SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.43 número1Articulações sobre ética e inclusão a partir do contexto de uma Escola de GovernoA formação inicial em Licenciatura em Educação Especial na perspectiva dos egressos índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.43 no.1 Porto Alegre jan./abr 2020  Epub 18-Jan-2021

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2020.1.31296 

Outros Temas

História da educação de surdos e do ensino de matemática no contexto brasileiro

History of the deaf education and the mathematics teaching in the brazilian contexto

História de la educación de sordos y de la enseñanza de las matemáticas en el contexto brasileño

Leticia de Medeiros Klôh1 
http://orcid.org/0000-0002-4606-681X

Reginaldo Fernando Carneiro1 
http://orcid.org/0000-0001-6841-7695

1 Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brasil.


Resumo:

Este estudo apresenta um panorama histórico da educação de surdos e do ensino da matemática no Brasil desde os tempos da colonização portuguesa até o contexto atual, passando pelas diversas formas de ver a matemática no campo educacional e pelas diferentes abordagens já utilizadas na educação de surdos. Apresenta ainda um paralelo temporal entre as trajetórias da educação matemática e da educação de surdos para, assim, refletirmos sobre os equívocos e os avanços alcançados. Para alcançar esse objetivo foi realizada uma análise bibliográfica, para então apresentar, em ordem cronológica, diversas alterações sofridas através do tempo que nos trouxeram até este momento da educação de surdos e da educação matemática, momento marcado, principalmente, pelas recentes políticas públicas que surgiram desde o fim do século XX e que referem-se à surdez, à Língua Brasileira de Sinais - Libras - e ao ensino de matemática.

Palavras-chave: educação de surdos; educação matemática; surdez; história

Abstract:

This paper presents a historical overview of the deaf education and the mathematics teaching in Brazil since the Portuguese colonization to the current context, through the different ways of seeing mathematics in the educational field and the different approaches already used in the deaf education. It also presents a temporal parallel between the trajectories of mathematics education and the deaf education so as to reflect on the misunderstandings and the advances made. In order to achieve this objective, a bibliographical analysis was carried out, in order to present, in chronological order, several changes suffered through the time that have brought us up to this point in the deaf education and mathematics education, a moment marked, mainly, by the recent public policies that arose since the end of the 20th century and refer to deafness, to the Brazilian Language of Signals - Libras - and to the mathematics teaching.

Keywords: deafness education; teaching mathematics; deafness; history

Resumen:

Este estudio presenta un panorama histórico de la educación de sordos y de la enseñanza de las matemáticas en Brasil desde los tiempos de la colonización portuguesa hasta el contexto actual, mirando diversas maneras de ver las matemáticas en el campo educacional y por los diferentes abordajes ya utilizados en la educación de sordos. Presenta aún un paralelo temporal entre las trayectorias de la educación matemática y de la educación de sordos para, así, reflexionar sobre los equívocos y los avances logrados. Para lograr ese objetivo hemos realizado un análisis bibliográfico para, entonces, presentar en orden cronológica, diversos cambios ocurridos a través del tiempo que nos trajeran hasta este momento de la educación de sordos y de la educación matemática, momento marcado, principalmente, por las recientes políticas públicas que surgieron desde los fines del siglo XX y que se refieren a la sordez, a la Lengua Brasileña de Señales - Libras - y a la enseñanza de las matemáticas.

Palabras clave: educación de sordos; educación matemática; sordez; historia

As trajetórias históricas da educação matemática e da educação de surdos apresentam muitos aspectos importantes, e que permitem contextualizar o momento em que vivemos hoje. Possibilitam aprender com erros do passado, evitar repeti-los no presente e abrem possibilidades para nos desenvolvermos em direção à construção de um futuro melhor.

A partir de uma visão histórica, podemos refletir e questionar as diferentes abordagens utilizadas no passado e nos dias de hoje na educação matemática e na educação de surdos. Além disso, por meio dos fatos históricos, podemos conhecer os caminhos percorridos pela comunidade surda, suas dificuldades e suas lutas. De acordo com Cruz (2016):

Os surdos querem um tipo de educação que não desconsidere a história da população surda, que não omita de sua formação as peculiaridades culturais, linguísticas, artísticas de pessoas e de comunidades de pessoas surdas, que considere os traços, as marcas, os estigmas e toda sorte de atributo que os constituem identitariamente. (p. 12)

Sendo assim, o conhecimento histórico faz parte de um ensino contextualizado, reflexivo e próximo das vivências dos alunos, base para uma prática consciente e conscientizadora da realidade social da qual fazem parte. Em suma, a partir do entendimento histórico, compreendemos as práticas escolares e obtemos apoio à prática de ensino de matemática para alunos surdos.

Nesse sentido, de acordo com Valente (2013, p. 7), a utilidade da produção do historiador da educação matemática, que tem como resultado a história da educação matemática, é:

considerar que, um professor de matemática que mantenha uma relação a-histórica com os seus antepassados profissionais possa, com a apropriação dessa história, se relacionar de modo menos fantasioso e mais científico com esse passado. Isso tende a alterar as suas práticas cotidianas, que passam a ser realizadas de modo mais consistente.

Como método de investigação, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, definida por Gil (2002, p. 62) como “aquela em que os dados são obtidos de fontes bibliográficas, ou seja, de material elaborado com a finalidade explícita de ser lido”. Por meio do estudo de diferentes fontes podemos apresentar um panorama geral de acontecimentos importantes em nosso assunto de interesse.

Foram escolhidas como principais fontes, autores que discutem sobre a história do ensino de matemática e sobre a história da educação de surdos e que apresentam um panorama geral bastante interessante a respeito dos assuntos estudados.

Karin Strobel é uma da primeiras surdas no Brasil a obter o título de doutora e leciona a disciplina “História da Educação de Surdos”, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), discutindo a importante visão de uma surda a respeito da história da educação de surdos. Não foram encontrados materiais que relacionassem a história da educação matemática e a história da educação de surdos.

A periodização histórica foi escolhida com base nas mudanças no sistema de governo ocorridas no Brasil desde o início da colonização do território nacional pelos portugueses, passando a seguir pelo período do Brasil Império e chegando até o período republicano, que se estende aos dias atuais. Por fim, são aqui apresentadas algumas considerações que sintetizam as discussões.

Brasil colônia (1500-1822)

A história da educação no Brasil como colônia portuguesa começa com o ensino jesuítico, que tinha como seu principal agente a Companhia de Jesus. Em 1549 chega ao Brasil o primeiro grupo de Jesuítas. Em Salvador, BA, foi criada a primeira escola elementar. Aos poucos foram sendo estabelecidas diversas outras escolas elementares e colégios.

Nesse primeiro momento não havia ainda qualquer preocupação relativa à educação de surdos. O primeiro registro de um ensino voltado a essas pessoas no Brasil ocorreu apenas em 1857 com a fundação da primeira escola para surdos. Quanto à educação matemática, Gomes (2012) afirma que nas escolas elementares jesuíticas ensinava-se a escrita dos números no sistema de numeração decimal e o estudo das quatro operações aritméticas com números naturais. Já nos colégios, o ensino era de nível secundário e havia pouco espaço para conhecimentos matemáticos: o foco eram as humanidades clássicas.

No ano de 1759, os Jesuítas são expulsos de todas as colônias como parte das Reformas Ilustradas promovidas a partir de 1750. Esse ato foi o marco inicial das reformas apoiadas por Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), o Marquês de Pombal, e que continuaram após sua queda (Villalta, 2002). Como a maioria das instituições educacionais no Brasil, nesse momento, era jesuítica, restaram após sua expulsão poucas instituições de ensino dirigidas por outras ordens religiosas ou militares.

De acordo com Gomes (2012), em 1772 foram criadas as “aulas régias” a partir de um alvará do Marquês de Pombal. Essas aulas eram avulsas em que se ensinavam primeiramente gramática, latim, grego, filosofia e retórica para, posteriormente, ensinar os conteúdos matemáticos. No caso específico da matemática, há indícios de que havia poucos alunos e conseguir professores era uma dificuldade.

No fim do século XVIII, em 1798, foi criado pelo bispo de Pernambuco o Seminário de Olinda, que funcionou a partir de 1800, que não formava apenas padres e tornou-se uma das melhores escolas de ensino secundário do País. Essa instituição é relevante para essa discussão, pois conferiu importância ao ensino dos temas matemáticos e científicos.

Em 1808 chega ao Brasil a corte portuguesa trazendo consigo muitas mudanças. Entre elas está a criação de diversas instituições culturais e educacionais.

Brasil Império (1822-1889)

O período do Brasil Império começa com a sua independência em 1822. A primeira Constituição brasileira, outorgada por D. Pedro I em 1824, determinou a instituição primária gratuita, colocando-se pela primeira vez a educação como direito social. Já no ano de 1827 surge a primeira lei sobre a Instrução Pública Nacional, que de acordo com Gomes (2012, p. 15) “estabelecia que houvesse escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares populosos”.

Nessas escolas, o currículo para os meninos envolvia, no campo da matemática, as quarto operações aritméticas, prática de quebrados (estudo das frações ordinárias), decimais e proporções e noções gerais de geometria. Já para as meninas, entre outras diferenças, eliminava-se o estudo de geometria e prática de quebrados (Veiga, 2007).

Em 1834, as administrações das províncias passaram a ser encarregadas das “primeiras letras”, mas a educação continuou não atendendo toda a população. Para índios e escravos, principalmente, a educação era considerada dispensável. Os surdos, por sua vez, também permaneciam à margem dos sistemas educativos.

No Rio de Janeiro, o Município da Corte, foi fundado em 1837 o Imperial Collegio de Pedro Segundo, que dava grau de bacharel em letras àqueles que concluíssem com sucesso todas as disciplinas nos sete anos de curso e dispensava dos exames de ingresso aos cursos superiores. Os conteúdos matemáticos (Aritmética, Álgebra, Geometria e Trigonometria) sempre estiveram presentes em todas as séries do curso e essa instituição tornou-se modelo para o ensino secundário no Brasil (Gomes, 2012).

As instituições de ensino nesse período eram voltadas à elite econômica masculina brasileira, pois preparava-os para ocupar importantes cargos, principalmente políticos. O Imperial Collegio de Pedro Segundo possibilitou a retomada da figura simbólica do Imperador, oferecendo uma formação abrangente e distintiva aos filhos da elite que no futuro ocupariam cargos no governo imperial (Cunha Junior, 2012).

A figura de D. Pedro II também se destaca nesse momento quando o assunto é educação de surdos. Em 1855, ele traz de Paris o professor francês surdo Edward Hernest Huet (1922-1982) no intuito de fundar aqui uma escola para surdos.

Em 26 de setembro de 1857, 20 anos depois da fundação do Imperial Collegio de Pedro Segundo, é a vez do Imperial Instituto de Surdos-Mudos localizado também no Rio de Janeiro. Seu nome foi alterado em 1957 para Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), nome que a instituição carrega até hoje.

A abertura desse instituto representava um reconhecimento social de que essas pessoas poderiam ser educadas, aprender e serem úteis à sociedade. No entanto, essa era apenas uma escola em um país de grandes proporções como o Brasil e a maioria dos surdos continuou vivendo à margem da sociedade. A princípio, o regime era de internato e os conteúdos estudados eram aritmética, língua portuguesa, leitura labial, linguagem articulada, geografia, história do Brasil e doutrina cristã.

Depois de cinco anos na direção do instituto, o professor Ernest Huet viajou para o México em 1861 por motivos pessoais e, por isso, deixou a direção. Assim, em 1862 o Dr. Manoel Magalhães Couto assumiu a direção do Ines no lugar de Huet. Ele não possuía qualquer experiência com a educação de surdos, o que prejudicou o atendimento aos mesmos. Por isso, uma inspeção do Governo no ano de 1868 determinou que o Ines fosse considerado um asilo de surdos, o Dr. Manoel Magalhães foi, então, demitido e Tobias Leite assumiu a direção da instituição (Strobel, 2009).

O Ines era um ponto de encontro de professores de surdos e da comunidade surda. Era usada entre eles como forma de comunicação a língua francesa de sinais, trazida por Huet, juntamente com os sinais existentes no país. Essa mistura deu origem à Língua de Sinais Brasileira (Libras).

Em 1880, aconteceu o Congresso de Milão e, ao final, ocorreu uma votação na qual foi escolhido o oralismo2 como metodologia de ensino que devia ser utilizada na educação de surdos, abolindo os sinais como forma de instrução. Uma decisão importantíssima, que influenciou a educação de surdos no mundo todo, inclusive no Brasil, sem que os maiores interessados, os próprios indivíduos surdos, fossem consultados ou pudessem exprimir opinião.

A visão oralista foi defendida pela maioria das delegações presentes nesse congresso e sustentavam que somente por meio da fala o surdo poderia se desenvolver plenamente e ter uma perfeita integração social. Assim, era uma medida de adaptação do surdo à sociedade de maioria ouvinte em uma perspectiva de correção de suas características anômalas (Brasil, 2004).

Brasil República (a partir de 1889)

É instaurada no Brasil, em 1889, a república presidencialista. No novo regime de Governo, o primeiro titular do cargo de Ministro da Instrução, Correios e Telégrafos, Benjamin Constant (1836-1891) organizou uma reforma do ensino em 1890 que levou seu nome e referia-se apenas à instrução pública de nível primário e secundário capital do Brasil que, à época, localizava-se no Rio de Janeiro.

Conforme afirma Gomes (2012), essa reforma buscava romper com a tradição humanista e literária em favor de um currículo que passasse a privilegiar disciplinas científicas e matemáticas. Benjamin Constant e o grupo de militares que liderou a proclamação da República aderiram às ideias positivistas de Auguste Comte (1798-1857), filósofo francês que considerava a matemática como a mais importante das ciências. Dessa forma, a matemática passou a ocupar lugar de destaque, principalmente, nos sete anos de educação secundária. O Imperial Collegio de Pedro Segundo, a partir da proclamação da República, passou a se chamar Ginásio Nacional, posteriormente, passando a chamar-se Colégio Pedro II, em 1911.

Quanto ao ensino primário, essa autora (2012) nos diz que no início da República foi implementada uma nova organização, em grupos escolares. Essa organização reunia as classes em séries, estruturadas de forma progressiva, cada série em uma sala com um professor e, por prédio, quatro ou cinco séries reunidas.

No ano de 1908, foi realizado em Roma a quarta edição do Congresso Internacional de Matemática. Nesse congresso foi criada uma comissão3 que trataria de assuntos relativos ao ensino de matemática. Sua meta era “proceder a um estudo sobre o ensino secundário da matemática em vários países” (Gomes, 2012, p. 19), inclusive no Brasil. O fato de ter sido constituída essa comissão marca um primeiro movimento internacional com vistas à modernização do ensino. Esse movimento tinha como principais propostas “promover a unificação dos conteúdos matemáticos abordados na escola em uma única disciplina, enfatizar as aplicações práticas da matemática e introduzir o ensino do cálculo diferencial e integral no nível secundário” (Gomes, 2012, p. 19).

Nesse interim, o Ines começa a sofrer os efeitos do Congresso de Milão, culminando em 1911 com o estabelecimento do oralismo em todas as disciplinas, seguindo a tendência mundial (Goldfeld, 1997). Acreditava-se que se os surdos fossem obrigados a se comunicar apenas oralmente aprenderiam a língua oral com maior facilidade e que o uso de sinais poderia prejudicar esse aprendizado. A língua de sinais resistiu apenas de forma clandestina, às escondidas. Na mesma época começaram a surgir no Brasil outras escolas de surdos, todas adotando o oralismo e eram empregados inclusive castigos físicos para evitar que os surdos utilizassem sinais.

No início do século XX, a ideia de que apenas a fala seria capaz de expressar a plenitude do pensamento humano tornou-se muito forte. No mundo todo, a maioria das escolas de surdos proibiu a língua de sinais. O oralismo não conseguia “[...] atingir resultados satisfatórios, porque, normalizaram as diferenças, não aceitando a língua de sinais dessas pessoas e centrando os processos educacionais na visão da reabilitação e naturalização biológica” (Reily, 2004, p. 7).

Enquanto isso, em vários estados brasileiros e no Distrito Federal, na década de 1920, ocorreram reformas no sistema de ensino, especificamente, na educação primária e na formação de professores para atuarem nesse nível de ensino. As mudanças implementadas estavam vinculadas ao movimento conhecido como Escola Nova. As ideias desse movimento influenciaram de forma incisiva no ensino de matemática. Era valorizada a contextualização, o conhecimento matemático viria do mundo físico a partir da manipulação de materiais e de experimentações, dessa forma, os alunos aprenderiam fazendo, defendia-se os métodos ativos e, além disso, a criança tornou-se o centro nas relações de ensino e aprendizagem (Passos, 2006).

Na Escola Nova, a psicologia ganha importância na área da educação. Com esse movimento foram levantadas questões relativa à doença e ao fracasso escolar. Dessa forma, começou-se a olhar para as diferenças individuais dos alunos. Vários professores-psicólogos foram trazidos da Europa para oferecer cursos aos educadores brasileiros. Volta-se assim à atuação com o heterogêneo.

Segundo Miorim (1998), a educação secundária não foi logo alcançada por esse movimento, continuando na prática de um ensino livresco, descontextualizado, que não tinha relação com a vida dos alunos, utilizando memorização e assimilação passiva dos conteúdos.

As ideias modernizadoras que estavam surgindo concretizaram-se em 1931, por meio de uma série de decretos que tinham como proposta organizar a educação a nível nacional. Essa grande reforma da educação nacional realizada no início da Era Vargas (1930-1945) ficou conhecida como reforma Francisco Campos, levando o nome do Ministro da Educação e Saúde da época, que a comandou. Essa reforma dividiu o curso secundário “em dois ciclos de cinco e dois anos, respectivamente, o primeiro fundamental, e o segundo complementar, orientado para as diferentes opções de carreira universitária” (Menezes & Santos, 2001, p.1).

A reforma Francisco Campos possuía uma proposta curricular detalhada para a disciplina matemática. O texto dessa proposta começa com a finalidade do ensino da matemática: “O ensino da matemática tem por fim desenvolver a cultura espiritual do aluno pelo conhecimento dos processos matemáticos, habilitando-o, ao mesmo tempo, à concisão e ao rigor do raciocínio pela exposição clara do pensamento em linguagem precisa” (Rio de Janeiro, 1931 citado por Gomes, 2012, p. 19).

Ainda segundo essa proposta, o aluno não deveria ser um receptor passivo de conhecimentos e sim um descobridor, para tanto, era necessário renunciar à memorização sem raciocínio, ao enunciado abusivo de definições e de regras e ao estudo sistemático de demonstrações já realizadas. Os professores deveriam, ao invés disso, utilizar, com a intenção de levar os conceitos e conteúdos ao conhecimento do aluno, a resolução de problemas e de questionamentos intimamente coordenados. Os problemas não deveriam ser limitados a exercícios dos assuntos previamente ensinados, mas deveriam ser propostos para orientar a pesquisa de teoremas e de desenvolver a presteza na conclusão lógica.

Na geometria, de acordo com a proposta curricular da reforma Francisco Campos, era necessário partir de atividades de experimentação e de construção para, então, chegar às demonstrações formais.

O conceito de função teria um importante papel sendo a ideia central do ensino e devendo ser apresentada de forma intuitiva e progredindo o conhecimento ao longo das séries. Na quinta série, já deveriam ser ensinadas as primeiras noções de cálculo diferencial e integral. Havia também orientações para o ensino de aritmética, geometria e álgebra. Listando, por fim, os conteúdos para cada uma dessas áreas que deveriam ser abordados nas cinco séries correspondentes ao Ensino Fundamental (Gomes, 2012).

De 1942 a 1946 foi realizada a reforma Capanema, que também foi assim chamada devido ao Ministro da Educação e Saúde da época. Foram criados por meio de decretos-lei o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). As reformas implementadas separavam o ensino secundário que dava direito ao ingresso no curso superior e que se destinava às elites, e o ensino profissional, esse por sua vez, destinado ao povo (Saviani, 2007).

Fazia parte dessa reforma a Lei Orgânica do Ensino Secundário, de 1942, que regulamentava essa etapa do ensino e o dividiu em dois ciclos: o ginasial com duração de quatro anos e o colegial que durava três anos. Nesse mesmo ano foi lançada uma portaria ministerial que estabelecia os currículos das disciplinas para ambos os ciclos e apresentava apenas listas de conteúdos, sem indicações metodológicas.

No que diz respeito à matemática, conforme aponta Valente (2004), para as duas primeiras séries os conteúdos do ginasial eram divididos entre geometria intuitiva e aritmética prática, já para as duas últimas séries os temas eram álgebra e geometria dedutiva.

A partir de 1950, ocorre uma tentativa de democratização da educação em que as camadas populares passam a ter acesso à escola, aumentando significativamente o número de alunos matriculados. Isso fez com que ocorressem diversas mudanças nas disciplinas escolares. Com a necessidade de mais professores para atender à demanda foram diminuídas as exigências na seleção de profissionais para esse fim. Isso também levou à depreciação da função docente, ao rebaixamento dos salários e à precarização das condições de trabalho. Em decorrência disso, os professores precisaram de estratégias que suavizassem suas atribuições, por isso, muitos passaram a transferir ao livro didático a tarefa de preparar aulas e exercícios (Soares, 2011).

O ensino de matemática passou por diversas alterações no Brasil a partir do final da década de 1950 quando chegou ao país o Movimento da Matemática Moderna (MMM), do qual falaremos mais adiante. Enquanto todas essas mudanças e reformas ocorriam no ensino regular em geral e, especialmente, no ensino da matemática, permanecia na educação de surdos o predomínio do oralismo, que seguiu por quase um século. A segunda metade do século XX, foi marcada pela luta das pessoas surdas pelo direito ao uso da Língua Brasileira de Sinais. Da resistência dos sujeitos surdos, paralelamente ao discurso clínico, surge o conceito do sujeito surdo bilíngue.

Com o surgimento de diversos movimentos surdos cria-se, em 1951, a Federação Internacional de Surdos (World Federation of the Deaf, WFD), formada por várias federações e associações nacionais com o objetivo de lutar pelo reconhecimento das línguas de sinais, pela melhoria da educação de surdos, acesso ao ensino superior, formação de intérpretes e difusão da cultura surda (Machado, 2012).

No entanto, o Brasil só passou a ter sua própria federação, a Federação Nacional de Educação e Integração do Deficiente Auditivo (Feneida), na década de 1970, porém, ela foi constituída por ouvintes. Mais adiante, em 1987, chegam pela primeira vez surdos à presidência dessa federação e trocam seu nome para Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo (Feneis), nome que perdura até hoje. A Feneis alia-se à WFD e passa a lutar pelos seus mesmos propósitos.

Ocorria também nesse período o Movimento Matemática Moderna, um movimento internacional que teve muita influência no Brasil.

De acordo com Gomes (2012), no ano de 1957 os soviéticos lançam o Sputnik que foi o primeiro satélite artificial da Terra, ficando assim à frente dos Estados Unidos na corrida espacial. Os EUA, por sua vez, já estavam se mobilizando para efetuar uma reforma dos currículos escolares de ciências e de matemática com o objetivo de superar as diferenças entre esse currículo e o progresso científico-tecnológico daquele momento, passando, então, a investir mais para desenvolver recursos didáticos e espalhar suas novas propostas dentro e fora do país.

Ainda conforme essa autora, simultaneamente, na Europa, em especial na França, educadores e matemáticos realizavam eventos e disseminavam ideias renovadoras para o ensino da matemática. O MMM buscava renovar o ensino da matemática pela introdução no currículo de aspectos matemáticos desenvolvidos mais recentemente, a partir do século XVIII. Defendia-se também:

o realce na precisão da linguagem matemática; uma nova abordagem dos conteúdos tradicionais na qual estivessem presentes as linguagens dos conjuntos, as relações (subconjuntos do conjunto dos pares ordenados do produto cartesiano de dois conjuntos) e as estruturas matemáticas (anéis, grupos, corpos, espaços vetoriais), a sequenciação dos conteúdos de acordo com a moderna construção lógica da Matemática, o destaque para as propriedades das operações em lugar da ênfase nas habilidades computacionais. (Gomes, 2012, p. 23)

Gomes (2012) ainda explicita que em vários estados foram formados grupos com o intuito de preparar professores para atuar de acordo com essas diretrizes. Entre os principais objetivos do MMM estava a integração dos campos da aritmética, da álgebra e da geometria por meio da inserção de elementos unificadores como, por exemplo, a linguagem dos conjuntos, as estruturas algébricas e as funções. Além disso, destacava-se a necessidade de valorizar mais os aspectos lógicos e estruturais da matemática, o que acarretou na apresentação de regras injustificadas e de práticas de tendência pedagógica tecnicista.

Com a propagação do ideário do MMM, ocorreu uma diminuição do ensino de conteúdos de geometria nas escolas por conta do destaque dado à álgebra e da falta de subsídios para efetuar as propostas desse movimento para a geometria. Além disso, devido à necessidade de um número maior de docentes, criou-se cursos aligeirados para formar professores e não se investiu na formação para o ensino de geometria. Em consequência desses fatos ocorreu no Brasil o que foi denominado o abandono do ensino da geometria (Pavanello, 1993).

No campo da educação de surdos, Pereira (2008) destaca que, na década de 1970, Ivete Vasconcelos, uma educadora da Universidade Gallaudet, na França, veio ao Brasil e trouxe com ela a perspectiva da comunicação total que recomendava o uso de sinais, gestos, mímica, fala, leitura labial, escrita, enfim, de qualquer meio que pudesse ser utilizado para comunicação, ou seja, o foco estava no ato comunicativo.

Não havia uma única linguagem em comum utilizada por todos e isso causou certa confusão, pois havia dificuldades até mesmo para os surdos se entenderem entre si devido à falta de padrão para a comunicação (Goldfeld, 1997).

Outra crítica à comunicação total deve-se ao fato de se valer do português sinalizado4 e do bimodalismo5, desfigurando a rica estrutura da Língua de Sinais. Assim, os surdos ficavam sem uma língua materna bem estruturada como referência para o aprendizado da segunda língua, o português. Essa abordagem surgiu a partir da insatisfação mundial com os resultados do oralismo.

Por outro lado, segundo Nascimento (2009), aqueles que defendiam o uso da comunicação total asseveram que essa abordagem não forçava uma oralidade no surdo, já que a aprendizagem poderia acontecer a partir do tipo de comunicação que se mostrava eficaz no momento. Além disso, ela contribuiu muito para a introdução língua de sinais nas escolas, permitindo também que a aprendessem e usassem dentro e fora do ambiente escolar.

Por aqui, a Comunicação Total ganhou status de corrente filosófica, pois foi associada a uma nova abordagem cuja centralidade não era o fator clínico da deficiência e sim o foco nas possibilidade de interação e comunicação que aumentariam a qualidade da aprendizagem, da vida dos surdos. (Cruz, 2016, p. 85)

Voltando ao assunto do ensino no Brasil, destacamos as mudanças que ocorreram a partir da Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1.º e 2.º graus, a LDB n.º 5.692 de 1971, que dividiu o ensino em primeiro grau com duração de oito anos e o segundo grau com três ou quatro anos, que deveria ser profissionalizante. Nas escolas públicas foi inviável fazer essa profissionalização por falta de recursos humanos e de materiais. As escolas particulares interpretavam a legislação conforme seus interesses, mantendo assim o ensino preparatório para o ensino superior (Pavanello, 1993). Como já vimos, a álgebra assumiu nessa época um papel preponderante e o ensino da geometria quase desapareceu das escolas públicas nas décadas de 1970 e 1980.

Também na década de 1970 emergem críticas ao MMM em diversos países. As críticas, segundo Gomes (2012), referiam-se à ênfase no formalismo e nos aspectos estruturais da matemática, além da excessiva preocupação com a linguagem e com os símbolos. No Brasil, essas críticas e discussões sobre o fracasso desse movimento no ensino, juntamente com o fim da ditadura militar, criaram um contexto de renovação dos ideais educacionais. Surgem, então, alternativas às ideias tão difundidas por esse movimento, dentre elas a preocupação com uma abordagem histórica dos conteúdos, o destaque para a compreensão dos conceitos, a forma como os alunos aprendem e se desenvolvem, a retirada do foco dos conjuntos, da linguagem simbólica, do rigor e da precisão da linguagem matemática e a retomada do ensino da geometria.

Em 1971, foram implantados programas pós-graduação em matemática e, a partir de 1987, os programas pós-graduação em educação matemática em vários estados. Em 1988, foi fundada a Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), uma “sociedade civil, de caráter científico e cultural, cuja finalidade principal é congregar profissionais da área de Educação Matemática ou áreas afins. Os membros da SBEM são pesquisadores, professores e alunos que atuam na educação básica e superior no Brasil” (Gomes, 2012). A partir daí multiplicaram-se os trabalhos e pesquisas tendo como objeto de estudo o ensino de matemática.

Vemos que as décadas de 1970 e 1980 foram de importantes mudanças na educação matemática, na educação de surdos sendo um dos marcos mais importantes o surgimento no Brasil do bilinguismo6, na década de 1980, que passa a ser difundido a partir das pesquisas da professora linguista Lucinda Ferreira Brito, sobre a Língua Brasileira de Sinais, e da professora Eulália Fernandes, sobre a educação dos surdos.

À medida que novas pesquisas vão surgindo e que o tema se torna mais discutido nos programas de pós-graduação, o bilinguismo vai se consolidando cada vez mais como a melhor abordagem a ser usada na educação de surdos. O bilinguismo caracteriza-se pelo acesso à língua de sinais e à língua nacional escrita na educação de surdos e é fundamental por não negar as diferenças linguísticas e culturais desses sujeitos, ao mesmo tempo que os prepara minimamente para conviver em um mundo de maioria ouvinte. Skliar (1999) esclarece o sentido de uma educação bilíngue:

A proposta de educação bilíngue para surdos pode ser definida como uma oposição aos discursos e às práticas clínicas hegemônicas - características da educação e da escolarização dos surdos nas últimas décadas - e como um reconhecimento político da surdez como diferença. (p. 7)

Na visão de Pereira (2008, p. 6), foi nos anos de 1980 e 1990 que a comunidade surda levantou suas reivindicações em favor do uso da língua de sinais nas escolas e do reconhecimento da comunidade surda, “advogando a primazia da Língua de Sinais na educação dos Surdos concomitante com o aprendizado da linguagem oral de forma diglóssica (2 línguas independentes, ensinadas ou praticadas em momentos distintos)”.

A partir da década de 1990, outro assunto torna-se central nas discussões a respeito da educação de pessoas surdas - a inclusão - pautada na necessidade de uma educação para todos, com foco no respeito e na valorização das diferenças.

Em 1994, foi realizada a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: acesso e qualidade, em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que deu origem à concepção de “Educação Inclusiva” por meio da Declaração de Salamanca, que assevera que todas as crianças independente de suas particularidades devem ter acesso à educação. Segundo essa declaração, as escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus alunos. Segundo a Declaração de Salamanca:

Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e situações individuais. A importância da linguagem de sinais como meio de comunicação entre os surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e provisão deveria ser feita no sentido de garantir que todas as pessoas surdas tenham acesso à educação em sua língua nacional de sinais. (UNESCO, 1994, p. 7)

Com o advento da educação inclusiva e a desconstrução do oralismo, a Libras passa a ocupar posição central nos debates sobre a educação de surdos. Rapidamente fundiram-se os discursos sobre o bilinguismo e sobre a inclusão. No entanto, houve resistência à inclusão por parte dos surdos e das pessoas ligadas à causa surda por acreditarem que as escolas regulares não seriam o melhor local para a educação de surdos.

Surge em 1999, do Pré-Congresso ao V Congresso Latino Americano de Educação Bilíngue para Surdos7, realizado em Porto Alegre, RS, nos dias 20 a 24 de abril, um documento elaborado pela comunidade surda chamado “A educação que nós, surdos, queremos”, no qual foram baseados diversos movimentos nacionais e documentos que foram posteriormente produzidos no Brasil em encontros regionais de surdos ou associações. Esse documento também se coloca a favor de escolas bilíngues específicas para surdos.

No ano de 1996, surge a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Essa lei estabelece a organização da educação e foi a primeira LDB a ter um capítulo específico para a educação especial. Essa Lei, em seu capítulo V, art. 58, descreve a educação especial como “a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação” (Brasil, 1996, p. 28), afirmando a prática da inclusão como padrão no Brasil. Além disso, nesse mesmo capítulo, a lei determina que deve haver nas escolas regulares, quando necessário, serviços de apoio especializado para atender às necessidades da clientela de educação especial.

No ano seguinte, surgem os Parâmetros Curriculares Nacionais que foram influenciados por estudos e pesquisas realizados na área da educação matemática nos anos anteriores à sua publicação. Propostas do Ministério da Educação, análogas a essa para outros níveis e tipos de ensino também levaram em consideração esses estudos e pesquisas. Em comum elas possuem a afirmação da “necessidade de incorporação, nas práticas pedagógicas escolares, das tecnologias da informação e da comunicação, dos jogos e materiais concretos, da história da matemática” (Gomes, 2012, p. 27) e propõem que “os conhecimentos matemáticos na formação escolar básica tenham realmente significado para os estudantes, ultrapassando a simples preparação para as carreiras profissionais que eventualmente venham a seguir” (Gomes, 2012, p. 27).

Ainda no campo das legislações, um dos mais importantes marcos para a comunidade surda no Brasil foi a Lei n.º 10.436, de 24 de abril de 2002, também conhecida como “Lei de Libras”, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais como um meio legal de comunicação e de expressão.

Em 2005, foi aprovado o Decreto n.º 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei acima. O Decreto determina como deve ser a formação de professores, instrutores e intérpretes de Libras, dispõe sobre o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para alunos surdos e a organização da educação bilíngue no ensino regular, determina a obrigatoriedade da disciplina Libras nos cursos de formação de professores e a presença dessa disciplina de forma eletiva nos demais cursos, além de dissertar acerca de outros direitos dos surdos. Sobre a educação bilíngue, esse decreto, em seu art. 22, § 1º, afirma que: “são denominadas escolas ou classes de educação bilíngue aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo” (Brasil, 2005, p. 8).

Em 2007 surge a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva que afirma que para que ocorra a inclusão de alunos surdos deve ser assegurada, nas escolas comuns, uma educação bilíngue, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa, o ensino de libras para os demais alunos da escola e o atendimento educacional especializado. Nessa perspectiva, emerge o Atendimento Educacional Especializado (AEE), com o objetivo de sistematizar o atendimento aos alunos com Necessidades Educacionais Especiais.

Em 2012, foi enviada uma carta aberta ao Ministro da Educação, Aloísio Mercadante, escrita pelos sete únicos doutores surdos existentes no Brasil naquele momento. Tratou-se de um apelo para que o Ministro levasse em conta a opinião dos próprios surdos sobre sua educação. Contudo, a realidade permanece a mesma, faz-se educação “para” os surdos e não “com” os surdos. A voz daqueles diretamente atingidos pelas políticas educacionais não é ouvida nem levada em conta. As políticas públicas são feitas por pessoas que não experimentam as mesmas dificuldades vivenciadas pelos alunos surdos e não conhecem de perto sua realidade.

Por fim, em 2013, é criado, dentro da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, o Grupo de Trabalho denominado Diferença, Inclusão e Educação Matemática que tem como objetivo “agregar pesquisadores preocupados com o desenvolvimento de uma Educação Matemática “para todos”, na qual as particularidades associadas às práticas matemáticas dos diferentes aprendizes são valorizadas e entendidas”8 que evidencia a preocupação dos pesquisadores com a temática da inclusão.

Considerações finais

Conforme constatamos, a educação matemática e a educação de surdos no Brasil modificaram-se diversas vezes ao longo da história com progressos e retrocessos. Essas mudanças estão atreladas ao momento histórico em que aconteceram e são desencadeadas por uma série de eventos que fazem parte de um contexto mais geral.

Em ambas as áreas da educação emergem cada dia mais pesquisas e trabalhos acadêmicos que auxiliam educadores no sentido de promover outras práticas, além de influenciarem políticas públicas que fazem que correntes passem a ter abrangência em todo o território nacional.

No que tange à surdez e aos direitos dos surdos, atualmente, ainda há muito o que avançar nas questões relacionadas à educação, no entanto, devemos reconhecer os muitos avanços obtidos até aqui.

Com o Decreto n.º 5.626, os professores passaram a ter Libras na formação inicial, ainda que não haja tempo hábil pra que essa formação seja mais abrangente, há a presença de intérpretes de Libras em cada vez mais espaços, principalmente, nos educacionais, contexto em que atuam a maioria desses intérpretes hoje.

Desde 2006, existe o curso superior de Letras/Libras que prepara profissionais surdos e ouvintes para trabalharem como professores (Licenciatura) ou intérpretes (bacharelado) da Língua Brasileira de Sinais. Com esses avanços, os surdos ganharam em direitos, em autonomia e em reconhecimento, podendo assim ser socialmente mais ativos e receber um ensino mais voltado para suas necessidades.

Já foram superadas no Brasil, as discussões sobre oralismo versus bilinguismo e no contexto atual da educação de surdos a grande questão que se coloca é sobre o ambiente mais adequado para essa educação: escolas especiais bilíngues ou escolas regulares inclusivas.

Relativamente à educação matemática, uma importante demanda dos dias atuais é a formação de professores para ensinarem a matemática de forma contextualizada e dotada de sentido para os alunos, levando ainda em consideração a grande diversidade presente em sala de aula, inclusive no contexto educacional da inclusão. Por isso, tem sido ampliado o número de cursos de graduação e pós-graduação que preparam esses docentes.

Outro aspecto que merece destaque é a criação do Grupo de Trabalho que discute sobre a inclusão e, consequentemente, sobre a educação de surdos que faz parte da Sociedade Brasileira de Educação Matemática.

Apesar das grandes mudanças descritas, não podemos, ainda, afirmar que rompemos com o passado e com a abordagem clínico-terapêutica da surdez, nem com a matemática da memorização desprovida de significado para os educandos, mas apenas caminhamos em outra direção. É necessário cada dia mais formar os docentes para uma prática reflexiva, que leve em conta as particularidades dos alunos, olhando para as diferenças como potencialidades e possibilidades.

Referências

Cruz, M. R. (2016). Experiências instituintes na formação de professores de surdos no INES [Tese de doutorado em Educação]. Universidade Federal Fluminense. https://doi.org/10.29388/978-65-81417-06-2-0-f.153-168. [ Links ]

Cunha Junior, C. F. F. (2012, Janeiro/Junho). Saberes escolares do ensino secundário brasileiro no século XIX: o caso do Imperial Collegio de Pedro Segundo. Cadernos de História da Educação, 11(1), 51-70. https://doi.org/10.14393/che-v15n2-2016-4. [ Links ]

Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, Brasil. (2005). Regulamenta a lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. MEC. https://doi.org/10.15628/rbept.2009.2954. [ Links ]

Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. Atlas. [ Links ]

Goldfeld, M. (1997). A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionista. Plexus. [ Links ]

Gomes, M. L. M. (2012). História do ensino da matemática: uma introdução. Editora UFMG. [ Links ]

Klein, M. & Formozo, D. de P. (2009, Julho/Dezembro). Im/possibilidades na educação de surdos: discussões sobre currículo e diferença. Currículo sem Fronteiras , 9(2), 212-225. [ Links ]

Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Brasil. (1996). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. MEC. [ Links ]

Machado, L. M. da C. V. (2012). (Per)cursos na formação de professores de surdos capixabas: constituição da educação bilíngue no estado do Espírito Santo [Tese de doutorado em Educação]. Centro de Educação, Universidade Federal do Espírito Santo. https://doi.org/10.20873/uft.rbec.e7334. [ Links ]

Menezes, E. T. & Santos, T. H. (2001). Reforma Francisco Campos. In Dicionário Interativo da Educação Brasileira. Midiamix. http://www.educabrasil.com.br/reforma-francisco-campos. [ Links ]

Miorim, M. A. (1998). Introdução à história da educação matemática. Atual. [ Links ]

Nascimento, P. R. (2009). Uma proposta de formação do professor de matemática para a educação de surdos [Dissertação de mestrado em Ensino de Ciências e Matemática]. Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca. https://doi.org/10.5753/ersirj.2018.4661. [ Links ]

Passos, C. L. B. (2006). Materiais manipuláveis como recursos didáticos na formação de professores de matemática. In S. Lorenzato (Org.), O laboratório de ensino de matemática na formação de professores (pp. 77-92). Autores Associados. https://doi.org/10.11606/t.48.2016.tde-15082016-162237. [ Links ]

Pavanello, R. M. (1993, Março). O abandono da geometria no Brasil: causas e consequências. Zetetiké, 1, 7-17. [ Links ]

Pereira, R. de C. (2008). Surdez: aquisição de linguagem e inclusão social. Revinter. [ Links ]

Reily, L. (2004). Escola inclusiva: linguagem e mediação. Papirus. [ Links ]

Secretaria de Educação Especial, Ministério da Educação, Brasil. (2004). Ensino de língua portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica. MEC. https://doi.org/10.5902/1984686x38402. [ Links ]

Skliar, C. (Org.). (1999). Atualidade da educação bilíngue para surdos. Mediação. [ Links ]

Soares, M. (2011). Português na escola: história de uma disciplina curricular. In E. M. S. T. Lopes & M. R. Pereira (Orgs.), Conhecimento e inclusão social: 40 anos de pesquisa em Educação. Editora UFMG. [ Links ]

Sociedade Brasileira de Educação Matemática (n.d.). GT13 - Diferença, Inclusão e Educação Matemática. http://www.sbembrasil.org.br/sbembrasil/index.php/ grupo-de-trabalho/gt/gt-13. [ Links ]

Strobel, K. L. (2009). História da educação de surdos. Universidade Federal de Santa Catarina. [ Links ]

Unesco. (1994). Declaração de Salamanca: sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. http://portal.mec.gov.br/seesp/ arquivos/ pdf/salamanca.pdf. [ Links ]

Valente, W. R. (2004). O nascimento da matemática do ginásio. Annablume. [ Links ]

Valente, W. R. (2013). Oito temas sobre História da Educação Matemática. Revista de Matemática, Ensino e Cultura, 8, 22-50. [ Links ]

Veiga, C. G. (2007). História da Educação. Ática. [ Links ]

Villalta, L. C. (2002). A educação na colônia e os jesuítas: discutindo alguns mitos. In M. L. C. Prado & D. G. Vidal (Orgs.), À margem dos 500 anos: reflexões irreverentes (pp. 171-184). Edusp. [ Links ]

2 Práticas corretivas e de treinamento orofacial visando a inclusão do surdo nos padrões ouvintes dando-lhe condições de aquisição da língua oral. O oralismo não envolvia na educação de surdos o uso de sinais, apenas da língua oral.

3 Essa comissão, presidida pelo matemático alemão Felix Klein (1849-1925), ficou conhecida como International Comission on Mathematical Instruction (ICMI) desde 1954.

4 É a sinalização de enunciados do português seguindo as normas gramaticais do português, desconsiderando a gramática própria da língua de sinais. São utilizados os sinais, mas não a língua de sinais.

5 Utilização de sinais e da língua oral simultaneamente.

6 Corrente que propõe que sejam utilizadas na educação de surdos a língua de sinais, na qualidade de língua materna do surdo, assim como a língua nacional, sendo esta última trabalhada como segunda língua.

7 Foi realizado antes do congresso um pré-congresso onde temas como as línguas utilizadas na educação de surdos, as perspectivas de educação bilíngue e a língua de sinais como constitutiva das identidades e das culturas dos indivíduos surdos foram discutidos por aproximadamente 150 educadores surdos. Esse pré-congresso foi realizado porque vários surdos se manifestaram sobre a prevalência de palestrantes e congressistas ouvintes que acabavam por conduzir as discussões nos eventos sobre educação de surdos. Sendo assim o pré-congresso teve como objetivo “reunir e articular educadores surdos no sentido de apresentarem ao V Congresso suas opiniões e suas aspirações no campo não somente da educação, mas de forma mais abrangente, colocando essa em um contexto dos direitos humanos” (Klein & Formozo, 2009, p. 213).

8 Recuperado de http://www.sbembrasil.org.br/sbembrasil/index.php/grupo-de-trabalho/gt/gt-13, em 2 de julho de 2018.

Recebido: 02 de Julho de 2018; Aceito: 22 de Janeiro de 2020; Publicado: 25 de Maio de 2020

Leticia de Medeiros Klôh. Escola Municipal Salvador Kling. Rua Mosela, 995. Mosela, 25675-016. Petrópolis, RJ, Brasil

Reginaldo Fernando Carneiro. Universidade Federal de Juiz de Fora. Faculdade de Educação, Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia, Sala 17. Rua José Lourenço Kelmer, s/n. São Pedro, 36036-900. Juiz de Fora, MG, Brasil

Leticia de Medeiros Klôh

Mestra em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF, Juiz de Fora, MG, Brasil), instrutora de Libras da Prefeitura de Petrópolis, em Petrópolis, RJ, Brasil. leticiakloh@hotmail.com

Reginaldo Fernando Carneiro

Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar, São Carlos, SP, Brasil), professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em Juiz de Fora, MG, Brasil. reginaldo.carneiro@ufjf.edu.br

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons