógica na escola” (ANGOLA, 2018, p.4399), devendo para o efeito se implementar programas de atualização e reforço de conhecimentos e competências profissionais para a prática docente, pelo que o PAT busca responder a esse desígnio da política de formação de professores em Angola, haja vista que dados recentes apontam que 46.562 professores não tem formação pedagógica, seja de nível médio ou superior (ANGOLA, 2019).

A pedagogia das competências como continuum formativo do PAT: harmonizar para o controle e a eficácia

Considerado como projeto de reforço e capacitação de quadros do sector da Educação desenvolvido pelo Ministério da Educação da República de Angola, com o apoio do Banco Mundial, O PAT possui como áreas de intervenção as “Competências dos Professores e Gestão Escolar, Avaliação das aprendizagens dos Alunos e Gestão do Projecto” (PAT, 2021, p. 9). Para tanto, estabeleceram como componentes:

Componente 1 - Melhorar as Competências dos Professores e a Gestão Escolar das Escolas Primárias nas Áreas Designadas do Projecto. Nesta componente, serão desenvolvidas acções com o objectivo de (i) preparar, testar e implementar um programa de formação contínua de professores com vista a actuar sobre os conhecimentos académicos e as competências pedagógicas dos professores, a fim de melhorar os processos de ensino na sala de aula; (ii) reforçar e expandir o modelo das Zonas de Influência Pedagógica (ZIP) a todas as Províncias de Angola, testando simultaneamente a capacidade /o potencial do modelo para a oferta de programas de formação de professores; (iii) contribuir para a melhoria da qualidade de gestão das escolas com o reforço da participação da comunidade, com a introdução de subsídios escolares associados a elaboração de projectos educativos escolares.

Componente 2 - Estabelecer um Sistema de Avaliação das aprendizagens dos Alunos e se prevê que apoie o Ministério da Educação nos esforços que desenvolve para a melhoria do Sistema de Avaliação das aprendizagens dos alunos, através: (i) do desenvolvimento de uma estratégia quinquenal de avaliação; (ii) da implementação de avaliações por amostragem das aprendizagens dos alunos da 4ª e 6ªclasses nas disciplinas de Português e Matemática; (iii) do desenvolvimento e implementação de uma segunda avaliação da capacidade de leitura nas classes iniciais (EGRA); (iv) do desenvolvimento de um estudo sobre a qualidade da prestação de serviços; (v) da pilotagem de exames nacionais de Português e Matemática na 6ª classe; e (vi) desenho, análise de dados, implementação e disseminação de um estudo de avaliação do impacto da componente 1 do projecto.

Componente 3 - Afecta a Gestão do Projecto, apoiará a implementação do Projecto reforçando a capacidade de gestão a nível local e fornecendo recursos para apoiar a Equipa de Gestão do PAT. Esta componente centrar-se-á também no desenvolvimento da capacidade de gestão dos Quadros Municipais, e das escolas de formação de professores envolvidos na gestão do Projecto, através de formação em gestão, monitorização e prestação de contas (PAT, 2021, p. 9-10).

Reforçar as competências dos professores e reformar a formação inicial de professores (PAT, 2022) são eixos centrais para o alcance desses objetivos estabelecidos nos componentes. Neles, sobressai a ideia da melhoria da formação de professores para o seu melhor desempenho profissional, devendo implicar numa melhor classificação dos alunos na avaliação de grande escola a ser institucionalizado com a realização de um exame nacional piloto em 2022.

Sobre a aferição da qualidade da formação através de avaliação em larga escala, que tem por base um conjunto de Manuais para a aprendizagem de Língua Portuguesa e Matemática, além de aspectos relativos à gestão por meio dos manuais de Supervisão Pedagógica que busquem desenvolver o Ensino, aprendizagem e trabalho escolar de forma eficaz “de uma forma flexível tendo em consideração o que lhe parece mais útil para a aprendizagem dos alunos” (PAT, 2018, p. 22). O trabalho pedagógico, portanto, é levado ao desenvolvimento das competências úteis da aprendizagem de disciplinas específicas. Para Sudbrack, Fonseca (2021), trata-se de uma nova ortodoxia das reformas que é parte do ideário neoliberal:

“[...] que é transmitida mundialmente, independente do padrão de desenvolvimento econômico-social das nações. No bojo das Reformas anunciadas, a medição da qualidade da educação, via testes de larga escala, tem sido considerada um mecanismo apropriado para indicar a qualidade educativa, na esteira de que, por serem quantificáveis, seriam mais “concretos” (SUDBRACK, FONSECA, 2021, p. 9).

Neste projeto adota-se uma metodologia voltada em seis módulos de formação “alinhados com as metas de aprendizagem do MED: (i) Língua Portuguesa; (ii) Matemática; (iii) Avaliação pedagógica em sala de aula; (iv) Diferenciação pedagógica I (v) Diferenciação pedagógica II; (vi) Educação especial inclusiva” (PAT, 2020, p.14). Trata-se nestes termos de um desenho de formação que valoriza a pedagogia das competências, ou seja, de formação mais prática onde se valorizam as experiências dos professores em detrimento a uma formação mais teórica” (PANSARDI, 2011, p. 137)

A pedagogia das competências se constituiria em um ensino que seja efetivamente útil, “[...] o que conta é poder ler o manual de utilização de um aparelho e poder utilizá-lo. (MAUÉS, 2003, p. 107). Esse viés de formação para competências no contexto do PAT se estende igualmente na ideia de melhorar a atuação dos gestores escolares.

Ao promover diretamente um projeto de formação de professores, no sentido de aumentar o número de professores no país, a qualidade da formação é influenciada pelo Banco e supõe uma intervenção de larga escala sobre os mecanismos de formação docente no País (WORLD BANK, 2013). A qualidade envolve, na perspectiva do Banco Mundial (WORLD BANK, 2011; 2013), as adequações da formação às novas competências exigidas do trabalhador de forma geral, de forma a “tornar as escolas e professores mais responsáveis pelos resultados, especialmente pelos resultados da aprendizagem” (WORLD BANK, 2011, p. 141).

Isso está presente no projeto, pois visa formar, indiretamente, “500.000 alunos do ensino primário beneficiados com um ensino de maior qualidade nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática e ministrados por professores melhor preparados do ponto de vista didático” (PAT, 2021, p. 9), com vistas a atender e medir a qualidade da formação por meio de “Avaliação nacional 4ª e 6ª classes, Piloto dos Exames Nacionais e Especialização em avaliação educacional” (PAT, 2021, p. 16).

Nessa direção, o ensino, baseado no continuum formativo de eficiência e eficácia dos resultados, se fez elemento chave para melhorar os índices de aprendizagem dos estudantes, alinhando-se às orientações do Banco Mundial desde os anos 1990. Assim, “enquadrar políticas globais” (VERGER, 2018, p. 8) em contextos locais para o desenvolvimento de competências docentes, com vistas a integrar projeto maior de harmonização da docência e da gestão para maior controle e eficácia docente, voltada ao direito à aprendizagem.

O direito à aprendizagem, nessa concepção mercantil, implica que os sujeitos não têm direito ao conjunto de outros direitos que compõem a qualidade educacional, mas aqueles aferidos pelos mecanismos que integram a eficiência e a competência escolar. Logo, o foco especial no Projeto dedica-se à formação de professores e gestores, sob a justificativa de eficiência e modernização de um país com atraso na escolarização. Contudo, essa tendência indica a influência de uma matriz calcada na racionalidade técnica nos processos formativos, em detrimento de uma fundamentação assentada na racionalidade crítica, em que

O proclamado direito à educação vira direito à aprendizagem e nos limites da escola, para em seguida virar direito ao básico, limitado à aprendizagem de leitura e matemática. Transmutado em direito à aprendizagem, ficam igualmente de fora todas as outras dimensões da formação que não seja a cognitiva, privilegiadamente leitura e matemática, e as demais disciplinas e áreas de formação assumem formas aligeiradas (por exemplo, projetos, áreas) onde o conteúdo é secundarizado para que o aluno possa focar na aprendizagem de leitura e matemática, ou seja, as disciplinas que caem nas provas (FREITAS, 2014, p. 55).

Essa lógica reitera uma formulação, que toma o currículo formativo de professores e também da educação em sentido limitado, como taxionomia que prioriza a prescrição de objetivos de aprendizagem e enfatiza um aspecto da dimensão cognitiva - aquele que pode ser aferido. Secundariza, com isso, aspectos mais complexos dessa dimensão, além de concorrer para o menosprezo de outros aspectos da formação humana, de ordem intelectual, ética e estética.

Com o PAT, o Banco Mundial organizou um software denominado TEACH, para medir os componentes das práticas pedagógicas relacionadas à: “Qualidade das técnicas de ensino dos professores que ajudam a desenvolver as capacidades sócio emocionais e cognitivas dos alunos; Tempo dedicado à aprendizagem” (PAT, 2022), sendo uma ferramenta de observação em sala de aula que avalia os esforços das professoras para promover competências dos alunos É uma ferramenta de observação em sala de aula que foi claramente projetada tendo em consideração as realidades dos países de baixo e médio rendimento para a monitorização em salas de aula e também para avaliar ideias no sentido de melhorar ainda mais as técnicas de ensino das professoras (BANCO MUNDIAL, 2019). Mediar as competências docentes por meio de aplicativos a partir das práticas pedagógicas advindas no Projeto é uma forma de associação com o desempenho (performance) com a ênfase na prática, no uso dos saberes tácitos adquiridos no fazer do trabalho, e a consolidação de mecanismos capazes de dimensionar essa produtividade e exercer maior controle sobre a atividade de trabalho (SILVA, 2019).

Compreende-se, portanto, que a racionalidade técnica global, protagonizada pelo Banco Mundial, enquadra pelos elementos da NGP e anunciam como tendências das políticas, entre aspectos endógenos e exógenos, com vistas a atender a própria agenda alinhada aos países de desenvolver, conforme o próprio Banco, “uma base de conhecimento de elevada qualidade sobre a reforma do sistema educacional” (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 6). Neste sentido, entendemos que se deve no contexto de Angola pensar num modelo de formação de professores que respondam às reais necessidades dos professores, devendo os profissionais da educação nacionais assumir um papel proativo na implementação das políticas e programas, não estando reféns das instituições parceiras e das agendas globais de privatização da educação.

O PAT e a instauração de um continuum formativo demonstrou racionalidade pelas vias endógenas e exógenas, onde instituições internacionais promovem a instalação da interdependência, ao traçar planos nacionais a partir de pautas globais para lidar com problemas que exigem cooperação internacional e/ou alinhamento de políticas nacionais (BORTOT, 2022), produzindo uma nova racionalidade técnica na educação nos preceitos de eficiência, eficácia e controle docente aos princípios da Nova Gestão Pública em Angola.

Conclusões

À guisa de conclusão, o PAT materializa a agenda de racionalidade técnica mercantil para a formação inicial e continuada de professores advinda dos Organismos Internacionais, em conformação com a privatização educacional que integra elementos exógenos e, sobretudo, endógenos, da lógica competitiva instituída mundialmente por meio das avaliações em larga escala, da eficiência e controle da formação docente.

O fio condutor desse projeto global formativo integra um projeto maior de harmonização da docência e da gestão nos países em desenvolvimento para maior controle e eficácia docente, o que traz riscos acerca da consolidação de uma formação crítica de professores e a consolidação do direito à educação de qualidade na região. Isso pode ser verificado quando, aos preceitos da NGP, o PAT direciona a formação inicial e continuada de docentes e gestores ao projeto internacional do direito à aprendizagem.

Para além da questão semântica, a troca dos termos carrega concepções diametralmente opostas sobre os objetivos educacionais e, consequentemente, sobre os projetos societários subjacentes. Configura-se, portanto, como mais uma expressão das proposições mercantis para as políticas educacionais, materializadas nas ações dos reformadores da educação, que, sob o discurso de boas práticas, alinham as agendas locais às globais do grande capital por meio da educação, precipuamente, pela formação de professores e gestores.

Os resultados do estudo permitem observar que, apesar do PAT se ajustar às políticas de formação de professores em Angola, gizadas desde o ano 2011, respondem à necessidade de oferecimento de oportunidades de atualização de conhecimentos e competências essenciais para a prática docente, tendo em conta que no contexto angolano ainda existe um número considerável de professores sem formação pedagógica a atuar na educação básica, o projeto estando centrado na pedagogia das competências não se configura numa filosofia e modelo de formação de professores para a realidade angolana e de outros países africanos.

É importante anotar que essa filosofia de formação inspirada nos paradigmas de organizações internacionais desconsidera, por vezes, as subjetividades do pessoal docente e, concomitantemente dos alunos, projetando uma formação por competências e a subordinação da educação a padrões de comportamentos adotados a priori que devem ser avaliados e validados. Isso alinha-se ao que Sudbrack e Fonseca (2021) analisaram de programas de uma nova ortodoxia das reformas, que é parte do ideário neoliberal e da NGP. Há, portanto, um controle externo que visa a produção de uma subjetividade docente bem definida aos padrões de mercado, onde formar competências docentes voltadas para mecanismos de padronização se tornou um dos objetivos e objeto da racionalidade técnica mercantil, de um continuum formativo almeja modelar o indivíduo segundo as demandas do mercado.

Defende-se, por fim, que a qualidade de ensino e da formação inicial e continuada deve contribuir, diretamente, para a efetiva qualidade que esteja além de burocráticos padrões de controle empresarial de qualidade, logo, ressaltamos Freire, cuja “[...] melhora da qualidade da educação implica a formação permanente dos educadores” (FREIRE, 2001, p. 72).

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Recebido: de 2023; Aceito: de 2023; Publicado: de 2023

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