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Educação

Print version ISSN 0101-465XOn-line version ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.41 no.3 Porto Alegre Sept./Dec 2018  Epub July 05, 2019

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2018.3.32667 

Editorial

Revista Educação (v. 41, n. 3, 2018)

Marcos Villela Pereira1 
http://orcid.org/0000-0002-3977-5167

1Professor Titular do PPGEdu/EH/PUCRS, Pesquisador CNPq, Editor Associado da revista Educação, Coordenador do CEB-Centro de Educação Básica (EH/PUCRS). E-mail: <marcos.villela@pucrs.br>.


Prezados leitores:

É sob o signo da incerteza que chegamos ao final deste ano. A polarização na disputa por uma posição hegemônica acaba por comprometer o exercício da democracia, que se faz, justamente, pela possibilidade da manifestação plural e pelo debate respeitoso e aberto entre os diferentes sujeitos que participam do jogo político. A democracia não se caracteriza por um regime estanque ou um estado estável das coisas, mas pela provisoriedade e pelo sempre precário estado de equilíbrio que se estabelece depois que um projeto particular conquista a posição hegemônica e ocupa a posição de projeto coletivo.

Em qualquer grupo é assim: trata-se de espaços em que a diversidade e a heterogeneidade dos sujeitos (mesmo quando partilham alguma identidade) exige uma permanente negociação e uma constante revisão das posições, em uma dinâmica de sucessivas estratégias e arranjos de forças que estabelecem e desfazem alianças a favor de uma ideia temporariamente compartilhada.

Assim é no âmbito dos processos de subjetivação, em que a diferença entre como me vejo, como me veem e como pretendo que me vejam (para apontar apenas três das possíveis posições do sujeito) produz constante alteração entre os interstícios e as figuras subjetivas que se arranjam em cada lance existencial, e resta, à suposta consciência, também arena em que disputam diferentes formas de racionalidade, negociar e arranjar essas figuras, alianças e tensões para dar passagem a uma subjetividade sempre precária e provisória.

Assim é na sala de aula, na família, no grupo de amigos ou no time de futebol, quando um grupo de sujeitos constitui um coletivo e entra em disputa pela constituição de uma figura que o represente como coletivo: cada um, partindo de seu projeto particular, tentará estabelecer alianças pontuais que permitam que se galgue posições ascendentes e essa particularidade se estabeleça como hegemônica, dominante. Até que as tensões entre os sujeitos produzam um novo deslocamento, que novas alianças se estabeleçam, e uma nova figura emerja.

Por isso, a redução da pluralidade à polarização acaba por favorecer a conversão do jogo político em uma política de disputa entre sujeitos que pretendem a aniquilação sumária de seu oponente, transformando o debate plural em um antagonismo binário e dualista em que o certo deve suplantar o errado, em que o estabelecimento de uma posição como hegemônica significa a destruição da outra.

Governar-se, governar o outro e ser governado já foi tema de inúmeras reflexões de pensadores que, como Michel Foucault, colocaram em análise a impossibilidade de estabelecer-se um programa único e universal que atenda a totalidade. A unanimidade é impossível. Sempre haverá alguma assimetria e alguma discrepância. Por isso, a pluralidade é bem-vinda: porque viabiliza a coexistência de posições díspares sem que deixem de ser díspares. Se governar é fazer escolhas tendo em vista resultados a serem alcançados, governar (ou governar-se, ou ser governado) implica em atender ou perseguir ou disputar um projeto ou uma ideia que se pretende desejável. Por isso, não é possível falar em neutralidade: sempre se estará ocupando alguma posição, e essa posição sempre implica uma visão de mundo, uma interpretação da realidade e uma análise das possibilidades de futuro feitas a partir dessa posição, dessa perspectiva.

Somos seres sociais. Por mais individualistas que possamos ser, sempre estaremos inscritos em algumas coletividades que ajudamos a constituir ao mesmo tempo em que por elas somos constituídos. Aquilo que somos será o resultado da equação inexata entre o que pensamos que somos, o que dizemos que somos, o que queremos ser, o que pensam que somos, o que dizem que somos, o que queremos que pensem que somos, o que querem que pensemos que somos – ad infinitum. No entanto, uma convicção é plausível: somos singulares e plurais, somos cada um e todos.

Um dos propósitos da educação escolar é o enfrentamento da desigualdade social, produzida em consonância com outras formas de desigualdade – econômica, cultural, entre outras. Nosso dispositivo constitucional postula a construção de uma sociedade livre, justa e solidária a partir da erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais e regionais. O veículo para esse projeto é a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. A educação é direito de todos e, parafraseando o Parecer CEB/CNE 07/2010, a escola se caracteriza pela pluralidade de sujeitos, sempre imprevisíveis, que proporcionam um desencontro de expectativas que somente será equalizado mediante acordos solidários.

Este número da nossa revista inicia com um Dossiê que coloca em foco um conceito vygotskiano muito caro e necessário para todos os que quiserem pertencer organicamente ao campo da educação. A defectologia será analisada com minúcia e rigor por um conjunto de pesquisadores que há anos têm se debruçado sobre o tema, comprometidos com a partilha de seus achados porque, além de sua generosidade, reconhecem o significado desse tema para instrumentalizar nossa prática.

Na sequência, um conjunto não menos importante de matérias (uma entrevista seguida de vários estudos e pesquisas) que, da mesma forma, nos chegam após a iniciativa, de seus autores, de socializar alguns resultados de suas investigações.

Entendemos que esse é o principal objetivo de um periódico acadêmico: posicionar-se e comprometer-se com a divulgação e a socialização de pesquisas que, direta ou indiretamente, contribuam para ampliarmos, com rigor e consistência, nossos pontos de vista e interpretações acerca da realidade e dos sujeitos – nós e os outros, diferentes pela singularidade mas iguais pela condição humana, sob a forma de um conjunto indissociável que tenta suplantar a oposição entre ‘nós’ e ‘eles’.

Boa leitura.

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