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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.42 no.1 Porto Alegre jan./abr 2019  Epub 10-Jun-2019

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2019.1.29906 

Artigos

Não veja, ouça ou fale: zarus presentes nos discursos docentes sobre diversidade sexual e homofobia

Do not see, hear or speak: zarus present in the teaching discourses on sexual diversity and homophobia

No ve, escuche o hable: zarus presentes en los discursos docentes sobre diversidad sexual y homofobia

Isaias Batista de Oliveira Júnior1 

Isaias Batista de Oliveira Júnior

Doutor em Educação. Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), Brasil.

E-mail: jr_oliveira1979@hotmail.com


http://orcid.org/0000-0002-9068-1983

Eliane Rose Maio2 

Eliane Rose Maio

Doutora em Educação. Universidade Estadual de Maringá (UEM), Brasil.

E-mail: elianerosemaio@yahoo.com


http://orcid.org/0000-0002-9280-9864

1Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), Curitiba, PR, Brasil.

2Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, PR, Brasil.


Resumo

Apresentamos os resultados parciais de uma investigação acerca da diversidade sexual e da homofobia representada no discurso de 38 educadores/as, dentre diretores/as, pedagogo/as e professoras, considerados informantes-chave do processo de formação escolar. O estudo foi realizado em 13 escolas públicas de ensino médio no Norte do Paraná onde objetivamos analisar como as práticas de violência às pessoas LGBTQIA se manifestam na escola a partir do discurso desses/as agentes. Concluímos que a LGBTQIAfobia é reforçada na/pela escola através da reiteração de práticas excludentes, quando o assunto não é visto, ouvido ou falado. Tal conduta ocasiona distintos prejuízos sociais, ao retirar do ato de viver dessas pessoas o livre exercício dos modos de ser e sentir-se humano.

Palavras-chave: Escola; Diversidade Sexual; LGBTQIAfobia

Abstract

We present partial results of an investigation about the sexual diversity and homophobia represented in the discourse of 38 educators, among directors, pedagogues and teachers, considered key informants of the school formation process. The study was carried out in 13 public high schools in the north of Paraná where we aimed to analyze how violence practices LGBTQIA people manifest themselves in the school from the discourse of these agents. We conclude that LGBTQIAphobia is reinforced in / by the school through the reiteration of exclusionary practices, when the subject is not seen, heard or spoken. Such conduct causes different social damages, by withdrawing from the act of living of these people the free exercise of the ways of being and feeling human.

Keywords: School; Sexual Diversity; Homophobia; LGBTQIAphobia

Resumen

Se presentan resultados parciales de una investigación sobre la diversidad sexual y homofobia representada en el discurso de 38 educadores / as, entre directores / as, pedagogo / as y profesoras, considerados informantes clave del proceso de formación escolar. El estudio fue realizado en 13 escuelas públicas de enseñanza media en el Norte de Paraná donde objetivamos analizar cómo las prácticas de violencia las personas LGBTQIA se manifiestan en la escuela a partir del discurso de esos agentes. Concluimos que la LGBTQIAfobia es reforzada en la escuela a través de la reiteración de prácticas excluyentes, cuando el asunto no es visto, oído o hablado. Esta conducta ocasiona distintos perjuicios sociales, al retirar del acto de vivir de esas personas el libre ejercicio de los modos de ser y sentirse humano.

Palabras clave: Escuela; Diversidad Sexual; LGBTQIAfobia

Introdução

A escola, em particular, é uma “[…] instituição que nasceu disciplinar e normatizadora, a diferença, ou tudo aquilo que está fora da norma, em especial, a norma sexual, mostra ser insuportável por transbordar os limites do conhecido” (CÉSAR, 2008, p. 48) configurando-se em um lugar de opressão, no qual sujeitos Lésbicas, Gays, Bissexuais, Bigêneros, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queers, Questionadores/as, Intersexos, Indecisos/as, Assexuados/as e Aliados/as – LGBTQIA – vivem de maneiras distintas, situações delicadas de vulnerabilidade, negação, autoculpabilização e internalização da homofobia. Isso se faz com a participação ou omissão da família, da comunidade escolar, sociedade civil e Estado (LIONÇO, DINIZ, 2009; JUNQUEIRA 2009; FERRARI, 2000; 2011).

O silenciamento sobre a coexistência da diversidade sexual e o estabelecimento de estratégias de combate homofobia ou a LGBTQIAfobia são algumas das vertentes de agressão que compõem o sistema de opressão, cujo qual, encontra respaldo na negação da existência dessas pessoas no espaço escolar.

Oliveira Júnior (2013) faz uma paráfrase desse fenômeno à fábula dos Três Macacos Sábios, conhecida como Os Três Macaquinhos localizados à esquerda da porta do Santuário Toshogu, um templo do século XVII localizado na cidade de Nikko, no Japão, cuja origem é baseada em um trocadilho japonês e seus nomes são: kizaru (aquele que tapa os ouvidos), mizaru (o que cobre os olhos) e iwazaru (quem tapa a boca). O sufixo zaru presente nos nomes está ligado à negação e seu significado é traduzido como: não ouça o mal, não veja o mal e não fale o mal. É uma forma de lembrar que, se os/as homens/mulheres não ouvissem, não olhassem e não falassem o mal alheio, teríamos comunidades pacíficas com paz e harmonia.

Os zarus também se fazem presentes na escola, porém, ao contrário da lenda japonesa em que a negação está localizada do lado de fora dos portões, na escola estão situadas intramuros e semelhante aos três primatas, o/a diretor/a escolar é aquele que não ouviu, a pedagoga não viu e a professora não quer falar. Recursos, esses, empregados como estratégia de pacificação e convivência harmônica com a norma heterormatizadora e seus/suas defensores/as.

A forma como os zarus se manifestam adquirem um caráter de privacidade, tanto pelo silenciamento, quanto pela invisibilidade que podem desencadear ações limites, traduzidas em agressões físicas ou morte, ou sutilmente se desvelam em violência simbólica como piadas, brincadeiras jocosas ou comentários e insinuações que visam afastar pessoas (re)conhecidas como homossexuais, já que as pessoas que apresentam comportamentos tidos como “desviantes” ao que se convencionou a determinado gênero, já se tornam alvo de discriminação.

Nesse sentido, a LGBTQIAfobia produz danos na esfera dos sentimentos, da dignidade, do desempenho escolar. As distintas formas de opressões, as quais os/as alunos/as LGBTQIA são submetidos/as, criam situações tristes de sofrimento que acabam por impulsionar a saída dessas pessoas das escolas e consequentemente dificulta seu acesso ao mercado de trabalho formal (ABRAMAVOAY, 2009).

Embora a produção de dados sobre a evasão escolar causada pela LGBTQIAfobia seja escassa, sua prática é disseminada cotidianamente na escola, como apontam os resultados obtidos na última década em pesquisas realizadas pela Organização Reprolatina (2011) e Fundação Perseu Abramo (2009), onde as pessoas LGBTQIA relataram que muitas das situações de violência a quais são submetidas têm ou tiveram sua origem ou aconteceram de fato no espaço escolar, deixando-as, em alguns casos, impossibilitadas emocionalmente de frequentá-la, por causa da situação à qual foram ou continuam sendo expostas (BORGES et al., 2011).

Diante desse cenário este artigo objetiva analisar como as diversas formas de violência imputadas aos sujeitos LGBTQIA se manifestam no cotidiano escolar a partir das falas espontâneas de educadores/as sobre aquilo que vivenciam, sentem e pensam sobre diversidade sexual e LGBTQIAfobia.

Em busca de atender o objetivo proposto trazemos à baila um recorte de dados de uma pesquisa aprovada pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa (COPEP) da Universidade Estadual de Maringá, sob a CAEE n° 02493312.5.0000.0104, desenvolvida em escolas da Rede Pública de Ensino Médio, de 13 municípios do Norte do estado do Paraná, onde participaram 12 diretores/as escolares; 13 pedagogas e 13 docentes que manifestaram desejo em participar do estudo após apresentação da proposta, leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE.

Os sujeitos foram entrevistados individualmente em seu ambiente de trabalho, onde responderam um questionário de indicadores sociodemográficos e uma entrevista semiestruturada, composta por 21 perguntas baseadas em questionamentos que avaliavam o conhecimento sobre: diversidade sexual na escola e violência contra alunos/as LGBTQIA.

Recorremos à entrevista semiestruturada pois, nesse tipo de pesquisa a

[…] subjetividade está muito presente: uma pessoa fala. Diz <Eu>, com o seu próprio sistema de pensamentos, os seus processos cognitivos, os seus sistemas de valores e de representações, as suas emoções, a sua afetividade e a afloração do seu inconsciente. E ao dizer <Eu>, mesmo que esteja a falar de outra pessoa ou de outra coisa, explora, por vezes às apalpadelas, uma certa realidade que se insinua através do <estreito desfiladeiro da linguagem>, da sua [grifo do autor] linguagem, porque cada pessoa serve-se dos seus próprios meios de expressão para descrever acontecimentos, práticas, crenças, episódios passados, juízos […] (BARDIN, 2010, p. 89-90).

A análise de conteúdo foi orientada em quem fala e com que finalidade fala. Para Moraes (1999), uma análise de conteúdo orientada a “quem fala?” busca investigar o/a emissor/a da mensagem no contexto ao qual está inserido/a. Procura-se dessa forma “[…] determinar características de quem fala, ou seja, quanto à sua personalidade, comportamento verbal, valores, universo semântico, características psicológicas ou outras” (1999, p. 11). Nesse caso, de certo modo, avança-se a hipótese de que a mensagem exprime e representa o/a emissor/a ou mesmo uma classe.

Ao direcionar o estudo para o “com que finalidade?” o/a pesquisador/a se questionará sobre os objetivos emitidos em uma mensagem, sejam explícitos ou implícitos. “Analisar a finalidade é novamente orientar-se para o emissor, mas no sentido de captar as finalidades com que emite uma determinada mensagem, sejam eles manifestos ou ocultos” (MORAES, 1999, p. 11).

Dessa forma, faremos inferências do texto daquele/a que emitiu a mensagem e, para isso analisamos os discursos de diretores/as escolares, pedagogas e professoras considerando opiniões, conceitos, preconceitos, práticas intrínsecas ou extrínsecas sob o viés das seguintes categorias de análise: LGBTQIA: os/as anormais e a homossexualidade patológica; e a religião como um interdito da homossexualidade e; outras faces da pedagogia do insulto, as quais discutimos a partir dos Estudos de Gênero desenvolvidos por Louro (1997, 2008, 2009) e Butler (2010) e dos Estudos Culturais propostos por Hall (2006, 2007) e Silva (2007).

LGBTQIA: os/as anormais e a homossexualidade patológica

Em ambientes como a escola, a manifestação de desejos inversos ao padrão passa a ser resignada, uma rejeição que muitas vezes se expressa por declarada aversão, pela ausência de iniciativa no agenciamento do debate sobre a multiplicidade sexual e a constante (re)afirmação das diferenças (HALL, 2007; SILVA, 2007; LOURO, 2010).

Nós temos hoje que aprender a respeitar isso daí né. Daí vêm os gays, as lésbicas, os homossexuais, os heterossexuais normais (Brigitte1, diretora, grifos nossos, informação verbal).

[Já presenciei cenas de preconceitos] não contra esse tipo de sujeito [LGBTQIA] […] bullying eu falo contra outras pessoas normal (Casimiro, diretor, grifos nossos, informação verbal).

São as pessoas que têm uma opção diferente do que a gente costuma aprender na escola: homem e mulher […] com os ditos normais de sexo eles não têm quase relacionamento (Faustina, pedagoga, grifos nossos, informação verbal).

[…] Se aparece um aluno com esse tipo de problema? Olha, se for nesse aspecto, nós até temos aqui em outro período, mas a gente não se envolve (Natália, pedagoga, grifos nossos, informação verbal).

A evidência dessas alocuções está respaldada naquilo que Hall (2007) e Silva (2007) caracterizam como sendo a produção e promoção das diferenças, ao afirmar que o normal é o indivíduo ser heterossexual, fato que torna os homossexuais vulneráveis e passíveis de punições, pois passam a serem segregados pelo desatendimento da matriz identitária heteronormativa.

Questões que pra outro seria natural lá fora do portão, de repente um aluno hétero dar um beijo. Pra esses alunos [LGBTQIA] é totalmente inaceitável, pra sociedade (Napoleão, diretor, informação verbal).

Questionado, em entrevista concedida a James O'Higgins em 1982, se tal conduta se relacionava ao fato de os gays manifestarem seus desejos, se acariciarem e se tocarem em público ou de eles agirem em dissonância com a norma, Foucault (2000, p. 40) afirmou que

[…] esse tipo de coisa está fadado a incomodar algumas pessoas. Mas eu me refiro ao temor geral de que os gays desenvolvam relações intensas e satisfatórias apesar de não se ajustarem à ideia que os outros têm do que sejam essas relações. O que muitas pessoas são incapazes de tolerar é a possibilidade de que os gays sejam capazes de criar tipos de relações não previstas até agora.

A valoração de uma identidade intrínseca e a descaracterização da pessoa LGBTQIA pelo preconceito assumido ou silenciado tende a potencializar os efeitos danosos a esses/as alunos/as. “Muitas vezes, os/as próprios/as professores/as não conseguem educar os/as estudantes para lidar com as diferenças […]” (ABRAMOVAY, 2009, p. 196) e acabam por atribuir os preconceitos aos outros indivíduos sem reconhecer o próprio. Isso é comum, posto que a atitude preconceituosa, considerada politicamente incorreta, tende a ser socialmente condenável (FUNDAÇÃO, 2009).

O aviltamento aos quais alunos/as LGBTQIA são submetidos/as no reduto escolar imputa à homossexualidade o caráter de enfermidade e, mesmo ela tendo sido retirada do rol de transtornos psicológicos e da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados com a Saúde (CID 10), ainda é possível encontrar na locução de alguns/mas educadores/as resquícios de veiculação a um estado de doença e, que associado ao desconhecimento, torna quase impossível a condução da sexualidade de alunos/as LGBTQIA, uma vez que a escola é um dos agentes de proteção da identidade heteronormativa (BORTOLINI, 2008).

[…] tá sendo visto como uma doença. Como um problema grande. Entrevistador: Como doença? Nefertiti: É, por alguns profissionais. Ah, porque é uma coisa assim diferente né. […] Visto como um mal do século sabe, é muito visto assim ainda (Nefertiti, professora, grifos nossos, informação verbal).

[…] é mesma coisa quando nasce um filho deficiente, o primeiro impacto é rejeição quando o pai e a mãe chora ou reclama. Então isso daí [a homossexualidade] é a mesma coisa, de repente dá um impacto, mas depois você começa a maneirar e começa a falar que é ser humano do mesmo jeito (Marilyn, professora, grifos nossos, informação verbal).

Diante dessas representações percebemos que nem todos/as os/as envolvidos/as com o processo educativo incorporam em seus saberes a promoção do respeito às diferenças, e acabam por reproduzi-las estigmatizando aqueles/as que não se encaixam em uma norma considerada padrão e “apoiada sobre um suporte e uma distribuição institucional tende a exercer sobre os outros […] uma espécie de pressão é como que um poder de coerção […]” (FOUCAULT, 2007, p 18). O poder aqui referido não é uma instituição e nem uma estrutura, mas sim, “[…] é o nome dado a uma situação estratégica complexa numa determinada sociedade […]”, nesse caso, a comunidade escolar (FOUCAULT, 1999, p. 89).

Tal domínio é passível de observação na fala eloquente de diretores/as, pedagogas e professoras onde

[…] a recorrência à linguagem pejorativa é comum nas violências contra homossexuais. É importante destacar a linguagem porque por ela se apresenta visões de mundo, representações e também a nomeação do outro por formas negativas ou contrárias à sua vontade, com o intuito de humilhar, discriminar, ofender, ignorar, isolar, tiranizar e ameaçar (ABRAMOVAY; CASTRO; SILVA, 2004, p. 286).

A linguagem equivocada na escola, local em que o verbo é matéria-prima, exige um cuidado com os discursos, tanto de professores/as quanto de alunos/as, pautado na cautela, uma vez que é por meio dele que a escola estará atuando na formação de mentalidades por parâmetros de igualdade ou desigualdades (ABRAMOVAY; CASTRO; SILVA, 2004).

A religião como interdito da homossexualidade

Paralelo aos fatores e condutas já citados, a longa tradição teológica “[…] exercida especialmente pela nossa cultura judaico-cristã, impôs a heterossexualidade como o modelo ideal e saudável de sexualidade” (BORGES, et al., 2011, p. 25) é ela quem organiza, ideologicamente, uma forma radical de perseguição contra alunos/as homossexuais, difundindo que pessoas LGBTQIA são contrárias à natureza humana e às leis de Deus.

Após um período de livre manifestação da sexualidade na Antiguidade grega e romana, o Cristianismo interveio e impôs “[…] uma grande interdição à sexualidade, que teria dito não ao prazer e por aí mesmo ao sexo. Essa proibição teria levado a um silêncio sobre a sexualidade – baseado essencialmente em proibições morais [e religiosas]” (FOUCAULT, 2004, p. 63).

Tais reminiscências foram e continuam a ser amparadas por interpretações bíblicas que consideram pessoas homossexuais “[…] como indivíduos extremamente perigosos, na medida em que eles se opõem ao que há de mais preciso na ordem da criação: a lei natural, expressão da vontade divina” (BORRILLO, 2010, p. 54).

Defensores/as deste doutrinamento tendem com frequência a amparar suas preleções nas sagradas escrituras e em crenças religiosas, que apresentam a relação sexual entre pessoas do mesmo sexo

[…] como depravações graves. A tradição sempre declarou que "os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados". São contrários à lei natural. Fecham o ato sexual ao dom da vida. Não procedem de uma complementaridade afetiva e sexual verdadeira. Em caso algum podem ser aprovados […] (CATECISMO, 2013, s/p.).

Eis o esquema histórico comumente utilizado para silenciar a sexualidade de pessoas LGBTQIA baseado basicamente nos “[…] mecanismos da repressão, da interdição, daquilo que rejeita, exclui, recusa, e depois fazendo recair a responsabilidade dessa grande recusa ocidental a sexualidade” (FOUCAULT, 2004, p. 63) acaba por afetar a forma como esses indivíduos serão percebidos e investidos no interior da escola sendo que, nesse contexto, fora o Cristianismo uma das vertentes que teria dito não às variáveis da sexualidade e, ao se referirem às homossexualidades, alunos e alunas, educadores e educadoras tendem a empregar uma excessiva religiosidade ao caracterizar alunos/as LGBTQIA, como na fala de uma diretora ao ser indagada sobre a homossexualidade: “Não é de Deus” (Carlota, diretora, informação verbal).

O aporte aos quais educadores/as recorrem é amparado na mesma alocução, ou seja, usa-se da religião para combater a visão distorcida que própria religião fornece.

A gente fala que é uma pessoa normal, que tem carne, o sangue corre na veia. A gente fala assim: é um irmão, não é de sangue mais é um irmão de fé… Não somos todos iguais na face da terra? (Beatriz, professora, grifos nossos, informação verbal).

Filhos, somos todos filhos de um mesmo Criador, então nós temos nossos direitos e somos de uma essência só. Então, nós somos considerados todos irmãos (Carmem, professora, informação verbal).

Há os/as que discordam de qualquer tentativa de desmistificação amparados/as no fundamentalismo religioso.

Um quesito que chamou muito minha atenção foi uma palestrante que relacionou a diversidade sexual com a religião. […] ela mencionou a Bíblia, e eles [professores/as descontentes] relataram isso. Então eu achei que ela pegou no calo. Mais pegou no calo, mas ninguém tinha argumento científico pra discordar […] diretamente com ela (Aspásia, pedagoga, informação verbal).

Como abordou [em uma palestra sobre diversidade sexual] questões religiosas, […] deu pra ver que não agradou muito (Brida, pedagoga, informação verbal).

O equívoco da escola nesse contexto está sustentado naquilo que Borrilo (2010, p. 65) caracteriza como uma “[…] ideologia homofóbica contida no conjunto de ideias que se articulam em uma unidade relativamente sistemática (doutrina) e com finalidade normativa (promover o ideal heterossexual) […]” baseada no determinismo religioso, desarrazoado, inatingível e inabalável, portanto, inquestionável e indiscutível dentro do universo escolar.

Porém, durante nossas entrevistas encontramos centrado em apenas uma educadora, atitudes adequadas pedagogicamente em relação à homossexualidade e os fundamentos religiosos.

Há uma confusão aí de valores entendeu? E o religioso às vezes pesa muito. Mas não significa que eu posso tirar sarro, que eu posso desrespeitar ele entendeu? É isso que a gente tem que trabalhar. Se você não concorda, não concorda, mas que você tem que respeitar […]. Por que você não deve amar o ser humano acima de qualquer coisa? Não tá lá o mandamento de Deus? Então esse aí você segue e beleza (risos), deixa o resto cada um vai fazer o seu julgamento entendeu (Brigitte, diretora, informação verbal).

Assim como a referida diretora, defendemos que os direitos das pessoas em acreditarem nos ensinamentos religiosos que escolheram devem ser plenamente respeitados. “[…] Isso também é um direito humano. Mas não pode haver desculpa para violência ou discriminação, nunca […]” (KI-MOON, 2013, s/p.) em contexto algum, principalmente na escola.

Outras faces da pedagogia do insulto

A escola deveria ser compreendida como um espaço escolar de promoção dos direitos humanos e não reprodução das diferenças, no entanto, os atos homofóbicos produzidos em seu interior “[…] podem traduzir-se em situações limites, como agressões físicas e homicídios, mas desvelam-se em formas mais sutis, como as de violência velada (simbólica)” (BORGES; PASSAMANI; OHLWEILER, 2011, p. 26).

Sobre as manifestações da violência (DOVIDIO; GLICK; RUDMAN, 2005) estabeleceram classificações em que ataques ocorrem variando desde o intento a integridade física até brincadeiras “inofensivas” manifestas em gozações, piadas e negativação do sujeito LGBTQIA.

Reconhecida pela escola como algo potencialmente inofensivo, os insultos e zombarias são uma constante no cotidiano de determinados alunos/as, “[…] muitos deles relacionados às homossexualidades e do entendimento comum de algo que ninguém quer ser, algo negativo, sendo muito comum ouvir dos ‘agressores’ que tal fato era apenas uma ‘brincadeira’ […]” (FERRARI, 2011, p. 77).

Consentida pela escola, essa forma de abuso relatada como brincadeira

[…] inclui ações e palavras para desqualificar, ridicularizar, fazer zombarias, injúrias, insultos, usar mal ou inconveniente de qualquer situação de superioridade de que se desfruta e exceder-se em limites que ultrapassam o respeito ao outro. Neste sentido, inclui agressões que, mesmo não ferindo o corpo, ferem a sensibilidade, as emoções […] e desrespeitam a identidade e a singularidade da pessoa atingida, podendo causar transtornos ou desconfortos emocionais, que podem traduzir-se em subalternidade […] (CAETANO, 2008, p. 165).

Este tipo de “[…] comentário não tem outro papel, sejam quais forem as técnicas empregadas, senão o de dizer enfim o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro” (FOUCAULT, 2007, p. 25). Essa reafirmação e negativação, as quais os/as alunos/as LGBTQIA são submetidos/as por seus/suas colegas, é reiterada pelo discurso de professores/as ao minimizar os efeitos ulteriores a essa antilocução ou esquiva, como seguem relatados (DOVIDIO; GLICK; RUDMAN, 2005; PINHEIRO, 2012).

Os colegas acabavam chamando ele […] de “bichinha”, mas não é aquela coisa assim, é ofensa, eu acho que é ofensa também, mas é do dia a dia e eles aceitavam e brincavam também. Então levava tudo como seria uma brincadeira. Entrevistador: Professor, alguma vez você precisou intervir nessas “brincadeiras”? Kennedy: Não. Não teve uma coisa mais séria né (Kennedy, diretor, informação verbal).

Era mais assim, tirar sarro, então não precisei intervir em nada (Catarina, professora, informação verbal).

Discriminação não, mas brincadeiras pejorativas dentro da sala de aula, mas eu pra mim ele incentivava muito. Ele gostava que os alunos tivessem esse tipo de atitude com ele. […] Ele adorava que os meninos fizessem gracinhas com ele (Mercedes, professora, informação verbal).

Ó, o que eu vejo assim é que ele, eu já observei, não uma coisa muito agressiva, mas é discriminatória, no momento em que tiram sarrinho, em que passa tira sarro, ou então quando o aluno passa o grupinho de amigos tira aquele, né, faz aquela brincadeirinha tal, não de uma forma direta muito agressiva, mas indiretamente (Cassandra, pedagoga, informação verbal).

Eu já presenciei alguns colegas criticando determinadas atitudes, né, “ah cê é muito fresco!”. Ah! fazem gestos não sei que jeito. Afeminado, eles condenam né? (Carlota, diretora, informação verbal).

Na sala de aula, brincadeiras maldosas, comentários, apelidos, isso aí já (Francisca, professora, informação verbal).

Para Ferrari (2000), esta face da discriminação ocorre em forma de brincadeiras, risos e chacotas

[…] onde o homoerotismo aparece abertamente em sala de aula, numa relação professor-aluno e sobretudo, a partir do professor. Quando aparecem, essas situações vêm seguidas de um valor negativo, pejorativo, de menosprezo. Isso é um dado relevante, visto que dificilmente o assunto homoerotismo é tratado em sala de aula. Quando é tratado, surge dos alunos também em forma de brincadeiras com o colega, como agressão ao aluno ao lado, como xingamento (FERRARI, 2000, p. 5).

Embora, meninos e meninas aprendam desde muito cedo “[…] piadas e gozações, apelidos e gestos para se dirigirem aqueles e àquelas que não se ajustam aos padrões de gênero e sexualidade admitidos na cultura que vivem” (LOURO, 2010, p. 28) é importante enfatizar que os resultados dessas humilhações são tão letais quanto a própria violência física, já que suas ações têm como princípio afetar a valorização pessoal, a autoconfiança e a confiança no outro, a começar pela imparcialidade do/a educador/a diante dessa situação (CAETANO, 2008).

Alunos/as são cotidianamente surpreendidos/as por essa violência e “[…] o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta” (FOUCAULT, 2007, p. 26), pois, o efeito dessa opressão reflete o transtorno por ela causada de duas maneiras: a primeira delas é a vitimização direta, ou seja, a dor da agressão, de ter sido ofendido por um colega de escola. Já a segunda debilidade é “[…] aquela realizada pela exposição que a situação de violência implica. A vergonha do constrangimento sofrido na frente de outros alunos, professores, ou mesmo na frente dos pais tem um alto potencial destrutivo” (GÓIS; SOLIVA, 2011, p. 42).

A miscelânea desses sentimentos, experimentados tanto pelas alunas quanto pelos alunos, parece ser mais fortemente incutido na produção da identidade masculina, de como ser homem e agir como macho, assim as “brincadeiras” entre meninos são marcadas pela violência enquanto entre meninas e mulheres envolvidas se destacam o campo da afetividade (LOURO, 2010; FERRARI, 2011). “Isso, de um lado, faz pensar na vigilância obsessiva das normas de gênero na construção e no disciplinamento dos sujeitos portadores da identidade de referência, a masculina heterossexual […]” (JUNQUEIRA, 2012, p. 77), já que sobre os homens recai uma vigilância muito mais intensa definida por Bento (2011) como heteroterrorismo.

[…] de tempos em tempos têm determinados atritos. Meninos que acham que “tá olhando muito…”. Mais é por parte dos homossexuais né e não por parte das lésbicas né, as lésbicas parece que a escola já não tem tanto, não surge tanto atrito porque mulheres não se ofendem, e… agora já por parte do homem né, eles já se sentem ofendidos e tal. Não sei, é uma coisa meio complicada” (Cassandra, pedagoga, grifos nossos, informação verbal).

Essa retórica é evidente em pesquisa realizada por Abramovay, Castro e Silva (2004, p. 280) em que muitos indivíduos dizem que não têm preconceito, “[…] desde que o homossexual permaneça longe, não se aproxime e, principalmente, que não insinue que eles possam ser um igual ou um parceiro da relação”.

Na maioria das vezes os rapazes demonstram aversão às cantadas vindas de homossexuais, sentindo-se ameaçados em sua masculinidade e, muitas vezes, reagindo com violência. Esse temor de qualquer proximidade física ou emocional entre meninos está em sua grande parte “[…] relacionado ao medo da atração ao corpo do outro já que isso rompe com os códigos presentes no ritual performático da masculinidade” (SILVA, 2008, p. 15).

Eu acho que já é pela educação machista mesmo. Se coloca mais em evidência o modelo masculino do que o feminino, porque tem um padrão mais forte para isso. […] há uma expectativa de comportamento maior em relação ao homem do que a mulher […] aquilo de ser modelo, de ser macho, másculo, homem, porque os casos são mais com o masculino do que com o feminino (Kate, pedagoga, informação verbal).

Geralmente são os meninos sabe que sofrem o preconceito. Deixa eu ver se tem alguma menina… é mais nos meninos que eu percebo (Margot, diretora, informação verbal).

A construção do universo heterossexual depende da aquisição dessas condutas e fortalecer a homofobia, “[…] é, portanto, um mecanismo essencial do caráter masculino, porque ela permite recalcar o medo enrustido do desejo homossexual” (BORRILLO, 2010, p. 89) e as falas emanadas “[…] a partir dos meninos parecem manter esse sentido de “brincadeira”, demonstrando certa naturalidade com o fato, já que se trata de uma negociação entre “homens” […]” (FERRARI, 2011, p. 77).

Ferrari (2000) afirma que em casos como esses, o/a docente se “[…] limita a intervir, chamando a atenção do aluno como forma de retomar a disciplina, ou seja, para que o aluno não atrapalhe a aula”, ou o cotidiano escolar (2000, p. 5). Outros/as assumem a impotência diante da situação, ou o mais completo desconhecimento de como fazê-la, consequentemente minimizam a opressão que os/as alunos/as LGBTQIA são submetidos/as e acabam por relegar esse enfrentamento em prol de outras situações consideradas mais relevantes naquele momento.

Ao perquirir educadores/as se já haviam presenciado alguma situação de práticas discriminatórias em relação à sexualidade entre seus/suas alunos/as, mesmo que em tom de “brincadeiras” do tipo, “veado”, “boiola”, “bichinha”, “sapatão” entre outras, e se houve intervenção, os relatos de hostilidade presenciados em momento algum vieram acompanhados de atitude de educadores/as que tenham aproveitado a evidência do tema para realizar discussões na escola ou em sala de aula sobre respeito, homossexualidades, violências e diferenças.

Eu tento mostrar para o colega que agrediu que ele tá no direito dele de ser aquilo que ele escolheu aquilo que ele quer. Que ninguém tem o direito de tratá-lo diferente (Kate, pedagoga, informação verbal).

A gente procura intervir da maneira que a gente tá preparada né (Brida, pedagoga, informação verbal).

A hora que a gente ouve a gente chama atenção (Margot, diretora, informação verbal).

Na verdade, não é um assunto tranquilo né. Em alguns momentos em sala de aula eu presenciei a grande dificuldade é você fazer a fala de que mesmo que a pessoa não concorde com a opção, ele tem que respeitar a opção do outro. Isso é muito difícil trabalhar em sala de aula principalmente entre adolescentes, pois eles têm muita dificuldade, se eu não concordo eu bato de frente né (Fidel, diretor, informação verbal).

Em momento algum o tema “[…] homoerotismo surgiu no relato dos professores de uma forma séria, planejada, esclarecedora. Nem mesmo o professor prolongou ou trabalhou o assunto quando surgia dos alunos […]” evidentes também na ausência de estratégias de contenção no currículo escolar e/ou projeto pedagógico das escolas (FERRARI, 2000, p. 05).

[…] tem que ter um projeto interdisciplinar ou mesmo a postura do regimento escolar, que não consta no regimento escolar, a questão do bullying, das diferenças, tanto da homofobia, quanto da questão social, questão econômica. […] não tem nada claro, por exemplo, nessas situações qual a medida que se toma. O que se faz numa situação dessas? Ah, faz um conversinha ali e pronto acabou […] (Francisca, professora, informação verbal).

Pesquisa realizada por Borges et al. (2011, p. 32) valida os resultados que encontramos de que os/as educadores/as não possuem um planejamento específico ou

[…] ao menos algo como uma determinação refletida e guiada para lidar com as situações que envolvem gênero e sexualidade, tanto em termos de informações interdisciplinares acerca da temática quanto em termos de ações em casos de discriminações. Assim, as professoras acabam lidando com as situações de acordo com os seus próprios valores, os seus conhecimentos específicos e contextuais e a partir de suas próprias possibilidades.

A ausência de qualquer intervenção a respeito da existência de alunos/as LGBTQIA evidencia um silenciamento, que, talvez, pretenda eliminá-los, ou evitar que aqueles/as vistos/as como “normais” os/as conheçam e possam até mesmo desejá-los/as.

Supõe-se que essa interdição tome três formas: afirmar que não é permitido, impedir que se diga, negar que exista. Formas aparentemente difíceis de conciliar. Mas é aí que é imaginada uma espécie de lógica em cadeia, que seria característica dos mecanismos de censura: liga o inexistente, o ilícito e o informulável de tal maneira que cada um seja, ao mesmo tempo, princípio e efeito do outro: do que é interdito não se deve falar até ser anulado no real; o que é inexistente não tem direito a manifestação nenhuma, mesmo na ordem da palavra que enuncia sua inexistência; e o que deve ser calado encontra-se banido do real como o interdito por excelência (FOUCAULT, 1999, p. 82).

O interdito parece coexistir como uma forma de assegurar a plena existência da norma, já que a ignorância ou inocência, como preferir, mantêm nítidos comportamentos considerados valoráveis. A negação da presença dos/as “homossexuais no espaço legitimado da sala de aula acaba por confiná-los às ‘gozações’ e aos ‘insultos’ […] fazendo com que, deste modo, jovens gays e lésbicas só possam se reconhecer como desviantes, indesejados ou ridículos” (LOURO, 1997, p. 68).

Eu nunca vi a necessidade sabe, de abordar esse tema, embora eu acho que seja fundamental abordar sim […]. Nunca percebi. Nunca precisei intervir […]. Nunca chegou nada até mim de algum episódio em relação a preconceito, discriminação, de brincadeiras e rotulação, nunca (Sofia, pedagoga, informação verbal).

Para Furlani (2009, p. 38) diante desse tipo de evento, educadores/as tendem a recorrer a duas opções:

[…] “colocar-se”, no sentido de promover a discussão e a reflexão sobre o assunto, ou então, omitir-se da temática, recusando-se a intervir e usando, para isso, inúmeros subterfúgios: dizer que aquele assunto “não era um ponto previsto para a aula de hoje”; ou que “não era um tema para ser discutido ali”; ao usar o conflito entre dois alunos para caracterizar a indisciplina e excluí-los da sala, “encerrando”, assim, o assunto.

As justificativas, de muitos/as educadores para não discutir sexualidade e gênero, podem estar apoiadas em um arsenal de respaldos, dentre elas, pela “[…] ‘providencial’ inexistência da temática nos currículos escolares (que justificaria sua recusa na discussão e o conveniente apego aos conteúdos curriculares propostos)” (FURLANI, 2009, p. 39), bem como pela ausência da temática nos cursos de formação inicial ou continuada que somaria a dificuldade pessoal de trabalhar o assunto.

Porque na realidade eu não tenho essa preparação. Infelizmente na faculdade a gente teve até psicologia, mas, não teve o como tratar um aluno que sofre desse tipo de problema (Clarice, professora, informação verbal).

Tenho muita dificuldade pra trabalhar com isso. Até porque a gente não sabe até onde a gente pode ir. Cada caso é um caso […]. O que você aconselha os alunos, como tratar esses alunos? São coisas assim que faltam mesmo. Falta conhecimento nas escolas, falta capacitação (Brigitte, diretora, informação verbal).

No fundo, no fundo, você não tem o estudo, eu acho que a gente deveria ter uma disciplina lá, pra você saber como lidar na verdade. Você pega um livro, você vê um livro ou outro, mas, você não tem aquela condição de estar abordando, falando sobre isso aí. Na verdade a gente não teve durante o estudo da gente, não teve essa abordagem. Então, dificuldade a gente vai ter em abordar esse assunto aí né (Kennedy, diretor, informação verbal).

Outra situação apontada foi o engessamento do currículo e a consequente redução da carga horária de determinadas disciplinas. Professoras relatam a dificuldade em estabelecer atividades transversais ao conteúdo disciplinar devido à escassez de tempo.

O colégio exige que o planejamento seja cumprido, que seja feito em cima do que nós entregamos, então fica difícil em duas aulas trabalhar tudo que deveria ser trabalhado (Anésia, professora, informação verbal).

[…] a burocracia para os professores é uma coisa impressionante, aumentou demais, então a gente não tá dando conta do que teria que dar (Carmem, professora, informação verbal).

A contenção de determinadas narrativas no currículo escolar, de maneira explícita ou implícita

[…] corporificam noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os diferentes grupos sociais. Elas dizem qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quais as formas de conhecer são válidas e quais não o são, o que é certo o que é errado, o que é moral o que é imoral, o que é bom o que é mau, o que é belo o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não o são. As narrativas contidas no currículo trazem embutidas noções sobre quais grupos sociais podem representar a si e aos outros e quais grupos sociais podem apenas ser representados ou até mesmo serem totalmente excluídos de qualquer representação. Elas, além disso, representam os diferentes grupos sociais de forma diferente: enquanto as formas de vida e a cultura de alguns grupos são valorizadas e instituídas como cânon, as de outros são desvalorizadas e proscritas. Assim, as narrativas do [e sobre o] currículo contam histórias que fixam noções particulares sobre o gênero, raça, classe, [sexualidade] – noções que acabam também nos fixando em posições muito particulares ao longo desses eixos (SILVA, 1995, p. 195).

Mello, Pedrosa, Brito (2012, p. 104) reiteram que a escola não deve ser compreendida como um lugar onde o currículo seja prioridade,

[…] onde somente devam ser ensinados conteúdos como matemática, ciências, português, mas onde se pode aprender sobre cidadania bem como se pode exercitar a convivência e o respeito – e não apenas a tolerância – à diferença. […] a escola deve estar preparada também para orientar as alunas [e alunos] a viverem em um mundo plural, onde práticas e desejos sexuais diferentes sejam possíveis e igualmente respeitados.

É por meio desse processo de contestação que as identidades e práticas hegemônicas construídas nos atuais currículos poderão ser desestabilizadas e quiçá implodidas (SILVA, 1995). As práticas de teorização das homossexualidades e da LGBTQIAfobia no ambiente escolar geralmente

[…] são limitadas tanto pelo formalismo escolar, no sentido de compartimentalizar saberes, quanto pela falta de um norte, ou seja, uma ação que seja informada e que dê respaldo ao professor na sua tarefa de educar de forma humanista e inclusiva (BORGES et al., 2011, p. 32).

Considerações finais

À guisa da conclusão depreendemos que padrões normalizadores geram hierarquia e exclusão daqueles/as que escapam dos padrões heteronormativos, uma vez que, esse regime de verdade estipula que determinadas expressões relacionadas a sexualidade – a homossexualidade, por exemplo – são falsas, enquanto outras são verdadeiras e originais – no caso da heterossexualidade – condenando pessoas LGBTQIA a uma morte em vida por não se ajustarem às idealizações normalizadoras.

Observamos em nossa pesquisa que as causas da LGBTQIAfobia são reforçadas na/pela escola, sendo influenciadas diretamente pela segregação ou indiretamente pela omissão do debate sobre a diversidade sexual e as variadas formas de assédio, impostas a alunos/as LGBTQIA.

Notamos também, que, embora professores/as, diretores/as, pedagogos/as, em si não empunhem armas, nem facas que provocam diariamente o assassinato dessas pessoas, eles/as são aqueles/as que Baptista (1999) caracteriza como amoladores/as das facas que contribuem para tal genocídio, ao entender a homossexualidade como pecado, profanação do corpo e da sexualidade, como anormalidade e desvio de comportamento – discursos comumente importados da religião, mídia e ciências psicológicas – principais justificativas evocadas por assassinos de pessoas LGBTQIA no Brasil. Esse legado consentido pela escola reflete em dados divulgados pelo Grupo Gay da Bahia que indicam que de 130 homicídios de pessoas LGBTQIA em 2000, saltamos para 260 em 2010 e para 343 em 2016, ou seja, um aumento de aproximadamente 271%, dado esse que indica a vulnerabilidade a que essas pessoas estão expostas no Brasil (GRUPO GAY DA BAHIA, 2016).

Esses números, por si só, indicam a necessidade de debates sobre a homofobia/LGBTQIAfobia e a diversidade sexual, pois, enquanto educadores/as, diplomados e especializados não podemos nos esquecer de que nossos atos e discursos, ou a ausência deles, podem se assemelhar às distintas ferramentas utilizadas no assassinato das minorias sexuais no Brasil, o que pode fazer com que nós, profissionais qualificados, amolemos navalhas e empunhemo-las contra as pessoas LGBTQIA (BAPTISTA, 1999, DINIS, 2011).

Respaldados por um arsenal de informações coletadas em nossa pesquisa, podemos afirmar categoricamente que não houve indícios de que a temática em questão tenha sido discutida em sala de aula, diante do fato de que diretores/as, pedagogas/os e professoras proferiram discursos e demonstraram comportamentos discriminatórios contra alunos/as LGBTQIA ou mesmo demeritórios da necessidade do debate sobre a temática.

Portanto, discussões acerca da homofobia/LGBTQIAfobia e diversidade sexual devem ganhar espaço formal no processo de escolarização por meio dos livros, dos conteúdos didáticos e principalmente da prática pedagógica. Defendemos a ideia de que a discussão sobre essas temáticas não devem ser pautada unicamente pela presença de alunos/as LGBTQIA no cotidiano escolar, mas porque tal conduta interfere na realidade social marcando, regulando e normatizando pessoas por meio de uma conduta moral hegemônica heteronormativa, que insistentemente se desdobra na violação de direitos e ocasionam os mais distintos prejuízos sociais, ao retirar do ato de viver o livre exercício dos distintos modos de ser e sentir-se humano.

1Como forma de preservar o anonimato dos participantes da pesquisa optamos pelo uso de nomes fictícios.

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Recebido: 12 de Fevereiro de 2018; Aceito: 27 de Dezembro de 2018; Publicado: 30 de Abril de 2019

Endereço para correspondência: Isaias Batista de Oliveira Júnior Avenida dos Missionários, 43 – Centro 86825-000, Marilândia do Sul, PR, Brasil

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