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Educação

versión impresa ISSN 0101-465Xversión On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.43 no.2 Porto Alegre mayo/agosto 2020  Epub 01-Feb-2021

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2020.2.32010 

Outros Temas

A função do educador na creche sob a abordagem psicanalítica: uma revisão integrativa

The role of nursery teacher from the psychoanalytic approach: an integrative review

La función del educador en la guardería bajo el enfoque psicoanalítico: una revisión integrativa

Hellen Terluk Gnatta1 

Especialista em Teoria Psicanalítica e Práticas Institucionais em Saúde Mental pela Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO), mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) em Ponta Grossa, PR, Brasil.


http://orcid.org/0000-0003-0053-0725

Juliana Marcolino-Galli2 

Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica-SP (PUC-SP); professora da Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO), Irati, PR, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-3094-9159

Cléa Maria Ballão2 

Mestre em Psicologia Clínica com ênfase em psicanálise pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) Diretora do departamento de Psicologia e Professora na Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO), em Irati, PR, Brasil.


http://orcid.org/0000-0001-6815-109X

1Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa, PR, Brasil.

2Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Irati, PR, Brasil.


Resumo:

A creche é um espaço privilegiado para o desenvolvimento infantil e envolve questões sobre a separação mãe-bebê. O educador que atua na creche vivencia alguns conflitos sobre a maternagem dos bebês. Diante disso, realizou-se uma revisão integrativa da literatura, entre os anos de 2002 e 2016, com o objetivo de apresentar a contribuição dos conceitos psicanalíticos para definir a função do cuidador/educador na creche. Quatorze publicações, que se enquadram nas questões da presente pesquisa, foram utilizadas como referência. A maioria dos estudos analisados destacaram a importância da primeira infância na constituição do aparelho psíquico a partir dos conceitos psicanalíticos fundantes. Sendo assim, infere-se que o cuidador/educador na creche é um mediador na constituição psíquica do bebê, inserindo a criança no campo da linguagem e operando na função materna e paterna.

Palavras-chave: bebê; creche; psicanálise; educação; linguagem

Abstract:

The nursery is a privileged space for child development and involves questions about mother-baby separation. The nursery teacher lives some conflicts about the maternal function in the work. We developed an integrative review of the literature between 2002 and 2016 to present the contribution of psychoanalytic concepts to define the role of the nursery teacher. This paper analyzed fourteen publications to answer the questions Most of the studies analyzed emphasized the importance of early childhood in the constitution of the psychic apparatus. The nursery teacher is a mediator in the baby’s psychic constitution, inserting the child into the language through maternal function and paternal function.

Keywords: baby; nursery; psychoanalysis; education; language

Resumen:

La guardería es un espacio privilegiado para el desarrollo infantil e involucra cuestiones acerca de la separación entre madre y bebé. El educador vive, en su actuación en la guardería, algunos conflictos sobre el maternaje de los bebés. Se desarrolló una revisión integrativa de la literatura, entre los años 2002 y 2016, con el objetivo de presentar la contribución de los conceptos psicoanalíticos para definir la función del cuidador/educador en la guardería. Fueron utilizadas catorce publicaciones que se encuadran en la temática de la investigación. La mayoría de los estudios analizados destacaron la importancia de la primera infancia en la constitución del aparato psíquico del bebé, desde los conceptos psicoanalíticos fundamentales. El cuidador/educador es, en la guardería, un mediador en la constitución psíquica del niño, insertándole en el campo del lenguaje y operando en las funciones materna y paterna.

Palabras clave: bebé; guardería; psicoanálisis; educación; lenguaje

Ao abordarmos a educação infantil com bebês de zero a três anos é inerente a discussão sobre a constituição do sujeito e, como consequência, a relação criança-linguagem-outro. Neste trabalho, a perspectiva teórica encaminhada se afasta dos pressupostos do desenvolvimento cognitivo e comportamental, da apropriação da linguagem e do conhecimento como objetos e, por isso, aproxima-se dos pressupostos da Psicanálise. Sob esse ponto de vista, a constituição do sujeito é determinada pela linguagem, a partir da relação com o outro, seu cuidador. Dito de outro modo, o infans tornar-se-á sujeito falante porque é capturado pelo simbólico, interpretado pelo Outro (De Lemos, 1997).

Antes mesmo de nascer, o bebê já foi nomeado, interpretado e carrega uma “herança simbólica” (Freud, 1923). Há uma “pré-história do bebê” que é marcada por discursos e desígnios que não se confundem com a constituição genética ou com experiências factuais da gestação. O encontro entre o bebê e seu cuidador, um agente materno, não se reduz à empiria, pois esse outro é atravessado pela linguagem – é o Outro, rede de significantes. Isso significa que quando a mãe/cuidador atende à necessidade do bebê, como a fome, ela/ele não somente lhe dá o que comer, mas insere a cena no campo da palavra, em uma rede discursiva, da sua própria história. (Freud, 1985, 1923; Elia, 2010; Marcolino Galli, 2013).

No Brasil, muitas famílias vivenciam, precocemente, o retorno da mãe ao mercado de trabalho e o encaminhamento do bebê aos cuidados da creche/berçário.3 Esses cuidados ultrapassam a atenção direcionada à alimentação e à higiene. Neste contexto, marcado pela importância da maternagem na constituição psíquica da criança, esse trabalho ressalta a importância da função do educador/cuidador na creche/berçário. A temática é, portanto, atravessada pela interdisciplinaridade entre Psicanálise e Educação.

A psicanalista e pesquisadora Mariotto (2007) afirma que o educador da creche, invariavelmente, se encontra em conflito em “ser ou não ser mãe dessas crianças” (p. 30). A autora atesta isso com a informação de que “a creche vem para exercer pela mãe, embora não assumindo seu lugar, as atividades tipicamente maternais junto ao seu filho, prestando-lhe assistência integral, cuidando de sua segurança física e emocional.” (RIZZO, 1984 apud MARIOTTO, 2007 p. 30).

A partir da revisão integrativa da literatura dos últimos dez anos, este trabalho tem o objetivo de apresentar a contribuição dos conceitos psicanalíticos para definir a função do cuidador/educador na creche.

Métodos

Trata-se de uma revisão integrativa que selecionou e sintetizou estudos brasileiros de diversas áreas (Educação, Psicanálise, Psicologia), incluindo artigos de periódicos indexados em bases de dados e/ou material acadêmico (teses e dissertações) que abordam como tema a creche na perspectiva da Psicanálise nos últimos dez anos. A busca foi realizada em junho de 2016 e utilizou-se os seguintes descritores, nas bases de dados eletrônicos da Scientific Electronic Library Online (Scielo) e de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes): psicanálise AND educação AND infantil, infância AND educação AND psicanálise, creche AND psicanálise; licença maternidade AND psicanálise, bebê AND mãe AND psicanálise, cuidador AND creche AND psicanálise.

A partir de conceitos psicanalíticos, formularam-se três questões para categorizar, analisar e discutir os trabalhos encontrados, quais sejam: (a) quais os conceitos psicanalíticos que contribuem para uma reflexão sobre a função do cuidador/educador na creche? (b) qual é a função do cuidador/educador na creche? e (c) como o educador que atua no berçário pode favorecer a constituição subjetiva e a aquisição da linguagem?

O material foi selecionado a partir da leitura dos títulos e resumos em língua portuguesa. Os critérios para a inclusão do material de análise foram os estudos que abordavam em seus resumos: espaço educacional creche/berçário que atendessem crianças até três anos de idade e declaração de aproximação aos conceitos psicanalíticos. Desse modo, excluíram-se artigos de outras perspectivas teóricas ou que não apresentaram uma posição teórica definida; também os estudos que não enfocaram o trabalho com crianças de zero a três anos; trabalhos que não fossem em espaço educacional e/ou que abordaram a escola e/ou educação de forma mais ampla, sem definir a série escolar. Considerou-se que as publicações psicanalíticas nem sempre estão indexadas nos bancos de periódicos utilizados neste trabalho, pois há muitas publicações que estão restritas nas escolas ou núcleos de formação em Psicanálise. Considerando essa possibilidade, optou-se por observar as referencias citadas nos artigos encontrados e, incluir, se fosse o caso, algum outro estudo que se enquadrasse nos critérios de busca e que não fosse encontrado nos bancos de dados. Ao total foram encontradas duzentas e quinze publicações e divididas em categorias. É importante ressaltar que títulos se repetiram nas bases de dados e, por isso, foram excluídos. Sendo assim, restaram quarenta e quatro publicações que não se repetiram. Entretanto, trinta publicações foram excluídas porque não corresponderam aos critérios de inclusão dessa pesquisa. Ao final, foram selecionadas para análise quatorze publicações, entre artigos, teses e dissertações, no período entre 2002 a 2016 (ver Quadro 1).

Quadro1. Publicações selecionadas para o corpus de análise da pesquisa 

Pesquisador Título da Publicação Local e Ano
Isabel Cristina Bogéa Borges Cuidar – uma via de mão dupla PRIMÓRDIOS, 2010.
Flávia Flach Educação infantil: a educação e o cuidado enquanto espaços de subjetivação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006.
Ivy de Souza Dias A relação educadora – bebê: laços possíveis. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010.
Fabiele Jardim Meireles Desenvolvimento Infantil: um olhar psicanalítico sobre as práticas pedagógicas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2013.
Daniela Bridon dos Santos Reis Brandão Educador de creche e constituição subjetiva de bebês: uma articulação. Retratos do mal-estar contemporâneo na educação, 2012.
Maria Cristina Machado Kupfer; >Ana Paula Magosso Cavagionni; Mariana Rodrigues Anconi; As posições discursivas dos educadores de creche e seus efeitos nas práticas com bebês. Retratos do mal-estar contemporâneo na educação, 2012.
Andréia Aparecida Oliveira de Souza A inserção de bebês na creche e a separação como operador simbólico. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2014.
Rosa Maria Marini Mariotto A função do Educador de creche no desenvolvimento e na subjetivação de bebês. PUC, 2007.
Silvia Helena de Rezende Siste Maia Artesão do Desejo: a função das educadoras de creche na constituição subjetiva dos bebês. Universidade Estadual de Londrina, 2011.
Karina Ribas Pereira A que papel o professor de educação infantil vem sendo convocado? aspectos do desenvolvimento da criança frente à escolarização. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2012.
Lenita Maria Junqueira Schultz A criança em situação de berçário e a formação do professor para a educação infantil. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Filosofia e Ciências, 2002.
Simoni Antunes Fernandes A escuta e as palavras nos anos iniciais da vida: diálogos entre os bebês, a psicanálise e a educação infantil. Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, 2011.
Aline Sommerhalder A educação e o cuidado da criança: O que advogam os documentos políticos do ministério da educação para a educação infantil? Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras, 2010.
Flávia Flach Regina Orgler Sordi A educação infantil escolar como espaço de subjetivação. Estilos da Clínica, 2007.

Fonte: Elaborado pelos autores com base na pesquisa (2016).

Resultados e discussão

Quais os conceitos psicanalíticos que contribuem para uma reflexão sobre a função do cuidador/educador na creche?

De um modo geral, todos os trabalhos analisados destacam a importância da primeira infância na constituição do aparelho psíquico. É a partir das relações parentais, que o Outro passa a inscrever as primeiras marcas simbólicas na criança. Destaca-se, portanto, a linguagem e a interpretação do outro/cuidador. Essa inscrição é marcada pelas duas operações, alienação e separação, responsáveis pela estruturação psíquica da criança (Souza, 2014). Lacan (1964) elabora a economia da constituição psíquica em dois processos fundamentais, a saber, alienação e separação. Na alienação, o infans (objeto de investimento) está submetido ao Outro, em uma relação especular. No espelho, a imagem do bebê se precipita como semelhante ao Outro.

Na separação, há o surgimento da falta e o sujeito constrói uma resposta para essa falta (Ferreira, 2000). Vejamos, suscintamente, como essas duas operações ocorrem. O bebê ao nascer encontra um mundo de linguagem. Recebe um nome e um registro civil que o coloca como cidadão. As pessoas de seu entorno falam com ele, saúdam com palavras, e ele, muito precocemente, passa a reconhecer que aquele som é seu nome e, também, percebe que os outros o reconhecem assim. Com essa operação, ele entra naquela sequência de fonemas e corresponde ao sentido que lhe dão. Em outras palavras aceita o lugar que lhe é dado enquanto não encontra seu próprio sentido. Assim, o bebê é falado, antes de falar por si próprio e nesta condição dizem-lhe o sente, o que pode estar pensando, o que irá fazer. Não é sem razão que ao começar a falar, é como outro que ele se refere a si mesmo, recebendo sua mensagem de forma invertida. Essa operação é conhecida como alienação. É ao alienar-se nas palavras desejantes do outro que o bebê adquire existência simbólica. Justamente pela importância que esse outro semelhante tem nesse processo e opera também como representante do campo simbólico, que Lacan propôs grafá-lo com letra maiúscula denominando-o de Outro. Porém, não podendo ficar alienado, a criança passará por uma outra operação conhecida como separação que promoverá a desalienação das palavras, do saber e do lugar desse Outro. Essa operação ocorre quando o pequeno ser se dá conta de que o Outro não é de todo absoluto, que a ele também algo falta e, então começa a se interrogar sobre seu desejo, o que o conduz a tornar-se ele próprio um sujeito desejante, isto é faltante.

O bebê nasce desprovido de qualquer atributo necessário à sobrevivência e depende do outro para satisfazer suas necessidades orgânicas e psíquicas. É o que Freud (1950) chamou de desamparo e destacou o Outro Primordial como responsável pelas marcas fundantes e inserção do bebê na rede simbólica. Para Lacan (1964), a estruturação psíquica de um sujeito deve ocorrer, primordialmente, através da função materna. Contudo, essa relação não se sustenta por muito tempo e convoca uma outra função, denominada de “Nome-do-Pai”, ou seja, a lei da proibição incestuosa. A função paterna é o elemento de separação entre mãe e bebê, desenrolando o complexo de Édipo (Flach, 2006).

Todos os trabalhos analisados apresentam os conceitos fundantes do aparelho psíquico descritos brevemente acima. Os conceitos “função materna”, “alienação e separação” e “Complexo de Édipo” foram encontrados nas pesquisas de Schultz (2002), Fischer Bernardino e Kamers (2003), Flach (2006), Flach e Orgler Sordi (2007), Borgéa Borges (2010), Sommerhalder (2010), de Souza Dias (2010), Antunes Fernandes (2011), Pereira (2012), Meireles (2013) e Souza (2014). Esses trabalhos explicaram a constituição subjetiva das crianças que frequentam espaços como a creche/berçário nos primeiros anos de vida, salientando que o sucesso acontece nos primeiros anos de vida e depende do outro que contribui ao interpretar os apelos das crianças para o desenvolvimento infantil e instauração do aparelho psíquico.

As operações lacanianas alienação e separação, o Estádio do Espelho, o Complexo de Édipo e a pulsão foram enfatizadas nos trabalhos de Flach (2006), de Souza Dias (2010) e Souza (2014).

Os estudos de Schultz (2002), Flach (2006), Flach e Orgler Sordi (2007), Mariotto (2007) e de Souza Dias (2010) elencaram a creche como espaço subjetivante quando o cuidador/educador acolhe e interpreta os apelos do bebê, inserindo-o em uma rede discursiva. Os professores tomam lugar de subjetivação daqueles que acolhem atuando como facilitador no desenvolvimento do sujeito. (Antunes Fernandes, 2011; Brandão, 2012; Meireles, 2013).

Pode-se dizer que os conceitos psicanalíticos fundantes da constituição psíquica nortearam os trabalhos para destacar a importância da creche como espaço de subjetivação e a função do cuidador/educador. Esses conceitos psicanalíticos são entendidos como fundamentais para orientar a prática do educador na educação infantil. Compreender a constituição psíquica, a importância da palavra para além dos cuidados de higiene e alimentação, tornar-se necessário para atender ao bebê no berçário.

Qual é a função do cuidador/educador na creche?

Para responder a segunda questão deste trabalho, foram agrupados os estudos que enfatizaram a prática (ou práxis) dentro do espaço de educação infantil, contemplando a função ou papel desse profissional. A leitura inicial desse agrupamento promoveu, ainda, o seguinte questionamento: o educador/cuidador faz a função materna, função paterna e/ou prática pedagógica? Em nossa análise, encontramos treze publicações que trataram esse tema e resvalaram nesses questionamentos. Schultz (2002), em sua tese de doutorado, observou em uma creche filantrópica que atende setenta bebês de zero a três anos completos, em horário integral. O objetivo do seu estudo foi detectar as necessidades psicoeducacionais das crianças. A autora destacou que a primeira relação social e de introdução da criança com o mundo se faz pela relação díade mãe-bebê. Entretanto, através de uma análise histórica sobre o papel da mulher na sociedade e o advento do feminismo, em 1960, ela argumenta que o papel e a função de amor da mãe é compartilhado com o pai, sem abrir mão do desejo de ser mãe. Desse modo, a maternagem pode ser exercida pelo pai, o qual passará a exercer a função de mãe substituta. Contemporaneamente, como mães e pais são inseridos em um mercado de trabalho, outra figura maternadora pode ser o educador nas creches ou berçários. Entretanto, esse profissional deve estar suficientemente preparado para escutar as necessidades do bebê, o qual vive em um tempo de adaptação e sofrimento pela separação, ou melhor, afastamento da mãe. Desse modo, Schultz (2002) conclui que é desejável um suporte afetivo do educador de berçário, formação e informação adequada sobre o desenvolvimento psíquico e pedagógico da criança, sendo que quando se oferece a maternagem de qualidade nos primeiros anos de vida, há maior sucesso na educação das crianças.

Mariotto (2007), em sua tese de doutorado, a partir dos pressupostos psicanalíticos, discutiu a constituição psíquica de crianças de zero a dezoito meses em duas creches. A pesquisa envolveu quatro cuidadoras e dezenove bebês e os dados foram obtidos na aplicação do protocolo IRDI (Protocolo de Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil). A pesquisadora assinalou que falhas podem ocorrer na relação afetiva entre cuidador primordial e bebê e podem resultar em transtornos psíquicos, interferindo, por vezes, na inserção desse sujeito na cultura. Concluiu-se que as cuidadoras exercem, no cotidiano da creche, as funções de interpretar o bebê e operar como seu intérprete, a partir da “paternagem” e, não da maternagem propriamente dita. As cuidadoras não são suplentes da mãe e agem como um terceiro na separação mãe-bebê. Nas palavras da autora, a função da creche e dos profissionais que a representam junto ao bebê é:

[…] promover o afastamento da relação primordial entre a mãe e sua cria, introduzindo o registro assimétrico do terceiro […]. Poderíamos creditar a este ofício o conceito de paternagem e confirmar a hipótese de ser o educador uma referência que opera mais pela função paterna sem deixar, no entanto, de realizar os cuidados necessários dispensados ao pequenino. Paternagem trata de paternar a maternagem e não maternar a função paterna (Mariotto, 2007, p. 1090)

Maia (2011) corrobora com Mariotto (2007) e conclui que a função da educadora dentro do espaço da creche é um modo de fazer operar as funções materna e paterna. Quando ocorre o acolhimento do bebê, no momento da separação da díade mãe-bebê, o educador ocupa um lugar de terceiro, exercendo a função paterna. Ressalta-se, ainda, que esse profissional é atravessado por uma cultura, e que o laço que faz com o bebê é determinado pela sua própria posição subjetiva. O educador, segundo a autora, ocupa o campo de Outro e, através do lúdico, do brincar e da palavra, produz efeitos na estruturação psíquica da criança, portanto o educador na função paterna, ocupando o terceiro estranho na díade mãe-bebê e, como facilitador do desenvolvimento psíquico da criança, aparecem também nas demais pesquisas (Souza de Souza Dias 2010; Antunes Fernandes, 2011; Brandão, 2012; Pereira, 2012; Meireles, 2013; Souza, 2014).

Pode-se dizer que os estudos destacaram a importância da função do educador/cuidador na creche, inserindo também a criança no campo da linguagem e operando na função materna e paterna. A partir disso, são funções primordiais de quem trabalha com a educação na primeira infância: estabelecer uma relação de transferência e vínculo com os bebês para adaptação do bebê nesse espaço novo e do desconhecido, e acolhimento na situação de abandono que as crianças pequenas sentem ao se separar da mãe. Para tanto, o profissional precisa tomar o bebê como sujeito desejante, interpretar seus apelos de amor e sofrimento diante da separação da mãe, operando na função de outro fora da função materna, mas também exercendo a maternagem. Nessa relação, deve-se considerar a subjetividade do educador e seu desejo para exercer a maternagem (Bogéa Borges, 2010; Antunes Fernandes, 2011; Pereira, 2012).

Os trabalhos analisados, ainda, destacam que a formação do professor está subsidiada, em sua grande maioria, por uma abordagem sociointeracionista. Nesses casos, há inclusão do outro como mediador, mas fortemente preocupado com o aprendizado de conceitos cognitivos. O discurso afetado pela Psicanálise que dá lugar a criança como sujeito de desejo ainda precisa ganhar mais espaço dentro da Educação (Kupfer, Cavagionni, & Anconi, 2012).

Como o professor no berçário pode favorecer a constituição subjetiva e a aquisição da linguagem?

Nesta última questão, selecionou-se dez estudos. Entretanto, nenhuma publicação apresentou práticas atravessadas pelo discurso psicanalítico e, também, as questões sobre a aquisição da linguagem foram marginalizadas.

A creche/berçário é um espaço potencializador da constituição subjetiva e a aquisição da linguagem, mas determinado pelas relações entre os profissionais e as crianças. E, como as crianças têm entrado cada vez mais cedo em creches e/ou escolas de educação infantil, faz-se necessário tornar essas instituições cada dia mais estruturadas e reconhecidas como espaços fundamentais para o desenvolvimento infantil. Dito de outro modo, a tarefa de ocupar-se do bebê já não é de exclusividade das figuras parentais, sendo compartilhada com a creche/berçário (Antunes Fernandes, 2011; Pereira, 2012; Souza, 2014).

Mariotto (2007) afirma que a creche é um lugar de cuidados instrumentais, responsável pela transmissão de saberes, mas é de responsabilidade da equipe ter um olhar diferenciado sobre a criança em constituição. Ou seja, a função dos profissionais na educação infantil se dá além do cuidar apenas do corpo. Há também a promoção da saúde mental. O educador é o profissional mediador para elaboração do sofrimento do bebê diante da separação da mãe, como salientaram Flach (2006), Flach e Orgler Sordi (2007) e de Souza Dias (2010).

De maneira geral, pode-se dizer que o educador, quando instrumentalizado por conceitos psicanalíticos, oferece escuta e, além do cuidado e higiene das crianças, atenderá seus apelos e poderá adaptar situações de angústia e abandono. Nenhuma pesquisa pode discutir como é a prática desses educadores na creche quando se aproximam da Psicanálise.

Considerações finais

Este trabalho enfatiza a articulação entre a Educação e a Psicanálise, valorizando a importância da função do educador no início da vida psíquica das crianças. A partir de três questões, destacamos que o educador é um agente ativo, quando escuta as demandas do bebê e acolhe, favorecendo a elaboração da separação mãe-bebê, além de também inserir a criança no campo da palavra.

A Psicanálise não substituiu práticas pedagógicas, mas é um instrumento de leitura para interpretar a criança e as resistências inconscientes. Desse modo, o insucesso está na relação entre educador e criança. Assim, a Psicanálise pode contribuir para a formação do educador, o qual se volta com um olhar diferenciado às questões psíquicas estruturais e constituintes do sujeito (Monteiro, 2005).

Destaca-se a escassez de trabalhos sobre a prática do educador já influenciado pela Psicanálise. As pesquisas analisadas mostram um “ideal” e a importância dessa formação do educador da educação infantil. A discussão ainda precisa avançar nos impasses diários que os educadores enfrentam nessa abordagem teórica. Questões que articulam teoria e prática são levantadas, alguns exemplos são: a dúvida de como acolher e escutar o sofrimento dos bebês? Quais as diferenças entre a interpretação materna e a interpretação do educador? Como o vínculo pode ser favorecido nesses espaços?

Todas as pesquisas que fizeram parte do corpus da análise foram efetivas em responder as questões norteadoras, pois apresentaram conceitos psicanalíticos para articular o papel do cuidador na creche. Ressalta-se que, a creche contribui com a inserção da criança na linguagem e, principalmente, por exercer a função, através do educador, de maternar e paternar.

3De acordo com o inciso XVIII do caput do art. 7.º da Constituição Federal, é de direito de todas as trabalhadoras, licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; Contudo com a Lei n.º 11.770 de 09 de setembro de 2008 sancionada, dá o direito de ser prorrogada por mais 60 dias, resultando, assim, em 180 dias de licença, mas somente em casos específicos.

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Recebido: 02 de Outubro de 2018; Aceito: 22 de Janeiro de 2020; Publicado: 02 de Dezembro de 2020

Endereço para correspondência Hellen Terluk Gnatta, Universidade Estadual do Centro Oeste R. Salvatore Renna, 875 Santa Cruz, 85015430 Guarapuava, PR, Brasil. hellengnatta@hotmail.com

jumarcolino@hotmail.com

clea.ballao@uol.com

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