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Jornal de Políticas Educacionais

versión On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.17  Curitiba  2023  Epub 11-Oct-2023

https://doi.org//10.5380/jpe.v17i0.91683 

Seção Artigo

O planejamento educacional no Brasil no contexto das Constituições Republicanas (1891 a 1988)

Educational planning in Brazil in the context of Republican Constitutions (1891 - 1988)

La planificación educativa en Brasil en el contexto de las Constituciones Republicanas (1891 a 1988)

1Doutor em Educação. Professor na Secretaria Municipal de Educação de São Luís de Montes Belos, Goiás, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6353-200X E-mail: edson.belos@gmail.com


Resumo

Este artigo objetiva apresentar, numa perspectiva histórica, a concepção de planejamento educacional no Brasil. Por meio de pesquisa bibliográfica e documental, busca-se discutir a perspectiva de planos de educação presentes na Constituição de 1891 à Constituição de 1988, bem como explorar brevemente a legislação infraconstitucional correlata e os planos elaborados nesse período. A pesquisa se fundamenta, além nos documentos como os marcos legais e os planos, em trabalhos de autores como Cury (1998, 2015), Fonseca (2013), Germano (2011), Horta (1982, 1997), Saviani (2016) e outros. É mostrado um movimento de descontinuidade, fragmentação, centralização e burocratização no processo de planejamento enquanto tentativa de se constituir uma política educacional.

Palavras-chave: Planejamento educacional; Plano Nacional de Educação; história da educação; Política educacional

Abstract

This article aims to present, in a historical perspective, the conception of educational planning in Brazil. Through bibliographic and documentary research, it seeks to discuss the perspective of education plans present in the Constitution of 1891 to the Constitution of 1988, as well as briefly explore the related infra-constitutional legislation and the plans elaborated in that period. The research is based, in addition to documents such as legal frameworks and plans, on works by authors such as Cury (1998, 2015), Fonseca (2013), Germano (2011), Horta (1982, 1997), Saviani (2016) and others. It shows a movement of discontinuity, fragmentation, centralization and bureaucratization in the planning process as an attempt to constitute an educational policy.

Keywords: Educational planning; National education plan; History of education; Educational politics

Resumen

Este artículo tiene como objetivo presentar, en una perspectiva histórica, la concepción de la planificación educativa en Brasil. A través de la investigación bibliográfica y documental, buscamos discutir la perspectiva de los planes de educación presentes en la Constitución de 1891 a la Constitución de 1988, así como explorar brevemente la legislación infraconstitucional relacionada y los planes elaborados en este período. Se basa, además de documentos como marcos legales y planes, en trabajos de autores como Cury (1998, 2015), Fonseca (2013), Germano (2011), Horta (1982, 1997), Saviani (2016) y otros. . El trabajo muestra un movimiento de discontinuidad, fragmentación, centralización y burocratización en el proceso de planificación como intento de constituir una política educativa.

Palabras Clave: Planificación educativa; Plan Nacional de Educación; Historia de la educación; Política educativa

Introdução

Este artigo tem como objetivo geral, em uma perspectiva histórica, apresentar a concepção de planejamento educacional presente nas Constituições da República (1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988), na legislação infraconstitucional e nos documentos elaborados (mas nem sempre aprovados e implementados) nesses 97 anos entre a vigência das Constituições republicanas. Como objetivos específicos da pesquisa, foram definidos: (a) apresentar como o tema do planejamento educacional se fez presente nas Constituições Brasileiras do período republicano; (b) discutir, de forma sintética, a estruturação dos planos de educação elaborados e/ou aprovados em âmbito nacional durante o recorte temporal; (c) analisar inflexões teóricas sobre as referências históricas do planejamento educacional para o momento atual. É importante frisar que não se pretende avaliar a “qualidade” e a “eficiência” dos planos, nem seu processo de implementação, e sim concentrar-se nos documentos enquanto discurso político de dado período histórico.

Para tanto, questiona-se: como os marcos legais contemplaram a questão do planejamento educacional no período da Constituição de 1891 à Constituição de 1988? Como se desenvolveu, no intervalo de tempo em questão, a política de planejamento educacional?

A presente investigação tem como procedimento metodológico a pesquisa documental e bibliográfica, em uma perspectiva histórica. Segundo May (2004), os documentos são leituras particulares de eventos e devem ser lidos como sedimentações das práticas sociais, pois eles têm o potencial de informar e estruturar as decisões tomadas pelos indivíduos em seus cotidianos e a longo prazo. Com essa compreensão, a pesquisa documental é entendida como o

exame de materiais de natureza diversa, que ainda não receberam um tratamento analítico, ou que podem ser reexaminados, buscando-se novas e/ou interpretações complementares. (GODOY, 1995, p. 21).

Os documentos selecionados como corpus documental neste trabalho são caracterizados como documentos públicos, de caráter oficial, produzidos pelas instituições da administração federal, como no caso das Constituições, leis e decretos.

O recorte temporal deste estudo compreende o período que vai da vigência da Constituição de 1891 à Constituição de 1988, além dos Manifestos dos Pioneiros da Educação Nova (1932, 1959) este estudo fundamenta-se nos trabalhos de autores como Azanha (1993), Bordignon, Queiroz e Gomes (2011), Cury (1998, 2015), Dourado (2016), Fonseca (2013), Germano (2011), HORTA (1982, 1997), Mendes (2000), Ribeiro (2005), Saviani (2016), entre outros.

O planejamento educacional é compreendido nesse trabalho, de acordo com Alves (2016, p. 80), como processo político e técnico-institucional que envolve a análise das realidades e definição de diretrizes e prioridades a serem atendidas. Se considera a premissa de articulação não somente dos entes federados enquanto governo, mas na participação ativa da sociedade civil e política, ampliando suas prerrogativas como documento de Estado no sentido integral. Pressupõe-se a oitiva da sociedade civil e da sociedade política para a análise dos diagnósticos e escolha de caminhos e prioridades, definindo as condições objetivas (financiamento, regulação, democratização das relações de poder) para sua materialização em dado espaço e tempo. O Plano Nacional de Educação (PNE) assume, desse modo, o papel de instrumento articulador e orientador das políticas nacionais, devendo funcionar, nas perspectivas apontadas por Dourado (2016), como o epicentro da ação do Estado.

Historicamente, a concepção de planejamento é marcada pelo contexto político-social do país, adotando perspectivas diferentes entre os momentos democráticos e em ditadura, ou seja, o planejamento pode ser utilizado como ferramenta de controle e propagação de ideologias. Assim, podem-se delinear como momentos de planejamento, considerando as mudanças políticas e da condução do país, os períodos: de 1891 a 1937 (da primeira Constituição ao golpe do Estado Novo, período democrático); de 1937 a 1945 (Estado Novo, ditadura da Era Vargas); de 1945 a 1964 (da terceira Constituição à implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 4.024/1961); de 1964 a 1985 (ditadura civil-militar); e de 1985 a 1988 (reabertura democrática e promulgação da Constituição de 1988). Com essa estruturação do percurso histórico, este trabalho pretende explorar a concepção de planejamento em cada um desses períodos, destacando os movimentos legais que marcaram cada época.

Planejamento educacional: marcos legais e movimentos histórico-políticos

A Constituinte dos primeiros tempos republicanos (de maioria liberal, poucos progressistas e positivistas, mas não poucos católicos) assumiu as ideias liberalistas e fez imprimir no texto da primeira Constituição muitos de seus princípios. Por exemplo, no que tange à obrigatoriedade do ensino, como sendo de foro individual, ou seja, sob responsabilidade do indivíduo e não devendo o Estado intervir nessa seara. O mesmo se discutiu sobre a gratuidade do ensino. Segundo Cury (1996, p. 74 - 75), a Constituição promulgada em 24 de fevereiro de 1891 contemplou “o liberalismo, o federalismo, a divisão dos poderes, os direitos civis plenos, a ampliação dos direitos políticos e o laicismo. Nada nela há que explicite direitos sociais” (BRASIL, 1891), incluindo a Educação. Em síntese, pode-se afirmar que a Constituição de 1891 foi omissa quanto aos direitos sociais e, mais especificamente, quanto ao planejamento da Educação.

Um marco importante para a política educacional, no início da década de 1930, foi a criação do Conselho Nacional de Educação (CNE) pelo Decreto nº 19.850, de 11 de abril de 1931. Cury (2015) vê no decreto de criação do CNE o embrião do que seria o Plano Nacional de Educação, ao estipular como uma das atribuições fundamentais do colegiado (art. 5º), enquanto órgão consultivo do ministro, “f) firmar as diretrizes gerais do ensino primário, secundário, técnico e superior, atendendo, acima de tudo, os interesses da civilização e da cultura do país” (BRASIL, 1931).

Com a Primeira República até a instituição do Estado Novo, período de 1891 a 1937, enquanto instrumento de definição da política educacional para o país, a ideia do PNE - observando-se as atribuições do CNE já embaladas pelas ideias dos renovadores da década de 1920 concentrados na Associação Brasileira de Educação (ABE) - aparece em discurso proferido pelo conselheiro João Simplício Alves de Carvalho, em 27 de junho de 1931 (CURY, 2015). Pode-se perceber, na proposta do conselheiro, a ideia de um Plano Nacional de Educação a vigorar por um certo período. O plano tinha como objetivo assegurar a unidade nacional e seu vínculo com o desenvolvimento econômico e com a superação das dificuldades encontradas no chamado “problema educativo”. Segundo Cury (2015), o CNE formou uma comissão para lidar com a tarefa de elaborar o plano, composta pelos conselheiros João Simplício, Miguel Couto, Aloysio de Castro, Padre Leonel Franca e Leitão da Cunha.

Porém, o movimento pela reconfiguração da política educacional não ficaria restrito ao CNE. A IV Conferência Nacional de Educação da ABE, realizada em dezembro de 1931, teve como tema geral “As grandes diretrizes da educação popular”, e contou com a presença de Getúlio Vargas na solenidade de abertura, que conclamou os educadores a apontarem os rumos da educação para o país, para que dessem o caráter “pedagógico” à Revolução de 1930. Nos debates, em que se sobressaia o embate entre liberais e católicos, germinavam ideias como a obrigatoriedade e gratuidade do ensino, laicidade, integração entre os diferentes graus e financiamento público da educação. Após o rompimento entre católicos e liberais, sob redação de Fernando de Azevedo, em março de 1932, é publicado aquele que seria um divisor de águas para a educação brasileira: o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, destinado ao povo e ao governo”.

Horta (1997) e Saviani (2016) creditam ao Manifesto a primeira sistematização da ideia de um plano nacional de educação para o sistema educacional brasileiro. Diz o Manifesto:

[...] sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. [...] Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. Ou, em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e científico, na resolução dos problemas da administração escolar (MANIFESTO, 2006a, p. 188).

No exposto, o problema educacional brasileiro é entendido como uma prioridade para a agenda nacional, e por serem “sem unidade de plano e sem espírito de continuidade”, as reformas até então realizadas não encontraram o êxito desejado. Assim, se formou um estado de “inorganização”, por não ter definidos os fins da racionalidade científica à educação. Nesse sentido, a estruturação de um “plano geral de educação”, que estabelece como obrigação do Estado atender, principalmente, os mais pobres e defende uma escola comum a todos, firma-se como diretriz:

Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral, cabe evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um plano geral de educação, de estrutura orgânica, que torne a escola acessível, em todos os seus graus, aos cidadãos a quem a estrutura social do país mantém em condições de inferioridade econômica para obter o máximo de desenvolvimento de acordo com as suas aptidões vitais (MANIFESTO, 2006a, p. 193).

Esse “plano geral de educação” teria como princípios a educação integral, a laicidade, a gratuidade, a obrigatoriedade e a coeducação, que seriam a essência para a construção dessa escola unificada. Tal projeto seria mantido por um “fundo especial ou escolar”, “constituído de patrimônios, impostos e rendas próprias, seja administrado e aplicado exclusivamente no desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios órgãos do ensino, incumbidos de sua direção” (MANIFESTO, 2006a, p. 195).

Na construção desse sistema educacional, opta-se pelo princípio da descentralização, planejamento e execução da política pública, garantindo, por meio do “plano de reconstrução educacional”, a unidade na multiplicidade, em prol da unidade educativa. Além disso, o projeto seria responsabilidade da União, estados e municípios, assegurando a racionalidade na aplicação dos recursos públicos.

Com tais ideias a respeito do sistema educacional e suas propostas, para Horta (1997) e Saviani (2016), o Manifesto representa o desenho e a essência do primeiro Plano Nacional de Educação. Pela força e representatividade dos pioneiros, na V Conferência Nacional de Educação, realizada em 1932, assumiu-se a tarefa da elaboração do capítulo sobre Educação para a Constituinte de 1933-1934 e de uma minuta do PNE. Para os autores citados, os pioneiros influenciaram diretamente na redação/aprovação do texto constitucional de 1934, incluindo na Carta os princípios da obrigatoriedade, da gratuidade, do PNE, da definição de percentuais para investimento na manutenção e desenvolvimento do ensino, entre outros.

Assim, a Constituição Federal de 1934 determinou, no artigo 5º, inciso XIV, ser competência da União traçar as diretrizes da educação nacional e, no que tange ao PNE, no artigo 150: “a) fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do país” (BRASIL, 1934).

Ficou explícito no texto constitucional a incumbência da elaboração do PNE e seus princípios. Não obstante, a Constituinte foi além, atribuindo ao CNE a competência da elaboração do referido plano (art. 152), devendo submetê-lo à aprovação do Legislativo “e sugerir ao Governo as medidas que julgar necessárias para a melhor solução dos problemas educativos, bem como a distribuição adequada dos fundos especiais” (BRASIL, 1934). Para desempenho de sua principal função, o CNE, sob coordenação do então ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema, passou por uma reorganização definida pela Lei nº 174, de 6 de janeiro de 1936.

Segundo Bordignon, Queiroz e Gomes (2011), na definição dos trabalhos do colegiado, foi constituída uma comissão para elaboração do PNE com base nos preceitos da Constituição de 1934. O ministro Capanema apresentou ao CNE um questionário com 207 questões a ser remetido a instituições escolares, educadores, intelectuais, políticos, instituições militares, igrejas e empresários, com o objetivo de colher contribuições para subsidiar a elaboração do plano.

Na sistematização das respostas dos questionários, o CNE elaborou uma minuta de projeto de lei com 506 artigos que disciplinavam minuciosamente todo o arranjo educativo, das atribuições dos poderes públicos e educadores, aos conteúdos de cursos até o número de provas a serem aplicadas aos estudantes. Horta (1982) pondera que esse documento afastou-se do pretendido pelos pioneiros da Educação Nova pelo seu caráter centralizador, uniformizador e burocrático. Além disso, descaracterizava-se enquanto plano por não definir objetivos, metas e aplicação de recursos, e sim se aproximar do conceito de uma lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDBEN), conforme entendido na legislação atual. O próprio documento se denominava “Código da Educação Nacional”.

Com essa configuração, o projeto do CNE se caracterizava como diretrizes e bases da educação nacional, e se propunha a ser aplicado a todo estabelecimento, público e privado, na essência de um “código geral”, instituindo o decênio como período de vigência do PNE. Azanha (1993, p. 73) faz a análise de que três ideias persistiram e, em partes, marcaram concepção atual de plano de educação:

“a – Plano de Educação identifica-se com as diretrizes da educação nacional; b – O Plano deve ser fixado por lei; c – O Plano não pode ser revisto senão após uma vigência prolongada”.

O anteprojeto de lei foi então entregue ao Executivo e remetido à Câmara dos Deputados em 18 de maio de 1937, que constituiu uma comissão especial para apreciação do PNE. Devido ao fechamento do Legislativo, em 10 de novembro de 1937, em virtude do advento do Estado Novo, a análise do PNE foi abortada e depois esquecida (CURY, 2015).

Sob os desígnios do Estado Novo, de 1937 a 1945, a Constituição outorgada em 1937 abandonou princípios como a definição de percentuais de investimento público em educação e não fez mais referência ao PNE. Vargas estabeleceu como meta a elaboração de um plano quinquenal para o desenvolvimento do país e, nessa esteira, o ministro Capanema propôs um plano quinquenal para a educação, por meio da reformulação das competências do Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp). De acordo com Horta (1982), o plano de Capanema foi mais ousado do que foi a intenção de Vargas, que se resumiu no Decreto-Lei nº 1.058, de 19 de janeiro de 1939, estabelecendo o denominado “Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamentos da Defesa Nacional”.

Segundo Horta (1997), o ministro Capanema defendia a aprovação de uma lei geral de ensino, ou seja, um Código da Educação Nacional, que se apresentava como condição prévia para a elaboração de um PNE. Assim, segundo Horta (op. cit.), para Capanema, “o problema do ensino apresentava três ordens de questões: fixação de diretrizes, realização dos serviços e controle das atividades” (p. 150). “As diretrizes do ensino de todo o país seriam determinadas pela União de três formas: por meio da lei, por meio dos programas de ensino e por meio da orientação” (HORTA, 2010, p. 71).

O Código da Educação Nacional não chegou a ser elaborado, mas duas realizações marcaram o período do Estado Novo: a criação da Comissão Nacional do Ensino Primário, em 1938, e a I Conferência Nacional de Educação, em 1941. Na década de 1940, começaram a circular no país “as ideias de Mannheim a respeito da possibilidade (e da necessidade) de se conciliar planejamento, liberdade e democracia”, o que influenciou, de certa forma, o pensamento do ministro Capanema (HORTA, 1997, p. 154).

Com a queda do Estado Novo e a reinstalação democrática, foi promulgada a nova Constituição em 1946. Tal período reconfigurou o ordenamento legal e a concepção de planejamento como uma ação do Estado, abrangendo a terceira Constituição à implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.024/1961. A nova Carta Magna recuperou a destinação percentual de investimento público em educação (art. 169), mas silenciou-se em relação ao PNE. Em contraposição, definiu como competência da União legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional (art. 5º, XV) (BRASIL, 1946). Nesse contexto, diferenciava-se a concepção de PNE e de LDBEN, diferente da década passada, em que se apresentava indissociada.

No campo do planejamento, destaca-se no governo Dutra (1946-1951) a elaboração do Plano Salte, que foi aprovado, após dois anos de tramitação, pela Lei nº 1.102, de 18 de maio de 1950. O referido Plano tinha como meta resolver os quatro principais problemas do Brasil: saúde (s), alimentação (al), transporte (t) e energia (e). A Educação, mesmo com um sistema desarticulado, desorganizado e ainda com altíssimos índices de analfabetismo e exclusão, não foi incluída no plano. Nessa área, sob desígnio da Constituição de 1946, foi elaborado o anteprojeto de LDBEN, cuja tramitação perdurou por treze anos no Congresso Nacional.

No Plano Nacional de Desenvolvimento – Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, a Educação ficou concentrada na meta nº 30 com o objetivo central de formação de pessoal técnico, adotando o viés de Educação para o desenvolvimento econômico. De acordo com Horta (1997, p. 159), pela primeira vez um programa de governo contemplou a “vinculação educação-desenvolvimento, sendo a educação considerada apenas na sua função de formadora dos quadros técnicos exigidos pelo crescimento econômico”.

No curso (e lentidão) da tramitação da LDBEN, projeto nº 2.222-B/1957, os pioneiros da Escola Nova outra vez se manifestaram, também com a redação de Fernando de Azevedo, no documento intitulado “Manifesto dos pioneiros mais uma vez convocados (1959): ao povo e ao governo”. Com fortes críticas ao sistema educacional e à demora em se tomar frente aos problemas educacionais, em especial à classe política, assim se manifestaram:

Não foi, portanto, o sistema de ensino público que falhou, mas os que deviam prover-lhe a expansão, aumentar-lhe o número de escolas na medida das necessidades e segundo planos racionais, prover às suas instalações, preparar-lhe cada vez mais solidamente o professorado e aparelhá-lo dos recursos indispensáveis ao desenvolvimento de suas múltiplas atividades. [...] Para responder ao terrível desafio que nos lançam as sociedades modernas, numa fase crítica de reconstrução e de mudanças radicais, o de que necessitaria o país, antes de tudo, é de governos e de câmaras legislativas que se preocupassem em maior medida com a política a longo prazo e cada vez menos com interesses partidários e locais (MANIFESTO, 2006b, p. 207).

Seguindo os fundamentos do Manifesto de 1932, os pioneiros, novamente convocados em 1959, reforçaram o papel do Estado na oferta do ensino público, gratuito e obrigatório de forma contínua, ou seja, de forma planejada com o rigor racional e científico que a Educação exige.

De acordo com Fonseca (2013), os manifestantes clamavam, principalmente, contra a ausência de um planejamento unificado, capaz de determinar, antecipadamente, as medidas da oferta do ensino básico, e contra a fragmentação entre os sistemas de governo. Logo, “os planos, [...] deveriam assegurar a unidade do ensino, mediante um regime de coordenação e de colaboração entre as esferas federal, estadual e municipal” (FONSECA, 2013, p. 88).

Em âmbito de planejamento geral, segundo Bordignon, Queiroz e Gomes (2011), o Governo de Jânio Quadros (1961) abandonou o Plano de Metas de Kubitschek para criar, pelo Decreto nº 51.152, de 05 de agosto de 1961, a Comissão Nacional de Planejamento (Coplan). A Comissão tinha a função de elaborar o Primeiro Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico e Social, decreto esse que fora alterado, já no Governo João Goulart (1961 – 1964), pelo decreto nº 154, de 17 de novembro de 1961, que estabeleceu a criação de órgãos e programas setoriais de planejamento. Em 22 de junho de 1962, foi criada, no Ministério da Educação e Cultura (MEC), a Comissão de Planejamento da Educação (Copled), pelo Decreto nº 1.230. A Copled seria subordinada à Coplan para definição dos planejamentos a nível educacional.

No Conselho Federal de Educação (CFE), nos anos iniciais da década de 1960, foi elaborado o que para alguns autores ficou conhecido como o primeiro Plano Nacional de Educação, em trabalho dirigido por Anísio Teixeira, um dos pioneiros dos Manifestos de 1932 e 1959. Esse plano, aprovado em 1962, consistia na definição de metas quantitativas e qualitativas de aplicação dos recursos dos fundos criados pelas LDBEN 4.024/1961, com vigência prevista para o prazo de oito anos. Ao analisar o PNE elaborado, Mendes (2000, p. 34) critica que o CFE

[...] não utilizou as possibilidades oferecidas pela sua representatividade e pela sua autoridade: limitou-se, no plano a seu cargo, a formular um esquema contábil, em vez de definir uma filosofia de ação.

Sob demanda dos organismos internacionais e também de apelos nacional-desenvolvimentistas, o Governo João Goulart lançou o Plano Trienal de Educação 1963 – 1965, contemplando as metas estabelecidas no PNE de 1962.

Com o golpe civil-militar de 1964, o Plano Trienal foi abandonado e um novo sistema de planejamento foi instituído no país, abrangendo o período de 1964 a 1985 (ditadura civil-militar). Segundo Cury (1998, p. 167),

[...] a situação pós-64 decidiu-se por um planejamento econômico de corte tecnocrático e voltado para a acumulação de tal modo que a área social tornou-se residual nas prioridades governamentais.

Como consequência, houve um deslocamento do planejamento do centro do MEC para o Ministério do Planejamento, ou seja, dos educadores (em tese) para os tecnocratas, bem como foi retirado do CFE suas atribuições no que tange a essa temática. Na esteira do viés economicista e na compreensão do planejamento como alavanca para o desenvolvimento econômico, várias foram as facetas e os instrumentos de planejamento adotados pelos militares, como o

[...] Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), para o período de 1964-66, ao qual se seguirão o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (1967-1976), o Programa Estratégico de Desenvolvimento (1968-1970), o I Plano Nacional de Desenvolvimento (1972-74), o II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-79) e o III Plano Nacional de Desenvolvimento (1980-1985). Até o I Plano Nacional de Desenvolvimento, inclusive, todos eles apresentam, para o setor educação, metas inferiores àquelas determinadas pelo Conselho Federal de Educação, em 1962. (HORTA, 1997, p. 169).

No que concerne ao tema do planejamento na Constituição de 1967, esta Carta resgatou a competência da União em estabelecer planos nacionais de educação e saúde (art. 8º, XIV). Dessa forma, era dever do Congresso Nacional dispor, mediante lei, sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre planos, programas nacionais e regionais e orçamentos plurianuais (art. 46, II) (BRASIL, 1967). Todavia, essa Carta não especificou qual órgão teria a incumbência de elaboração do PNE.

A sistemática de planejamento brasileira assumiria a tendência da Administração por Objetivos (APO), principalmente após a publicação do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Nesse contexto, o planejamento, sob influência da Teoria do Capital Humano, vincular-se-ia ao desenvolvimento econômico e à segurança nacional. Ainda, os planos setoriais seriam subordinados a um plano geral de governo, os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND). Era de competência do ministro dirigir a elaboração dos planos setoriais, devendo submetê-los à aprovação da presidência da República. De acordo com Mendes (2000, p. 40),

Estabeleceu-se o dualismo pelo qual o Ministério do Planejamento elaborava o plano e o Ministério da Educação tomava as suas decisões fora dele, às vezes segundo planos por ele mesmo elaborados, sempre muito inferiores aos do Ministério do Planejamento, porém mais viáveis, algumas vezes, por emergirem da instância decisória.

Enquanto isso, “no âmbito da lei foi rompido o princípio de uma lei sistêmica de diretrizes e bases da educação nacional, com a edição das leis 5.540/68 para a educação superior e 5.692/71 para o ensino de 1º e 2º graus” (BORDIGNON; QUEIROZ; GOMES, 2011, p. 11), adotando-se uma orientação economicista e tecnicista, em detrimento do viés pedagógico e de desenvolvimento humano. Nesse contexto, após 1972, no âmbito do Ministério do Planejamento, a gestão por meio dos PND logrou mais êxito, e os mesmos serviriam de base para a elaboração de planos setoriais. No caso da Educação, foram elaborados os Planos Setoriais de Educação e Cultura (PSEC). Era um sistema impositivo de planejamento, centralizado e de cima para baixo, com predominância da racionalização técnica e pragmática visando o desenvolvimento econômico.

O I PSEC (1972-1974), fundamentado no I PND que objetivava elevar o Brasil a uma nação desenvolvida, consistia num conjunto de projetos e programas, prevalecendo neles o caráter economicista. Eram dez programas: 1) ensino primário e médio; 2) aperfeiçoamento do magistério; 3) educação de adultos; 4) assistência global ao estudante; 5) implementação da reforma universitária; 6) melhoria das condições de remuneração do magistério; 7) formação e treinamento intensivo de mão-de-obra; 8) integração do educando no mercado de trabalho; 9) integração das universidades nas comunidades e de pesquisa e; 10) desenvolvimento para o setor educacional (PAMPLONA, 1973). Para Horta (1997, p. 181), “ao optar pela sistemática de programas, o MEC estava, na prática, negando a ideia de planejamento”.

O II PSEC (1975 – 1979) apresentou, na primeira parte, uma avaliação positiva do I PSEC. Bordignon, Queiroz e Gomes (2011) explicam que, na segunda parte, eram definidos os objetivos gerais e específicos para cada etapa e nível de educação e as estratégias globais e específicas para alcançá-los. Na terceira parte, era apresentada a programação detalhada das ações estratégicas distribuídas em quatro partes (sistema educacional, educação física e desportos, cultura e modernização do MEC), programadas por meio de projetos específicos para cada etapa e nível de ensino e cada ação estratégica (BRASIL, 1976).

Para Germano (2011), o II PND, base para o II PSEC, aglutinava duas tendências: a primeira claramente destinada a “assegurar sobretudo a reprodução do capital suprindo as suas necessidades” (p. 224), enquanto subordinava a educação à necessidade do crescimento acelerado, com bases no capitalismo industrial. A segunda tendência, num contexto de desgastes do Regime Militar frente à sociedade, propunha incorporar o “redistributivismo” e o “participacionismo” no PND, implicando na necessidade de distribuição de renda face ao “milagre econômico” e ao envolvimento da classe média na tomada de decisões.

Ao se apropriar do “vocabulário crítico da sociedade civil”, o governo militar começou a utilizar dos discursos que vinham dos movimentos progressistas e das ruas para justificar e construir seu projeto de perpetuação no poder. Nesse sentido, a “incorporação da classe média e dos trabalhadores no rol das preocupações governamentais tem em vista não somente suprir uma necessidade real, mas, principalmente, busca um apoio importante para a manutenção do poder” (GERMANO, 2011, p. 225). Para Germano (2011), o II PSEC não estava em sintonia com o II PND, pois “continuava a expressar uma visão tecnicista, despolitizante – inspirada na ‘teoria do capital humano’ – e tinha em vista um interlocutor abstrato e indeterminado: o homem brasileiro” (p. 233). Assim, no documento do MEC se

[...] predomina uma visão utilitarista e interessada da educação com vistas ao mercado, ao lado de evidentes apelos à igualdade do acesso à escola, como forma de possibilitar a ascensão social dos escolarizados. (p. 234).

Ainda de acordo com Germano (2011), essa utilização do “vocabulário crítico da sociedade civil” vai se intensificar no III PND e, consequentemente, no III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (PSECD) (1980 – 1985). Isso se dá ao processo de distensão para destituição do Regime Militar e redemocratização do país. Na elaboração do PSECD, quando o MEC reassumiu as rédeas do processo de planejamento, contou-se com a participação de secretários de estado da educação por meio de seminários e encontros regionais.

De forma geral, buscaram-se contribuições para a superação das dificuldades assim sintetizadas: redução das desigualdades sociais, crescimento demográfico, universalização da educação básica, eficiência do sistema escolar, desenvolvimento cultural, flexibilidade regional e programática. O III PSECD estabeleceu quatro linhas prioritárias de ação: 1) a educação no meio rural; 2) educação nas periferias urbanas; 3) desenvolvimento cultural; 4) valorização dos recursos humanos da educação, da cultura e do desporto (BRASIL, 1980).

A mudança de discurso do Regime Militar, segundo Germano (2011), justificava-se pela diminuição do poder político-eleitoral e pela crise institucional e social, fazendo-se necessário aproximar-se do povo e negar, ao menos no discurso, o autoritarismo. Nessa concepção, “o III PSECD se constituiu assim numa negação dos planos e dos procedimentos de planejamento adotados anteriormente, e numa crítica à política educacional desenvolvida até então” (GERMANO, 2011, p. 245).

Com a reabertura democrática e o fim do Regime Militar, a posse e gestão do novo presidente da República, o civil José Sarney, deu continuidade à política de planejamento por meio da a elaboração do Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (PND/NR) (1986 – 1989), Lei nº 7.486, de 06 de junho de 1986. Segundo Bordignon, Queiroz e Gomes (2011), o PND/NR enfatizou a retomada do desenvolvimento com base no tripé: crescimento econômico, reformas (administrativa, orçamentária e financeira – pela descentralização e combate à inflação -, tributária, agrária e do sistema financeiro de habitação) e combate à pobreza, à desigualdade e ao desemprego.

Com a instalação da Assembleia Nacional Constituinte (1987) e as pressões e contribuições da sociedade civil organizada, construiu-se a Constituição Federal de 1988, que atribuiu novas dimensões à concepção do planejamento como ação do Estado. Nela, assegura-se a educação pública, obrigatória, laica, gratuita e de qualidade a todos os cidadãos. Para operacionalizar esses princípios, compete privativamente à União legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, inciso XXIV).

No que tange ao planejamento, nos princípios gerais da atividade econômica, estabelece-se que o Estado exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento; entendia-se o planejamento como fator determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (art. 174). Já no exercício da regulamentação, “a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento” (BRASIL, 1988). No campo educacional, a Carta de 1988, ao resgatar a vinculação de percentuais mínimos a serem investidos em manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212), definiu no parágrafo terceiro que “a distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de educação”. Além disso, o artigo 214 resgatou a incumbência da aprovação do PNE de duração plurianual:

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à:

  • I – erradicação do analfabetismo;

  • II – universalização do atendimento escolar;

  • III – melhoria da qualidade do ensino;

  • IV – formação para o trabalho;

  • V – promoção humanística, científica e tecnológica do País (BRASIL, 1988).

Logo, a Constituição Federal de 1988, também batizada de “Constituição Cidadã”, aponta primeiro a incumbência privativa da União ao definir as diretrizes e bases da educação nacional, e depois vincula a distribuição de recursos ao Plano Nacional de Educação. Além disso, define os princípios que devem conduzir o planejamento educacional, retomando desafios que já foram postos pelos Pioneiros da Educação Nova em 1932, como a superação do analfabetismo, a universalização do ensino e a qualidade dos serviços educacionais. Com esse importante marco legal, abriram-se novas possibilidades para o jogo político-educacional com a elaboração, sob forte influência internacional, do Plano Decenal de Educação para Todos (1993), a aprovação da LDBEN 9.394/1996, a aprovação do PNE 2001-2010 (o primeiro em forma de Lei), promulgação da Emenda Constitucional nº 59/2009 e aprovação do PNE 2014-2024, abrindo um amplo campo de estudos sobre o momento atual da Educação nacional.

Análises e reflexões sobre o desenho do planejamento no contexto histórico

Para atingir aos objetivos propostos, a pesquisa documental e bibliográfica realizada teve como premissa a seleção de documentos oficiais, bem como autores que são referências no campo da política educacional de forma geral e a análise do planejamento educacional de forma específica. Logo, foram textos essenciais para a compreensão e análise do perfil político-teórico que o planejamento educacional foi ocupando no contexto de seu início no período republicano até a Carta de 1988.

O percurso delineado a partir dos marcos legais da Constituição de 1891 à Constituição de 1988 apresentou a concepção de planejamento educacional nos diversos momentos históricos do país. Em linhas gerais, pode-se afirmar que o planejamento foi caracterizado como instrumento de centralização das ações política-educacionais, estando ora nas mãos dos membros do Conselho Nacional/Federal de Educação, ora nas mãos dos tecnocratas vinculados ao Ministério do Planejamento e do Ministério da Educação. Mesmo nos momentos de abertura democrática, no período analisado, não se percebe um forte envolvimento da sociedade civil no processo de elaboração do planejamento educacional, podendo os planos produzidos serem classificados como planos de governo, e não como planos de Estado em sentido integral.

Ao retomar os objetivos específicos da pesquisa em uma perspectiva histórica, as fontes utilizadas via pesquisa documental e bibliográfica puderam indicar o citado centralismo do ente federal no planejamento educacional brasileiro como política de governo. Foi possível apresentar a configuração em que esse tema esteve, ou não, presente nas Constituições brasileiras (1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988). A partir dos documentos e das contribuições analíticas dos autores utilizados, identificou-se a estrutura dos modelos de planejamento adotados em cada momento histórico, inclusive com a influência do alinhamento político-ideológico da direção do Governo federal em cada período da República.

Nesse sentido, além do centralismo apontado e da configuração dos planos elaborados e/ou aprovados como documentos de governo, os documentos e referenciais também indicaram movimentos de descontinuidade como marcas de continuidade na história do planejamento educacional brasileiro, utilizando os termos de Dourado (2016). Ou seja, as rupturas, os “engavetamentos” dos planos ou a não avaliação de sua implementação marcaram os documentos do período ora analisado.

Considerações finais

Ao propor identificar os marcos legais e analisar tais documentos do planejamento educacional brasileiro no período de 1891 a 1988, o presente artigo, por meio da pesquisa documental e bibliográfica, cumpriu seu objetivo de evidenciar as marcas da política educacional na trajetória indicada e no contexto dinâmico brasileiro.

O PNE de 1937, que não era efetivamente um plano de educação, mas sim uma lei de diretrizes e bases, não logrou êxito ao ser abortado pelo Estado Novo. No período ditatorial varguista que se seguiu, não se efetivaram práticas de planejamento educacional, apesar dos esforços do então ministro Capanema.

Sob influência da Constituição de 1945 e da LDBEN 4.024/1961, o Brasil teve seu primeiro PNE aprovado pelo CFE e pelo MEC (ressalta-se que não foi um plano aprovado em forma de Lei), que mais se caracterizou como um plano de aplicação financeira dos fundos então criados por esses dois marcos legais. Apesar de ter sido aprovado e sido a base para o Plano Trienal do Governo Goulart, este também fora ignorado pelo advento da ditadura civil-militar pós-1964.

O centralismo burocrático nas mãos de tecnocratas que não pertenciam ao campo da Educação marcou o planejamento educacional no período da ditadura civil-militar (1964-1985), retirando dos educadores o papel de definir os rumos da política educacional. Nesse período, os planos setoriais de educação caracterizaram-se mais como um “guarda-chuva” de programas e projetos, distanciando-se da concepção de planejamento enquanto marco direcionador das políticas públicas. Com a Nova República, procurou-se resgatar os princípios da participação social na elaboração do planejamento das políticas públicas do país.

A reabertura democrática e a promulgação da Constituição de 1988 possibilitaram novas perspectivas para o planejamento educacional brasileiro. Isso por ter resgatado, da Constituição de 1934, o Plano Nacional de Educação como elemento norteador e balizador das políticas públicas educacionais, vinculando-o, inclusive, à distribuição dos recursos financeiros. A partir desse importante marco legal, abre-se um amplo campo de possibilidades de pesquisas sobre o planejamento educacional brasileiro, a partir dos documentos que foram elaborados nesse novo período (nem sempre com a participação da sociedade civil), tendo a Carta de 1988 como referência.

Ao considerar as marcas que o processo de planejamento educacional deixou na história da educação brasileira no período analisado (1891–1988), efetivaram-se: movimentos de descontinuidade, fragmentação, centralização e burocratização. Observa-se que tais movimentos se contrastam com a perspectiva apresentada no início deste trabalho: a construção de um plano de educação com envolvimento da sociedade civil e política, num processo de democratização das relações de poder e definição, num dado espaço e tempo, das prioridades e caminhos que a educação brasileira deve trilhar.

Por fim, ponderando-se sobre a relevância da temática, principalmente sob a ótica do Artigo 214 da Constituição de 1988, esta pesquisa se insere no âmbito de contribuir com referenciais históricos para a compreensão de como o planejamento educacional foi desenhado nos documentos legais nacionais. Estudos posteriores sobre a proposição e materialização do planejamento educacional pós 1988 e do contexto do término da vigência do PNE 2014–2024 são importantes para entender como essa sistemática impacta, ou não, na seara das políticas educacionais brasileiras e como mobiliza, ou não, a sociedade civil e a sociedade política nessas construções e materializações.

1Doutor em Educação. Professor na Secretaria Municipal de Educação de São Luís de Montes Belos, Goiás, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6353-200X E-mail: edson.belos@gmail.com

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Recebido: de 2023; Aceito: de 2023; Publicado: de 2023

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