Introdução
O Núcleo de Relações Internacionais de Mato Grosso (Nurimat) foi criado em outubro de 2018, por meio da associação do governo do Estado de Mato Grosso com as instituições de ensino superior públicas presentes nesse estado: Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT), com o objetivo de contribuir no fomento da internacionalização da educação superior. Na prática, essa organização realiza a interação com agentes diplomáticos, paradiplomáticos e instituições de ensino superior no exterior visando estruturar parcerias para fortalecer atividades de ensino, pesquisa, extensão e desenvolvimento científico e tecnológico do estado e suas instituições partícipes.
Em todo o mundo, os governos subnacionais e atores não estatais desempenham um papel ativo nas relações internacionais, participando do comércio internacional, missões culturais e relações diplomáticas com agentes e entidades estrangeiras. Rotulado genericamente de “paradiplomacia”, trata-se de uma área de pesquisa relevante por meio da qual é possível discutir diferentes abordagens para compreensão da atuação de atores subnacionais em assuntos internacionais. Além disso, o tema ganha ainda mais relevância na atual perspectiva crítica de pesquisa em que se busca desvelar e problematizar a multiplicidade de atores não estatais, epistemologias teóricas e interseccionalidades nas relações internacionais.
Este artigo visa discutir teoricamente o conceito de paradiplomacia e a possibilidade de caracterizar o Nurimat como actante paradiplomático. Em especial, se busca discutir qual o papel das universidades associadas junto ao governo do estado no processo de internacionalização por meio do Nurimat? Esses esforços e estratégias criaram um ambiente de diplomacia alternativa? Esse novo agente de relações internacionais poderia ser caracterizado como um expoente de paradiplomacia?
Metodologicamente, problematizamos as questões à luz dos princípios da pesquisa documental e bibliográfica. A primeira utilizou de fontes primárias, acessadas com autorização específica da gestão da organização, visando a descrição da constituição, organização, funcionamento e ações do Nurimat, enquanto a segunda se valeu de fontes secundárias, trabalhos e produções acadêmicas já consolidadas para apresentar e discutir o conceito de paradiplomacia.
Primeiramente partimos de uma revisão da literatura sobre o conceito de paradiplomacia, que apesar das críticas, se sustenta como referência para estudar a atuação internacional dos agentes subnacionais. Na sequência, apresentamos a relevância do conceito de internacionalização do ensino superior, que se torna especialmente positivo, diferenciador e transformador no atual contexto de globalização. Na terceira seção apresentamos a estrutura e funcionamento do Nurimat, bem como sua atuação como agente paradiplomático em dois casos práticos. Por fim fazemos uma discussão sobre a importância da atuação paradiplomática, política externa e possibilidades de avançar nas pesquisas desse campo que perpassa atores e arenas políticas subnacionais, nacionais e internacionais.
Paradiplomacia
A paradiplomacia tem sido amplamente estudada nas últimas décadas sob diferentes perspectivas como uma forma de trazer à baila agentes subnacionais nas relações internacionais. Desde as definições pioneiras de Ivo Duchacek (1986) e Panayotis Soldatos (1990), a paradiplomacia é majoritariamente definida como o envolvimento de governos subnacionais nas relações internacionais, por meio do estabelecimento de relações formais e informais, contatos bilaterais ou multilaterais, com entidades públicas ou privadas estrangeiras, com o objetivo de promover questões socioeconômicas, políticas, culturais ou ambientais (CORNAGO, 2018). Assim, o conceito pode ser compreendido por sua característica fulcral de mobilização internacional em que os atores demonstram actância e projeção, com significativo grau de autonomia política, embora não soberana, para além das fronteiras do Estado-nação e seu governo central (ver PAQUIN 2020; KUZNETSOV 2015; ZERAOUI 2016).
Embora a maioria dos autores na continuidade de Duchacek (1984) e Soldatos (1990) entendam e apliquem o conceito de paradiplomacia apenas aos governos subnacionais, há estudos como de Martins Senhoras (2009), Wadman et al (2018), Mèrcher (2020), Zapata-Morán et al (2021) que não falam apenas de determinados atores fora do Estado central, mas perfazem a ampliação do conceito e incluem também todos os atores que têm uma atividade internacional, sejam eles estatais ou não, inclusive empresas, ONGs ou universidades. Inclusive trazendo a possibilidade de uma paradiplomacia universitária. Assim, de maneira mais abrangente, a paradiplomacia não exclui outras formas de mobilização e estratégias de atuação por meio das quais outros atores não estatais como as universidades e governos subnacionais possam perseguir seus objetivos.
Expoente crítico da perspectiva da paradiplomacia, Hocking (1993, 1996) argumenta que o campo da atuação internacional dos governos e agentes subnacionais pode ser estudado por meio de abordagens como a poliarquia, governança multinível e seu próprio conceito de diplomacia multicamadas pois, cada um à sua maneira, transmite a essência do fenômeno: a interseção entre atores e arenas políticas subnacionais, nacionais e internacionais. O autor sugere a substituição do termo "paradiplomacia" pela adoção de uma abordagem analítica que considere a participação cooperativa e não segmentada de governos não centrais na política internacional. Dessa forma, propõe-se rejeitar as categorias propostas por Duchacek (1986) e Soldatos (1990). Segundo Hocking (1993), essa definição clássica não refletiria o cenário internacional contemporâneo, no qual as fronteiras entre o doméstico e o internacional são negociadas e flexibilizadas. Pelo contrário, esse termo acabaria por reforçar a distinção, ao enfatizar os elementos de conflito e demarcação entre as ações subnacionais e nacionais. Em suma, sob essa perspectiva, a diplomacia internacional deve ser compreendida não como um processo segmentado, liderado por atores inquestionáveis, mas sim como uma rede de interações, com diversos e versáteis atores, que interagem de maneiras diferentes. Em consonância com uma abordagem crítica ao emprego metodológico da paradiplomacia, Lecours (2002) enfatizou a ausência de uma perspectiva teórica abrangente no estudo da atuação internacional de governos subnacionais. Além disso, salientou a falta de ênfase na construção de estruturas analíticas gerais para orientar a pesquisa sobre paradiplomacia, devido à prevalência de estudos de caso e trabalhos descritivos na área. Parece-nos insuficiente tal premissa do autor, primeiro porque entendemos que o desenvolvimento de trabalhos descritivos e estudos de caso contribuem para a construção de um arcabouço teórico. Segundo a observação e análise de casos específicos, podem evidenciar os atores e processos que atravessam as arenas políticas subnacionais, nacionais e internacionais e possibilitam a generalização e estabilização dos conceitos.
Importa mencionar que literatura identifica dois tipos ideais e antagônicos de atividades internacionais de entes subnacionais: a paradiplomacia, indicando as atividades complementares aos Estados e que não geram qualquer tipo de tensionamento; e o conceito de protodiplomacia, para identificar as iniciativas de conflito das ações dos entes subnacionais em relação à coordenação nacional, geralmente destinadas à separação do Estado. (Ver SOLDATOS 1990; AGUIRRE, 1999; KUZNETSOV, 2015; PAQUIN, 2020).
Tal como Hocking (1993, 1996) e outros, Kuznetsov (2015) discute e destaca outras formas de conceitualizar essa atuação internacional dos agentes subnacionais, e apesar das deficiências levantadas pelos autores e das propostas alternativas, argumenta que o conceito se sustenta como referência. Assim, neste trabalho acompanhamos Kuznetsov ao reconhecer que o conceito de "paradiplomacia" não é perfeito e possui pontos vulneráveis, os quais têm sido repetidamente mencionados por diversos pesquisadores. No entanto, a expressão "paradiplomacia" já se estabeleceu como uma categoria estável no discurso das ciências sociais contemporâneas e está associada à maioria dos estudiosos que se dedicam à temática do engajamento internacional de governos regionais (KUZNETSOV, 2014, p. 30).
Para além das controvérsias conceituais que ocasionalmente provoca, o conceito de paradiplomacia facilita a compreensão e problematização de uma importante dimensão das relações internacionais, tanto na teoria quanto na prática. Este estudo, por sua vez, busca aplicar o conceito em um caso empírico por meio do Nurimat e seu objetivo de internacionalização universitária das instituições associadas. Assim, escolhemos contribuir com um arcabouço teórico mais amplo para o estudo da atuação internacional dos agentes subnacionais, por meio da realização de um trabalho qualitativo que utiliza um estudo de caso como escolha metodológica.
Internacionalização do Ensino superior
Atividades relacionadas à internacionalização têm sido uma constante na vivência do ensino superior, englobando a colaboração entre acadêmicos na produção de conhecimento. No passado, a dimensão internacional para agentes nacionais e subnacionais poderia ser uma opção, mas atualmente tornou-se emergente e “[...] é uma das principais forças que estão impactando e moldando a educação superior à medida que ela muda para enfrentar os desafios do século XXI.” (KNIGHT, 2020, p.11).
Em virtude da necessidade de responder ao processo global de interconexão da sociedade, as instituições de ensino superior (IES), os Estados nacionais, bem como subnacionais, como governo do Estado de Mato Grosso, estão enfrentando desafios que demandam a adoção de novas iniciativas, ações, prioridades e estratégias.
A internacionalização do ensino superior é um conceito de plena construção, e os estudiosos concordam que deve ser apreendida como meio e não como fim, visando o desenvolvimento da sociedade. Segundo Knight (2004, p.2), a internacionalização consiste no processo de incorporar dimensões internacionais ou interculturais às atividades de ensino, pesquisa e prestação de serviços de uma instituição de ensino superior. Por outro lado, Paige (2005) define internacionalização como a criação de um ambiente educacional, de pesquisa e de extensão com um caráter internacional.
Amplamente aceitos, De Wit e Hunter (2015) definem a internacionalização como um processo intencional de integração das dimensões internacional, intercultural e global no propósito, função e oferta de uma educação superior, visando aprimorar a qualidade do ensino e da pesquisa para estudantes e funcionários, além de promover uma contribuição significativa para a vida em sociedade.
Identificar os atores, ações e motivações que impulsionam a internacionalização são essenciais para a compreensão de todos os aspectos da dimensão internacional do ensino superior. Eles ajudam a explicar por que uma instituição, um Estado ou agentes subnacionais acreditam que a internacionalização é importante, quais estratégias são usadas, quais benefícios são esperados e quais riscos são assumidos ou temidos. Em um nível mais fundamental, retomando a Knight (2010), as estratégias refletem os valores centrais que um sistema de ensino superior possui em relação à contribuição que os elementos internacionais, interculturais e globais fazem para o papel do ensino superior na sociedade.
Nesse contexto, a internacionalização do ensino superior emerge como um conceito central, deixando de ocupar uma posição periférica e se tornando intrinsecamente ligada a uma visão positiva da cooperação e relações internacionais, como agente diferenciador e transformador no atual contexto de formação acadêmica que requer a aquisição de competências linguísticas e a incorporação de valores, atitudes, habilidades e conhecimentos internacionais interculturais, concomitante a intensificação da competição na pesquisa científica e tecnológica, e consequente capacidade de inovação e empreendedorismo.
O Nurimat
O Núcleo de Relações Internacionais de Mato Grosso (Nurimat) em seu estatuto se autodenomina como um núcleo de cooperação estadual. Uma organização interinstitucional sem fins lucrativos e econômicos, com enfoque acadêmico, científico, tecnológico e cultural. Sua constituição está ancorada na legislação brasileira, porém possui abrangência internacional, permitindo o desenvolvimento de atividades tanto no Brasil quanto em outros países, conforme necessário para atingir seus objetivos.
O Nurimat, desde sua fundação, possuí domicílio, sede e foro estabelecidos na Casa Civil do Estado de Mato Grosso, localizada no Palácio Paiaguás, Centro Político Administrativo, Cuiabá-MT/Brasil. O regimento estabelece que essa sede pode ser transferida para quaisquer das outras instituições integrantes, desde que aprovado pela maioria absoluta dos membros em reunião ordinária.
Os membros fundadores do NURIMAT são as instituições que assinaram o Acordo de Cooperação de criação do núcleo, publicado no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso em 31 de outubro de 2018, composto pela UFMT, UNEMAT, IFMT e governo do Estado de Mato Grosso.
Considerando a criação da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) a partir da estrutura de um campus universitário da UFMT, foi publicado no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso, em 30 de setembro de 2021, o Termo Aditivo de Cooperação, acrescentando a UFR ao rol de instituições fundadoras do núcleo.
Segundo o regimento interno, os objetivos do NURIMAT são:
promover oportunidades de internacionalização das instituições associadas, por meio de atividades acadêmicas, científicas, tecnológicas e culturais;
incentivar e praticar ações de cooperação internacional no tocante ao ensino, pesquisa, extensão e inovação, em conjunto com instituições públicas e privadas de educação superior ou pesquisa e organismos internacionais, que possibilitem a realização de pesquisas com cooperação internacional, mobilidade de estudantes e funcionários/ servidores e dirigentes institucionais, como também o intercâmbio de novos modelos de currículo e realização de formações conjuntas;
estimular e organizar atividades de cooperação internacional;
fomentar e intermediar a realização de projetos de cooperação internacional, de interesse do Estado de Mato Grosso e com relevância internacional, entre as instituições membro do NURIMAT e instituições e organismos nacionais e internacionais nas áreas de ciência, tecnologia, inovação e empreendedorismo;
promover cooperação multilateral, em parcerias com redes e associações de educação superior, ciência, pesquisa e tecnologia, organismos internacionais, instituições governamentais, nacionais e internacionais e quaisquer outras instituições que possam contribuir para o processo de internacionalização das Instituições membros deste núcleo;
organizar cursos, seminários e outros eventos, nacionais e internacionais;
envidar esforços para a obtenção de recursos financeiros, para financiamento de pesquisas, bolsas de estudo e outros apoios que promovam ações de pesquisa em colaboração internacional, mobilidade de docentes, demais servidores das instituições relacionadas às parcerias e de estudantes. (NURIMAT, 2023 p.2).
Os poderes do Núcleo são exercidos pelos seus órgãos sociais, a Assembleia Geral e a Diretoria. A Assembleia Geral consiste na reunião de todos os membros em pleno gozo de seus direitos, podendo ser ordinária ou extraordinária. Por sua vez, a Diretoria é composta por um Presidente, um Vice-presidente e um(a) Secretário(a). Objetivamente os cargos são ocupados e a gestão da organização é conduzida por representantes designados pelas instituições participantes, sendo obrigatoriamente servidores da área de Relações Internacionais.
Compete à Assembleia Geral: eleger o/a Presidente e o/a Vice-presidente; deliberar sobre qualquer evento, documento, acordo, projeto ou programa que envolva o nome do Nurimat; aprovar alterações do Regimento; decidir sobre a admissão e exclusão de membros, bem como a dissolução da organização.
São atribuições dos Presidente e Vice-presidente assegurar a gestão, representar o núcleo e intermediar acordos gerais, termos de cooperação e memorandos de entendimento, tanto em âmbito nacional como internacional, com organismos ou entidades públicas ou privadas. No entanto, tais acordos não devem comprometer os objetivos e finalidades do Nurimat, nem colocar em risco sua independência. Além disso, eles têm o poder de decidir pela criação, extinção, alteração e coordenação de Grupos de Trabalho ou Comitês.
A Secretaria tem a responsabilidade de agendar, organizar e secretariar reuniões e assembleias do núcleo. Também é responsável pela elaboração, aprovação, divulgação e arquivamento das atas da organização. Além disso, cabe à Secretaria articular as proposições buscando consenso, receber, analisar e encaminhar correspondências, e-mails e outras demandas relevantes para o Nurimat.
Ações do núcleo matogrossense
O Nurimat, como já descrito, pode atuar como agente paradiplomático por meio do fomento, intermediação e organização de atividades e projetos de cooperação internacional. Para evidenciar essa atuação escolhemos descrever duas ações práticas: a. O de acordo de cooperação entre o Nurimat e a Universidade Agrícola do Sul da China (SCAU) para estabelecer parceria do Centro Brasil-China de Pesquisa em Tecnologia Sustentável e Inovação do Agronegócio de Mato Grosso (BCAgriMT); e, b. Atuação do Nurimat para a criação do Centro de Língua Chinesa e de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia Agrícola na UFMT.
BCAgriMT
O acordo para criação do BCAgriMT se destaca por ter sido o primeiro documento e instrumento jurídico hábil para a formalização de cooperação técnica, visando à execução de projeto/atividade de interesse recíproco assinado pela organização.
Emitido em português e inglês, em vias digitais de igual teor, o acordo foi firmado pela presidente do Nurimat, Rita de Cássia Oliveira Chiletto e pelo Presidente da SCAU, Liu Yahong, em 13 de dezembro de 2021. Esse acordo de cooperação tem como pressuposto o reconhecimento dos princípios e valores comuns de excelência acadêmica e responsabilidade social de ambas as instituições e seria condizente com a legislação vigente em seus respectivos países e normas de direito internacional.
A proposta do BCAgriMT, com sede no Estado de Mato Grosso, constitui um ato jurídico de cooperação e internacional para a materialização de um espaço articulado de produção e disseminação de conhecimento, treinamentos e geração de negócios, visando:
Estruturar diferentes arranjos de parcerias, incluindo parcerias público-privadas;
Prover infraestrutura e recursos técnicos de excelência e abrangência internacional;
Prospectar talentos nacionais e internacionais;
Desenvolvimento de tecnologias aplicadas no meio acadêmico;
Difundir tecnologia desenvolvida entre produtores e associações rurais;
Contribuir para a educação continuada e empreendedora com foco no agronegócio;
Agregar valor à produção agrícola;
Promover a sustentabilidade nas cadeias agroindustriais.
Segundo o acordo de cooperação, o Centro BCAgriMT abrangerá projetos de pesquisa nas áreas de agronomia, zootecnia, engenharia agrícola, recursos pesqueiros, recursos e engenharia florestal, medicina veterinária, ciência e tecnologia de alimentos e biodiversidade. As instituições membros do Nurimat colaborarão, disponibilizando laboratórios de pesquisa existentes, pessoal e outros recursos de infraestrutura para o desenvolvimento dos projetos no Centro BCAgriMT. Adicionalmente, laboratórios-chave e áreas experimentais criadas no âmbito desse acordo poderão ser estabelecidos no Parque Tecnológico de Mato Grosso ou em outras instituições ligadas à Nurimat, conforme interesse comercial, necessidade de pesquisa estratégica ou outros acordos entre as partes.
Com o objetivo de alcançar os objetivos previstos, ambas as instituições concordam em realizar atividades conjuntas, priorizando: cooperação de pesquisa; intercâmbio de docentes, técnicos administrativos e estudantes relacionados aos projetos do BCAgriMT; e participação em seminários, reuniões acadêmicas, cursos e atividades de intercâmbio cultural internacional relacionadas aos projetos do BCAgriMT.
As ações decorrentes desse Acordo de Cooperação serão coordenadas pelas respectivas unidades de Relações Internacionais das duas instituições e um comitê gestor, composto por um representante de cada instituição afiliada à Nurimat, que será responsável por: (i) coordenar a rotina administrativa do BCAgriMT; e (ii) discutir com parceiros internacionais os projetos de interesse mútuo a serem desenvolvidos em Mato Grosso.
Centro de Língua Chinesa e de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia Agrícola
O Centro de Língua Chinesa e de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia Agrícola é resultado do trabalho de fomento, articulação e negociação do Nurimat. O acordo de cooperação para criação do centro foi firmado em 30 de maio de 2022, em vias digitais de igual forma e conteúdo em inglês e português, pelo Reitor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Evandro Aparecido Soares da Silva, e pelo presidente Universidade Agrícola do Sul da China (SCAU), Professor Liu Yahong.
Por meio desse acordo negociado pelo Nurimat, a UFMT e a SCAU promoverão a cooperação nas áreas de língua chinesa e portuguesa, eventos culturais e ciência e tecnologia agrícola com base no princípio da inovação colaborativa e cooperação ganha-ganha. As duas partes pretendem, com o centro, desenvolver projetos conjuntos nas áreas de treinamento e pesquisa, fomentando assim o intercâmbio de língua, cultura e conhecimento científico, tendo como prioridade o intercâmbio ou estadias de pesquisadores, professores e alunos de Graduação, Mestrado ou Doutorado para o desenvolvimento de estudos e estágios na área da língua chinesa, atividades culturais e acadêmicas relacionadas à Agricultura.
O objetivo geral é promover o ensino chinês e fomentar o desenvolvimento das relações bilaterais, especialmente com relação às ciências agrárias. Ao mesmo tempo, será aberto um espaço para cooperação e intercâmbio com a China, com o fornecimento de bolsas de estudo no intuito de realizar conjuntamente pesquisas científicas e intercâmbios acadêmicos, destacando pontos fortes mútuos e promovendo aprendizado conjunto.
O centro foi inaugurado no dia 23 de maio de 2023 e tem como sede o Instituto de Linguagens da UFMT. Segundo o Vice-Presidente da SCAU, Qiu Rongliang, que participou da cerimônia de inauguração em Cuiabá, “o Centro é o primeiro no mundo com essa perspectiva, incluindo língua e conhecimentos agrícolas, o que reforça sua importância no cenário internacional e local, uma vez que abre possibilidades de diversas outras parcerias”4. A partir de setembro de 2023, há a perspectiva de oferecer níveis básico, intermediário e avançado da língua chinesa, cujo número de aulas e horários serão definidos em um plano de trabalho elaborado semestralmente pela Coordenação do Centro na UFMT.
Em termos de cooperação acadêmica e de pesquisa, o centro funcionará como uma central de articulação, facilitação da comunicação acadêmica e intercâmbio regular para professores e pesquisadores de todas as instituições participantes do Nurimat. Com base no Centro, especialistas e acadêmicos, especialmente relacionados às ciências agrárias, da SCAU e das universidades membros do Nurimat, consolidarão suas equipes de pesquisa acadêmica em áreas de interesse comum, e devem culminar na publicação conjunta de artigos em periódicos internacionais, tradução de trabalhos, candidatura conjunta para programas científicos internacionais, organização de seminários internacionais de alto nível, palestras acadêmicas, workshops etc.
Em termos de cooperação em intercâmbios culturais, o centro deve servir como plataforma para intercâmbios acadêmicos e visitas entre professores e alunos das instituições do Nurimat e a SCAU para atividades culturais. O acordo enfatiza o papel do Centro como ponte para explorar as diferenças culturais entre China e Brasil, aprofundando o entendimento mútuo e o fortalecimento imediato da amizade dos dois povos.
A atuação internacional do Nurimat
Compreendendo que a elaboração da política externa normalmente recai sobre os Estados, verifica-se que a organização e atuação internacional do Nurimat não compete com a diplomacia estatal. Todavia, torna-se um instrumento para fortalecer e promover tanto os assuntos internos quanto a política externa do Estado, pois as universidades e o governo buscam parcerias externas visando aprimorar seu desenvolvimento e obter benefícios locais, acadêmicos, tecnológicos, econômicos, políticos e culturais.
Diferentemente de outras associações5, que atuam na ampliação do processo de internacionalização das instituições de ensino superior e promoção do sistema de educação de seus países no exterior, o Nurimat associa um estado subnacional (Mato Grosso) com outros agentes subnacionais (instituições de ensino superior) para promover a internacionalização. Vai além, ao celebrar acordos, fomentar negociações e intermediar a organização de atividades e projetos de cooperação internacional.
A paradiplomacia é o conceito que se enquadra perfeitamente para caracterizar essa atuação, pois foca a atividade internacional das instituições envolvidas. Contudo, essas atividades não ocorrem de forma isolada, e sim em uma gestão focada e dirigida à internacionalização do ensino superior, apoiada pela política externa do Estado-nação a qual estão subordinadas.
O Nurimat, as universidades e outros possíveis novos atores nas relações internacionais atuantes na paradiplomacia são exemplos a serem observados para responder a diversas situações, tanto internacional quanto localmente, no surgimento, exercício e desenvolvimento das relações internacionais por agentes subnacionais. Seja por iniciativa dos Estados ou pela autonomia de atores fora do Estado central, essas organizações subnacionais são criadas e estão cada vez mais envolvidas nas relações internacionais, desenvolvendo instrumentos para institucionalizar sua relação com o mundo.
Influência e paradiplomacia subnacional
Retomando a abordagem teórica realizada por Duchacek (1990), é importante ressaltar que os governos e outros agentes subnacionais passaram a exercer sua influência não apenas dentro dos Estados nacionais aos quais estão vinculados, mas também no âmbito internacional, especialmente em áreas em que as relações internacionais podem impactar diretamente seus interesses. Vemos claramente essa influência, que não é isenta de interesses e vieses políticos, ao perceber o estreitamento das relações práticas e diplomáticas com a China por meio das ações do Nurimat.
A emergência de governos e outros agentes subnacionais como atores no cenário internacional não significa perda de poder e funções por parte do Estado central, particularmente com o exercício da paradiplomacia, que se apresenta como ferramenta para o exercício do chamado poder brando e que, portanto, pode trazer um fortalecimento da presença internacional do Estado, em um nível onde a alta e tradicional diplomacia não abordou.
Ao discorrer sobre as principais características da atuação subnacional no Brasil, Farias (2000) enfatiza o caráter pragmático das ações e o envolvimento em atividades restritas a questões de "baixa política", como promoção comercial, intercâmbio cultural, turismo, convênios tecnológicos, cooperação técnica e investimentos. Em geral, essas ações se integram às atividades gerais dos governos, sendo que a abrangência e o direcionamento do engajamento internacional são frequentemente determinados pela vontade política dos governantes, pelas oportunidades comerciais e pelos interesses individuais de cada estado ou município brasileiro.
Ainda que na "opinião do Itamaraty, apenas os Estados desenvolvem e conduzem política externa stricto sensu, as localidades limitam-se a realizar ações internacionais" (PEREIRA, 2004), e que consideremos que o Nurimat apenas atue nos temas tradicionais da "baixa política" (cultura, educação, cooperação para o desenvolvimento), sua capacidade de negociação desempenha papel importante na projeção de poder e atuação do regional para o global.
A avaliação de uma política como "alta" ou "baixa" depende da perspectiva do observador (KINCAID, 1990; PRADO, 2019). Um estado subnacional, como Mato Grosso, que busca envolvimento global para atrair investimentos, estabelecer e promover oportunidades de internacionalização das instituições de ensino superior, por meio de convênios e projetos de cooperação acadêmicos, científicos, tecnológicos e culturais que têm impactos diretos e indiretos na capacidade de inovação, empreendedorismo e desenvolvimento econômico não pode ser considerado uma política de menor relevância.
A horizontalização da política externa brasileira
De acordo com Faria (2012), observa-se um processo de "horizontalização da política externa brasileira", o qual possui fundamentos tanto legais quanto organizacionais. Essa transformação deve ser compreendida como uma clara evidência da perda do monopólio do Ministério das Relações Exteriores (MRE) sobre a agenda internacional do Brasil. Tal perda está intrinsecamente ligada à consequente diluição das fronteiras entre os âmbitos doméstico e internacional e ao aprofundamento das relações internacionais do país.
No entanto, conforme Faria (2012), não é necessário conceber isso como uma perspectiva de competição entre os atores subnacionais e o Estado brasileiro, uma vez que o MRE busca coordenar as atividades dos demais atores e agências do governo federal no âmbito da política externa, visto que todos compartilham da mesma fonte de autoridade. Dessa forma, estabelece-se uma relação de cooperação com os governos subnacionais, que possuem certa autonomia como entes federados, e com os atores da sociedade civil, que desfrutam de autonomia formal.
Na mesma perspectiva, Miklos (2010), ao analisar as iniciativas do governo brasileiro para acompanhar e coordenar esse tipo de envolvimento, destaca a importância de evitar possíveis conflitos com os interesses do governo brasileiro no cenário internacional. Nesse contexto, o MRE utiliza os termos "diplomacia federativa" ou "cooperação internacional descentralizada" com o intuito de afastar a percepção de que o engajamento desses atores ocorre sem o devido acompanhamento do governo federal, ou de que suas ações sejam contrárias à política externa nacional.
É possível ver o Nurimat como atuante paradiplomático e ferramenta do poder brando nos processos e estratégias de internacionalização dos partícipes. Entretanto, cabe ressaltar que não é a única, nem a mais importante, embora o objetivo aqui não seja determinar seu grau de importância, mas sim analisar a presença dessa atuação estratégica nas ações de internacionalização do ensino superior e na política externa.
Iniciativas como o Nurimat exemplificam a paradiplomacia por engajarem atores subnacionais e promoverem parcerias regionais e locais, proporcionando acesso à internacionalização de maneira mais aberta e democrática. Essas articulações horizontais permitem que instituições menores, como universidades regionais, se beneficiem de parcerias internacionais e colaborações acadêmicas, tecnológicas e culturais.
Por outro lado, por exemplo, a proposta da Universidade em Rede do BRICS6, que vem sendo articulada no âmbito do MRE e Ministros de Educação, destaca-se como uma iniciativa da alta política. Essa rede universitária, forjada e capitaneada pela diplomacia oficial dos Estados, ao se restringir a algumas IES de cada Estado membro, produz exatamente o oposto de que seria seu objetivo de “minimizar os impactos das assimetrias existentes entre as instituições acadêmicas, ao estabelecer uma relação de cooperação em que todos os parceiros extraiam proveito do compartilhamento de conhecimentos em áreas de interesses estratégicos dos países” (KHOMYAKOV; DWYER; WELLER, 2020, p.130). Assim, essa abordagem elitizada e restrita contrasta com a cooperação da paradiplomacia universitária que, sem o envolvimento direto da diplomacia oficial dos Estados, atua junto aos atores subnacionais de maneira mais horizontalizada e democrática.
Por fim, é crucial ressaltar que não devemos subestimar a importância da atuação paradiplomática, relegando-a a um plano secundário, sem uma análise criteriosa dessas atividades que estão além do âmbito da chamada alta política. Seria um equívoco, pois tal abordagem não permite uma compreensão abrangente dos impactos que tais ações podem gerar nas relações com os Estados nacionais, questionando a percepção de que as atividades subnacionais no país são simples instrumentos de fortalecimento da diplomacia tradicional. Isso fica claro quando pensamos nas diversas possibilidades de investigação que se abrem, tanto do ponto de vista crítico quanto prático, da relação Brasil-China a partir dessa atuação nas instituições de ensino superior e no Estado de Mato Grosso.
Considerações finais
O objetivo deste texto foi discutir teoricamente o conceito de paradiplomacia e analisar a possibilidade de caracterizar o Nurimat como actante paradiplomático.
À análise do apresentado, podemos afirmar que o Nurimat é um caso explícito da actância paradiplomática, que demonstra criatividade e movimento no plano internacional com resultados práticos e competência técnica.
Embora haja uma negação por parte do governo federal em reconhecer a capacidade dos governos subnacionais de conduzir a política externa, alegando que esta é uma competência exclusiva do Estado nacional, é justificável afirmar, sob a perspectiva acadêmico-científica, que certos governos e outros atores subnacionais têm e fazem política externa, a exemplo do Nurimat.
Não obstante, é importante que agentes paradiplomáticos sejam reconhecidos como colaboradores e não competidores. Ademais, compreendemos que a percepção de que as atividades realizadas na esfera da paradiplomacia sejam consideradas de "baixa política" tende a marginalizar esse processo. Podemos inferir que a exclusão ou desvalorização desses processos como ações formais de política externa resulta em uma compreensão restrita da atuação dos atores subnacionais e de suas consequências na política internacional.
Acreditamos que a análise da política externa necessita de parâmetros de investigação que incorporem os diversos atores presentes em seu contexto prático, levando em consideração suas diferentes formas de interação e participação, bem como os diversos resultados decorrentes dessas interações. Assim, somos conduzimos teoricamente na percepção da política externa como resultado de diferentes iniciativas tomadas por diferentes atores, sem exclusividade do Estado, em interação com o ambiente internacional.
É necessário dar um passo adiante ao colocar em evidência o papel exercido pelos agentes e governos subnacionais na política internacional. O avanço na construção de uma agenda de pesquisa da temática passa pela necessidade de romper com a afirmação de que a política externa é uma prerrogativa exclusiva dos Estados nacionais, mostrando que existem diferentes estruturas e configurações de organizações subnacionais que, como o Nurimat, têm atuado internacionalmente e gerado impacto diretos e indiretos na capacidade de inovação, empreendedorismo e desenvolvimento econômico em suas regiões.
Adicionalmente, a investigação sobre paradiplomacia perpassa pelos profissionais que atuam diretamente nas instituições e governos subnacionais para desenvolvimento de diplomacia além do Itamaraty, considerando a expertise dos que vivenciam tais ações.
As iniciativas demonstram como a atuação de atores subnacionais, como universidades e núcleos de relações internacionais, pode contribuir significativamente para a construção de pontes educacionais e científicas entre países. A criação do Centro Brasil-China de Pesquisa em Tecnologia Sustentável e Inovação do Agronegócio de Mato Grosso (BCAgriMT) e do Centro de Língua Chinesa e de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia Agrícola na UFMT são exemplos concretos de como a cooperação internacional pode ser efetivada através de parcerias estratégicas entre instituições acadêmicas e de pesquisa. Tais parcerias promovem uma diversidade de abordagens e soluções alternativas, essenciais para enfrentar os desafios educacionais de maneira inovadora e colaborativa, especialmente no contexto do Sul Global, onde as necessidades e realidades locais demandam respostas adaptadas e contextualizadas.
A paradiplomacia permite que universidades e outros atores subnacionais desempenhem um papel ativo na política externa, não apenas complementando as ações do Estado, mas também trazendo novas perspectivas e competências para a arena internacional. Essa prática pode fortalecer as capacidades locais, promover a interculturalidade e contribuir para o desenvolvimento de soluções educacionais mais inclusivas e equitativas. Assim, ao explorar novas formas de participação e mobilização social, a atuação paradiplomática pode ser vista como um elemento-chave na construção de uma agenda educacional internacional mais rica e diversificada.
Como linha de pesquisa futura, a cooperação no âmbito dos BRICS oferece um campo fértil para investigações sobre a eficácia das políticas educacionais e as dinâmicas de participação subnacional. Tendo a paradiplomacia como base, estudos podem focar em como as parcerias entre universidades e outros atores subnacionais do grupo influenciam a implementação de projetos educativos e científicos, e quais são os impactos dessas colaborações na melhoria da qualidade educacional e na promoção da inovação. Além disso, a análise das interações entre as políticas nacionais e as iniciativas subnacionais pode revelar insights valiosos sobre a governança multinível e a construção de uma diplomacia educacional mais inclusiva e eficaz. Compreender essas dinâmicas é crucial para desenvolver estratégias que potencializem a contribuição dos BRICS para a educação global, especialmente em termos de diversidade cultural, equidade e sustentabilidade.
Em linha com essa nova realidade, a paradiplomacia executada pelos atores subnacionais são fonte de política externa, cooperação internacional e de pesquisa para desvelar e problematizar a multiplicidade de atores estatais e não estatais, epistemologias teóricas e interseccionalidades nas relações internacionais.