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Educação

versión impresa ISSN 0101-465Xversión On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.43 no.2 Porto Alegre mayo/agosto 2020  Epub 01-Feb-2021

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2020.2.35863 

Dossiê: Formação em Movimento

O desafio da educação como conversação no tempo do esquecimento da verdade

The challenge of education as a conversation in the time of forgetting truth

El desafío de la educación como conversación en el tiempo de olvidar la verdad

Altair Alberto Favero1 

Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, RS, Brasil; professor e pesquisador no Curso de Filosofia, no Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade de Passo Fundo (UPF), em Passo Fundo, RS, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-9187-7283

Luiz Carlos Bombassaro2 

Doutor e Pôster em Filosofia nas Universidades de Heidelberg e Kaiserslautern, na Alemanha; professor Associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, RS, Brasil.


http://orcid.org/0000-0003-4399-5135

1Universidade de Passo Fundo (UPF), Passo Fundo, RS, Brasil.

2Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil.


Resumo:

O presente ensaio tem como tema o desafio da educação como conversação no tempo do esquecimento da verdade. Dentre as questões filosóficas com forte presença na educação, a que trata da verdade talvez seja a mais instigante e desafiadora. Especialmente hoje, quando se propala a entrada na era da pós-verdade e do pós-fático, essa questão revela-se imprescindível para a compreensão e para a realização dos processos formativos. O ensaio está organizado em três momentos: inicialmente, teceremos algumas considerações sobre o problema da educação na era da pós-verdade e do pós-fático; depois, trataremos da conversação na perspectiva filosófica rortiana; e, por fim, abordaremos a possível relação entre educação e conversação como forma de enfrentar o problema da verdade e a noção de “redescrição” como uma forma alargada de compreender a verdade.

Palavras-chave: educação; verdade; pós-verdade; conversação

Abstract:

This essay has as its theme the challenge of education as a conversation in the time of the forgetfulness of the truth. Among the philosophical issues with a strong presence in education, the one that deals with truth is perhaps the most thought-provoking and challenging. Especially today, when the entry into the post-truth and post-phatic era is being announced, this question is indispensable for the comprehension and for the realization of the formative processes. The essay is organized in three moments: Initially, we will make some considerations about the problem of education in the post-truth and post-phatic era; then, we will deal with conversation from the Rorty’s philosophical perspective; Finally, we will address the possible relationship between education and conversation as a way of addressing the problem of truth and the notion of “redescription” as a broad way of understanding the truth.

Key words: education; truth; post-truth; conversation

Resumen:

Este ensayo tiene como tema el desafío de la educación como una conversación en el momento del olvido de la verdad. Entre los problemas filosóficos con una fuerte presencia en la educación, el que trata con la verdad es quizás el más estimulante y desafiante. Especialmente hoy, cuando se anuncia la entrada en la era post-verdad y post-fática, esta pregunta es indispensable para la comprensión y para la realización de los procesos formativos. El ensayo está organizado en tres momentos: inicialmente, haremos algunas consideraciones sobre el problema de la educación en la era posterior a la verdad y posterior a los hechos; luego trataremos la conversación desde la perspectiva filosófica rortyana; Finalmente, abordaremos la posible relación entre educación y conversación como una forma de abordar el problema de la verdad y la noción de “redescripción” como una forma amplia de entender la verdad.

Palabras clave: educación; verdad; post-verdad; conversación

Em uma entrevista concedida à Veja em 2018 (11/05/2018), o professor da Universidade de São Paulo (USP) Pablo Ortellado afirmava que o Brasil estava sendo considerado, no contexto das eleições daquele ano, um dos países com o maior número de produção, circulação e consumo de notícias falsas do mundo. Algo semelhante foi reforçado pelo Relatório da Segurança Digital no Brasil, quando mostrou que os índices de detecção de notícias falsas no país foram dramaticamente inflacionados no processo eleitoral: entre o primeiro e o segundo semestre de 2018 houve um aumento de 50,6% na identificação de fake news, somando um total de 4,4 milhões de detecções – 1,5 milhão a mais que o trimestre anterior. Algo semelhante aconteceu nos Estados Unidos com a eleição de Donald Trump e no plebiscito que pretendeu tirar a Inglaterra da União europeia.

Foi também em 2018 que o britânico Matthew d’Ancona, formado em Oxford e colunista do The Guardian, lançou o livro Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de fake news. Eleita em 2016 como a palavra do ano pelo Dicionário de Oxford, “pós-verdade” teve sua primeira definição formal indicada como sendo um adjetivo “relacionado a ou denotando circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que apelos à emoção e à crença pessoal” (Mcintyre, 2018, p. 5). Longe de produzir consensos, trata-se de um conceito multifacetado e interdisciplinar, pois congrega elementos da comunicação, política, psicologia, filosofia e educação. O próprio Lee Mcintyre (2018) ressalta que a “pós-verdade” tornou-se um campo de discussão envolvendo complexas e conturbadas polêmicas, tais como: negacionismo científico, hiperpolarização política, mídias sociais, bolhas online e pós-modernidade.

No primeiro capítulo de seu livro, D’Ancona (2018) apresenta a problemática da pós-verdade, tomando como base a vitória de Trump e o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, iniciado após o desfecho do referendo que consultou os cidadãos ingleses sobre a desvinculação. De acordo com o autor, nenhum dos acontecimentos são o marco inicial da pós-verdade, pois essa está menos associada à inclinação crescente da imprensa e dos políticos ao falseamento ou à distorção da realidade somadas às transformações no modo como o público lida com essa tendência. Dito de outra forma, trata-se de uma alteração da percepção e do comportamento das pessoas no sentido da primazia da verdade como princípio estruturante da sociedade e das decisões de interesse público e privado. Conforme ressalta o próprio autor, as pessoas comuns que outrora se indignavam ou eram vítimas e alvos passivos, hoje se tornam indiferentes, coniventes, ativos e alimentam os processos que dão forma à pós-verdade.

No entender de D’Ancona (2018), a erosão da confiança constitui um dos principais pilares da pós-verdade, proporcionada pela perda da credibilidade da política partidária e da imprensa. A existência de uma espécie de conluio entre governo e grande mídia para ludibriar a população, fez surgir uma espécie de “ceticismo neurótico” em relação ao jornalismo institucionalizado e à esfera política e, com isso, abriu espaço para a emergência de um populismo maniqueísta, polarizado e com forte apelo emocional. A erosão da confiança é somada com a ascensão e a consolidação do acesso e a popularização da web (redes sociais). Com isso tem-se o aumento exponencial na oferta de informações e a queda inversamente proporcional da qualidade e confiabilidade dos conteúdos.

A “paranoia conspiracionista” e o “negacionismo científico” são abordados por D’Ancona (2018) como dois fenômenos que tendem a operar de forma integrada no contexto da pós-verdade. Tanto o “movimento antivacina”3 quanto a “negação do holocausto”,4 apesar de suas diferenças, compartilham princípios como a fundamentação pseudocientífica produzida por “especialistas” que manipulam inescrupulosamente métodos e instrumentos de investigação para defender ideias e procedimentos obscuros que são popularizados estrategicamente por formadores de opinião, que por meio da cultura digital e das redes sociais, capturam a atenção dos seguidores.

O presente ensaio trata da problemática da pós-verdade, do desafio da educação como conversação no tempo do esquecimento da verdade e de que forma a filosofia desinflacionada se apresenta como uma perspectiva potente para enfrentar tal problemática. O ensaio está organizado em três momentos: inicialmente, apresentaremos algumas reflexões sobre o problema da educação na era da pós-verdade e do pós-fático; depois, trataremos da questão da conversação na perspectiva filosófica rortiana; e, por fim, abordaremos a possível relação entre educação e conversação como forma de enfrentar o problema da verdade.

A educação na era da pós-verdade e do pós-fático

Dentre as questões filosóficas com forte presença na educação, a que trata da verdade talvez seja a mais instigante e desafiadora. Especialmente hoje, quando se propala a entrada na era da pós-verdade e do pós-fático, essa questão revela-se imprescindível para a compreensão e para a realização dos processos formativos. Para a Filosofia, ela é uma questão central e permanente. Raros são os filósofos que dela não se ocuparam, em diferentes contextos e momentos históricos. Desde o surgimento da filosofia, a questão da verdade ocupa uma posição central especialmente nas reflexões éticas e epistemológicas. Na filosofia atual, ela se torna ponto de encontro e de desencontro entre posições múltiplas e diversas. Assim, de Heráclito e Parmênides à Michel Foucault e Harry Frankfurt, a tradição filosófica faz da verdade um tema de investigação, onde não raro o debate passa a ser dominado pela controvérsia, quando não pela divergência, mas também pelo reconhecimento, pela aceitação e pelo acordo. Longe de negar sua importância, até mesmo as posições céticas e relativistas de outrora e de hoje, especialmente críticas em relação ao tratamento do tema, parecem não ter dúvida quanto ao poder prático e conceitual que a questão da verdade adquire na experiência do pensar e na constituição da possibilidade da convivência social. Defendê-la a qualquer preço, sempre pareceu e continua a ser muito problemático. Despedir-se dela, no entanto, não pareceu nem parece ser desejável, quando consideradas as possíveis consequências do seu desaparecimento no horizonte do pensamento e da ação humana. Antes de sua defesa inconteste ou da sua expulsão imediata, a questão da verdade reclama atenção permanente e investigação criteriosa. Desse modo, tanto àqueles que afirmam sua necessidade imperiosa para a própria sua constituição no campo da filosofia teórica e da filosofia prática, quanto àqueles que negam de modo veemente sua importância e pretendem se livrar dela imediatamente, a questão da verdade acaba por se impor como uma pergunta central para o pensamento filosófico e, como tal, passa a ser um elemento indispensável para pensar os processos formativos no campo da Educação.

A questão da verdade voltou à cena filosófica das últimas décadas em razão da sua pretensa negação, operada em grande medida pela onda intelectual chamada de pós-modernista, ambiente fecundo para a produção de neologismos como pós-verdade e pós-factualidade. Na esteira da acertada crítica radical à mentalidade instaurada pelo pensamento moderno, quase que exclusivamente centrado na racionalidade científica, e na repetição inconsequente do clássico bordão negacionista de que não há fatos, mas somente interpretações, o surgimento da noção de pós-verdade conseguiu aglutinar os anseios estetizantes dos descontentes com os rumos da civilização ocidental, que teriam preferido tornar irrelevante a realidade objetiva (factual) ante a força das crenças e das perspectivas subjetivas e individuais. Nessa diferença de posições teóricas e práticas reside o núcleo duro do debate intelectual entre os modernos e os pós-modernos; um debate que, na verdade, parece ter se tornado nas últimas décadas quase um diálogo de surdos, quando não o ambiente propício para a consolidação de múltiplas formas de polarização.

No clima do debate acerca da pós-verdade, o retorno à pergunta pela relevância da verdade surge como resposta à tentativa de afirmação da indiferença frente à distinção entre a verdade e a falsidade (a mentira) e na propagação de uma cultura intelectual (invariavelmente midiática) na qual se realiza de modo efetivo e eficiente a manipulação de opiniões e de atitudes, sem levar em consideração se o que está sendo afirmado é verdadeiro ou falso (mentiroso). Em sua provocativa plaqueta Sobre falar merda, Frankfurt (2005) mostra que para a manutenção da vida em sociedade é muito mais perigoso e prejudicial falar bobagens do que mentir. Para Frankfurt, a prática de falar bobagens atingiria em cheio o campo da comunicação, de modo especial a propaganda e o marketing, mas também afetaria substancialmente o campo da política. Thomas Kesselring (2014), no entanto, avança ainda mais na crítica à posição frankfurtiana, mostrando como essa prática fomenta a desresponsabilização e pode, desse modo, atingir em cheio o campo da educação, colocando em risco ou mesmo impedindo a realização dos processos formativos.

De acordo com Frankfurt, uma das principais causas do falar bobagens está na grande difusão de “várias formas de ceticismo, que negam o fato de que possamos ter acesso confiável a uma realidade objetiva e rejeitam, portanto, a possibilidade de sabermos como as coisas realmente são” (Frankfurt, 2005, p. 65-66). É verdade: nossa realidade é perspectivista; por isso, ela se mostra diferente desde perspectivas diversas. Mas as perspectivas são constituídas a partir das nossas percepções, que dependem das nossas experiências e das nossas concepções. Desse estado de coisas concluir que a multiplicidade de perspectivas impediria a construção um acesso confiável à realidade e, portanto, que não poderíamos nem mesmo usar o conceito de verdade, seria no mínimo uma falácia. Sim, existem inúmeras perspectivas diferentes. Vivemos o tempo da pluralidade teórica e das formas de vida. Talvez possamos mesmo afirmar que é necessário respeitar todas as perspectivas. Mas também é certo que podemos, até um certo ponto, coordenar grande parte delas! Tudo o que sempre sabemos sobre a realidade deve-se a uma coordenação de diferentes pontos de vista colocados em relação. Isso mostra que a posição perspectivista tem valor, mas que a posição relativista deve ser ela mesma relativizada. Se não existisse a verdade, também a frase que afirma isso não seria verdadeira. Assim, falar bobagem parece ser uma consequência da aceitação da validade de afirmações como “toda e qualquer pretensão de verdade é um absurdo” ou “toda verdade é historicamente condicionada”. Todas essas afirmações fazem referência também a si mesmas e trazem consigo também suas próprias pretensões de verdade e veracidade! Se alguém afirma, pois, que todo conhecimento perde validade cada vez mais rapidamente, então também perde validade cada vez mais rapidamente também o conhecimento sobre o fato ao qual se refere essa afirmação. E a aceitação de que tudo é relativo, leva o relativista a uma posição na qual ele refuta a si mesmo.

Diante desse cenário, nem sempre amigável para a discussão e o debate, parece inevitável que se recoloque uma vez mais, como o faz a Filosofia, desde tempos imemoriais, a pergunta sobre a verdade. Afinal, em que consiste a verdade? De que se trata quando se fala da verdade? É inevitável que ao querer abordar essa questão, se faz necessário primeiro esclarecer, mesmo que de modo provisório, sobre o que realmente estamos falando. O surgimento da questão da verdade no campo das preocupações humanas parece estar associado ao pressuposto ontológico implícito na pergunta “como as coisas de fato são?” Daí que o horizonte sobre o qual a questão da verdade se põe é aquele próprio ao sentido do ser. Ela constitui, por assim dizer, o núcleo em torno do qual se articulam praticamente todas as nossas concepções sobre a realidade e o modo como organizamos e damos sentido à nossa vida. Assim, o que parecia ser apenas um problema epistemológico, por demandar uma pergunta sobre o sentido e a validade do conhecimento, transforma-se em problema ético, por estar associado à pergunta sobre os fundamentos da ação. Mais que isso, a verdade está profundamente vinculada à ontologia. Trata-se talvez da questão ontológica em sua radicalidade. Está, portanto, intrinsecamente ligada não somente ao modo como compreendemos nossos conceitos, nossos valores e nossas ações, mas também ao modo como compreendemos a realidade e como nos constituímos nela. Por isso, enquanto núcleo duro da ontologia, ela tem implicações imediatas sobre nossas concepções epistemológicas, éticas e comportamentais. Dito de outro modo, a questão da verdade ultrapassa o limite do discurso lógico-semântico – no qual é possível distinguir o verdadeiro e o falso – para se constituir em condição de possibilidade da ética e das práticas discursivas – onde é possível falar em retidão. Ela não está restrita, portanto, ao campo da epistemologia, nem é somente indispensável no campo da ética, mas constitui a própria base ontológica que torna possível compreender a pergunta pelo próprio ser. Por conseguinte, toda perspectiva traz consigo pressupostos ontológicos em cuja base se assentam as asserções e os enunciados que a expressam. Tarefa crítica da filosofia é mostrar as condições de possibilidade e de validade que permitem que façamos afirmações (verdadeiras ou falsas) sobre o mundo, fornecendo assim uma espécie de garantia de sentido ao que dizemos e ao que entendemos ser a realidade.

Assim, compreendida desde uma perspectiva ontológica, a questão da verdade desdobra-se e se apresenta de múltiplos modos. Já para os gregos antigos, formuladores de um programa de investigação racional para a compreensão da realidade, as perguntas filosóficas mais radicais eram formuladas de modo a buscar esclarecer “O que é o ser?”, “qual o sentido do ser?”, “como as coisas de fato são?”. As múltiplas tentativas de responder a essas perguntas, implicavam de algum modo a aceitação da diferença entre o verdadeiro e o falso, a constituição de juízos de fato e de valor. Por isso, a posição frankfurtiana vem corroborar o argumento em favor de uma realidade objetiva, constituída na relação de troca intersubjetiva e na avaliação do valor das nossas perspectivas. Assim, se torna evidente que ao dizermos não ser possível dizer como as coisas de fato são, entramos no pântano linguístico da autocontradição performativa. Quando se consegue desenredar a distinção entre verdadeiro e falso, porém, pode-se então seguir adiante desarmando as armadilhas da linguagem e fazendo outras distinções valorativas. As consequências teóricas e práticas disso parecem especialmente importantes não somente para a área da comunicação e da política, mas também – e talvez com maiores consequências – para a área da educação.

No entanto, uma concepção pragmática de verdade, como aquela apresentada por Frankfurt, não tem a pretensão de responder de modo absoluto a essas perguntas. Ela está muito mais enraizada às condições do nosso saber contingente sobre o que compreendemos como sendo genuinamente objetivo em nossas conversações e se realiza nas relações de troca conceitual e nas práticas fundadas em nossos juízos valorativos. Embora as propriedades da realidade e a verdade das nossas proposições sobre essas propriedades possam ser o que são, independentemente de nossos desejos e de nossas vontades, a pretensão de validade de nossas afirmações constituídas na conversação revela, por um lado, a contingência inerente à historicidade do processo de constituição do nosso conhecimento e, por outro, o reconhecimento do caráter provisório das nossas afirmações, dos nossos enunciados sobre a realidade.

Assim, o campo da Educação parece ser o cenário ideal para discutir a relevância da questão da verdade para o êxito da conversação enquanto prática pedagógica e realização dos processos formativos. Desse modo, a verdade não representa unicamente meta epistêmica; ela é, antes de tudo, uma pré-condição, uma base sobre a qual pode ser edificar e realizar a conversação. Disso decorre que a relação entre a verdade e a conversação vai além do falso debate que pressupõe, por um lado, a precedência da verdade para instauração a conversação e, por outro, a pressuposição de que a conversação é a pré-condição para a constituição da verdade. O movimento dinâmico da produção do conhecimento pode indicar, no entanto, que não há verdade que não seja resultante do debate permanente que se realiza historicamente. Nesse sentido, a verdade é sim filha do tempo; é uma construção cultural. No entanto, esse mesmo movimento de desenvolvimento do conhecimento indica que a conversação depende de condições prévias sobre as quais se estabelece o debate em torno da verdade. Nenhuma conversação, nenhum debate, nenhuma discussão parte de um grau zero de conhecimento. Toda conversação se inicia tendo presente um horizonte de asserções e posições que implicam de algum modo uma referência que, mesmo quando falsa, está comprometida com a verdade. Por isso, a conversação pode fazer frente aos problemas que vivenciamos em uma época em que muitos parecem não ter apreço pela questão e pela importância da verdade pode significar compactuar com a desresponsabilização associada à criação de bobagens e fake news, com a fraude e o embuste, com a impostura intelectual.

As reflexões abordadas até aqui nos instigam a retomar o debate sobre a questão da verdade com Richard Rorty, filósofo neopragmatista americano, que desde a publicação de seu livro Philosophy and the mirror of nature (1979) [A filosofia e o espelho da natureza] (1994), quer deixar para trás, defintivamente, as metáforas visuais e especulares que sustentam o modo dominante de conceber o conhecimento. Na perspectiva rortiana, isso significa não mais pensar a filosofia como aquela que apresenta fundamentos ou verdade objetiva, mas como algo reativo, edificante, que possibilita continuar a conversação e com isso redescrever o mundo.

A conversação e o fim da filosofia

Ao concluir Philosophy and the mirror of nature [A filosofia e o espelho da natureza], Richard Rorty declara ter oferecido em seu livro “a sort of prolegomenon to a history of epistemology-centered philosophy as an episode in the history of European culture” (1979, p. 390). Essa afirmação poderia parecer, por um lado, demasiadamente modesta, porque um prolegômeno é, primeiramente, um texto que serve para introduzir alguém a um determinado assunto, tema ou questão filosófica; mas, por outro lado e pela mesma razão, essa afirmação poderia se revelar demasiado pretensiosa, pois ao usar esse termo o autor pareceria pretender fornecer a chave necessária para a interpretação desse tema, visando quiçá uma resposta à questão. Nisso residiria então o amplo poder explicativo do livro de Rorty para todo aquele que quisesse compreender o amplo escopo da filosofia. Não seria, portanto, um prefácio nada modesto. Além disso, essa declaração sobre o pretenso objetivo do livro também poderia ser vista, e nesse caso mal interpretada, como uma tentativa de apresentar uma imagem reducionista da filosofia, pois Rorty não somente contextualiza a experiência do filosofar em um horizonte histórico e cultural demasiado amplo e aberto, mas também a circunscreve a um terreno específico, apresentando-a como uma produção intelectual que se realiza a partir de uma única perspectiva disciplinar marcada pela forte presença da epistemologia. E esse será exatamente o ponto de partida de Rorty; mas, como pretendemos mostrar, não seu ponto de chegada.

Como vemos, uma simples declaração pode suscitar muitas possibilidades de interpretação. Por isso, também aqui é preciso ter muita cautela e todo cuidado com as afirmações e os julgamentos, porque em sua simplicidade, muitas vezes, as aparências simplesmente enganam.

Considerada como uma tentativa de apresentar o objetivo específico do livro a partir de uma cuidadosa reconstrução histórico-conceitual da experiência filosófica realizada especialmente na modernidade, a declaração de Rorty merece ter um tratamento mais acurado, exatamente pelo significado que a linguagem, o contexto e o papel das disciplinas desempenham na construção dos argumentos rortianios em favor da transformação da filosofia. Examinar isso mais de perto pode nos ajudar a compreender melhor, não somente o valor e o significado que seu livro adquire no contexto cultural e no cenário filosófico bem determinado das duas últimas décadas do século passado, mas também o processo de transformação radical do conceito de filosofia e do sentido que o filosofar ainda pode assumir em nosso tempo e que desafios podem ser redesenhados para a educação

Não precisamos discutir aqui as razões do êxito do livro de Rorty, uma vez que, a favor ou contra, muito já se escreveu sobre ele. Mas é preciso destacar que sua força persuasiva reside certamente no poder crítico do pensamento e na clareza da linguagem daquele que foi um dos maiores pensadores americanos do século passado. Seu mérito foi ter mostrado como, nos últimos quatro séculos, a filosofia assumiu gradativamente o papel de juiz em relação às demais disciplinas, transformando-se, por assim dizer, em uma espécie de tribunal da cultura, porque ela foi atribuindo para si mesma uma compreensão privilegiada da natureza do conhecimento e da mente. Assim, ela teria dado ao filósofo as credenciais de um exímio – e talvez único – especialista na tarefa de produzir representações privilegiadas e de conhecer o conhecimento. Por isso, é incontestável a valorização que Rorty faz da epistemologia como a disciplina central da filosofia moderna, mas é também indubitável a validade da crítica à epistemologia que ele apresenta em seu livro.

Se a avaliação de Rorty estiver correta, devemos concordar que o desenvolvimento recente da filosofia esteve vinculado aos esforços da epistemologia, mas especialmente à dinâmica da produção cultural, que envolveu os mais variados âmbitos do saber, da arte à literatura, da economia à política. No entanto, em razão das investigações realizadas pelo espírito científico moderno, que criou novas disciplinas e abriu novos horizontes de compreensão, seu avanço foi incontestável. Assim, o que quer que entendamos com a expressão mundo moderno, ela não seria realmente compreendida sem considerar, de modo particular, o desenvolvimento das artes e o surgimento de uma concepção particular da ciência, como um modo específico de investigar, conhecer e transformar a natureza. O advento da modernidade parece estar invariavelmente associado, por um lado, à introdução de uma forma própria de racionalidade matemática, na qual ganha destaque a invenção da perspectiva, a geometrização do mundo e o cálculo probabilístico, cujas aplicações se mostraram altamente produtivas e inovadoras tanto na arte quanto na ciência, na técnica e, poderíamos acrescentar na própria educação.

Em suma, recusando a ideia de uma filosofia epistemologicamente centrada, vigente e predominante de modo especial nos últimos cinco séculos, Rorty acaba por elaborar uma crítica radical ao pensamento filosófico moderno e propõe um novo modo de compreender a experiência do pensar filosófico como um diálogo aberto e permanente. Nesse sentido, a partir de Rorty, a filosofia somente pode ser compreendida como uma produção racional carregada de historicidade. Ao assumir o caráter histórico e contingente que marca toda experiência do pensar, Rorty realiza assim uma virada hermenêutica que identifica na conversação o fim primeiro e último da filosofia. Filosofar consiste, portanto, em levar adiante esse instigante processo de conversação.

Educação como conversação

Em uma conferência proferida em 2000 na Universidade de Heidelberg, por ocasião do centenário de Hans-Georg Gadamer, Rorty transformou em slogan de uma nova identidade para a filosofia a frase do homenageado: “O ser que pode entender-se é linguagem”. Para Rorty, tal slogan “não é um descobrimento metafísico acerca da natureza do ser. É uma nova descrição do processo que chamamos ‘aumentar nossa compreensão’” (2002, p. 125-126). Na interpretação rortiana, o processo de entendimento, desde os gregos até o nosso tempo, tem sido descrito habilmente com a ajuda da metáfora falocêntrica5 da profundidade: “Quanto mais profundo e penetrante é nosso entendimento de algo, dizem essas explicações, estamos longe da aparência e mais perto da realidade” (2002, p. 126). Adotar a perspectiva gadameriana significaria, para Rorty, substituir as metáforas de profundidade (falocêntrica, na expressão heideggeriana) pelas metáforas de amplitude, ou seja, “quanto mais descrições estejam disponíveis, e quanto mais integradas estiverem, melhor é nosso entendimento do objeto identificado por essas descrições” (2002, p. 126). Rorty concebe nessa perspectiva o núcleo de sua própria proposta de filosofia como conversação e redescrição do mundo, ou seja, não é papel da filosofia indicar o vocabulário correto capaz de identificar a verdadeira realidade dos objetos ou o verdadeiro entendimento, mas possibilitar o diálogo enquanto conversação.

O conhecimento, nessa abordagem, não é mais concebido como a descoberta de uma essência que pode ser descrita por filósofos ou cientistas, mas como direito de acreditar, levando em consideração o momento em que vivemos, na possibilidade de compreendermos algo. Agindo dessa forma, justifica Rorty, “estaremos no caminho de ver a conversação como contexto último dentro do qual o conhecimento pode ser compreendido” (1994, p. 382). Assim, as questões contemporâneas da filosofia não passariam de “eventos em um certo estágio da conversação – uma conversação que outrora nada sabia sobre essas questões e pode novamente nada saber sobre elas” (1994, p. 383). Platão teria iniciado uma conversação na Grécia clássica a partir de certos tópicos. Talvez os tópicos de Platão não sejam mais os tópicos que precisam ser discutidos, mesmo porque a conversação que Platão começou foi ampliada por mais vozes, que ele próprio sequer poderia imaginar.

A posição de Rorty é de que o filósofo não pode mais ser considerado como alguém que tem uma qualidade especial de conhecimento sobre o conhecimento. “Abandonar a noção do filósofo como conhecendo algo sobre o conhecer que ninguém conhece de modo pleno”, reforça Rorty, “seria abandonar a noção de que sua voz sempre tem pretensão dominante à atenção dos outros participantes da conversação” (1994, p. 384). Essa posição rortiana tem uma certa proximidade com a posição de Habermas, expressa no texto “A filosofia como guardadora de lugar e intérprete”.6 Neste texto, Habermas (1989, p. 17-35) situa a virada pragmatista de Rorty no conjunto de uma recapitulação histórica de autocrítica do pensamento alemão do século XX a partir de cinco passos: (i) inicia com a crítica de Hegel ao fundamentalismo de Kant (crítica que substitui o modo de fundamentação transcendental pelo modo de fundamentação dialético); (ii) critica ambos os modelos de fundamentação (analisando a autocrítica de ambos os modelos); (iii) examina a “crítica mais radical” feita pelo pragmatismo e pela hermenêutica dirigida tanto a Kant quanto a Hegel; (iv) analisa “o adeus à filosofia” a partir das formas terapêutica (Wittgenstein), heróica (Heidegger) e salvífica (hermenêutica); e, (v) por fim, defende a sua própria tese “de que a filosofia, mesmo quando se retrai dos papéis problemáticos do indicador de lugar e do juiz, pode – e deve – conservar sua pretensão de razão nas funções mais modestas de um guardador de lugar e de um intérprete” (1989, p. 20). Apesar de pontos divergentes, “salta aos olhos” a semelhança argumentativa de ambos os autores quanto à necessidade de reservar uma posição mais modesta da filosofia e, necessariamente, do filósofo diante dos demais saberes.

Habermas reconhece que tanto a filosofia pragmatista quanto a filosofia hermenêutica situaram sua crítica “nas pretensões de fundamentação e autofuntamentação do pensamento a nível mais profundo do que os críticos7 que se colocam na linhagem de Kant e de Hegel” (1989, p. 24). A crítica foi mais profunda porque, na avaliação de Habermas, tanto a filosofia pragmatista quanto a filosofia hermenêutica abandonaram o horizonte no qual se moveu a filosofia da consciência com seu modelo do conhecimento baseado na percepção e na representação de objetos. Nas palavras do próprio Habermas:

No lugar do sujeito solitário, que se volta para objetos e que, na reflexão, se toma a si mesmo por objeto, entra não somente a ideia de um conhecimento lingüisticamente mediatizado e relacionado com o agir, mas também o nexo da prática e da comunicação cotidianas, no qual estão inseridas as operações cognitivas que têm desde a origem um caráter intersubjetivo e ao mesmo tempo cooperativo. […] As dimensões do agir e do falar não devem sr simplesmente pré-ordenadas à cognição. Ao contrário, a prática finalizada e a comunicação lingüística assumem um outro papel conceitual-estratégico, muito diferente do que tocara à auto-reflexão na filosofia da consciência (1989, p. 25).

Rorty radicaliza essa crítica de Habermas à filosofia da consciência em favor de uma filosofia pragmatista dizendo que não devemos somente abandonar a noção do filósofo como “conhecendo algo sobre o conhecer”, mas também a noção de que existe algo chamado “método filosófico” ou “técnica filosófica”, ou “ponto de vista filosófico”, que capacita o filósofo profissional, ex officio, a ter visões interessantes sobre, digamos, a respeitabilidade da psicanálise, a legitimidade de certas leis dúbias, a resolução de dilemas morais, a “sanidade” das escolas de historiografia ou crítica literária, e assim por diante. Posições como essas fazem de Rorty um pensador a ser odiado, principalmente pelos filósofos profissionais que acreditam (ou talvez almejam) ter um lugar de destaque entre os participantes de uma conversação.

Na abordagem rortiana, o amor à sabedoria e o amor à verdade, considerados lemas cativos da autoimagem da filosofia, não deveriam mais ser pensados como uma compreensão correta de “como as coisas são em si mesmas”, independentemente das necessidades e dos interesses dos seres humanos. “Tal como eu o vejo”, justifica Rorty, “o amor à verdade, o amor à sabedoria, não deveria ser pensado como amor à compreensão correta das coisas, se isso quer dizer conforme a maneira como as coisas são em si mesmas, com independência das necessidades e interesses humanos” (2002, p. 102). O amor à verdade e o amor à sabedoria deveriam ser compreendidos como amor à conversação sobre os mais variados temas, que poderão nos trazer resultados positivos e valiosos. Assim, as ciências naturais, na filosofia de Rorty, não “descobrem a maneira única e determinada de como é realmente o mundo” (2002, p. 102), pois a finalidade da investigação “é encontrar múltiplas descrições do mundo, cada uma das quais se ajusta a um de nossos muitos propósitos humanos” (2002, p. 103).

As descrições que fazemos do mundo, assim como as descrições feitas pela ciência sobre determinados objetos de investigação, nessa perspectiva rortiana, não devem ser tomadas como “fotografias” a serem contempladas, ou como uma “representação precisa da ordem natural das coisas” (2002, p. 112); ao contrário disso, devem ser compreendidas como “ferramentas”, como crenças mais ou menos confiáveis para determinados propósitos. As ferramentas são avaliadas segundo a sua utilidade prática e permitem-nos agir sobre uma determinada realidade, não simplesmente contemplá-la. Assim, o amor à sabedoria e o amor à verdade são substituídos pela busca de crenças mais confiáveis ou de ferramentas mais úteis. “As crenças que chamamos ‘certas’”, diz Rorty, “são as que parecem mais confiáveis a determinados propósitos que qualquer outra crença alternativa das que têm se apresentado até o momento” (2002, p. 113).

Ao dizer que as descrições que fazemos do mundo não são “fotografias” a serem contempladas, mas, sim, “ferramentas” que nos permitem agir sobre determinada realidade, Rorty adverte que assumir essa posição “pragmatista” não significa dizer que os defensores do pragmatismo desprezam ou descartam a verdade, mas, sim, que a verdade não é um substantivo com letra maiúscula ou um nome que designa uma ordem natural não humana. “Para os pragmatistas”, diz ele, “o adjetivo ‘verdadeiro’ é uma ferramenta perfeitamente útil, porém o uso do substantivo ‘verdade’ como nome de um objeto de desejo é uma relíquia de outra época: a época que acreditávamos que existia uma ordem natural a ser entendida” (2002, p. 113). As implicações educacionais dessa posição neopragmática rortiana são incrivelmente instigantes. Trata-se de pensar tanto o fazer pedagógico quanto o agir pedagógico não mais como verdades a serem “desveladas”, mas como ferramentas a serem mais bem utilizadas. O fazer pedagógico e o agir pedagógico8 convertem-se, nessa perspectiva, em uma “ação praxiológica” voltada à resolução de problemas cotidianos, impulsionada a projetar, imaginativamente, novas utopias e prospectiva à ampliação de horizontes educacionais.9 Nessa abordagem, a educação não se resume a efetivar processos de instrução, ou de ensino e aprendizagem, mas abarca todos os processos de criação de condições para o desenvolvimento de vocabulários capazes de pensar novos projetos educacionais, novas relações de poder, novas possibilidades estéticas, novas redescrições de mundo.

Promover espaços de conversação é promover a problematização e a investigação ancorada na tradição, porém lincada com os problemas e os desafios presentes e com vistas ao futuro, possibilitando a redescrição. Nesse sentido, o mais importante seria a discussão do construído a partir de um novo vocabulário, de um novo modo de estabelecer relações entre aquilo que herdamos e problemas concretos que enfrentamos, estimulando novos modos de dizer, compreender e agir. Tal exercício tornaria mais significativo o processo educacional, ao invés de apenas buscar acomodar verdades políticas, morais e intelectuais. Rorty (1994, p. 353) afirma que se levarmos em consideração o processo educacional “o modo como as coisas são ditas é mais importante que a posse de verdades”, assim como, estar de posse de alguns fatos “é propedêutico para encontrar um modo novo e mais interessante de nos expressar e, dessa forma, de lidar com o mundo”. Desse modo educação, conversação e redescrição andariam juntas e desafiariam pedagogicamente e politicamente o processo educacional. Talvez por isso devêssemos tentar substituir uma educação sistemática que procura somente explicar e inculcar conhecimentos e valores a partir dos quais é possível compreender todas as coisas e agir corretamente, e devêssemos pensar uma educação edificante, que promovesse a conversação entre as diversas áreas do saber, as experiências dos sujeitos e os problemas do passado, do presente e da projeção do futuro, possibilitando a interface produtiva e problematizadora entre modos diferentes de ver, agir e propor, criando assim as condições de possibilidade para a redescrição de mundo e a edificação dos sujeitos.

Considerações finais

Um olhar apressado e pouco atento às reflexões que construímos no presente ensaio pode criar a impressão de que, por um lado, a forma como Frankfurt apresenta a questão da verdade por uma via pragmática e instrumental não se coaduna com o pensamento e o projeto rortiano e que, por outro lado, o modo como Rorty aborda a conversação converge com uma ideia de pós-verdade ou pós-fáctico. Não faltariam críticos de ocasião para endossar essa impressão, principalmente se inventariarmos as distintas tradições que tem acusado o neopragmatismo de Rorty como sendo um defensor do relativismo, da pós-modernidade, do pós-fundamento, pós-representação etc. Não nos parece que tais “rótulos” ajudam a avançar na discussão da problemática que arrolamos no presente ensaio. Pensamos que é mais coerente e desafiador destacar os pontos de convergência entre as posições de Frankfurt e de Rorty.

O tema da verdade é recorrente nos escritos de Rorty. Desde A filosofia e o espelho da natureza, passando por Consecuencias del pragmatismo, Contingência ironia e solidariedade, Objetivismo relativismo e verdade, Escritos sobre Heidegger e outros, Verdade e progresso, além de outros artigos, o tema da verdade ocupa centenas de páginas e, na nossa interpretação, é um dos temas centrais dos quais se desdobram as outras questões do seu pensamento.

No artigo “Verdade sem correspondências com a realidade”10 (Rorty, 2000), após fornecer uma visão panorâmica do lugar de John Dewey na história intelectual americana, Rorty faz uma interpretação da “doutrina pragmatista da verdade”. Em sua análise, tal doutrina integra um programa mais amplo, que é “o de substituir os dualismos gregos e kantianos da estrutura permanente e conteúdo transitório pela distinção entre passado e futuro” (Rorty, 2000, p. 34). Tal operação resultaria em substituir a certeza pela esperança; a justificação dos costumes passados e da tradição com base em uma estrutura imutável pela ideia de que o futuro pode ser mais satisfatório que o presente.

Uma das críticas endereçadas à doutrina pragmatista da verdade, principalmente na formulação dada por Willian James é de que “os pragmatistas confundem a verdade, que é absoluta e eterna, com a justificação, que é transitória, porque é relativa a uma audiência” (Rorty, 2000, p. 35). A resposta sugerida por alguns pragmatistas (entre eles Dewey e Davidson) é que pouco há para ser dito sobre a verdade e que os filósofos deveriam, explicita e conscientemente, restringir-se à justificação, ao que Dewey chamava de “assertibilidade garantida” (Rorty, 2000, p. 35). Rorty concorda com essa estratégia por acreditar que, assim como Dewey e Davidson, devemos desistir da ideia de que “o conhecimento é uma tentativa de representar a realidade”. “Ao invés disso”, argumenta Rorty, “deveríamos ver a investigação como uma maneira de usar a realidade. Assim, a relação entre nossas afirmações verdadeiras e o resto do mundo é causal ao invés de ser representacional: ela causa em nós a manutenção de certas crenças, e nós mantemos as crenças que se provam como guias confiáveis para conseguir o que queremos” (2000, p. 37).

Assumir tal concepção implica substituir a busca da certeza pela busca da imaginação e admitir que a filosofia deveria desistir de tentar oferecer segurança, passando a encorajar a autoconfiança. “Dizer a uma pessoa que ela deve substituir o conhecimento pela esperança”, complementa Rorty, “é dizer que ela deve parar de se preocupar se suas crenças estão bem fundamentadas, e começar a se preocupar em tornar-se imaginativa o suficiente para criar alternativas interessantes para suas crenças atuais” (Rorty, 2000, p. 38). Significa, em outras palavras, desistir da ideia kantiana de que “há uma natureza do conhecimento humano”, ou “o escopo e os limites do conhecimento humano”, ou, ainda, “a situação epistêmica humana”, que deve ser estudada e descrita pelos filósofos.11 Rorty concorda com Pierce e com Dewey na ideia de que não deveríamos gastar nosso tempo procurando algo interessante sobre a conexão entre justificação e verdade. Em suas próprias palavras: “Não há nenhuma atividade chamada ‘conhecimento’, que tem uma natureza a ser descoberta […]. O que há é simplesmente o processo de justificar crenças para uma audiência”12 (Rorty, 2000, p. 41-42).

Na sequência da argumentação, Rorty explicita melhor as razões pelas quais as afirmações “não existe nenhuma conexão entre justificação e verdade” e “não existe a verdade como o fim da investigação” podem causar uma certa estranheza. Essa estranheza é decorrente da concepção de que existe um fundamento último (perspectiva do “olho de Deus”, ou do “tribunal da razão”) ao qual a justificação precisa prestar contas. Para Rorty, assumindo uma certa perspectiva darwiniana, “não podemos dar mais sentido à ideia de um tribunal” que dê justificação de crenças novas com velhos termos. “A evolução biológica”, complementa, “produz sempre espécies novas e a evolução cultural produz sempre audiências novas, mas não algo como a espécie que a evolução tem em mente, do mesmo modo que não há algo como o ‘fim da investigação’” (Rorty, 2000, p. 45).

Para Rorty, uma das maneiras de evitar a acusação feita aos pragmatistas de que confundem justificação com verdade é reverter a acusação no sentido de que “confusão” ocorre quando pensamos na verdade como algo a ser alcançado proporcionalmente ao grau de justificação. Na perspectiva dos pragmatistas, diz Rorty, “não há nada genérico a ser dito sobre a natureza ou os limites do conhecimento humano, nem sobre uma conexão entre justificação e verdade” (Rorty, 2000, p. 45-46), assim como não podemos predizer o futuro da evolução sociocultural com os parcos dados de que dispomos hoje, ou com os dados oferecidos pelo passado. A investigação, nesse sentido, deixa de ter a pretensão de encontrar a verdade e passa a ser a busca da adaptação e, em particular, a busca da justificação e do acordo com nossos companheiros humanos.

No artigo “Um mundo sem substâncias ou essências”, Rorty (2000) realiza uma certa complementaridade de seu artigo “Verdade sem correspondências com a realidade”. Ele inicia lamentando o fato de não haver uma ligação mais consistente entre a filosofia continental e a filosofia analítica. Em sua abordagem, haveria “consideráveis intersecções” entre as duas tradições que poderiam resultar em algo produtivo para o pensamento do nosso tempo. Uma dessas interseções poderia ser traduzida pelo antidualismo que se faz presente nas duas tradições em filósofos como Willian James e Frederich Nietzsche, Donald Davidson e Jacques Derida, Hilary Putnam e Bruno Latour, John Dewey e Michael Foucault. Todos eles, a seu modo, comenta Rorty, “estão tentando se desvencilhar das influências dos dualismos metafísicos típicos, que a tradição filosófica ocidental herdou dos gregos: as distinções entre essência e acidente, substância e propriedade, aparência e realidade” (Rorty, 2000, p. 56). Uma das consequências dessa postura antidualista permite superar a distinção entre sujeito e objeto, assim como deixar de lado “a teoria da verdade como correspondência”, conforme já foi explicitado nos parágrafos anteriores.

Esse movimento antidualista e antimetafísico tem recebido vários rótulos, dentre os quais se destacam: “existencialismo, desconstrução, holismo, pragmatismo, pós-estruturalismo, pós-modernismo, wittgensteinianismo, anti-realismo e hermenêutica” (Rorty, 2000, p. 56-57). Por “razões meramente patrióticas” Rorty opta pelo pragmatismo como indicativo para traçar sua argumentação antidualista, antiessencialista e antimetafísica. Slogans do tipo “toda consciência é um fato lingüístico” (cunhado por Sellars) ou “tudo é uma construção social” (tendo Foucault como ponto de partida), na interpretação de Rorty, “são maneiras de dizer que nunca seremos capazes de pisar do lado de fora da linguagem, nunca seremos capazes de compreender uma realidade que não seja mediada por uma descrição lingüística” (Rorty, 2000, p. 57). Essas “maneiras de dizer” são, para Rorty, um modo de desvencilharmo-nos da metafísica dualista que remonta a Platão e que permanece nos tempos modernos na distinção entre sujeito e objeto.

No século XVII, a metafísica dualista fez-se presente na ideia de que há uma realidade intrínseca (essencial) e algo externo (acidental, extrínseco) aos objetos e de que há algo intermediário “entre a constituição de nossos órgãos sensoriais ou nossas mentes e o jeito como as coisas são em si mesmas” (Rorty, 2000, p. 60). Esse “algo intermediário” entre sujeito e objeto é uma espécie de “véu” que impossibilita que “conheçamos a realidade” como ela realmente é. “Desde Herder e Humboldt”, diz Rorty, “os filósofos vêm sugerindo que é a linguagem que forma essa barreira – que nossa linguagem impõe aos objetos características que podem não ser intrínsecas a eles” (Rorty, 2000, p. 60). Tal concepção está vinculada à ideia de que a linguagem é um meio de “representar” as coisas e está associada ao paradigma que toma a “visão” como modelo para o conhecimento. Para Rorty, a resposta dada pelos pragmatistas a esse problema é que “a linguagem é um intercâmbio de sinais e ruídos, executados com o fim de alcançar algum propósito específico” (2000, p. 60). Nesse sentido, os pragmatistas são chamados por Rorty de “antiessencialistas”, pois entre suas ações está a de eliminar a distinção entre “as coisas como realmente são” (relação intrínseca) e a relação acidental das coisas com áreas periféricas (relação extrínseca). “Livres da distinção entre o intrínseco e o extrínseco”, esclarece Rorty, “nos livramos da distinção entre realidade e aparência, e assim nos livramos também de preocupações sobre a existência de barreiras entre nós e o mundo” (2000, p. 61).

Na sequência do artigo, Rorty estabelece um comparativo entre a posição antiessencialista e a posição essencialista, ressaltando, de modo especial, “como as coisas se mostram quando descritas em termos antiessencialistas”. Nesse sentido, argumenta que insistir na ideia de essência, ou de que há uma ordem essencial, equivale a recriar a “coisa-em-si” kantiana, a “salvação” através de um poder não humano, e a reinventar, nas palavras de Heidegger, “a tradição ontoteológica” (Rorty, 2000, p. 67). É nessa trilha argumentativa de crítica ao essencialismo, à ideia de verdade como correspondência e ao dualismo metafísico, que ele vai delineando sua proposta de conceber o pragmatismo como redescrição da relação entre os seres humanos e o resto do universo.

Para Rorty, em um tempo pós-fundacionista em que prevalece “o espírito de jogo e de ironia” que liga pensadores tão diversos como Freud, Heidegger, Nietzsche, James, Wittgenstein, Dewey ou Proust, não existe “A Única Descrição Certa” (Rorty, 1992, p. 67). “Ver a redescrição como uma ferramenta e não como uma tese no sentido de ter descoberto a essência”, esclarece Rorty, ajuda-nos a “ver um novo vocabulário não como algo destinado a substituir todos os outros vocabulários, algo que pretendesse representar a realidade, mas simplesmente como mais um vocabulário, mais um projeto humano [...]” (Rorty, 1992, p. 66). Nesse sentido, a “redescrição” rortiana não tem a pretensão de ser uma tese educacional, ou o “Único” vocabulário para pensar a educação do futuro, mas, tão-somente, a possibilidade de um vocabulário “útil” que poderá projetar “novos mundos”, inclusive na educação.

Apostar na “redescrição” como um novo vocabulário, como projeto que tem na metáfora seu principal instrumento imaginativo, não significa a rejeição do referencial da tradição. “Uma linguagem que fosse ‘toda metáfora’”, diz Rorty ressaltando o papel da linguagem como meio de comunicação e de instrumento de interação social, “seria uma linguagem sem utilização, logo não seria uma linguagem, mas apenas um papaguear [...]” (Rorty, 1992, p. 68). Essa observação rortiana é extremamente importante, porque ressalta o caráter parasitário que a “redescrição” tem da “descrição”. Não é possível existir a filosofia edificante sem a presença da filosofia sistemática, pois a primeira é “reativa” relativamente à segunda; nem é possível a “individuação” sem a “socialização”, visto que não é possível autoindividuação e autocriação sem passar por um processo de “modelagem de um animal em um ser humano graças ao processo de socialização”. Assim, a “redescrição” rortiana não tem a pretensão de ser substituta de todo e qualquer vocabulário. “Redescriação” não se traduz por pós-verdade, mas sim uma forma criativa e irônica de dizer o mundo.

O próprio Rorty adverte que não seria possível, nem desejável, “defender uma cultura liberal cuja retórica fosse totalmente ironista”, porque não seria salutar projetar “uma cultura que socializasse a sua juventude de forma a torná-la continuamente duvidosa quanto ao seu próprio processo de socialização” (Rorty, 1992, p. 120). Da mesma forma, não seria desejável, e ninguém quer, diz ele, “que as escolas secundárias diplomem a cada ano uma classe de Zaratrustas amadores a questionarem a mentalidade convencional” (Rorty, 1997, p. 72). Suas advertências são indicativos explícitos de que não é possível fazer filosofia com seriedade sem conhecer a tradição, sem “quebrar a crosta das convenções” e sem continuar a “redescrever” o mundo, a nós mesmos e à herança cultural que nos constituiu. Em termos educacionais, analogicamente, poderíamos inferir que não é possível tratar a educação com seriedade sem conhecer o pensamento pedagógico que constituiu a sociedade ocidental, sem “desdivinizar” os modelos salvacionistas que se apresentam como redenção/revolução das práticas educativas e sem “redescrever” o mundo educacional em suas múltiplas “contingências”. Tal posição não significa advogar a pós-verdade, o pós-factico, mas sim manter viva a conversação que nos possibilita as interações e a redescrição de mundos possíveis.

3Antivaxx, grupo que se recusa a aderir a qualquer forma de imunização coletiva ou individual, devido à crença que existe um complô arquitetado pela indústria farmacêutica com a anuência do estado e cujo objetivo é ocultar supostos efeitos colaterais das vacinas sobre a população, como o aumento nos índices de crianças com autismo.

4Movimento ideológico com orientação antissemita que tem como propósito deslegitimar ou mesmo rejeitar por completo o consenso histórico-acadêmico a respeito da factualidade da perseguição e do extermínio de judeus em capôs de concentração durante o Terceiro Reich.

5Rorty está se referindo a uma expressão heideggerina. “Heidegger via a série de grandes metafísicos, de Platão a Nietzsche, como aficionados por controle: pessoas convictas de que o pensamento faria alcançar o domínio. De acordo com Heidegger, as metáforas falocêntricas dos nominalistas sobre a profundidade e a penetração são expressões do desejo de tomar posse da cidadela do universo. A ideia de se tornar idêntico ao objeto do conhecimento, de representá-lo como ele realmente é em si mesmo, exprime o desejo de adquirir o poder do objeto” (2002, p. 129).

6O texto originalmente foi apresentado como conferência por ocasião de um congresso promovido pela Associação Hegeliana Internacional, para a comparação dos modos de fundamentação transcendentais e dialéticos, ocorrido em Stutgart em junho de 1981. O texto foi publicado no livro Habermas, J. (1989). Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. Na recente publicação Filosofia, racionalidade, democracia: os debates Rorty & Habermas, José Crisóstomo de Souza (org.) comenta que essa conferência teria marcado o início do debate entre os dois autores, “que a partir de então têm sido possivelmente os interlocutores mais importantes um do outro” (2005, p. 18).

7Habermas está se referindo aos seguintes críticos: a)linha de crítica ao transcendentalismo kantiano (posição analítica de Strawson, construtivista de Lorenzen e a criticista de Popper); b)linha de crítica do hegelianismo (a crítica materialista do conhecimento do jovem Lukács, o praticismo de Karl Korsch e Hans Freyer e o negativismo de Adorno).

8Em um ensaio intitulado “Incapacidade para o diálogo e agir pedagógico”, o professor Cláudio Dalbosco tematizou o fazer pedagógico e agir pedagógico a partir da necessidade de “desdogmatização da prática” e da “desinstrumentalização da teoria”. Para Dalbosco (2006, p. 342-343), “o pensar sobre o significado do ‘agir pedagógico’ pode adotar diferentes pontos de partida e, por conseguinte, também chegar a diferentes conclusões”. Tomar o agir pedagógico a partir da consciência prática, nos limites da consciência espontânea, por exemplo, acaba por elaborar “uma definição do agir pedagógico como sendo tudo aquilo que é experienciado cotidianamente nas relações de ensino e aprendizagem, sem que haja necessidade de sistematizá-lo conceitualmente”. Tal definição de agir pedagógico, na avaliação de Dalbosco, acaba resultando em uma dupla dificuldade: “a adoção de um conceito não problematizado de experiência prática” e o “vínculo instrumental com a teoria”. Tais dificuldades serão superadas com a ampliação do conceito de fazer pedagógico, o qual deve ser “estendido para além das fronteiras da consciência espontânea e, uma vez alcançado isso, ele [o fazer pedagógico] se transforma em agir pedagógico”. Penso que tal ampliação poderia se dar no sentido de uma ação praxiológica.

9O conceito de horizonte aparece como algo aberto à nossa frente, do qual nunca conseguimos nos aproximar e que mais se distancia à medida que avançamos. No sentido gadameriano, o conceito de horizonte tem uma ligação com a ideia de limite, visão, situação, possibilidade. Por isso em Verdade e método, Gadamer diz que “ao conceito de situação pertence essencialmente então, o conceito de horizonte”. Horizonte, complementa ele, “é o âmbito da visão que abarca e encerra tudo o que é visível a partir de um determinado ponto” (1999, p. 452). Assim, poderíamos falar de estreites do horizonte, da possibilidade de ampliar os horizontes e da abertura de novos horizontes. Dizer que o fazer pedagógico e o agir pedagógico têm a função de “ampliar os horizontes educacionais” significa que elas se contrapõem à idéia de que existe um único caminho de acesso à “verdade”, ou de que existe uma “linguagem única para a ciência”, ou, ainda, de que somente os dados “objetivos” são capazes de constituir um procedimento válido para produzir conhecimento. Em termos gadamerianos, tal atitude se constitui em “estreitez do horizonte”. Gadamer destaca que o horizonte do presente está sempre em processo de formação, ou seja, nunca está definitivamente pronto, pois é algo no qual “trilhamos nosso caminho” e conosco faz o caminho. O horizonte presente não se faz à margem do passado, nem mesmo existe um horizonte do presente por si mesmo. Por isso, “compreender é sempre o processo de fusão desses horizontes presumivelmente dados por si mesmos” (1999, p. 457). Com isso Gadamer justifica a necessidade de “ganharmos um horizonte” que se faz na medida em que exercitamos a abertura de nosso próprio horizonte. “Ganhar um horizonte”, diz ele, “quer dizer sempre aprender a ver mais além do próximo e do muito próximo, não para apartá-lo da vista, senão que precisamente para vê-lo melhor, integrando-o em um todo maior e em padrões mais corretos” (1999, p. 456). Muitas implicações para a educação poderiam ser retiradas desta noção gadameriana de horizonte. Algumas ideias sobre isso estão no texto “Hermenêutica, alteridade e pluralidade em educação” (Fávero, 2006, p. 267-284).

10Esse texto, juntamente com os textos “Mundo sem substâncias ou essências” e “Ética sem obrigações universais”, é oriundo de conferências proferidas por Rorty em Viena e Paris e originalmente publicadas em alemão como Hoffnung statt Erkentniss: Eine Einführung in die pragmatisch Philosogie. Posteriormente, foram publicados em francês com o título L’Espoir au Lieu de Savoir e, em espanhol, com o título Esperanza o Conocimiento? Uma Introducción al Pragmatismo. Em 1999 os textos foram publicados como a II seção de uma coletânea de artigos organizada sob o título de Philosophy and Social Hope. No presente ensaio utilizamos a tradução publicada sob o título: Rorty, R. (2000). Pragmatismo: a filosofia da criação e da mudança. Trad. Cristina Magro e Antonio Marcos Pereira. Belo Horizonte: UFMG.

11Essa posição rortiana implica uma modificação radical do papel da filosofia e do filósofo em nosso tempo.

12Essa posição rortiana torna-se alvo fácil para acusações de que seu pensamento é etnocêntrico e contextualista.

Referências

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Recebido: 02 de Outubro de 2019; Aceito: 09 de Junho de 2020; Publicado: 02 de Dezembro de 2020

Endereço para correspondência Altair Alberto Favero/Luiz Carlos Bombassaro, Universidade de Passo Fundo, BR 285 – Km 171, São Josè, 99001970, Passo Fundo, RS Brasil. altairfavero@gmail.com, lcbombassaro@yahoo.com.br

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