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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.44 no.1 Porto Alegre jan./abr 2021  Epub 20-Jul-2021

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2021.1.33068 

Outros Tema

Políticas internas de internacionalização do ensino superior: um desafio à universidade contemporânea

Internal policies for internationalization of higher education: a challenge to contemporary university

Políticas internas de internacionalización de la enseñanza superior: un reto a la universidad contemporánea

Louise de Quadros da Silva1 

Mestra em Educação pela Universidade La Salle (UNILASSALE), em Canoas, RS, Brasil. Secretária da Reitoria da Universidade La Salle (UNILASSALE), em Canoas, RS, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-8632-3374

Hildegard Susana Jung1 

Doutora em Educação pela Universidade La Salle (UNILASSALE), em Canoas, RS, Brasil. Docente do Curso de Pedagogia e pesquisadora do PPG em Educação da Universidade La Salle (UNILASSALE), em Canoas, RS, Brasil.


http://orcid.org/0000-0001-5871-3060

Paulo Fossatti1 

Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, em Porto Alegre, RS, Brasil. Reitor da Universidade La Salle (UNILASSALE), em Canoas, RS, Brasil; docente do PPG em Educação da mesma instituição.


http://orcid.org/0000-0002-9767-5674

José Alberto Antunes de Miranda1 

Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre, RS, Brasil. Assessor de Assuntos Interinstitucionais e Internacionais e docente do PPG em Direito e Sociedade da Universidade La Salle (UNILASSALE), em Canoas, RS, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-5338-4728

1Universidade La Salle (UNILASSALE), Canoas, RS, Brasil.


Resumo:

O tema do artigo são as políticas internas de internacionalização em uma universidade comunitária da Região Sul do Brasil. O objetivo consiste em suscitar o debate sobre políticas internas de internacionalização do ensino superior. Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo que utilizou dados de um diário de campo, a fim de observar a situação de uma universidade comunitária da Região Sul do Brasil, conforme as fases do processo descritas por Stallivieri e os dilemas encontrados em cada uma. Apontamos a importância do planejamento e da constante reavaliação no processo de internacionalização no ensino superior, além de atenção a indicadores de gestão como o desenvolvimento de estudantes globais atentos ao interculturalismo, aprendizado de línguas estrangeiras, pouco investimento e escassez de programas e sistemas de formação docente, adaptação cultural, incentivo à pesquisa em rede e a internacionalização do currículo. Verificamos a relevância dada pela instituição pesquisada para esse tema, porém, indicamos uma melhor elaboração de algumas fases da internacionalização e um monitoramento constante nos principais temas: formação docente; dificuldades na comunicação (língua); pesquisa e currículo; e adaptação cultural.

Palavras-chave: gestão educacional; internacionalização; ensino superior; fases da internacionalização

Abstract:

The theme of the article is the internal policies of internationalization at a community university in the southern region of Brazil. The objective is to raise the debate on internal policies of internationalization of higher education. It is a qualitative research, which used data from a field diary in order to observe the situation of a community university in the southern region of Brazil, according to the stages of the process described by Stallivieri and the dilemmas found in each one. We point out the importance of planning and constant revaluation in the process of internationalization in higher education, in addition to attention to management indicators such as the development of global students attentive to interculturalism, foreign language learning, little investment and scarcity of programs and teacher training systems, cultural adaptation, incentive to network research and internationalization of the curriculum. We verified the relevance given by the institution researched for this topic, however, we indicate the best elaboration of some phases of internationalization and strong monitoring in the main themes: Teacher training; Difficulties in communication (language); Research and curriculum; Cultural adaptation.

Keywords: educational management; internationalization; higher education; stages of internationalization

Resumen:

El tema del artículo son las políticas internas de internacionalización en una universidad comunitaria de la región sur de Brasil. El objetivo consiste en suscitar el debate sobre políticas internas de internacionalización de la enseñanza superior. Se trata de una investigación cualitativa, que utilizó datos de un diario de campo para observar la situación de una universidad comunitaria en la región sur de Brasil, de acuerdo con las etapas del proceso descrito por Stallivieri y los dilemas encontrados en cada uno. Señalamos la importancia del planeamiento y constante reevaluación en el proceso de internacionalización en la enseñanza superior, además de atención a indicadores de gestión como el desarrollo de estudiantes globales atentos al interculturalismo, aprendizaje de lenguas extranjeras, poca inversión y escasez de programas y sistemas de formación docente, adaptación cultural, incentivo a la investigación en red e internacionalización del currículo. Verificamos la atención de la institución investigada a este tema, pero indicamos la mejor elaboración de las fases de la internacionalización y fuerte monitoreo en los principales temas: Formación docente; Dificultades en la comunicación (lengua); Investigación y currículo; Adaptación cultural.

Palabras chave: gestión educacional; internacionalización; enseñanza superior; fases de la internacionalización

Ao nos depararmos com o atual cenário educacional, em que precisamos constantemente inovar para manter os estudantes interessados, destacamos a educação global. Conceito este que, segundo Hudzik (2014), não é novo e teve suas raízes e princípios há milhares de anos em grandes centros educacionais que atraíram acadêmicos e estudantes de diversos lugares.

Miranda e Stallivieri (2017, p. 590) dizem que: “A internacionalização das Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras têm sido, nos últimos anos, tema recorrente no âmbito das discussões sobre educação superior”. Esta realidade é bastante comentada e instigada, mas ainda possui baixa produção teórica a partir de visões de países com características como as do Brasil, que não possui políticas de incentivo à internacionalização bem consolidadas. As instituições educacionais precisam desenvolver indivíduos preparados para a compreensão de diferentes realidades e capazes de desenvolver soluções a partir de distintas experiências e percepções de outros países (Aupetit, 2017).

Notamos que a internacionalização na educação é relevante e tem se destacado por uma série de pontos positivos. Porém, para que essa seja realmente relevante, salientamos, a partir de alguns autores como Stallivieri (2017a, 2017b), Miranda e Stallivieri (2017), e Fossatti e Miranda (2015, 2018), a importância de um planejamento bem-elaborado. Além disso, esses autores apresentam dilemas que normalmente são enfrentados no processo de implementação da educação global em um país como o Brasil, como a falta de documentos governamentais que tenham foco na internacionalização na educação. Neste sentido, percebemos a importância do nosso tema de pesquisa, que se justifica por buscar conhecimentos sobre a internacionalização a fim de fomentar sua apropriação.

Para a elaboração do referencial teórico realizamos uma pesquisa de cunho qualitativo, com o objetivo de suscitar o debate sobre políticas internas de internacionalização do ensino superior. Além disso, foi utilizado um diário de campo a fim de observar a situação de uma universidade comunitária da Região Sul do Brasil, conforme as fases do processo descritas por Stallivieri e os dilemas encontrados em cada uma.

Após esta breve introdução, realizamos a descrição mais detalhada do processo metodológico. O referencial teórico está dividido em quatro tópicos, a saber: (a) Formação docente; (b) Língua estrangeira; (c) Pesquisa e currículo; e (d) Cultura. A análise dos dados contém os resultados e, por fim, as considerações finais trazem indicações para futuras pesquisas e as limitações do estudo.

Metodologia de pesquisa

A pesquisa é um estudo teórico qualitativo que busca compreender um ou poucos fenômenos de forma mais detalhada. Seu objetivo consiste em suscitar o debate sobre políticas internas de internacionalização do ensino superior. Dentre suas tipologias, optamos pela bibliográfica de cunho qualitativo, pois essa, conforme Gerhardt e Silveira (2009, p. 69): “(…) fundamenta-se em fontes bibliográficas; ou seja, os dados são obtidos a partir de fontes escritas, portanto, de uma modalidade específica de documentos que são obras escritas, impressas em editoras, comercializadas em livrarias e classificadas em bibliotecas”.

Para que pudéssemos debater sobre as políticas internas de internacionalização do ensino superior desenvolvemos um diário de campo pelo qual avaliamos as ações de internacionalização no dia a dia de uma instituição de ensino superior, além de um relato de experiência. Para verificar possíveis indicadores de que a teoria condiz ou não com a prática, realizamos essa observação em uma turma com 15 alunos do programa de pós-graduação de uma universidade comunitária da Região Sul do Brasil (Gerhardt & Silveira, 2009). A escolha da instituição se deu por essa possuir ações de internacionalização há pelo menos 5 anos.

Na sequência, para a análise de dados, nos embasamos em Bardin (2011, p. 125), que descreve os seguintes passos: “1) a pré-análise; 2) a exploração do material; 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação”. E, nesse sentido, buscamos aproximações e distanciamentos entre a bibliografia pesquisada e as observações realizadas através do diário de campo. Assim como também efetuamos, a posteriori, a categorização das respostas obtidas nas duas atividades observadas para o relato de experiência por meio da plataforma WriteWords.2 Nosso diário de campo foi constituído a partir de observações dos autores sobre as ações de internacionalização da instituição, bem como suas decisões em prol de projetos neste sentido.

Análise e discussão dos resultados

Percebemos que “(…) a internacionalização chega como redefinição de posicionamento das instituições no cenário da educação superior e quase como forma de sobrevivência” (Stallivieri, 2017a, p. 28). Nesse sentido, cabe às universidades atenção às novas necessidades e busca por adequação ao que os estudantes em geral querem e precisam.

Vemos que “(…) o ensino superior foi internacionalizado desde o início das universidades na Europa medieval, quando havia um meio comum de instrução, o latim, e tanto os estudantes como os professores rotineiramente mudavam de país para país”3 (Altbach, 2015, p. 2). De acordo Maués e Bastos (2017) esse termo não é novidade, do mesmo modo que Knight (2004, pp. 8-9) destaca: “Ele tem sido usado há séculos na ciência política e nas relações governamentais, mas sua popularidade na educação aumentou apenas desde os anos 804”. O autor sustenta que, enquanto na década de 1980 o termo se referia basicamente a atividades de internacionalização, mais recentemente tem-se a compreensão da internacionalização enquanto um processo em âmbito educacional e como uma das demandas da gestão.

Mano (2015, p. 77) entende que “(…) uma instituição capacitada para formar cidadãos de e para um mundo global tem de ter políticas de internacionalização transversais a toda a sua atividade, desde políticas de contratação de docentes e funcionários (…)”. Nesse sentido, Blight et al. (1999) indicam que esse processo inclui o contexto de internacionalização, a cultura e a política institucional, suas declarações de missão, planos de gestão e negócios, estrutura organizacional para internalização, políticas de pessoal e institucionalidade.

Conforme Franklin et al. (2017), o objetivo da internacionalização de adquirir conhecimento, se mantém desde a Idade Média. Assim, compreendemos que se trata de “(…) diálogo (trabalhos conjuntos, cooperação, intercâmbio, adequação das estruturas institucionais, conflitos e problemas surgidos) com outras universidades ou organizações variadas (empresas, governos, agências internacionais, ONGs) do mundo exterior à fronteira”, envolvendo o ensino, a pesquisa e/ou a extensão (Laus, 2012, p. 167). A internacionalização do ensino superior não se refere “(…) somente à organização de atividades internacionais, tampouco o simples fato de se ter programas de intercâmbio caracteriza uma universidade como uma instituição internacional” (Franklin et al., 2017, p. 131). Nesse trabalho destacamos, dentre outras ações, a educação global, a partir da necessidade de internacionalização do currículo, bem como a pesquisa em conjunto com estudantes ou professores de outros países. Do mesmo modo, Morosini (2006, p. 118) diz que as estratégias de internacionalização “Inicialmente relatavam intercâmbios, alunos-convênios e outros casos esporádicos e passam à priorização da experiência internacional no mundo globalizado”.

Luce et al. (2016) e Nokkala (2007) entendem que a educação global impulsiona as instituições de ensino superior ao encontro das necessidades dos estudantes, como o desenvolvimento a partir de situações reais e a compreensão de outras realidades, e afirmam que, para um país em desenvolvimento como o Brasil, é essencial investir em internacionalização educacional para sua inserção no mundo globalizado.

A educação global pode agregar valor cultural aos estudantes, pois como esclarecem Franklin et al. (2017, p. 131): “Desde a Idade Média, a troca de conhecimento entre culturas diferentes era vista como algo engrandecedor e fundamental nas universitas (…). Já na era contemporânea, a globalização moldou uma sociedade em que tudo se tornou mais acessível, prático, rápido e padronizado”. Da mesma forma, percebemos que “experiências internacionais trazem maior compreensão, conhecimento táctico, levando as pessoas a entender como e por que as coisas são feitas de forma diferentemente em outros países e quais são suas consequências”5 (Nokkala, 2007, p. 121). De acordo com Nokkala (2007, p. 121) “As pessoas precisam saber viver em uma sociedade multicultural e global” 6, por isso já não é possível viver sem conhecimento internacional.

Vemos que a internacionalização na educação é benéfica e impulsiona as instituições em direção às necessidades educativas do mundo globalizado, respeitando suas diferenças, “(…) para os países em desenvolvimento, como o Brasil, investir na internacionalização da educação superior é, sem lugar a dúvidas, um processo a ser considerado, fundamental para a sua inserção no mundo globalizado, em condições de soberania” (Luce et al., 2016, p. 320). Porém, conforme Miranda e Stallivieri (2017, p. 591) há “(…) inexistência de documentos do governo brasileiro que explorem, de forma mais clara, a internacionalização da educação superior e que tratem a mesma como uma política pública”. Este se torna ainda mais difícil tendo inúmeras dificuldades a serem enfrentadas, como por exemplo “(…) adaptação cultural, dificuldades na comunicação e no desempenho linguístico, reprovação nos cursos para os quais se candidataram, cancelamento ou baixo rendimento nos resultados das disciplinas que inicialmente estavam programadas para serem desenvolvidas no exterior” (Stallivieri, 2017a, p. 21), além de baixo aproveitamento de créditos e baixo rendimento acadêmico.

Stallivieri (2017a, p. 57) salienta que a “(…) definição das ações de internacionalização devem estar rigorosamente alinhadas com o plano de ação institucional” antes de serem executadas. Complementando, Fossatti e Miranda (2015, p. 3) dizem que: “Não há um modelo único de estratégia de internacionalização. Geralmente o documento estratégico das IES começa com a missão e visão institucional com objetivos relativos à internacionalização”. Isso ocorre porque o Brasil não possui uma política pública de internacionalização da educação superior elaborada, apenas documentos produzidos por agências educacionais que, muitas vezes, não têm continuidade, nem indicação estratégica do que se quer a partir do processo de internacionalização das IES brasileiras para o país (Fossatti & Miranda, 2018, p. 274). Neste sentido, os autores compreendem que nos falta uma política de Estado para a internacionalização, pois “Ainda há no Brasil um desinteresse muito grande pelo global ou a simples assimilação do mesmo, vendidos sob uma perspectiva funcional de necessidade de interculturalidade” (Fossatti & Miranda, 2018, p. 278).

Como notamos, a educação global é muito discutida e considerada importante para o ensino brasileiro, apesar das dificuldades na elaboração de políticas públicas que contribuam para que as IES desenvolvam os seus parâmetros. Luciane Stallivieri (2017a) destaca que, se os mecanismos não forem bem elaborados e adequados, as instituições, ao invés de obterem bons resultados, poderão distorcer o processo pela inadequação da internacionalização ao projeto de desenvolvimento nacional e, também, ao desenvolvimento acadêmico e tecnológico da própria universidade. Por consequência, é essencial possuir um planejamento levando em consideração o ciclo do processo, assim como descreve Stallivieri (2017a) na Figura 1.

Fonte: Elaboração própria a partir de Stallivieri (2017a).

Figura 1 Ciclo da internacionalização. 

Desse modo, entendemos que o processo de internacionalização de uma instituição passa por seis principais fases, a saber:

  1. Conscientização.

  2. Engajamento.

  3. Planejamento.

  4. Operacionalização.

  5. Análise e revisão.

  6. Fortalecimento ou feedback.

Lembramos que para obter resultados positivos, é imprescindível possuir uma organização das ações a serem realizadas em cada etapa. O primeiro passo, conforme Stallivieri, nos indica a relevância de descrever e salientar sobre a importância da internacionalização para que se possa chegar à etapa de engajamento com todos envolvidos e conscientizados da importância desse processo. Após, temos o próprio planejamento, no qual a instituição precisa elaborar as metas a partir de suas forças e fraquezas, para logo adiante colocar em prática tais ações na operacionalização, as quais deverão passar por uma análise e revisão com o propósito de verificar quais os procedimentos deram ou não certo. E, assim, será possível realizar os devidos ajustes e concluir o ciclo com incentivos e motivações para o fortalecimento daqueles que auxiliaram na promoção do processo e dar feedback para todos os envolvidos.

Políticas institucionais para internacionalização

O governo brasileiro não dispõe de uma política pública clara para a internacionalização das IES. Miranda e Stallivieri salientam que não se observa isso de forma consistente nos documentos analisados no Brasil, carecendo ainda de indicações claras sobre as formas que a internacionalização da educação superior, a partir dessas motivações, contribuirá para o fortalecimento da posição internacional do Brasil no sistema mundial da educação. Não é possível identificar como o país estrategicamente pretende se fazer presente de forma ativa no cenário internacional da educação, por meio da participação de seu sistema de ensino superior (Miranda & Stallivieri, 2017).

Há ações pontuais, como o incentivo ao intercâmbio a partir do ousado programa Ciência sem Fronteiras, que foi implantado a partir de 2011 pelo Governo Federal, porém não teve continuidade (Brasil, 2018). Esse programa incentivou alunos da graduação e da pós-graduação, de instituições públicas ou privadas, a estudar no exterior por meio de bolsas financiadas pelo Governo Federal, além de bolsas que fomentam a vinda de renomados pesquisadores do exterior. Promovido, conforme descrevem Maués e Bastos (2017, p. 339) “(…) pelo Ministério de Relações Exteriores, Ministério de Ciências e Tecnologias, Inovação e Comunicação e pelo Ministério da Educação e executado pela CAPES e CNPq.”

Não existem políticas fomentadoras da educação global por parte do governo com continuidade, há normativas que são criadas por diferentes governos, como o atual Programa Institucional de Internacionalização da CAPES (PrInt), uns dos mais avançados exigidos para as IES, que tem como objetivos:

Fomentar a construção, a implementação e a consolidação de planos estratégicos de internacionalização das instituições contempladas nas áreas do conhecimento por elas priorizadas; Estimular a formação de redes de pesquisas internacionais com vistas a aprimorar a qualidade da produção acadêmica vinculadas à pós-graduação; Ampliar as ações de apoio à internacionalização na pós-graduação das instituições contempladas; Promover a mobilidade de docentes e discentes, com ênfase em doutorandos, pós-doutorandos e docentes para o exterior e do exterior para o Brasil, vinculados a programas de pós-graduação stricto sensu com cooperação internacional; Fomentar a transformação das instituições participantes em um ambiente internacional; e Integrar outras ações de fomento da Capes ao esforço de internacionalização. (Capes, 2018)

Porém, sabemos que a “(…) internacionalização constitui, hoje, uma das forças que mais impacta e define a Educação Superior, pois é um dos mais importantes desafios frente ao novo século” (Fossatti & Miranda, 2018, p. 275). A instituição que deseja manter-se no mercado e acompanhar as necessidades da sociedade precisa estar atenta à questão da globalização, tema que está em foco em muitos países. Assim, vale ressaltar que o processo de internacionalização precisa estar bem alinhado aos objetivos institucionais, além de ter todos os envolvidos conscientes e engajados à mudança. Stallivieri (2017a, p. 29) complementa que ao dar este início, a instituição “(…) deve adotar uma agenda proativa em relação a esse processo, reavaliando o conjunto de suas ações estruturantes, seus objetivos, sua missão e sua visão, bem como o que pode desencadear em decorrência esse posicionamento”. No caso da universidade em questão, foi possível observar que o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) contempla uma política de internacionalização, projetos especiais de internacionalização, estando esse aspecto inclusive presente na visão da Instituição.

A universidade, juntamente com seus docentes e líderes precisa definir entre si e os demais envolvidos a importância de uma consciência global e, além disso, seu plano de internacionalização deve estar nas políticas da instituição (Stallivieri, 2017b; Aupetit, 2017). O próprio documento CAPES PrInt estabelece essa necessidade.

As políticas de internacionalização das instituições educacionais, conforme Krawczyk (2008, p. 45) “(…) encontram-se principalmente no campo de Cooperação Internacional de diferentes instituições governamentais de desenvolvimento de recursos humanos de ensino superior e de desenvolvimento científico e tecnológico”. No entanto, Altbach (2015) indica que a globalização já é uma característica fundamental para as instituições de ensino.

Mano (2015, p. 255) lembra que existem diferentes maneiras de promover uma educação globalizada quando afirma que, além do intercâmbio e da mobilidade acadêmica, a internacionalização no ensino superior engloba “(…) igualmente oferta de cursos e publicações científicas em inglês e outras línguas estrangeiras, políticas de incentivo à atração de estudantes e pesquisadores estrangeiros para a formação do corpo docente e discente internacional”. Sendo que, a internacionalização deve ter início em casa, a fim de oportunizar a todos os estudantes o desenvolvimento de perspectivas e capacidades interculturais por meio de atividades internas (Robson, 2017). Existem alguns elementos que devem receber certa atenção nesse processo. Dentre eles elegemos quatro para a discussão a seguir: (a) Formação docente; (b) Língua estrangeira; (c) Pesquisa e currículo; e (d) Cultura. Após, debatemos sobre as dificuldades e as possíveis estratégias para cada um destes tópicos.

Formação docente. No que tange à formação docente, entendemos que a preparação destes profissionais para as exigências de uma educação global se torna cada vez mais importante. Em conformidade com as palavras de Stallivieri (2017a, p. 20): “A formação em nível de graduação ou de pós-graduação com complementação no exterior passou a ser muito valorizada em função do novo perfil profissional que é solicitado pelo mercado”. A mesma autora ainda complementa que, nesse novo cenário, o mercado profissional passou a exigir profissionais mais qualificados, com diferentes habilidades e capacidades específicas, principalmente, aquelas que os possibilitem a agir com naturalidade em ambientes pluri e multiculturais (Stallivieri, 2017a, p. 28).

A maioria dos professores não foi formada para uma realidade de globalização e precisa de um acompanhamento mais específico. Neste sentido, nos colocamos em conformidade com Miranda e Fossatti (2018, p. 284) quando argumentam que “Grande parte dos docentes não estão preparados para ensinar em contextos interculturais e multiculturais e, em alguns casos, os seus sistemas de compreensão de mundo são resistentes a esses contextos”. Desta maneira, notamos que as IES “(…) que estão desenvolvendo seu processo de internacionalização investem na qualificação de seus professores e na formação de seus estudantes, e o fazem pela oferta de programas de capacitação realizados em instituições parceiras no exterior” (Stallivieri, 2017a, p. 41).

Outro exemplo são algumas associações, como a Associação de Educação Internacional no Brasil (FAUBAI), que incentiva as IES filiadas a desenvolverem programas de formação docente interna. O Consórcio de Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung) e o seu equivalente no Estado de Santa Catarina (Acafe), também criaram grupos de trabalho dedicados à internacionalização das IES onde promovem o incentivo à formação docente. Destacamos que IES comunitárias são instituições públicas não estatais, sem fins lucrativos e com o objetivo de auxiliar no desenvolvimento da região onde atuam.

Língua estrangeira. Outro elemento bastante citado nas pesquisas em torno da educação internacional é a língua estrangeira, pois sem esse conhecimento o processo se torna mais difícil (Fossatti & Miranda 2018; Stallivieri, 2017a). Por vezes, o interesse de ter uma experiência no exterior ou mesmo ter entendimento sobre pesquisas de fora do país, é barrado pela falta do conhecimento de um segundo idioma. Mas, no Brasil, percebemos que grande parte dos estudantes não têm clareza sobre a importância da compreensão de outras línguas. A maioria dos educandos a partir do ensino básico e médio, chegam à universidade com um déficit grande de formação em línguas estrangeiras, principalmente os oriundos das escolas públicas que não têm condições econômicas de buscar esse aprendizado em cursos complementares fora da escola. Há, ainda, baixo incentivo governamental.

Da mesma forma, Miranda e Fossatti (2018) apontam que não apenas entre estudantes há essa dificuldade, mas também entre os docentes que não tiveram, muitas vezes, um aprendizado em línguas estrangeiras condizente para reforçar a importância do domínio das mesmas. A partir disso, compreendemos que:

O desenvolvimento do ensino em língua inglesa nas IES brasileiras é uma grande barreira no Brasil. Culturalmente, as IES brasileiras nunca deram importância à questão e, muitas vezes, adotaram um discurso nacionalista não observando de forma pontual as alterações que a globalização promovia no cenário internacional ante a importância do domínio de um segundo idioma. (Fossatti et al., 2015, p. 9)

Porém, para que o Brasil tenha um bom desenvolvimento no que se refere à internacionalização das IES, deverá desenvolver programas de fomento ao multilinguismo (Fossatti et al., 2015). Dentre as línguas do mundo, verificamos a inglesa como a mais destacada em pesquisas da contemporaneidade, assim como indicam Fossatti et al. (2015, p. 10), ao dizer que: “O domínio da língua inglesa em todos os níveis das IES brasileiras é importante para a boa gestão da internacionalização. O inglês é a língua franca no mundo, principalmente no ambiente da pesquisa acadêmica”.

Desse modo, compreendemos que a “instituição que colocar a oferta de cursos em línguas de comunicação internacional – por exemplo, a língua inglesa – certamente assegurará a internacionalização de suas unidades e será mais atrativa para a captação de estudantes internacionais” (Stallivieri, 2017a, p. 68). Dentre as possíveis ações, vemos a oferta de cursos de uma segunda língua como um item importante, assim como os incentivos institucionais aos professores para que ensinem também em uma língua estrangeira.

Pesquisa e currículo. Conforme Morosini (2006, p. 108) “[…] a universidade sempre teve como norma a internacionalização da função pesquisa”, mas somente a partir do processo de globalização da década de 1990 essa dimensão estendeu-se ao ensino.

Assim como os itens descritos anteriormente, a pesquisa e o currículo devem estar alinhados ao plano de internacionalização para que as propostas se concretizem, bem como percebemos na arguição de Miranda e Fossatti (2018, p. 285): “As aulas precisam estar a par dos aspectos internacionais das disciplinas e terem pesquisas internacionais em colaboração”. Possuir pesquisas em parceria com o exterior possibilita o desenvolvimento de temas de forma mais ampla. Assim, possibilita um currículo moldado para formar estudantes capazes de se desenvolver a partir de outras realidades para buscar soluções para diferentes problemas. Desse modo, vemos a importância da pesquisa em parceria com estrangeiros na fala de Stallivieri (2017a, p. 50) ao dizer que, a partir dessas atuações em rede, os pesquisadores “(…) conseguem identificar problemas comuns, encontram conjuntamente soluções para esses problemas, e estabelecem fortes laços de comunicação constante e fluida”.

A pesquisa também passou a ter mais a necessidade de colaboração internacional que no passado e está cada vez mais competitiva em sua natureza, uma vez que se percebe que o desenvolvimento de qualquer tema por apenas uma percepção ou ponto de vista não tem tanta sustentação quanto o desenvolvido em conjunto com outras realidades. As necessidades nacionais e internacionais de adquirir talentos acadêmicos são urgentes e os processos ante essas questões, como a constituição de patentes e transferência de conhecimento, exigem cada vez mais suporte. Algumas delas são: Planejamento de longo prazo no âmbito da infraestrutura de pesquisa, aumento da capacidade de pesquisa, desenvolvimento de novas plataformas de pesquisa e melhor coordenação entre as unidades de pesquisa exige um foco mais estratégico no desenvolvimento de capacidades e políticas e sistemas de pesquisa internacional (Knight & De Wit, 2018, p. 21). Percebemos, então, a relevância da pesquisa para a internacionalização. Do mesmo modo, encontramos alterações curriculares que dão suporte a essas e outras ações, porém, o currículo é algo ainda pouco explorado no Brasil e acreditamos que deve ter suas mudanças realizadas de maneira gradativa e com cautela.

A internacionalização do currículo como a integração das dimensões internacional, intercultural e global aos processos de ensino e aprendizagem da educação superior são fundamentais às agendas de internacionalização. Nesse estudo, a internacionalização do currículo é vista para melhoria da qualidade, para resolução dos problemas concretos das realidades locais e para os interesses efetivos de desenvolvimento dos países para emancipação e autonomia dos indivíduos.

Conforme Lima e Contel (2011) salientam, todo o processo de internacionalização se constrói e se desenvolve a partir da situação de cada sistema educacional com suas forças e fragilidades. Em um país como o Brasil a internacionalização do currículo deve contemplar essas diferenças a partir de nossa realidade.

Cultura. Seguindo nosso apanhado teórico, chegamos a um outro elemento interessante ao se falar de internacionalização: a cultura ou a multiculturalidade. Essa pode ser um item positivo, de interesse dos docentes e discentes, mas se esses não estiverem preparados para tais diferenças, possivelmente, se tornará um dilema.

Visto que, conforme Fossatti e Miranda (2018 p. 284), muitos docentes não estão preparados para contextos multiculturais. Ou seja, existem muitos professores e, por conseguinte, estudantes despreparados para as diversidades culturais, porém, sabemos que “Se um grande desafio para o ensino superior é formar cidadãos globais preparados para interagir em ambientes multiculturais” (Stallivieri, 2017b, pp. 32-33).

Portanto, é relevante preparar a instituição para a multiculturalidade e, assim, possibilitar um melhor aproveitamento das ações de internacionalização. Pois, essas “(…) expandem as habilidades interculturais dos estudantes devido ao aperfeiçoamento dos comportamentos interculturais e da compreensão de diferentes culturas” (Stallivieri, 2017b, p. 22).

Relato de experiência e diário de campo

A partir de nossa pesquisa bibliográfica percebemos que a internacionalização do ensino superior é algo que tem tomado cada vez mais importância no mundo acadêmico. Não podemos ignorar as mudanças que vêm ocorrendo, os benefícios e a complexidade de uma educação global, que conscientiza indivíduos sobre o mundo e os capacita a compreender outras culturas e realidades. Por outro lado, apontamos alguns elementos como dificultadores desse processo de mudança. Os itens frisados foram a formação docente, a língua estrangeira, a pesquisa e o currículo, e a cultura. Entre estes, foram destaque os dilemas enfrentados por professores e estudantes.

Nesse sentido, por meio do diário de campo, observarmos as atividades de uma instituição de ensino superior localizada na região metropolitana de Porto Alegre, no Sul do Brasil. Para tanto, nos apropriamos de documentos e notícias disponibilizadas na plataforma online da universidade (materiais que não serão citados para manter o anonimato da instituição), bem como dados obtidos por meio de participação em eventos internos, reuniões e seminários. Através desses buscamos discutir e indicar, conforme vemos no Quadro 3, as possíveis aproximações ou distanciamentos das seis fases do ciclo de internacionalização de Stallivieri (2017a).

Quadro 1 Situação da Universidade investigada em relação ao ciclo de Stallivieri (2017a) 

Fases do ciclo Relato a partir do diário de campo
Conscientização:
entendimento das razões, proporções, necessidades e benefícios da internacionalização para estudantes, funcionários, instituições de ensino e sociedade.
Verificamos momentos de palestras e oficinas sobre a internacionalização e suas vantagens, bem como o incentivo por parte dos docentes para que seus alunos buscassem conhecer mais sobre essas atividades.
Engajamento:
participação ativa de todos os níveis, como a alta administração, a equipe docente, o Governo, os funcionários e os estudantes.
Sobre a alta administração, constatamos que há um setor de internacionalização com colaboradores destinados para esse fim. No que toca ao Governo, a instituição possui alguns patrocínios para eventos e grupos de pesquisa, os quais ganhou por devida solicitação em editais. Professores e funcionários demonstram estar a par desse processo, porém, não tão bem-desenvolvidos para a internacionalização na educação. Assim como os estudantes que em maioria conhecem algumas ações de internacionalização, mas não possuem conhecimento aprofundado nem interesse.
Planejamento:
levantamento das necessidades e pesquisas, dos recursos disponíveis, os propósitos e objetivos, prioridades e estratégias.
A instituição pesquisada possui já em seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) um item específico para esse fim, além de incluí-lo entre seus princípios e metas. Isso demonstra que a universidade está comprometida com a internacionalização e o planejamento desse processo.
Operacionalização:
apresenta as possibilidades de realização dos objetivos, desenvolvendo atividades e serviços.
A universidade pesquisada possui redes de cooperação com outras instituições a fim de fomentar atividades de forma global. Assim como busca trazer eventos, cursos e congressos internacionais para promover aos estudantes momentos de contato com outras culturas. Dentre as prioridades, no que se trata de ações de internacionalização, a instituição aponta para: (a) participação nas redes de cooperação internacional; (b) incentivo à mobilidade acadêmica internacional para docentes, discentes e pesquisadores; (c) programas de investigação conjunta, instigando o desenvolvimento dos programas institucionais; (d) Acordos de cooperação internacional acadêmica, científica, técnica, didática e cultural; e (e) fomento de publicações conjuntas com instituições internacionais.
Análise e revisão:
aprimoração da qualidade dos programas, serviços e atividades.
Foram observadas ações de aprimoramento nas atividades de internacionalização, o que demonstra a preocupação por parte da instituição em rever seus processos de forma analítica. Verificamos que as ações de internacionalização são registradas no Strategic Adviser (SA) que se trata de um sistema que visa promover a gestão da inteligência e da estratégia nas organizações. Na instituição, o módulo Manager Systems mantém “(…) o registro dos indicadores e de suas posições em relação às suas metas, além de realizar a gestão dos planos de ação que contribuem com o atingimento de tais metas”.7
Fortalecimento ou feedback:
estímulo por reconhecimento e recompensas aos atores realmente engajados e comprometidos
Percebemos uma constante valorização de docentes e discentes que se comprometem com a internacionalização. A instituição cita nomes e convida aqueles que obtiveram alguma experiência nesse sentido para conversar com outros alunos e relatar suas vivências, valorizando e reconhecendo seu empenho.

Fonte: Elaboração própria a partir de Stallivieri (2017a).

É possível verificar, conforme o quadro anterior, que a instituição em questão possui conhecimento e aplica o ciclo de internacionalização. Porém, entendemos que ainda há fases que precisam ser reforçadas e melhor destacadas no campus, que possivelmente são aplicadas apenas de forma interna. No que tange à primeira fase, de conscientização, notamos que existem palestras e oficinas sobre a internacionalização, incentivando a mesma e trazendo exemplos aos estudantes e professores para que percebam a importância dessa. Em seguida, no engajamento, verificamos que a instituição possui um setor específico para essa finalidade. Além disso, possui patrocínios governamentais para eventos e grupos de pesquisa, o que indica participação de docentes e demais funcionários em ações de internacionalização, mas com raso conhecimento e interesse por parte de alguns.

Na terceira fase, que trata do planejamento, encontramos indícios de que a universidade se preocupa com tal questão, pois possui em seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) um item específico para esse fim, bem como alguns princípios e metas. Seguido da operacionalização, fase em que observamos que a instituição possui redes de cooperação com outras instituições a fim de fomentar a internacionalização por meio de eventos, cursos e congressos internacionais, assim como a participação nas redes de cooperação internacional, mobilidade acadêmica, programas de investigação conjunta, acordos de cooperação internacional acadêmica, científica, técnica, didática e cultural, e publicações conjuntas com instituições internacionais.

Já na análise e na revisão, quinta fase, observamos que a instituição utiliza um sistema para realizar o monitoramento das metas de internacionalização e, a partir daí, promover os ajustes de aprimoramento nas atividades de internacionalização, o que aponta um cuidado por parte da instituição em rever seus processos de forma analítica. Finalizando o ciclo, vemos que na fase de fortalecimento ou feedback, notamos a valorização que a universidade deposita naquelas pessoas que se comprometem com a internacionalização. Observamos isso em momentos em que os nomes daqueles que se envolveram de alguma forma nesse processo foram citados e convidados a expor suas experiências, a fim de valorizar e reconhecer seu empenho.

Portanto, percebemos que a universidade pesquisada está empenhada em desenvolver docentes, discentes e demais funcionários para a educação internacional e desenvolve todas as fases descritas por Stallivieri (2017a). No entanto, notamos que algumas fases ainda precisam ser melhoradas. Desse modo, consideramos importante verificar a situação das dificuldades, encontradas em nosso referencial, na realidade dessa IES, como podemos ver no Quadro 2.

Quadro 2 Dificuldades para a internacionalização na IES observada 

Dificuldades Descrição
Formação docente Devido à resistência de alguns docentes no processo de adaptação e formação continuada.
Dificuldades na comunicação (língua) Muitos alunos não têm conhecimento de uma segunda língua, impossibilitando pesquisas mais elaboradas, compressão de estrangeiros e mobilidade acadêmica.
Pesquisa e currículo Principalmente devido à questão da linguagem, mas também à falta de preparo de docentes e discentes para um currículo diferente do tradicional. Além disso, a pesquisa mostra-se internacionalizada no âmbito da pós-graduação, mas no âmbito de graduação ainda não há grande fomento à pesquisa e, muito menos, à sua internacionalização.
Adaptação cultural Já se percebem algumas ações de fomento ao conhecimento de outras culturas, principalmente, em eventos e presença de estrangeiros em atividades institucionais. Porém, ainda se constatam certas dificuldades na mobilidade acadêmica. Alguns estudantes não se adaptam ao realizarem intercâmbio.

Fonte: Elaboração própria a partir do referencial (2018).

A partir dos quadros 1 e 2, podemos considerar que referentemente à internacionalização, a situação da instituição pesquisada está ainda em processo de implementação e adaptação. Constatamos que a universidade está atenta a todas as fases de internacionalização descritas por Stallivieri (2017a) assim como os principais dilemas a serem enfrentados que esse autor descreve. Notamos que a instituição ainda não chegou a uma situação estável do processo pois ainda se apresenta dificuldades, resistências e fraquezas na internacionalização, porém, tem passado por reavaliação na busca contínua de melhoria. Dessa maneira, a partir do próprio PDI, em implantação, e o fortalecimento de uma cultura de internacionalização, a instituição poderá superar essas dificuldades.

Para nosso relato de experiência, observamos duas atividades realizadas com uma turma de 15 alunos da pós-graduação em Educação de nível stricto sensu da instituição de ensino superior comunitária da Região Sul do Brasil, considerando alunos de mestrado e doutorado. A primeira prática realizada pelo educador solicitou aos estudantes que realizassem, a partir de alguns textos sobre internacionalização lidos e discutidos em aula, uma matriz SWOT da Internacionalização da Educação (Básica e Superior no Brasil). A partir dessa, verificamos as palavras que mais aparecem de cada viés – descartando palavras sem sentido central como o, de, e, com, a entre, da, para, na, em, do, institui, pela, por –, como vemos no Quadro 3.

Quadro 3 Codificação dos dados encontrados na atividade 1 

Forças Oportunidades Fraquezas Ameaças
Universidades;
Pesquisadores;
Pesquisa;
Parcerias;
Internacionais;
IES;
Exterior;
Educa;
Desenvolvimento;
Culturas.
Internacionaliza;
Educa;
Desenvolvimento;
Trocas;
Recursos;
Projetos;
Profissional;
Oportunidade;
Internacionais;
Externos;
Exterior;
Conhecimentos.
Sistema;
Programas;
Internacionaliza;
Idioma;
Exterior;
Dificuldade.
Falta;
Programas;
Investimento;
Continuidade;
Valoriza;
Modelo;
Baixo.

Fonte: Elaboração própria, 2018.

Condizente com o diário de campo, vemos que as respostas dos alunos sobre as forças, oportunidades, fraquezas e ameaças da instituição em relação à internacionalização, reafirmam o que percebemos anteriormente. Ou seja, como forças e oportunidades ressalta-se exterior, desenvolvimento, pesquisa, parceria, trocas, entre outras palavras que instigam a pensar sobre compreender outras realidades e buscar benefícios nessa expansão do conhecimento. Por outro lado, como fraquezas e ameaças temos programas, sistema, idioma, investimento, entre outros elementos que reafirmam as dificuldades descritas no Quadro 2.

Do mesmo modo que analisamos e interpretamos a questão anterior, fizemos com a questão dois da dinâmica que contemplou perguntas sobre as principais vantagens da internacionalização do currículo na educação superior, em casa e da educação básica, assim como as competências para a internacionalização de educação básica ou da educação superior e gestão educacional. Verificamos, então, as palavras que mais aparecem de cada viés, como vemos no Quadro 4.

Quadro 4 Codificação dos dados encontrados na atividade 2 

Principais vantagens da internacionalização: Principais competências para a internacionalização do:
Do currículo na educação superior Em casa Da educação básica Professor de educação básica ou superior Gestor educacional
Internacionalização;
Currículo;
Práticas; Diversidade;
Cultural (is) (s);
Ensino-
Aprendizagem;
Ambiente;
Estruturas;
Extensão;
Gestão;
Competências;
Global (s);
Compartilhamento;
Direitos;
Mentalidade;
Globalização;
Diferentes;
Desenvolvimento.
Experiências;
Pesquisa;
Países;
Trocas;
Formação;
Globalizada;
Incentivar;
Garantir;
Acolhimento;
Estrangeiros;
Culturas;
Todos;
Compartilhar;
Vivências;
Internacionais;
Mundo;
Oportunidade;
Otimizar;
Recursos;
Comunicação;
Parcerias;
Idioma.
Culturas;
Internacionalização;
Idioma;
Currículo;
Realidades;
Diversidade;
Globalizado;
Competências;
Interculturais;
Formação;
Global;
Língua;
Integrar;
Ampliação;
Mobilidade;
Inovação;
Críticos.
Competências;
Língua;
Central;
Cooperação;
Internacionalização;
Visão;
Liderança;
Intercultural;
Estrangeira;
Práticas;
Experiências;
Mudança;
Idioma;
Flexibilidade;
Projetos.
Globais;
Parcerias;
Idioma;
Mudanças;
Incentivos;
Práticas;
Gestão;
Internacionalização;
Empreendedorismo;
Extracurriculares;
Ações;
Planejar;
Avaliar;
Flexibilidade;
Gerenciar;
Engajamento;
Cooperação.

Fonte: Elaboração própria, 2018.

Quando questionados sobre as vantagens e as competências necessárias para a internacionalização, os discentes da turma observada trouxeram vários itens. Dentre as palavras que se encontram nas vantagens, tanto no que se refere à internacionalização do currículo, em cada ou na educação básica, temos: internacionalização, idioma, global, formação, diversidade, currículo, culturas e competências. E, no que tange às principais competências para a internacionalização do professor de educação básica ou superior e gestor educacional, se destacam: práticas, mudança, internacionalização, idioma, flexibilidade e cooperação.

Dessa forma, entendemos que a internacionalização apresenta, segundo os autores e nossas observações em uma IES, vantagens, como o desenvolvimento institucional e de seus discentes, a formação do indivíduo global e capacitado para as diversidades, parcerias e trocas de conhecimentos, a capacitação com competências, aprendizagem de outras línguas e culturas. No entanto, este estudo também nos apresenta afirmações de dificuldades descritas por Stallivieri (2017a, 2017b), como, por exemplo, programas, sistema, idioma e investimento, sendo que as duas primeiras palavras fazem menção a ideias como organização de ações da internacionalização por parte do Governo ou da instituição que possivelmente abarcariam também a formação docente, a adaptação cultural e a pesquisa e currículo.

Implicações da pesquisa para a Internacionalização

Os dados encontrados indicam que a falta de clareza em pelo menos uma das seis fases do ciclo de internacionalização proposto por Stallivieri (2017a) já é passível de implicar em dificuldades de concluir o ciclo adequadamente. Ou seja, se alguma das ações necessárias para a internacionalização não estiver clara, poderá afetar o bom andamento de todo o processo.

Em consequência, percebemos a importância por parte da gestão educacional em se atentar aos detalhes do ciclo de internacionalização descrito por Stallivieri (2017a), que envolvem: (a) conscientização; (b) engajamento; (c) planejamento; (d) operacionalização; (e) análise e revisão; e (f) fortalecimento ou feedback. Isso pois, nossa pesquisa indica que a falta de planejamento ou estruturação de um desses elementos, compromete o desenvolvimento do todo.

Considerações finais

Este artigo teve como objetivo suscitar um debate sobre políticas internas de internacionalização no ensino superior. Contudo, a partir da observação sobre as ações de internacionalização de uma IES comunitária da Região Sul do Brasil, conforme as fases do processo descritas por Stallivieri e os dilemas encontrados em cada uma, foi possível aprofundar a discussão. Para isso, consultamos o diário de campo que resultou da vivência em uma universidade comunitária da Região Sul do Brasil que está em processo de implementação da internacionalização. Além disso, realizamos a conceituação de termos pertinentes, como internacionalização, ciclos de internacionalização e políticas de internacionalização, e descrição das fases e dilemas da internacionalização, em nosso referencial teórico.

Entendemos que a internacionalização está em evidência e sua aplicação dentro das universidades é de importância para a capacitação tanto da instituição, quando de seus docentes e discentes. Estudantes que se formam sem o preparo para a compreensão global possivelmente estarão propensos a não acompanhar a realidade de seu futuro profissional, assim como terão dificuldade de buscar soluções fora do país de origem.

Conforme a situação da instituição, que foi exposta pelo diário de campo, verificamos que essa permanece em constantes reavaliações a fim de melhorar suas ações internas no que se refere à internacionalização. Mas, por outro lado notamos algumas dificuldades nesse processo, condizente com o referencial teórico. Dentre os principais dilemas encontrados, destacamos: a falta de conhecimento de uma segunda língua por parte de docentes e discentes; o baixo nível de envolvimento dos estudantes em pesquisas de forma global; a formação não adequada de profissionais de ensino para desenvolver em seus alunos o desejo pela internacionalização.

Como uma possível estratégia a fim de sanar os dilemas encontrados, indicamos a elaboração mais detalhada das políticas internas de internacionalização, ou uma melhor exposição de tais políticas caso essas já existam. Visto que as fases que apresentaram maior distorção foram as de análise e de revisão, e fortalecimento ou feedback, consideramos relevante que os responsáveis desenvolvam uma forma mais clara de mensuração das ações desenvolvidas nestas etapas bem como a exposição das mudanças estabelecidas durante o ciclo. Em âmbito nacional urge a implementação de uma política de internacionalização que possa ser seguida pelas IES e que contribua para o desenvolvimento científico, econômico, político, acadêmico, sociocultural e tecnológico do País. Esse movimento precisa ser sinérgico, no sentido de fomentar o estudo de idiomas, o respeito às diferentes culturas, a transferência e a cooperação na área científica e tecnológica, forjando um cidadão global.

Desse modo, compreendemos o tema como importante para o desenvolvimento das instituições de forma global e o fomento a outras pesquisas que possam trazer mais contribuições sobre esse conteúdo. Como uma das limitações do estudo notamos a falta de uma legislação nacional da internacionalização da educação do superior no Brasil, pois temos apenas normativas isoladas. Indicamos futuras pesquisas empíricas na busca por ações de sucesso nesse processo dentro de universidades.

2WriteWords é um site gratuito que realiza a contagem da frequência de cada palavra de um texto. (http://www.writewords.org.uk/word_count.asp recuperado em 5 nov. 2018).

3Tradução nossa do original em inglês: (…) higher education has been internationalized since the very beginning of universities in medieval Europe, when there was a common medium of instruction, Latin, and both students and professors routinely moved from country to country.

4Tradução nossa do original em inglês: It has been used for centuries in political science and governmental relations but its popularity in the education sector has really only soared since the early 80s.

5Tradução nossa do original em inglês: International experiences bring wider understanding, tacit knowledge, getting people to understand how and why things are done differently in other countries, and what its consequences are.

6Tradução nossa do original em inglês: People need the capacity to function in a multicultural, global society.

7Dados coletados por meio do diário de campo que não serão referenciados por se tratar de dados internos, os quais a instituição apresentou, mas não disponibilizou o documento original.

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Recebido: 17 de Janeiro de 2019; Aceito: 12 de Abril de 2021; Publicado: 21 de Junho de 2021

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