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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.44 no.1 Porto Alegre jan./abr 2021  Epub 20-Jul-2021

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2021.1.32875 

Outros Temas

Educação corporativa no serviço público: um estudo de caso com enfoque na aprendizagem dialógica

Corporate education within the public service field: a case study on dialogue learning

Educación corporativa en el servicio público: un estudio de caso con enfoque en el aprendizaje dialógico

Natalia Araujo Souza Neves1 

Mestra em educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em Rondonópolis, MT, Brasil.; especialista em Administração de Recursos Humanos pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza, CE, Brasil. Graduada em Administração pela Estácio, em Ribeirão Preto, SP, Brasil. Servidora técnica-administrativa em educação da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR), em Rondonópolis, MT, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-8776-5262

Eglen Sílvia Pipi Rodrigues1 

Doutora e mestra em Educação, pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em São Carlos, SP, Brasil, com estágio realizado na Espanha (Barcelona), no CREA (União Europeia) – Community of research on excelence for all. Pós-doutora em Educação, pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em São Carlos, SP, Brasil; graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia na UFSCar, em São Carlos, SP, Brasil; professora associada II na Universidade Federal de Rondonópolis (UFR), em Rondonópolis, MT, Brasil, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu), em Rondonópolis, MT, Brasil, da mesma instituição. Coordenadora do Grupo de Estudos em Aprendizagem Dialógica (GEAD-UFR), MT, Brasil, e integra os grupos pesquisa Políticas Públicas Educacionais e Práticas Pedagógicas (UFR, MT, Brasil) e Corpo, Educação e Cultura (COEDUC/UFMT), em Cuiabá, MT, Brasil.


http://orcid.org/0000-0001-8634-7248

1Universidade Federal Rural do Semi-íxC1;rido (UFERSA), Angicos, RN, Brasil


Resumo:

Este artigo apresenta dados de uma pesquisa qualitativa inspirada na Metodologia da Investigação Comunicativa. Tem como objetivo analisar a percepção dos servidores técnico-administrativos em educação sobre os cursos de capacitação ofertados pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Os dados coletados foram obtidos a partir de entrevista comunicativa em profundidade. As informações resultantes da pesquisa revelam que os servidores técnico-administrativos em educação têm muitas ideias que podem contribuir com o Programa de Capacitação e que a Aprendizagem Dialógica pode trazer melhorias relevantes para a Educação Corporativa.

Palavras-chave: educação corporativa; técnico-administrativo em educação; aprendizagem dialógica; capacitação

Abstract:

This article presents data acquired through qualitative research, inspired by the Methodology of Communicative Research. It aims to analyze the perception that technical-administrative servants in education have towards the training courses that are offered by UFMT. The collected data was obtained from in-depth communicative interviews. The information gathered from this research reveals that the Technical-Administrative Servants in education have several ideas that can contribute to improving the Training Program. The research came to the conclusion that Dialogic Learning can be used to bring improvements to Corporate Education.

Keywords: corporate education; technical-administrative in education; dialogical learning; training

Resumen:

El artículo nos presenta datos que resultan de una investigación cualitativa inspirada en la Metodología de la Investigación Comunicativa. Tiene como objetivo analizar la percepción de los servidores públicos técnico administrativos en educación sobre los cursos de capacitación ofertados por la UFMT. Los datos recogidos fueron obtenidos a partir de entrevistas comunicativas en profundidad. Las informaciones resultantes de la investigación revelan que los servidores públicos técnico administrativos en educación tienen muchas ideas que puede contribuir al Programa de Capacitación, y que el Aprendizaje Dialógico puede ofrecer mejorías relevantes para la Educación Corporativa.

Palabras clave: educación corporativa; técnico administrativo en educación; aprendizaje dialógico; capacitación

Este artigo é resultado de uma dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) no ano de 2018, Câmpus Universitário de Rondonópolis (CUR), referente a um estudo de caso na perspectiva da aprendizagem dialógica sobre o programa de capacitação dos servidores técnico-administrativos em educação (TAEs) da UFMT/CUR.

Considerando que os programas de capacitação são muito importantes, pois repercutem no desenvolvimento pessoal e profissional dos servidores. A capacitação é uma forma de valorização do servidor e de fortalecimento institucional, pois reflete na melhoria dos serviços prestados, colaborando para que os servidores desempenhem com eficácia as suas competências, a fim de alcançar os objetivos e metas da Instituição, por meio da formação contínua do servidor.

O termo capacitação, conforme usado neste artigo, tem como base a definição utilizada na legislação vigente, artigo 26 do inciso primeiro do Decreto nº 5.707, de 23 de fevereiro de 2006, que a descreve como um “processo permanente e deliberado de aprendizagem, com o propósito de contribuir para o desenvolvimento de competências institucionais por meio do desenvolvimento de competências individuais” (Brasil, 2006, Art. 26).

Esse decreto instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal, a ser implantada pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, que tem como uma das suas finalidades desenvolver permanentemente o servidor público, adequando as competências requeridas dos servidores aos objetivos das instituições. Porém, o que vemos na prática é que isso não está sendo realizado de forma efetiva. Diante desse indício emergiu o interesse por investigar o sentido que os servidores técnico-administrativos em educação (TAEs) atribuem a esse Programa de Capacitação.

O tema desta pesquisa foi escolhido a partir de observações informais no cotidiano, que indicaram que os cursos de capacitação (Ensino a distância [EAD], e presencial) ofertados pela UFMT aos TAEs do Câmpus de Rondonópolis não atendem todas as demandas desses servidores. Esta pesquisa possui relevância social, tendo em vista que ainda não há trabalhos desenvolvidos sobre esta temática na UFMT.

Nesta perspectiva, a pesquisa desenvolvida objetivou contribuir com os estudos interdisciplinares,2 abordando temas da área da administração e da educação, bem como favorecer o conhecimento prático, procurando mostrar a importância da aplicação da aprendizagem dialógica na educação corporativa, para melhorar o desenvolvimento profissional e organizacional. Portanto, esperamos colaborar, de forma relevante, tanto para as organizações, como também para a sociedade e para a ciência.

De acordo com o Relatório de Gestão da UFMT (2015), os cursos de capacitação desenvolvidos para os servidores TAEs da UFMT não têm obtido muita adesão por parte destes servidores. A UFMT contava, em agosto de 2015, com uma força de trabalho de 1.587 técnicos administrativos ativos, e, desse total, apenas 190, no período de setembro/2014 a agosto/2015, participaram dos cursos de capacitação oferecidos pela Instituição. Desse modo, consideramos pertinente analisar a compreensão que os servidores possuem sobre esses cursos e os motivos da pequena participação na formação proposta.

A questão que mobilizou a pesquisa é a seguinte: qual a percepção dos servidores técnico-administrativos em educação da UFMT/CUR sobre os cursos ofertados pelo programa de capacitação desta instituição?

Tal pesquisa teve como objetivo principal analisar a percepção dos servidores técnico-administrativos em educação sobre os cursos de capacitação ofertados pela UFMT e, como objetivos específicos, investigar qual a compreensão dos TAEs lotados no Câmpus de Rondonópolis da UFMT em relação à carga horária, às temáticas abordadas, ao material didático e à plataforma EAD utilizada nos cursos de capacitação; perceber se a formação continuada ofertada pela UFMT aos servidores TAEs tem proporcionado uma educação voltada para o diálogo; analisar como ocorre a relação entre tutor-aluno e aluno-aluno; identificar e analisar os métodos de ensino e a forma de avaliação adotada pelos instrutores; verificar, junto à gerência de capacitação da UFMT e aos servidores técnico-administrativos em educação, se esse formato de formação continuada tem sido satisfatório e se existe uma intencionalidade de se pensar em ofertas de cursos baseados na perspectiva de uma formação mais dialógica.

De natureza qualitativa, inspirada na Metodologia de Investigação Comunicativa, a pesquisa foi também descritiva, quanto à caracterização dos objetivos, e um estudo de caso, no que concerne à caracterização dos procedimentos. O instrumento de coleta de dados utilizado foi a entrevista em profundidade. O universo da pesquisa abrangeu os TAEs da UFMT, cinco lotados no Câmpus de Rondonópolis e um na UFMT de Cuiabá, sendo este, portanto, o lócus de pesquisa.

Conforme Mello (2006), a Metodologia de Investigação Comunicativa vem sendo desenvolvida pelo Centro Especial de Investigação em Teorias e Práticas Superadoras de Desigualdades (CREA) da Universidade de Barcelona, a partir da Teoria do Agir Comunicativo de Habermas, como também do conceito de dialogicidade de Paulo Freire.

O conceito do agir comunicativo (...) refere-se à interação de pelo menos dois sujeitos capazes de falar e agir que estabeleçam uma relação interpessoal (seja com meios verbais ou extraverbais). Os atores buscam um entendimento sobre a situação da ação para, de maneira concordante, coordenar seus planos de ação e, com isso, suas ações. (Habermas, 2012, p. 166)

Habermas (2012, p. 195) esclarece, ainda, que “o agir comunicativo assinala interações que se coordenam por ações de fala, sem, no entanto coincidir com elas” e que “no agir comunicativo, o entendimento por meio da linguagem passa a ser o principal mecanismo de coordenação da ação” (Habermas, 2012, v. 2, p. 50).

A Teoria do Agir Comunicativo de Jürgen Habermas “defende a libertação dos sujeitos por meio de um processo permanente de interação com vistas a construir uma verdade coletivamente elaborada e socialmente aceita” (Silva, Gasparin, 2006, p. 1).

A Metodologia Comunicativa está pautada na Racionalidade Comunicativa, esta implica no consenso, no entendimento e no diálogo intersubjetivo. É respaldada por um “diálogo intersubjetivo entre iguais, por meio do qual os próprios atores sociais, refletem acerca das suas motivações e interpretações da realidade a qual estão inseridos. (...) Nessa perspectiva, o aprendizado ocorre de forma coletiva” (Franco, 2016, p. 51).

Nesta perspectiva, Freire (2015b) ressalta que para ser possível um ensino baseado na dialogicidade, é fundamental que a prática seja redimensionada neste sentido, que seja crítica, implicando em um pensar certo, que envolva o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. Dessa forma, é fundamental a reflexão crítica sobre a prática, pois é pensando criticamente a prática que é possível melhorá-la.

A educação corporativa no serviço público

Nesta seção, contextualizamos o tema desta pesquisa, falando brevemente sobre a Gestão de Pessoas, a Educação Corporativa e a Gestão por Competência. Em seguida, discorremos sobre o Programa de Capacitação dos TAEs da UFMT e sobre a Aprendizagem Dialógica.

Com a globalização e as inovações tecnológicas, as organizações, tanto privadas como públicas, foram pressionadas a se adaptarem a essas grandes mudanças, correndo o risco de se autodestruírem caso decidissem não evoluir (Paludo, 2012). Sendo assim, é importante salientar que ambas precisam estar constantemente em busca de melhorar a qualidade do serviço prestado ao usuário: as instituições privadas porque precisam disso para aumentar os seus lucros e sobreviverem no mercado, e as públicas, uma vez que é seu dever prestar um serviço de qualidade à sociedade.

Para alcançar esse objetivo, a área de gestão de pessoas foca na Educação Corporativa, pois, desse modo, os trabalhadores estarão em aprendizagem e atualização contínuas, e aptos a desenvolverem um trabalho de qualidade, em consonância com as exigências da instituição.

Além disso, Amaral (2006) ressalta que a moderna gestão de pessoas está baseada na gestão por competências, na democratização das relações de trabalho e na qualificação intensiva das equipes de trabalho.

A partir de 2006, com a nova política de capacitação e desenvolvimento de pessoas da administração pública federal direta, autárquica e fundacional (Decreto nº 5.707, de 23/02/2006), o modelo baseado na gestão por competência tornou-se uma referência-chave na administração pública federal, tornando necessário que a gestão de pessoas promova a gestão por competências. Conforme o inciso II do artigo 2º do Decreto nº 5.707/2006, gestão por competência é a “gestão da capacitação orientada para o desenvolvimento do conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias ao desempenho das funções dos servidores, visando ao alcance dos objetivos da instituição”.

Neste sentido, o investimento na Educação Corporativa vem trazendo resultados satisfatórios para a expansão do conhecimento nas organizações (Nonaka et al., 2011). Conforme estes autores, a educação corporativa é “aquela que é desenvolvida dentro das organizações com foco bem específico de promover a disseminação de conhecimento dentro do ambiente organizacional” (Nonaka et al., 2011, p. 111).

Freire (2015a) revela que não seriam poucos os exemplos que poderiam ser citados, de planos, de natureza política ou simplesmente docente, que falharam porque os seus realizadores partiram de sua visão pessoal da realidade. Porque não levaram em conta, os homens em situação a quem se dirigia seu programa, a não ser como puras incidências de sua ação.

Nessa perspectiva, Libâneo (2001) assegura que:

não há ensino verdadeiro se os alunos não desenvolvem suas capacidades e habilidades mentais, se não assimilam pessoal e ativamente os conhecimentos ou se não dão conta de aplicá-los, seja nos exercícios e verificações feitos em classe, seja na prática da vida. (Libâneo, 2001, p. 3)

Para humanizar nossas relações no mundo organizacional, Ricardo (2012, p. 39) ressalta que precisamos “de uma pedagogia direcionada ao ‘estar junto’ em um processo de aprendizagem solidária, ainda que seja no meio corporativo”. Essa autora frisa que a experiência de Paulo Freire na educação de adultos é muito valiosa, a sua prática profissional vai muito além da alfabetização de adultos. Um exemplo disso é que, “na Espanha, os conceitos de Paulo Freire são assimilados nos programas de educação continuada das empresas e de qualificação profissional” (Ricardo, 2012, p. 40).

É necessário, então, pensar em formas cada vez mais dialógicas para desenvolver a aprendizagem, pois, dessa maneira, o conhecimento pode ser adquirido e compartilhado de um modo mais agradável e satisfatório.

O programa de capacitação dos TAES da UFMT

O Câmpus de Rondonópolis está em constante crescimento, e, portanto, é extremamente necessário que seja disponibilizada e incentivada uma educação continuada para que todos os servidores acompanhem esse crescimento, para que essa instituição ofereça cada vez mais um serviço de qualidade para a sociedade com profissionais capacitados e atualizados.

Atualmente, a UFMT conta com 1.576 TAEs e, destes, 82 estão lotados no Câmpus de Rondonópolis (Universidade Federal de Mato Grosso, 2016a, 2016b).

Conforme o Relatório de Gestão (2008–2016) da UFMT, os cursos de capacitação têm o intuito de qualificar da melhor forma possível as atividades dos servidores. Anualmente, a UFMT elabora o Plano Anual de Capacitação e Desenvolvimento Humano (PAC), que tem a finalidade de “contribuir para o desenvolvimento do servidor, tanto profissional como cidadão, e potencializá-lo para que desenvolva suas ações na Administração Pública com qualidade e competências técnico-comportamentais para a execução de suas atividades” (Universidade Federal de Mato Grosso, 2016b, p. 3).

A Secretaria de Gestão de Pessoas da UFMT previu, para o ano de 2016, trinta e um cursos. Contudo, com base nas informações obtidas junto à Secretaria de Gestão de Pessoas – Coordenação de Desenvolvimento Humano (SGP/CDH), através do e-mail: cdhcursos@gmail.com, no dia 11 de dezembro de 2017, fomos informados de que o Câmpus de Rondonópolis, no ano de 2016, ofereceu, de fato, sete cursos, a saber: Iniciação ao Serviço Público (EAD e presencial); Ética no serviço Público (EAD); Fiscalização de Contratos na Administração Pública (EAD); Legislação Acadêmica (EAD); Regime Jurídico Único (RJU) - Aplicação da Lei 8112 (EAD); Elaboração de Projeto de Pesquisa Cientifica (EAD); Inglês Instrumental (presencial).

Diante dessas informações, averiguamos, portanto, que foram realizados, no Câmpus de Rondonópolis, menos de 25% dos cursos inicialmente previstos no Plano Anual de Capacitação e Desenvolvimento Humano de 2016.

Aprendizagem dialógica: um caminho possível para subsidiar o trabalho e as interações no ambiente corporativo

A aprendizagem dialógica pode ser uma grande aliada para a educação corporativa, pois nela o papel do aluno está atrelado ao seu próprio potencial para interagir com diferentes pessoas e aprender com elas, não só na escola, mas em todos os espaços designados para a aprendizagem, como também em todos os espaços da vida. Desse modo, na aprendizagem dialógica o ensino é baseado no diálogo, que tem como um dos objetivos a melhor aprendizagem para todos (Aprendizagem..., n. d.).

O conceito de Aprendizagem Dialógica foi desenvolvido pela Community of Research on Excellence for All (CREA), da Universidade de Barcelona, com base nos pressupostos teóricos de Habermas e Freire (Braga et al., 2010).

A dialogicidade proposta na educação de Freire é rica, transformadora e amorosa. Ela é contrária à educação bancária, conceituada pelo autor como uma educação que tem o ato de depositar e transmitir valores e conhecimentos, sendo o educador o sujeito do processo e os educandos, meros objetos, impondo-lhes passividade. Em lugar de transformar, os educandos tendem a adaptar-se ao mundo, sendo simples depositários.

Com base em Flecha (1997), Aubert et al. (2016) e Braga et al. (2010, 2012), estes são os sete princípios que servem como guia para a prática da aprendizagem dialógica:

  1. Diálogo igualitário: de acordo com Braga et al. (2012, p. 45), esse princípio é “composto, principalmente, dos conceitos de diálogo e palavra verdadeira, de Paulo Freire, bem como de ação comunicativa, de Habermas”, e segue o pressuposto de que todas as falas devem ser respeitadas igualmente. Logo, a força está nos argumentos e não na hierarquia de quem fala (Flecha, 1997).

  2. Inteligência cultural: refere-se à capacidade de aprender e/ou de aprender de diferentes maneiras, contribuindo com seus conhecimentos e aprendendo mediante a interação dialógica.

    Para Aubert et al. (2016), a instituição de educação deve levar em consideração tanto as experiências como os conhecimentos dos indivíduos, não cometendo o erro de só considerar os conhecimentos acadêmicos, pois “a inteligência acadêmica não é mais importante do que a prática” (Aubert et al., 2016, p. 152).

  3. Transformação: este princípio considera que a educação é o agente transformador da realidade, por meio das interações.

    Braga et al. (2012, p. 54) enfatizam que “a aprendizagem dialógica transforma as relações entre as pessoas e seu entorno por meio do diálogo, do consenso possível, do trabalho coletivo em prol de um objetivo comum”. Destarte, com base em Flecha (1997), é possível, através da aprendizagem dialógica, transformar as pessoas e o ambiente.

  4. Dimensão instrumental: busca garantir que todas as pessoas possam ter acesso à dimensão instrumental da educação, para que tenham uma atuação mais autônoma na sociedade, tendo em vista, como afirma Flecha (1997), que a aprendizagem dialógica contempla todos os aspectos relacionados ao aprender, logo, abarca também a aprendizagem instrumental, que engloba habilidades e conhecimentos que são necessários a todas as pessoas.

  5. Criação de sentido: este princípio acontece quando os alunos encontram sentido nas aulas, relacionando o conteúdo aprendido com a realidade em que estão inseridos. Para tanto, é preciso que o aluno reflita sobre o que o professor explica, para que ele reelabore os conteúdos dados e tenha a sua própria opinião, relacionando esse aprendizado com o contexto em que vive (Aubert et al., 2016).

  6. Solidariedade: tem como base deixar os âmbitos dialógicos de aprendizagem abertos à participação de todas as pessoas.

    Para Aubert et al. (2016, p. 184), “[...] todo projeto educacional que tem a intenção de ser igualitário deve se basear na solidariedade”. Ressaltam, também, que não existe ensino solidário se as pessoas envolvidas não são solidárias.

  7. Igualdade de diferenças: este princípio defende o direito de todos de aprender tudo aquilo que se deseja e se necessita. E, por outro lado, implica em rejeitar o etnocentrismo que não respeita as diferenças e o relativismo que nega a equidade (Flecha, 1997). Este princípio busca, por conseguinte, garantir a diversidade cultural, o direito de todos e todas de poderem viver e pensar de maneira diferente.

Análise dos dados: o que revelam e o que desejam os TAEs

Nesta seção, analisamos os dados oriundos da entrevista comunicativa. Os participantes lotados no Câmpus de Rondonópolis foram selecionados por meio de sorteio, por local de lotação, e o participante lotado em Cuiabá, MT, foi escolhido devido ao cargo que ocupa (Gerente de Capacitação e Avaliação de Desempenho da UFMT).

Vale ressaltar que os dados desta pesquisa foram colhidos no final do ano de 2016 e início de 2017. Desse modo, todas as análises feitas se dão a partir dessas informações, não considerando as mudanças ocorridas a partir do ano de 2017.

As entrevistas ocorreram no horário e local de trabalho dos participantes, no mês de outubro de 2016. Uma vez concluídos a transcrição e o resumo das entrevistas em profundidade, os participantes tiveram acesso a esses documentos para que os revisassem e fizessem as alterações que julgassem necessárias.

A fim de preservar a identidade dos sujeitos participantes desta pesquisa, lotados na UFMT/CUR, estes são aqui identificados por nomes fictícios, conforme disposto no Quadro 1, apresentado a seguir, sugeridos por nós, na condição de pesquisadoras. Também é informado o local de lotação do colaborador da pesquisa. Já o participante lotado em Cuiabá é identificado, ao longo deste estudo, pelo cargo que exerce: gerente de capacitação.

Quadro 1 Os participantes da pesquisa do Câmpus Universitário de Rondonópolis (CUR) 

Nome fictício Local de lotação
Murilo Instituto de Ciências Humanas e Sociais – ICHS
Marcos Instituto de Ciências Agrárias e Tecnológicas – ICAT
Madalena Instituto de Ciências Exatas e Naturais – ICEN
Maria Pró-Reitoria
Morgana Biblioteca

Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras a partir de dados fornecidos pelos participantes da pesquisa.

Os dados coletados foram analisados de forma qualitativa. O primeiro entrevistado foi o gerente de capacitação, que é um servidor técnico-administrativo em educação lotado em Cuiabá, onde ocupa o cargo de administrador. Com este participante foram analisados os seguintes eixos: o diálogo e a percepção geral sobre os cursos de capacitação ofertados pela UFMT.

Nas entrevistas com os servidores técnico-administrativos em educação, lotados no Câmpus de Rondonópolis, foram analisados os seguintes eixos: carga horária; temática e material didático; plataforma EAD; método de ensino e forma de avaliação; relação entre tutor-aluno e aluno-aluno; motivação para participar dos cursos; percepção geral sobre os cursos de capacitação ofertados pela UFMT. Ressaltamos que com a permissão dos participantes, todos os encontros foram gravados.

Após a análise das entrevistas, passamos a discutir as dimensões exclusoras e as dimensões transformadoras, de acordo com os componentes da Metodologia de Investigação Comunicativa, lembrando que, conforme Gómez et al. (2006), as dimensões exclusoras são as barreiras que impossibilitam uma prática ou benefício social, e as dimensões transformadoras, por sua vez, são aquelas que contribuem para superar as dificuldades.

Entrevista comunicativa em profundidade com o gerente de capacitação

A entrevista com o gerente de capacitação da UFMT aconteceu pessoalmente, em Cuiabá, no seu local de trabalho, no dia 3 de outubro de 2016.

O gerente contou que está na UFMT há mais de 40 anos e, particularmente no cargo de gerente de capacitação, há oito anos. Ao falar a respeito da importância da comunicação e interação entre as pessoas envolvidas no programa de capacitação, o gerente entende que é fundamental aproximar-se dos servidores: “É preciso estar mais presente, não só receber por escrito as demandas (...) Precisamos conversar mais com o servidor, ver de perto as suas necessidades, para a gente poder montar bons cursos” (Gerente, comunicação pessoal, 3 out. 2016).

O gerente ressaltou que, agora, a maioria dos cursos é a distância e que, ultimamente, essa modalidade está sendo priorizada, pois o índice de abandono, por parte dos alunos, é menor (Gerente, comunicação pessoal, 3 out. 2016). Para Ricardo (2005), é possível e importante haver interação e diálogo nos cursos EAD, esclarecendo que, em um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), o processo educacional

pode ser interativo, propondo aos alunos mais que a leitura de textos ou a execução de exercícios, mas convocando-os à participação ativa e transformadora (...). É com o diálogo e a possibilidade de um espaço de trocas, críticas, sugestões e confrontos que um verdadeiro projeto de EAD, numa perspectiva interativa, pode acontecer. (Ricardo, 2005, p. 33)

Freire (2013, p. 13) assinala que “a dialogicidade é uma exigência da natureza humana, de um lado; de outro, um reclamo da opção democrática do educador. No fundo, não há comunicação sem dialogicidade e a comunicação se acha no centro mesmo do fenômeno vital”.

Ainda falando sobre a importância da interação nos cursos de capacitação, o gerente ponderou que “Nenhum professor é tão inteligente para chegar e falar: ‘Eu sei tudo’”. Então, muitas vezes, o aluno, dentro da sua experiência, traz uma contribuição muito grande, e isso, socializando com os demais, fica muito mais fácil o entendimento” (Gerente, comunicação pessoal, 3 out. 2016).

Freire (2015b) corrobora com essa fala quando questiona o porquê de não discutir com os alunos a realidade concreta, associando-a com a disciplina, com o conteúdo ensinado também “por que não estabelecer uma ‘intimidade’ entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?” (Freire, 2015b, p. 32).

Vimos, portanto, que é preciso haver mais diálogo entre todos os envolvidos no programa de capacitação. Essa necessidade do diálogo é extremamente necessária para o êxito na aprendizagem. É preciso também que ela se faça presente em todo o processo do programa de capacitação, inclusive no momento do planejamento.

No tocante aos cursos de capacitação que estão sendo ofertados atualmente aos servidores, o gerente compreende que, até o momento, eles estão atingindo os objetivos, todavia, seria necessário “dar uma mexida (...), a gente tem que dar uma remodelada, e nessa melhora é que hoje em dia já se fala muito em gestão por competência. Então, nós temos que focar as nossas capacitações em cima dessas competências” (Gerente, comunicação pessoal, 3 out. 2016).

É necessária esta ‘reciclada’, pois a política de capacitação e de desenvolvimento de pessoas (Decreto nº 5.707, de 23/02/2006) aponta que a gestão de pessoas deve promover a gestão por competência, que, conforme Amaral (2006, p. 554), significa “olhar para o trabalho por uma lente que combina os conhecimentos, o saber-fazer, a experiência e os comportamentos exercidos em um contexto específico”.

Entendemos que é preciso estar sempre em busca de melhorias para adequar o programa de capacitação com as necessidades dos servidores e com os objetivos da Instituição. É essencial, do mesmo modo, cumprir com a legislação vigente, que determina que a área de gestão de pessoas deve promover a gestão por competência, não sendo, assim, algo facultativo à organização.

Podemos concluir, então, que apesar de algumas barreiras enfrentadas no Programa de Capacitação, conforme cita o gerente, existem bem mais pontos com grande potencial para serem melhorados e transformados e que poderão alavancar a educação continuada dos servidores. Um desses pontos é uma maior proximidade com os servidores e as chefias para identificar mais de perto as necessidades de capacitação, alinhando, dessa maneira, o desenvolvimento das competências pessoais com os objetivos da instituição.

Entrevista comunicativa em profundidade com TAEs DA UFMT/CUR

Depois da entrevista com o gerente de capacitação, demos início às entrevistas com os participantes lotados em Rondonópolis, nos dias 20 e 21 de outubro de 2016, solicitando que, primeiramente, falassem sobre suas trajetórias profissionais e acadêmicas, a fim de conhecer mais adequadamente os participantes. Em síntese, obtivemos as seguintes informações, expostas no Quadro 2, em que organizamos os dados na sequência das entrevistas realizadas.

Quadro 2 Perfil dos participantes da pesquisa lotados em Rondonópolis 

Participante Escolaridade Nível do cargo ocupado
Madalena Superior Superior
Murilo Superior Médio
Maria Superior Médio
Marcos Superior Médio
Morgana Superior Superior

Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras a partir das entrevistas com os participantes.

A seguir, analisamos os eixos da pesquisa definidos para a entrevista com os servidores TAEs da UFMT/CUR.

Com relação à carga horária dos cursos, em geral, os participantes acham que estão adequadas, exceto o participante Marcos, que acha que poderia, dependendo do curso, ser reduzida, para que não se torne cansativo. Para ele, “Às vezes, você tem um curso que fica muito maçante pela carga horária muito extensa, então às vezes, dependendo do curso, dava para reduzir um pouquinho a carga horária e deixar ele um pouco mais prático” (Marcos, comunicação pessoal, 21 out. 2016).

Nesse sentido, assim como Rodrigues (2012, p. 138), entendemos que “o tempo é um fator importante no planejamento. As atividades devem ser sempre planejadas considerando um horário de início e de término. É muito importante que a duração exata seja preestabelecida e divulgada”.

Com relação ao material didático dos cursos, os participantes avaliaram que esses materiais são satisfatórios, exceto Madalena e Morgana, que afirmaram, respectivamente:

Teve um que era sobre ética, uma coisa bem teórica. (...) Acaba não sendo muito interativo, do que se fosse um vídeo (...) Mas atende os objetivos, em questão de trazer o que você precisa saber sobre o tema. (Madalena, comunicação pessoal, 20 out. 2016)

Acho fraco, pois geralmente são cópias de livros e/ou das legislações. (Morgana, comunicação pessoal, 21 out. 2016)

De acordo com Rodrigues (2012, p. 151) “independentemente do tipo de suporte ou da tecnologia utilizada, os materiais de apoio devem criar um diálogo com o aprendiz, orientando a aprendizagem e possibilitando a análise, a consulta, a dinamização dos conteúdos e a reflexão”.

Sobre a temática, todos os participantes relatam que deveriam ser propostos mais temas específicos para cada área de atuação. Morgana disse que até o momento não houve nenhum curso voltado para a sua área de atuação, que é a biblioteca (Morgana, comunicação pessoal, 21 out. 2016). O participante Marcos assinalou:

A cada ano, quando você faz a avaliação de desempenho, você solicita o curso que você gostaria de fazer, porém não funciona. Eles esperam uma quantidade X de repercussões para poder montar um curso (...). Então, eu acho que ao invés deles perguntarem “O que nós queremos”, eles poderiam dar uma lista de cursos que seriam ofertados e aí nós escolhemos dentre essa oferta qual o que melhor se enquadraria. (Marcos, comunicação pessoal, 21 out. 2016)

Para Moraes e Eboli (2012, p. 276) é necessário, inicialmente, realizar um diagnóstico das competências críticas organizacionais, “que, em síntese, são aquilo que a empresa sabe fazer de melhor, e/o deveria saber”. Esses autores falam da importância de definir os principais atributos de competência da instituição dentro de cada eixo definido e, em seguida, identificar o público que está relacionado com eles.

É fundamental, também, que o professor utilize os conteúdos da matéria para ajudar os alunos a desenvolverem competências e habilidades de observar a realidade, estabelecer relações entre um conhecimento e outro, capacidade de pensar por si próprios, fazer comparações entre fatos e acontecimentos e formar conceitos para lidar com eles cotidianamente, para que sejam instrumentos mentais usados pelos alunos nas situações da sua vida prática (Libâneo, 2001).

Desse modo, percebemos o quanto é importante a dedicação para elaborar um material de qualidade, para que este colabore na aprendizagem do estudante. Nesse sentido, concordamos que o material se torna mais interessante quando é escrito de uma forma clara, objetiva e quando possui exemplos práticos, como estudos de caso. Sobre a temática, achamos necessário também que sejam ofertados cursos que abranjam, de uma forma mais específica, cada área de atuação, anseio revelado pelos participantes desta pesquisa.

Com relação à plataforma EAD, os participantes elogiaram a plataforma Moodle, utilizada pela UFMT, dizendo que ela é “tranquila” de acessar e não costuma dar problema. Marcos ressaltou que: “A plataforma Moodle, no meu ponto de vista, é a melhor que nós temos para educação a distância e a que promove a melhor interação” (Marcos, comunicação pessoal, 21 out. 2016).

Como esclarece Ricardo (2012, p. 58), AVA “é um software, que une os recursos digitais da informática e da comunicação, auxiliando o armazenamento e a circulação de conteúdos”. A autora afirma, ainda, que o Moodle é um ambiente virtual de aprendizagem que tem sido bastante adotado pelas instituições ultimamente.

Sobre o método de ensino dos cursos, a maioria dos participantes optou por não expressar sua opinião. Marcos disse apenas que “o método de ensino vai muito de acordo com cada instrutor” (Marcos, comunicação pessoal, 21 out. 2016). Rodrigues (2012) aponta que,

Em Educação Corporativa, a metodologia deve ser baseada na análise de experiências e de situações de vida, e não simplesmente em assuntos teóricos. As técnicas que utilizam a experiência dos aprendizes, como os trabalhos em grupo, os exercícios de simulação, as atividades de resolução de problemas e os estudos de caso, são mais eficazes do que as técnicas de transmissão. (Rodrigues, 2012, p. 140)

Sobre as formas de avaliação, Madalena e Marcos as consideraram, em geral, satisfatórias. Já os outros participantes emitiram as seguintes opiniões:

A avaliação depende do instrutor. Algumas atividades (...) não tem muito sentido prático. (...) acaba sendo uma avaliação desvinculada da realidade. (Murilo, comunicação pessoal, 20 out. 2016)

Eu acho que aprende mais com a atividade escrita, do que com o questionário, porque o questionário se você responder um colega acaba passando para o outro, já que as questões são as mesmas. (Maria, comunicação pessoal, 20 out. 2016)

Eu acho que eles poderiam rever a forma de elaborar os exercícios. Poderiam trazer coisas mais voltadas para a nossa realidade, colocando estudo de caso, por exemplo. (Morgana, comunicação pessoal, 21 out. 2016)

As avaliações, portanto, não possuem um padrão estabelecido. Conforme as falas dos entrevistados, cada curso possui um tipo de avaliação, sendo a sua forma definida pelo instrutor. Na maioria das vezes, trata-se de questionários e, outras, de uma prova escrita.

De acordo com Rodrigues (2012), o adulto é motivado a aprender a partir de suas necessidades, vivências e interesses. Nessa direção, a aprendizagem de adultos deve ser significativa, isto é, deve ter significado para cada indivíduo. Então, não tem o fim de acumular conteúdos, e sim de solucionar problemas. Desse modo, o aluno deve perceber qual será a utilidade do aprendizado na sua vida pessoal e/ou profissional.

Destarte, apesar das divergências de opiniões entre os participantes sobre o formato das avaliações, chegamos ao entendimento que, independentemente do formato, as avaliações devem estar relacionadas com a realidade do servidor, trazendo questões práticas do seu dia a dia.

No que concerne à relação entre tutor-aluno e aluno-aluno, é essencial existir uma boa relação entre todos os envolvidos no processo de aprendizagem, para que essa dinâmica aconteça da melhor forma possível. Conforme Freire (2015a, p. 109) “o diálogo é uma exigência existencial”, pois a dialogicidade deve começar antes mesmo de o educador-educando se encontrar “com os educando-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes” (Freire, 2015a, p. 115).

Sobre as relações tutor-aluno e aluno-aluno, os participantes refletiram:

Eu acho que teria que haver o diálogo desde a parte de propor e realizar um novo curso. (Madalena, comunicação pessoal, 20 out. 2016)

(...) como em geral são poucos tutores (...) você não consegue ter um diálogo. Mas eles sempre estão disponíveis, você consegue se comunicar via plataforma, via e-mail, eles se colocam sempre bastante acessíveis. A maior parte deles pelo menos. (Murilo, comunicação pessoal, 20 out. 2016)

(...) já fiz curso que o professor foi lá na plataforma e respondeu tudo certinho e teve outros que o professor não respondia de forma alguma. (Maria, comunicação pessoal, 20 out. 2016)

Os cursos mais técnicos, eles pecam um pouco na dialógica, nessa interação e depende muito também do instrutor. A gente ainda tem, infelizmente, alguns instrutores (...) que ainda trazem (...) aquela formação bancária (...) Acho que essa formação mais dialógica ela pode ser melhorada dentro da universidade como um todo. (Marcos, comunicação pessoal, 21 out. 2016)

Nos cursos virtuais não existe diálogo. Nos fóruns a gente fica com vergonha de digitar. (Morgana, comunicação pessoal, 21 out. 2016)

O pensamento de Marcos converge com o exposto por Freire (2015a), na sua obra Pedagogia do Oprimido, em que traz o termo e o significado da percepção bancária da educação, que é, para esse autor, um instrumento de opressão, pois “a educação se torna um ato de depositar, em que os estudantes são os depositários e o educador, o depositante”, afirmando, ainda, que “em lugar de comunicar-se, o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a percepção ‘bancária’ da educação” (Freire, 2015a, p. 80).

Conforme Rodrigues (2012), essas são algumas funções que um instrutor deve desempenhar:

mediar à troca de informações e saberes; (...); dinamizar as relações aluno-aluno e aluno-material didático para garantir a aprendizagem e o fluxo comunicacional; (...); incentivar os aprendizes a compartilhar problemas, soluções e aprendizagens; identificar as dificuldades e necessidades dos aprendizes (...); valorizar os conhecimentos prévios que cada aprendiz traz consigo; promover a interatividade, a troca entre os aprendizes. (Rodrigues, 2012, p. 130)

Nessa perspectiva, entendemos que cada servidor técnico-administrativo tem muito a colaborar nos cursos de capacitação, pois eles trazem consigo uma grande bagagem de experiências pessoais, profissionais e acadêmicas que precisam ser valorizadas e compartilhadas com os demais, para que as aulas sejam mais dinâmicas, interessantes e ricas em aprendizagem.

Com relação à motivação para participar dos cursos de capacitação, os participantes são unânimes ao dizer que um dos motivos que os levam a fazer os cursos de capacitação é a progressão na carreira, além da obtenção de aprimoramento pessoal e profissional. O que os participantes fazem questão de deixar claro é que se os cursos fossem mais específicos, eles os fariam independentemente da progressão. Murilo (2016) e Marcos (2016) declararam:

Os cursos de capacitação acabam sendo oportunidade de conhecimento, de aprendizagem, embora nem sempre eles venham de encontro àquilo que a necessidade real do nosso dia a dia. Eles acabam contribuindo de alguma forma, pois todo conhecimento é válido, além do que eles são peças-chave na progressão dos servidores. (Murilo, comunicação pessoal, 20 out. 2016)

(...) Eu acredito que se esses cursos passassem a ser um pouco mais específicos a gente faria independente da progressão, a gente faria pelo conhecimento, pela formação profissional em si. (Marcos, comunicação pessoal, 21 out. 2016)

As falas dos participantes confirmam aquilo que enfatiza Rodrigues (2012, p. 126), isto é, que “o adulto se motiva a aprender a partir de sua vivência, de suas necessidades e de seu interesse. A aprendizagem de adultos deve ser significativa, ou seja, deve ter significado para cada indivíduo”.

Compreendemos, assim, que a progressão funcional é uma grande motivação para que os TAEs participem dos cursos de capacitação. Outra grande motivação é quando estes cursos são diretamente ligados à área de atuação do servidor, tornando-se mais interessantes ao servidor, representando a oportunidade de ampliar os conhecimentos de sua própria área.

No que tange à percepção geral sobre os cursos de capacitação ofertados pela UFMT, cada um dos participantes assim se manifestou sobre este eixo da pesquisa:

por mais que o curso seja interativo, eu acho que peca um pouco por ser à distância (Madalena, comunicação pessoal, 20 out. 2016)

Eles são interessantes, já que é uma proposta de aperfeiçoamento do pessoal, mas eu vejo que muitas vezes (...) a gente não consegue definir, ter muito clara essa relação com aquilo que a gente precisa no dia a dia. (Murilo, comunicação pessoal, 20 out. 2016)

Eu acredito que a oferta é pouca. (...) a gente solicita uma coisa e vem outra (...) esse ano vieram os mesmos cursos de sempre (...) eu acho que poderia ter uma diversidade maior. (Maria, comunicação pessoal, 20 out. 2016)

Eu vejo muitas falhas ainda nesses cursos. (...) oferta deles é pequena (...) Você tem um curso muito amplo e que muitas vezes não agrega nada para você no seu dia a dia. (Marcos, comunicação pessoal, 21 out. 2016)

Os cursos de capacitação (...) deveriam ser voltados para a área de atuação de cada servidor (...) Nós da biblioteca sempre pedimos (...) cursos voltados para a nossa área específica, mas nunca foi atendido (...) (Morgana, comunicação pessoal, 21 out. 2016)

As opiniões dos participantes ecoam o que Goulart e Pessoa (2004, p. 107) asseveram: “As soluções de aprendizagem devem ser centradas em aprendizagens significativas e garantir o estreito vínculo entre o conhecimento e a realidade de trabalho do empregado”.

Importante dizer que, conforme Goulart e Pessoa (2004), a conscientização dos gestores e dos instrutores de aprendizagem é o passo principal para propagar, na instituição, uma cultura de que a capacitação é essencial para a sobrevivência da organização.

Nesta perspectiva, depreendemos que a maior demanda está em relação à temática dos cursos, pois os cursos de capacitação deveriam ser direcionados à área específica do servidor, a fim de ajudá-lo a solucionar as dificuldades do dia a dia. Além disso, a UFMT deveria ofertar mais cursos e atender aos pedidos de cursos que os servidores fazem, anualmente, na avaliação de desempenho. É importante também oferecer cursos presenciais, pois alguns tipos de cursos pecam por serem a distância, e mesmo estes, poderiam contar com atividades que possibilitassem uma maior interação entre alunos e instrutor.

Dimensões exclusoras e dimensões transformadoras

Com base nas falas dos participantes desta pesquisa, temos como dimensões exclusoras: a carga horária extensa; o material didático muito teórico; o não atendimento aos cursos solicitados pelos TAEs; o fato de serem oferecidos, de forma recorrente, os mesmos cursos; cursos com temáticas muito amplas, que não ajudam muito na rotina de trabalho do servidor; poucas vagas, mesmo nos cursos a distância; as avaliações não são baseadas em exemplos práticos do cotidiano; pouco ou nenhum diálogo nos cursos ofertados, principalmente nos cursos a distância, não apenas durante o curso, mas também em todo o processo de planejamento.

As dimensões transformadoras passam pela ideia de que, a princípio, é preciso aumentar a oferta dos cursos, para que todos tenham a possibilidade de realizá-los. Cumpre, ainda, buscar um diálogo direto com os servidores e as chefias para conhecer de perto as dificuldades que os servidores enfrentam diariamente na sua área de atuação. É preciso disponibilizar novos cursos que contemplem as temáticas demandadas pelos servidores, assim como aprimorar o material e as avaliações, focando em exemplos e questões práticas da atividade profissional. É importante buscar outros métodos de ensino principalmente nos cursos a distância, para tornar a aprendizagem mais atrativa, mais voltada para o diálogo e para o compartilhamento de experiências e saberes.

Considerações finais

Nesta pesquisa, analisamos a percepção dos TAEs sobre os cursos de capacitação ofertados pela UFMT e, através das entrevistas em profundidade, foi possível alcançar o entendimento acerca dos objetivos que nos propomos pesquisar.

Com esta pesquisa, percebemos que a aprendizagem dialógica pode ser uma forma de minimizar as dificuldades enfrentadas também na educação corporativa, pois a aprendizagem dialógica prima por uma aprendizagem que procura, dentre outros aspectos: o diálogo igualitário entre os sujeitos; a transformação das relações entre as pessoas por meio do diálogo; a construção de espaços de convivência compartilhada e dialogada através da interação social e a aprendizagem para todas as pessoas, orientando-as para uma vida melhor através das mudanças sociais.

Por fim, ressaltamos que esta pesquisa não tem o intuito de generalizar as concepções que todos os servidores técnicos do Câmpus de Rondonópolis têm sobre os programas de capacitação da UFMT. Nem também almejamos com essa pesquisa esgotar os estudos acerca desta temática, pelo contrário, sugerimos, para investigações futuras, a construção de uma proposta de transformação para o programa de capacitação da UFMT/CUR.

2A interdisciplinaridade é “(...) um método de pesquisa e de ensino suscetível de fazer com que duas ou mais disciplinas interajam entre si” (Marques, 2000, p. 57).

Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação.

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Recebido: 28 de Dezembro de 2018; Aceito: 22 de Junho de 2021; Publicado: 21 de Junho de 2021

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