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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.44 no.1 Porto Alegre jan./abr 2021  Epub 20-Jul-2021

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2021.1.33420 

Outros Temas

Estratégias pedagógicas para a promoção da leitura no ensino fundamental

Pedagogical strategies to promote reading in the elementary school

Estrategias pedagógicas para la promoción de la lectura en la enseñanza primaria

Gabriela Barbosa Souza Xavier1 

Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), em Feira de Santana, BA, Brasil. Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Campinas, SP, Brasil. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).


http://orcid.org/0000-0002-9209-0992

Ezequiel Theodoro da Silva1 

Doutor em Psicologia da Educação pela Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), em São Paulo, SP, Brasil; professor convidado da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Campinas, SP, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-6955-2036

1Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil.


Resumo:

Este estudo discute o uso de estratégias de ensino para a promoção da leitura no ensino fundamental. Analisa-se pesquisas identificadas na base SciELO.br focando a leitura neste nível de ensino; apresenta-se um conceito de leitura e sua importância no contexto socioeducacional, destacando o papel da escola e do educador na organização de um ambiente leitor; posteriormente, discute-se o uso de estratégias didáticas para a mediação da leitura em sala de aula. A didática do ensino da leitura perpassa três discussões: o planejamento, desenvolvimento e avaliação de estratégias pedagógicas; o uso de suportes e configurações textuais, além da organização de ambientes interativos de leitura. Destaca-se a importância da socialização das investigações sobre a temática para professores e pesquisadores do ensino fundamental, visto que o conhecimento de práticas pedagógicas de mediação de leitura e de instrumentos avaliativos poderá compor um novo leque de possibilidades de atuação neste nível de ensino.

Palavras-chave: leitura; ensino fundamental; estratégias pedagógicas

Abstract:

This study discusses the use of teaching strategies to promote reading in Elementary School. We analyze research identified in the SciELO.br database focusing on reading at this level of education; we also present a concept of reading and its importance in the socio-educational context, highlighting the role of the school and the educator in the organization of a reading environment; later, the use of didactic strategies for the mediation of reading in the classroom is discussed. The didactics of reading teaching pervades three discussions: planning, development, and evaluation of pedagogical strategies; the use of textual supports and configurations, and the organization of interactive reading environments. It is important to highlight the importance of the socialization of research the subject for teachers and researchers of Elementary School, since the knowledge of pedagogical practices of reading mediation and of evaluation instruments can compose a new range of possibilities of action at this level of education.

Keywords: reading; elementary school; pedagogical strategies

Resumen:

Este estudio discute el uso de estrategias de enseñanza para la promoción de la lectura en la Enseñanza Fundamental. Se analizan investigaciones identificadas en la base SciELO.br enfocando la lectura en este nivel de enseñanza; se presenta un concepto de lectura y su importancia en el contexto socioeducativo, destacando el papel de la escuela y del educador en la organización de un ambiente lector; y posteriormente se discute el uso de estrategias didácticas para la mediación de la lectura en el aula. La didáctica de la enseñanza de la lectura atravesa tres discusiones: planificación, desarrollo y evaluación de estrategias pedagógicas; el uso de soportes y configuraciones textuales, además de la organización de ambientes interactivos de lectura. Se destaca la importancia de la socialización de las investigaciones sobre la temática para profesores e investigadores de la Enseñanza Fundamental, ya que el conocimiento de prácticas pedagógicas de mediación de lectura y de instrumentos evaluativos podrá componer un nuevo abanico de posibilidades de actuación en este nivel de enseñanza.

Palabras clave: lectura; enseñanza fundamental; estrategias pedagógicas

O ato de ler é de extrema relevância para o avanço social, cultural e educacional de um país. O desenvolvimento de estratégias de ensino que possam favorecer a formação leitora em sala de aula apresenta-se como um importante tema no âmbito da educação em seus diferentes níveis de ensino, assim como na formação inicial e continuada de docentes. Professores, gestores e pesquisadores da área educacional vêm afirmando e reafirmando a importância de uma formação leitora de qualidade no âmbito da educação básica.

Parte-se do pressuposto de que a linguagem medeia as diversas situações de interação humana e permite a comunicação entre locutor e interlocutor em um determinado contexto social (Bakhtin, 2009). Afirma-se a língua como fenômeno social, utilizado a partir do auditório que temos em vista e do espaço em que é produzido. Para tanto, diferentes gêneros discursivos são criados e recriados cotidianamente para atender à necessidade dos sujeitos de se comunicar em locais e com objetivos específicos.

Nesse sentido, “o ato de ler é uma necessidade concreta para a aquisição de significados e, consequentemente, de experiência nas sociedades onde a escrita se faz presente” (Silva, 1984, p. 95). A leitura está presente nas situações cotidianas das pessoas, seja para pegar um transporte, comunicar-se nas redes sociais, fazer compras no supermercado, além de ser imprescindível no processo de construção de conhecimento em todos os níveis de ensino formal.

Todavia, o reconhecimento da importância da leitura não significa que o domínio desta prática esteja sendo garantida para toda a população brasileira. No que se refere especificamente ao desenvolvimento da linguagem na educação básica, o déficit de aprendizagem de muitas crianças e jovens brasileiros em relação à leitura e à escrita é alarmante.

Nas salas de aula, nas salas de professores (onde as há), nos corredores, em todos os espaços da escola, ouvidos atentos podem detectar conversas informais entre professores, ou entre professores e alunos, que revelam uma insatisfação (em todas as áreas dos componentes curriculares) com o desempenho linguístico dos alunos: não leem e não escrevem; não interpretam adequadamente um problema; não extraem o relevante de um texto de História ou de Geografia; não utilizam com precisão conceitos científicos etc., etc.. (Geraldi, 2018, p. 17)

Diante de tal cenário, pesquisas acadêmicas têm afirmado a necessidade do desenvolvimento de diferentes estratégias de ensino para favorecer um ambiente leitor para o alunado. Silva (2010) afirma a relevância de conhecimento e divulgação das pesquisas que foram realizadas acerca desse tema, para que possam alcançar os professores e dessa forma contribuir para o delineamento de uma educação consequente através da leitura.

O presente estudo2 objetiva discutir o uso de estratégias de ensino para a promoção da leitura no âmbito do ensino fundamental. Para tanto, discute-se como pesquisadores têm investigado a leitura nesse nível do ensino, a partir de um mapeamento bibliográfico3 na base de dados SciELO.br,4 utilizando dois descritores: “leitura” e “ensino fundamental”.

Inicialmente, através do uso do descritor “leitura”, foram identificados 3.804 estudos. Ao cruzar tal resultado com o descritor “ensino fundamental”, chegou-se a um total de 28 estudos. As pesquisas serão discutidas no que se refere a ano de publicação, área de conhecimento do periódico em que foi publicado, objeto de estudo e metodologia. Optou-se por esse caminho metodológico por considerar a relevância da pesquisa bibliográfica em possibilitar ao pesquisador – ou qualquer outro interessado – o conhecimento de diferentes investigações científicas sobre o objeto aqui tratado, ou seja, estratégias para o ensino de leitura.

Quanto à temática desta reflexão teórica, reitera-se a importância do mapeamento, discussão e socialização de pesquisas sobre a leitura no ensino fundamental, para que essas possam alcançar os professores e pesquisadores da educação básica, profissionais responsáveis pelo processo de ensino para crianças e jovens em nosso país. Parte-se do pressuposto de que “(...) o processo de pesquisa se constitui em uma atividade científica básica que, através da indagação e (re)construção da realidade, alimenta a atividade de ensino e a atualiza frente à realidade” (Lima & Mioto, 2007, p. 39).

O levantamento e análise das pesquisas sobre a temática reiteraram a importância do desenvolvimento e socialização de estudos sobre a promoção da leitura em sala de aula, caminho metodológico desenvolvido nesta reflexão teórica com base em estudiosos (Freire, 1984; Silva, 2003, 2010; Zilberman, 2008) que discutem criticamente essa temática.

Ensino da leitura - mapeamento e análise de estudos

Uma investigação científica configura-se em um conjunto de escolhas teóricas e metodológicas para análise de um objeto de estudo. A problematização de um tema requer o uso de métodos, instrumentos e técnicas de coleta de dados. Quando se busca o mapeamento bibliográfico em torno de um assunto, faz-se necessária a delimitação de palavras-chaves, suporte textual que será investigado e delimitação temporal dos estudos que serão contemplados.

A partir dos descritores “leitura” e “ensino fundamental”, 28 artigos foram localizados na base de dados SciELO.br, biblioteca digital que socializa artigos publicados em periódicos brasileiros. No que se refere ao ano de publicação dos textos localizados, nota-se uma produção contínua desde o ano 2007 até 2018, com exceção do ano 2015, que não aponta, nessa fonte, nenhuma publicação sobre o tema. A maior incidência de estudos ocorreu no ano 2014 com a publicação de seis artigos. Anterior ao ano 2007, apenas um estudo, produzido em 2001, foi localizado na referida base de dados.

Como demonstrado na Gráfico 1, considera-se que há um número representativo de pesquisas publicadas sobre a temática na base de dados pesquisada. No entanto, ressalta-se que estes estudos são consideravelmente recentes, partindo da perspectiva de que o ensino da leitura constitui um tema de imensa preocupação nacional devido à sua importância para a educação/aprendizagem dos indivíduos e para desenvolvimento social do país.

Fonte: Produzido pelos pesquisadores.

Gráfico 1 Ano de publicação dos textos identificados na base de dados SciELO.br 

Reitera-se a importância e atualidade das discussões sobre a leitura para a educação brasileira, tendo em vista, inclusive, as mudanças no âmbito das práticas de linguagem. Smolka (2010, p. 39) afirma que:

Apesar dos inúmeros avanços e contribuições na área, investigar e analisar os processos de leitura continua sendo uma tarefa complexa, sobretudo se considerarmos a dinâmica da sociedade letrada em que vivemos e a diversidade de funções que a forma escrita de linguagem vai, cada vez mais, adquirindo e ampliando.

Os estudos aqui considerados mostraram que a temática da leitura é atual e relevante para a aprendizagem dos estudantes e para a melhoria da qualidade do ensino. Os textos foram veiculados em diferentes periódicos brasileiros que publicam pesquisas relacionadas às áreas de conhecimento diversas. Dos 28 artigos identificados na base de dados SciELO.br sobre a leitura no ensino fundamental, 13 artigos foram publicados em periódicos da área educacional, sendo dois publicados em periódicos que tratam especificamente do ensino na área de ciências; 11 estudos foram publicados em periódicos da área da psicologia; três em periódicos da área da fonoaudiologia; e apenas um em periódico da área das linguagens.

A leitura é objeto de investigação de pesquisadores da área educacional por se tratar de uma prática de grande relevância para atuação dos indivíduos na sociedade atual, constituindo-se, por isso mesmo, em um dos principais objetivos da educação formal. Por outro lado, vale lembrar, conforme anteriormente revelado, que estudiosos de outras áreas do conhecimento têm investigado diferentes aspectos da leitura e a partir de distintos pressupostos e princípios. A psicologia e a fonoaudiologia apresentam um número representativo de estudos, investigando a leitura mediante o uso de instrumentos avaliativos para diagnósticos e prognósticos da habilidade leitora de crianças e jovens do ensino fundamental.

A investigação científica sobre a leitura por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento foi evidenciada por Silva (1984, p. 50) ao realizar um panorama das pesquisas sobre o tema no Brasil:

Várias ciências, através de abordagens específicas, propuseram diferentes modelos para explicar o fenômeno da leitura. Mais modernamente, em Comunicação fala-se de decodificação do receptor; em Linguística, de apreensão da estrutura de frases; em Cibernética, de feedback do leitor; em Semiótica, de compreensão de signos; em Filosofia, de hermenêutica e exegese. Em Psicologia, (...), a leitura tem sido explicada segundo a linha seguida pelo psicólogo, principalmente a organísmica.

O levantamento aqui realizado revelou que a leitura vem sendo estudada a partir de diferentes enfoques e abordagens. Em se tratando do estudo da compreensão leitora, constatou-se que ela é investigada em consonância com a consciência metatextual, o desempenho escolar, a motivação para aprendizagem, além da avaliação. O refinamento da compreensão em leitura é estudado mediante o uso de múltiplos instrumentos avaliativos.

Outros objetos de estudos são presentes nas pesquisas identificadas, tais como: as estratégias de aprendizagem dos alunos durante a leitura; a relação entre leitura e escrita; o uso de textos e desenhos como mediadores no ensino de diferentes disciplinas; a motivação e o desempenho em leitura e outras habilidades; o desenvolvimento da memória de trabalho; a elaboração de banco de palavras. Por outro lado, a leitura também é investigada a partir do olhar do professor que atua na educação básica a partir de tais enfoques: leitura e apropriação de textos acadêmico-educacionais por professores; além de planejamento e desenvolvimento de práticas de leitura.

Alguns estudos se debruçaram sobre questões políticas e pedagógicas referentes ao ensino fundamental, tais como: a garantia desse nível de ensino como direito da sociedade brasileira; antecipação do ensino fundamental para crianças de seis anos e desenvolvimento de práticas de alfabetização.

No que se refere às vertentes metodológicas utilizadas nesses estudos, constatou-se a presença de: etnografia; estudo de caso; programas experimentais e pesquisa bibliográfica. Diferentes instrumentos e técnicas foram utilizados na coleta de dados: entrevista com professores e crianças; análise de produções textuais dos alunos; o teste de Cloze; instrumento de análise das competências de leitura; Tarefa de Brown; observação participante; questionário; Escala de Avaliação da Motivação Escolar; Escala da Avaliação da Motivação para a aprendizagem; Escala de Avaliação da Escrita; Teste de Desempenho Escolar; Reconhecimento de palavras (EREP); análise de avaliação externa, ações governamentais e resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb); além do registro de cenas, relatos das crianças e materiais didáticos.

Destaca-se o uso recorrente do teste de Cloze para diagnóstico/prognóstico e intervenção no desenvolvimento da leitura. Dos 28 estudos identificados, pelo menos nove (Oliveira et al., 2008; Santos & Oliveira, 2010; Santos & Cunha, 2012; Joly & Piovesan, 2012; Carvalho et al., 2013; Joly et al., 2014; Suehiro & Magalhães, 2014; Santos et al., 2018; Beluce, et al., 2018) utilizaram o teste de Cloze como instrumento de coleta de dados. Desses nove estudos, cinco são de autoria de Acácia Aparecida Angeli dos Santos, doutora em psicologia escolar e do desenvolvimento humano pela Universidade Estadual de São Paulo e docente da Universidade São Francisco.

Santos e Oliveira (2010, p. 82) conceituam essa técnica de coleta de dados da seguinte forma:

Criada por Taylor, em 1953, consiste, em sua formulação tradicional, na adaptação de um texto com aproximadamente duzentos vocábulos, do qual se omitem todos os quintos vocábulos, substituindo-os por um traço do tamanho da palavra omitida. Solicita-se ao leitor que, após a leitura integral do texto, complete os espaços em branco com a palavra que acredite ser a mais apropriada.

O teste de Cloze é considerado um rico e eficiente instrumento de avaliação da habilidade de leitura, sendo capaz de avaliar e modificar, para melhor, o processo de compreensão leitora dos participantes. Ainda de acordo com Santos e Oliveira, o teste de Cloze pode “(...) favorecer a utilização dos dois principais tipos de processamento pelo leitor, que pode valer-se tanto da redundância semântica e sintática do texto, como de seus conhecimentos prévios” (Santos & Oliveira, 2010, p. 82).

No que se refere aos níveis de ensino investigados, os estudos aqui analisados focam todos os anos do ensino fundamental (1º ao 9º ano), além dos professores que atuam nesse nível de ensino. Pelo menos um estudo contemplou também turmas e professores da educação infantil para refletir sobre o processo de transição para o ensino fundamental de nove anos (Kramer et al., 2011). Essa reflexão é de extrema importância para se pensar as práticas de leitura e escrita que têm sido desenvolvidas junto a crianças de seis anos, início do ensino fundamental desde 2005, com a regulamentação da Lei nº. 11.114, de 16 de maio de 2005, a qual “altera os artigos 6º, 30, 32 e 87 da Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com o objetivo de tornar obrigatório o início do ensino fundamental aos seis anos de idade” (Brasil, 2005).

Concluindo esta parte, pode-se afirmar que a promoção da leitura no ensino fundamental é um tema relevante, investigado por estudiosos de diferentes áreas de conhecimento. Em se tratando da área educacional, afirma-se a importância de que os cursos de formação inicial e continuada de professores favoreçam a construção de conhecimentos teóricos e práticos da leitura para uma atuação efetiva em sala de aula.

Para realização de estratégias didáticas que promovam a leitura em sala de aula, o professor deve partir de uma base teórica e metodológica coerente com sua concepção de ensino e aprendizagem. Para tanto, é necessário conhecer as diferentes visões, práticas e políticas voltadas para o tema. Ao mesmo tempo, constata-se a necessidade do planejamento de ações didáticas significativas, consequentes prazerosas, assim como a utilização de instrumentos avaliativos que possibilitem o acompanhamento e análise das ações desenvolvidas pelos professores.

Os processos de ensino e de aprendizagem da leitura

A leitura tem sido definida a partir de diferentes concepções, a depender dos fundamentos teóricos e metodológicos que são defendidos pelo pesquisador e/ou educador. Por um lado, o ato de ler é conceituado como decodificação de letras e sons; por outro, é considerado pelo olhar da compreensão e atribuição de sentido a enunciados em um determinado contexto de produção.

Freire (1984, p. 11) desenvolveu uma densa reflexão sobre o ato de ler, afirmando que este “(...) não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que antecipa e se alonga na inteligência do mundo (...)”. Para o autor:

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre texto e o contexto. (Freire, 1984, p. 11-12)

A leitura enquanto prática social e dialógica é marcada pela interação e construção de sentidos entre o leitor e um determinado enunciado. Cada texto possui um sentido ideológico e vivencial estruturado a partir de um contexto social de produção. A partir dessa defesa, Freire (1984, p. 21) critica a redução da alfabetização “(...) ao ensino puro da palavra, das sílabas ou das letras (...), visto que desta forma, o educador estaria desconsiderando as experiências e saberes dos educandos enquanto sujeitos sociais”

Saveli (2018, p. 126) faz uma reflexão acerca das concepções de ensino e suas implicações no processo de ensino e aprendizagem da leitura em sala de aula:

A concepção de leitura como decodificação traz como consequência uma prática pedagógica que se preocupa mais em levar as crianças a reconhecerem os traços distintivos que representam a palavra (letras e sílabas) do que a busca do seu significado. O problema para esse tipo de ensino é que as crianças acabam aprendendo que a leitura não é uma questão de buscar o sentido, mas de decodificar a palavra corretamente.

Quando se defende que a leitura não se restrinja a decodificação de letras e sons, e atinja a compreensão do sentido do enunciado, parte-se do pressuposto de que a leitura é uma prática social, capaz de possibilitar o acesso à literatura, à fantasia, ao deleite e, ao mesmo tempo, à aquisição de conhecimentos científicos socialmente produzidos.

Parte-se do pressuposto de que a realidade social e cultural dos educandos deve ser o ponto de partida para a organização do processo de ensino e aprendizagem. O desenvolvimento de ações didáticas para promoção da leitura deve contemplar um ambiente interativo para o educando e ser capaz de contemplar a sua “(...) criatividade e a sua responsabilidade na construção de sua linguagem escrita e na leitura desta linguagem (...)” (Freire, 1984, p. 21).

Silva (1984, p. 44) afirma que “(...) não basta decodificar as representações indiciadas por sinais e signos; o leitor (que assume o modo de compreensão) porta-se diante do texto, transformando-o e transformando-se”. O desenvolvimento de uma formação leitora crítica a partir de uma relação dialógica entre o sujeito e o enunciado lido possibilita a compreensão do mundo, uma participação ativa e consciente no contexto social.

A escola, enquanto instituição social, precisa se atentar para as especificidades do seu alunado e possibilitar a construção de um ambiente acolhedor e estimulador para os alunos. Diante de tais constatações, considera-se a necessidade de o ambiente escolar ser um espaço de fruição da leitura e de participação do aluno leitor, visto que “(...) o desinteresse da criança em ler pode estar mais associado às propostas e material de leitura do que às dificuldades individuais que encontra no ato de ler (...)” (Saveli, 2018, p. 129).

O espaço escolar deve constituir um ambiente prazeroso para o educando e para o educador, e assim romper com a dinâmica tradicional de organização curricular, voltada unicamente para a padronização de atividades e isolamento das disciplinas ao longo da formação do alunado.

A insistência da escola brasileira na oferta impositiva de leitura com conteúdo didático e moralizador ou, ainda, na atribuição unidirecional e redundante de sempre-os-mesmos-livros-e-os-mesmos-autores, desconsiderando a caminhada e os interesses das crianças, coloca-se como um contrassenso e como um fator que leva, sem dúvida, à morte paulatina do potencial de leitura das crianças. (Silva, 2010, p. 76)

Considerar as especificidades socioantropológicas do leitor é de extrema importância para organização das práticas pedagógicas. Quando, como e para quem são questões relevantes para o professor no ato de planejar, visto que uma ação didática não deve desconsiderar o interlocutor com quem se pretende trabalhar. Em se tratando da leitura, este pressuposto é de grande importância, visto que:

De nada adianta ao professor ser um grande conhecedor das produções literárias infantis e acompanhar os últimos lançamentos, se ele não tiver sensibilidade e compreender, pelo estudo da teoria e pela vivência da prática, os processos subjacentes ao desenvolvimento biológico, psicológico e social das crianças. (Silva, 2010, p. 69)

É imprescindível superar a ideia de público homogêneo e idealizado no desenvolvimento de uma ação pedagógica, visto que cada sujeito constrói a sua trajetória cultural, social e educacional mediante diferentes interlocuções e vivências socioculturais. Não é possível traçar um padrão de ação pedagógica a partir do nível de ensino e da faixa etária da turma junto da qual irá se desenvolver uma ação didática, visto que as especificidades das trajetórias sociais, biológicas e culturais dos estudantes são determinantes da identidade de cada educando.

Kramer (2018, p. 71), com base nos estudos de Roger Chartier, faz uma reflexão sobre as práticas de leitura e escrita no Brasil. De acordo com a autora, há diferentes modos de ler na nossa sociedade:

Diversas pesquisas revelam que as diversas maneiras de ler de diferentes leitores, grupos, classes sociais dependem do processo de produção e disseminação da escrita, da posse privada dos livros, do papel atribuído ao texto pelas diferentes práticas religiosas, da inserção em práticas públicas ou privadas de leitura e escrita, do acesso facultado a uns e interdito a outros, da criação tecnológica; enfim, dependem de razões econômicas, históricas, políticas, sociais e culturais.

Caracteriza-se, assim, a leitura como uma prática social, marcada por influências culturais, históricas e econômicas, visto que o acesso a livros e a tecnologias não está disponível a todos indistintamente na sociedade brasileira. Muitas vezes, os estudantes têm contato com a leitura unicamente através do material didático disponibilizado em sala de aula, enquanto a leitura como atividade de lazer é restrita a uma pequena parcela dos estudantes. Reitera-se aqui a importância de políticas e práticas educacionais capazes de ampliar o acesso ao patrimônio cultural e literário para a população brasileira, bem como a construção e desenvolvimento de ações didáticas significativas, prazerosas e contextualizadas com o perfil do leitor.

Para tanto, afirma-se o papel de mediador do professor, que deve se colocar como um organizador de diferentes estratégias didáticas que favoreçam a participação ativa do educando, “(...) perguntando, fazendo refletir, fazendo argumentar, escutando as leituras dos seus alunos para com elas e com eles reaprender o seu eterno processo de ler” (Saveli, 2018, p. 132).

No momento em que o professor busca a participação e reflexão do educando a partir de uma leitura, contempla-se a diversidade de sentidos e significados produzidos por cada sujeito presente em sala de aula. Os educandos interpretam um texto com base em sua realidade, estabelecendo relações e reflexões que podem ser compartilhadas, construindo um espaço coletivo e interativo.

Considera-se que o professor, através do uso da linguagem em sua multimodalidade, pode favorecer o surgimento de um ambiente que favoreça a leitura de forma dinâmica e significativa para os educandos, visto que “[...] a criança constrói sua experiência ao longo de seu processo de desenvolvimento, em função da densidade de estímulos e das incitações de seu meio sociocultural” (Silva, 2010, p. 73).

Nesse sentido, podemos pensar no ensino da linguagem a partir de um olhar dialógico (Bakhtin, 2009), visto que a relação com o outro, seja ele o professor, a família, um ambiente leitor, favorece o desenvolvimento da leitura e da escrita e, consequentemente, uma atuação ativa do cidadão na sociedade. Dessa forma, a proposição de estratégias metodológicas capazes de desafiar os educandos na leitura, escrita e oralidade é uma demanda da escola enquanto instituição formal responsável pelo ensino dessas habilidades em seus diferentes níveis de ensino. O planejamento pedagógico enquanto guia para a ação didática em sala de aula deve ter como eixo a definição da concepção de linguagem e leitura que lhe subsidia; objetivos; a quem será direcionada a ação; aspectos metodológicos e avaliativos.

Estratégias didáticas para ensino da leitura

A mediação pedagógica é um passo importante para que crianças e jovens sintam entusiasmo e prazer com a leitura. Estudiosos (Magnani, 2018; Silva, 2003) propõem estratégias metodológicas e materiais de leitura para a construção de práticas dinâmicas e significativas, tanto para alunos quanto para os educadores.

Magnani (2018, p. 63) afirma que “(...) a diversidade de configurações textuais deve ser o eixo em torno do qual se organizam as relações de ensino e aprendizagem, desde a alfabetização até o final do 2º grau (...)”.5. Considera-se que possibilitar aos educandos o acesso, leitura e fruição de diversos gêneros textuais em sala de aula assume papel relevante no processo de ensino e de aprendizagem da leitura e escrita.

O uso dos gêneros textuais nas salas de aulas pode acontecer cotidianamente nas salas de aulas dos diversos níveis de ensino. A sequência didática (SD) é uma forma de organização metodológica para ensino das diversas configurações textuais. A SD, enquanto proposta, foi desenvolvida por estudiosos da Universidade de Genebra e vem sendo utilizada amplamente no contexto brasileiro. A referida estratégia de ensino configura-se como “(...) um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (Dolz et al., 2004, p. 97). Tal estratégia tem como objetivo “(...) ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação”. (Dolz et al., 2004, p. 96-97).

A estrutura da sequência didática é proposta da seguinte forma: “(...) a) apresentação da situação; b) produção inicial; c) módulos necessários, de acordo com as necessidades de aprendizagem de uma determinada turma de estudantes e d) produção final” (Miquelante et al., 2017, p. 265). Essa organização metodológica possibilita ao educador uma avaliação contínua do processo de ensino e aprendizagem, visto que uma análise comparativa entre as versões da produção textual dos educandos possibilita a constatação da eficiência da estratégia metodológica utilizada.

Destaca-se também que a sequência didática enquanto organização didática possui uma estrutura traçada, mas não se configura em um padrão a ser seguido indistintamente em diferentes contextos (Miquelante, Pontara et al., 2017). O professor enquanto mediador da ação pedagógica deve conhecer e mapear as especificidades da sua turma e desenvolver atividades a partir das “(...) necessidades dos alunos, dos momentos escolhidos para o trabalho, da história didática do grupo e da complementaridade em relação a outras situações de aprendizagem da expressão, propostas fora do contexto das sequências didáticas (...)” (Dolz et al., 2004, p. 110).

Diferentes atividades e situações de escrita, leitura e oralidade podem ser desenvolvidas no contexto da sequência didática, as quais precisam ser escolhidas a partir do objetivo do professor e das necessidades dos alunos identificadas a partir da produção textual inicial.

Os módulos de intervenção podem ser organizados através de unidades de leitura,_ proposta desenvolvida por Silva (2003). A referida organização pedagógica organiza-se a partir de “(...) textos encadeados que permitam o refinamento da compreensão dos estudantes bem como o desenvolvimento de competências que possam levá-los à autonomia e maturidade em leitura” (Silva (2003, p. 26).

A unidade de leitura enquanto organização metodológica corrobora o objetivo traçado para a sequência didática, ao buscar “oferecer um material rico em textos de referência, escritos e orais, nos quais os alunos possam inspirar-se para suas produções” (Dolz, et al., 2004, p. 95). Nesse sentido, a unidade de leitura desenvolve-se enquanto projeto didático, planejado a partir da leitura de textos, socializações de sentidos e significados produzidos a partir da leitura e produções textuais, com o objetivo de favorecer um ensino da linguagem de forma significativa e conjugada à realidade do educando.

Essa organização pedagógica rompe com a padronização curricular que desconsidera as características peculiares do grupo que está sendo trabalhado, visto que o planejamento deve acontecer a partir da realidade dos educandos e do objetivo do educador com as atividades de leitura e produção textual. Dessa forma, “os textos que compõem as unidades de leitura devem estar vinculados ao repertório de interesses, aspirações e necessidades da classe” (Silva, 2003, p. 25).

Uma sequência didática organizada em unidades de leitura possibilita o contato com uma diversidade de textos e traz autonomia para os educandos no uso desses em seu cotidiano, visto que cada configuração textual demanda competências específicas para a sua produção. Afirma-se que cada gênero discursivo possui características e elementos composicionais que são específicos da sua configuração textual. No sentido bakhtiniano, gêneros do discurso são produzidos como forma de interação social com o mundo, os quais são determinados em forma e estilo de acordo com a situação e os interlocutores do ato enunciativo (BAKHTIN, 1997).

O conhecimento de diferentes textos é de extrema relevância para uma atuação efetiva dos educandos em diferentes contextos sociais, visto que “(...) uma das competências básicas de leitura é exatamente saber diferenciar essas configurações no sentido de estabelecer os propósitos e acionar as habilidades para a sua leitura (...)” (Silva, 2003, p. 26).

Para tanto, o autor propõe três passos principais para o desenvolvimento de atividades de leitura:

(...) um possível modelo de leitura para explorar criticamente os textos pressupõe um movimento de interpretação que vai do constatar (compreensão individual primeira: leitura preliminar do texto pelo aluno individualmente) passa pelo cotejar (partilhar coletivamente, com os colegas e com o professor, as primeiras constatações) e chega ao transformar (produzir mais sentidos, elaborar outros textos vinculados à realidade concretamente vivida pelos alunos leitores). (Silva, 2003, p. 57)

As unidades de leitura estruturam-se pelo eixo constatar-cotejar-transformar e visam proporcionar uma formação leitora crítica mediante o uso de diferentes textos e atividades em sala de aula. O ponto inicial dessa estratégia configura-se no contato, leitura e expressão de significados construídos a partir de um texto. O educando, nesse momento, tem espaço para conhecer o texto, entender o propósito do autor na construção do enunciado, analisar criticamente e manifestar a sua posição em sala de aula.

A socialização de impressões e significados por cada leitor desencadeia no cotejo de sentidos produzidos a partir de um texto. De acordo com Silva (1984, p. 80) “a criticidade faz com que o leitor não só compreenda as ideias veiculadas por um autor, mas leva-o também a posicionar-se diante delas, dando início ao cotejo das ideias projetadas na constatação”.

Uma leitura que transita pela via da criticidade possibilita o estabelecimento de relações entre os significados pessoais dos educandos e os dilemas do contexto social. A construção de outras produções (textuais, orais e visuais) sobre o conteúdo estudado é caracterizado como ato de transformar, por Silva (1984). Para tanto, considera-se que “a leitura crítica sempre leva à produção ou construção de um outro texto: o texto do próprio leitor (...)” (Silva, 1984, p. 81). Destaca-se assim a importância de atividades que estimulem o processo de autoria dos educandos através da produção de enunciados por meio da linguagem em suas multimodalidades.

Uma sequência didática organizada através de unidades de leitura parte da concepção de que o ato de ler não se restringe à decodificação dos signos, mas que este contempla a compreensão, atribuição de significado pelo leitor, assim como a produção de novos sentidos e produções de textos dos próprios alunos. Para que uma ação didática de promoção da leitura proporcione a construção de conhecimento e, ao mesmo tempo, seja significativa, é preciso que o professor recorra a diferentes tipos, gêneros e suportes textuais e crie momentos de socialização, interação e reflexão entre os educandos.

Semelhantemente às proposições de Silva (2003) sobre o ensino de leitura, Zilberman (2008) defende o desenvolvimento de ações pedagógicas significativas voltadas para a formação do leitor. Nesse sentido, a autora defende a importância da leitura e da fruição de textos literários em sala de aula:

(...) a literatura provoca no leitor um efeito duplo: aciona sua fantasia, colocando frente a frente dois imaginários e dois tipos de vivência interior; mas suscita um posicionamento intelectual, uma vez que o mundo representado no texto, mesmo afastado no tempo ou diferenciado enquanto invenção, produz uma modalidade de reconhecimento em quem lê. Nesse sentido, o texto literário introduz um universo que, por mais distanciado do cotidiano, leva o leitor a refletir sobre sua rotina e a incorporar novas experiências. (Zilberman, 2008, p. 23)

A literatura é considerada como uma rica fonte de leitura, por possibilitar tanto uma reflexão acerca da realidade social e cultural retratada na obra, quanto o despertar e vivenciar da fantasia por parte do leitor. Como reflete Zilberman, o leitor, através de uma experiência de leitura literária, pode estabelecer relações entre o contexto de produção da obra e as suas vivências cotidianas. A leitura de fruição de textos literários pode favorecer o autoconhecimento e o acesso à dimensão afetiva e emocional do ato de ler, na qual o leitor relaciona os episódios da obra com as demandas pessoais e sociais que está vivenciando.

A autora afirma ainda que a “(...) a leitura estimula o diálogo, por meio do qual se trocam experiências e confrontam-se gostos” (Zilberman, 2008, p. 24). Podemos considerar, assim, que a socialização de leituras através de diferentes interações se torna um importante instrumento para que o docente conheça sua classe e suas vivências, visto que “(...) o professor não pode conhecer seus alunos se não promover a interação da experiência de leitura já adquirida entre os leitores com que trabalha” (Zilberman, 2008, p. 53).

As tecnologias também têm sido objetos de discussão no que se refere ao ensino da leitura. Por um lado, os novos suportes digitais são utilizados como ferramentas que possibilitam a motivação para a leitura e desafiam os professores que necessitam a cada dia se atualizar a fim de mediar o seu uso em sala de aula. Por outro lado, há críticas também em relação ao uso exagerado das tecnologias por jovens e crianças, acarretando o contato com múltiplas informações sem uma orientação devida.

A disseminação em grande escala da internet na última década encontrou uma escola pouco preparada para enfrentar problemas novos, de certo modo problemas antigos. Nesse movimento, uma série de mitos foi sendo criada em relação à presença de computadores na vida de crianças e adolescentes, principalmente no que diz respeito ao mundo da internet. (Felipe, 2018, p. 145)

Considera-se que as novas tecnologias desafiam a escola e os educadores ao trazer à cena a mudança de suporte e relação com o texto para dentro das salas de aula. Reitera-se que a “orientação devida” pode possibilitar o uso de novos suportes textuais e a internet de forma eficiente para o processo de ensino e de aprendizagem dos alunos e professores, ao possibilitar diferentes conteúdos voltados à produção de pesquisas e, ao mesmo tempo, permitir discussões sobre temáticas diversas, além do contato e interação através via multimodalidade linguística e/ou imagética.

Portais educacionais, blogs, fóruns, listas de discussão, bibliotecas virtuais, entre outros, representam um campo de possibilidades culturais e socioeducativas que ainda estão por ser explicitadas e dimensionadas pelos agentes educacionais. (Felipe, 2018, p. 145)

Nesse sentido, favorecer práticas de leitura que incitem à fantasia, à curiosidade e indagações, certamente motivará os educandos para a aprendizagem. Para a organização dessas práticas, o papel dos educadores é crucial, visto que estes “(...) fazem a mediação entre os leitores e os livros, observando, facilitando, partilhando, dirigindo esse processo dinâmico e, o mais importante, aprendendo com ele” (Silva, 2010, p. 75).

A discussão de temas relacionados à leitura na formação inicial e continuada de professores é importante no sentido de favorecer o conhecimento e o aprofundamento de obras escritas (técnicas e literárias), considerando que estes atuarão como mediadores do ensino-aprendizagem da escrita. É preciso favorecer tais conhecimentos aos professores, visto que muitos educadores que atuam na Educação Básica “(...) não se tornaram leitores, não aprenderam a usufruir os textos, não escrevem, deixaram de ler ou de gostar de ler e têm medo de escrever” (Kramer, 2018, p. 77). Além da formação de professores, afirma-se a importância de uma atenção voltada para a organização e uso de espaços educacionais, seja no espaço escolar ou em outros ambientes voltados para a promoção da leitura, como salas de leitura, lares e bibliotecas públicas.

Considera-se que a construção de uma didática para o ensino da leitura envolve o planejamento, o desenvolvimento e a avaliação de estratégias pedagógicas para trabalho com a leitura em sala de aula; o uso de suportes e configurações textuais, além da organização de ambientes interativos de leitura. Para o ensino da leitura, o planejamento da ação pedagógica pelo educador configura-se como primeiro passo. Para tanto, o conhecimento do grupo de leitores, os aspectos espaço/temporais e a definição do objetivo da ação pedagógica são necessários.

A sequência didática e a unidade de leitura são exemplos de estratégias didáticas utilizadas por pesquisadores e professores no favorecimento da leitura e escrita em sala de aula, ao possibilitar tanto o conhecimento de diferentes textos, como a produção textual e socialização das diferentes experiências pelos educandos e educadores. Os gêneros textuais em suas diversas configurações e em diferentes suportes, estejam eles em uma versão digital ou em uma versão impressa, configuram-se, também, como norteadores do ensino da leitura, ao possibilitar aos educandos o conhecimento de diferentes organizações textuais, as quais são acionadas pelo professor a depender do contexto de sua produção e do objetivo comunicativo dos escritores. A organização de acervos de materiais de leitura em ambientes coletivos facilita a interação e comunicação entre crianças e jovens. Salas de leitura e bibliotecas contribuem para a formação leitora ao favorecer a construção e socialização de sentidos individuais e coletivos.

Considerações finais

A relação direta entre a leitura e a construção de conhecimento é patente e inquestionável, visto que o ato de ler possibilita uma atuação ativa do sujeito-cidadão no mundo através do acesso às informações (escritas, imagéticas, sonoras etc.) em circulação nas sociedades. Dessa forma, pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento têm investigado a leitura, tanto pelo viés da prática pedagógica, quanto pelo olhar do desenvolvimento humano. Os múltiplos caminhos teóricos e metodológicos possibilitam uma densa discussão a respeito do diagnóstico, da intervenção e do desenvolvimento de habilidades de leitura junto a crianças, jovens e adultos.

A leitura é também refletida como o cultivo do lazer e da fantasia (deleite). A leitura literária é um rico instrumento de reflexão por parte do leitor, considerando sua potencialidade para expressão imaginária e narrativa do sujeito. A fruição e socialização da leitura quando contempladas no âmbito social e educacional, possibilitam ao leitor a comunicação de suas impressões e reflexões a partir da leitura. Podemos considerar assim que a literatura traz ao sujeito a dimensão afetiva, emocional e reflexiva do ato de ler, ao permitir ao sujeito a criação de relações entre experiências pessoais e sociais, mesmo que com características espaço/temporais diferenciadas.

Diante do conhecimento da importância da leitura, a escola e os educadores têm a responsabilidade de promover essa prática nos espaços da educação escolarizada. Assim, conhecer diferentes estratégias pedagógicas para uso em sala de aula é um caminho mais seguro para o ensino da leitura e da escrita. O contato com diferentes tipos e suportes de textos, além do acesso a ricos espaços de leitura são possibilidades para o ensino das linguagens e para uma consequente atuação participativa na sociedade, visto que determinadas situações de comunicação requerem organizações textuais e discursivas diferenciadas, a depender dos objetivos sociocomunicativos do locutor.

Além disso, afirma-se que a leitura, enquanto prática social é mediada pelo outro, sejam membros familiares, colegas, professores ou outros interlocutores. Diante dessa constatação, faz-se relevante romper com a ideia de que o ensino da leitura se restringe unicamente à disciplina de Língua Portuguesa. A linguagem escrita perpassa o ensino das diferentes áreas do conhecimento, e pode ser mediada de forma dialógica e interdisciplinar.

Quanto às pesquisas identificadas na base de dados SciELO.br, considera-se a importância da socialização de tais investigações para professores e pesquisadores do ensino fundamental. Conclui-se que um conhecimento amplo de práticas pedagógicas de mediação de leitura e instrumentos avaliativos poderá compor um novo leque de possibilidades de atuação nesse nível de ensino, o qual é de grande relevância na trajetória educacional dos estudantes.

2O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

3Pesquisa realizada em janeiro de 2019.

4Scientific Electronic Library Online (Biblioteca Científica Eletrônica disponível on-line).

5Nível de ensino correspondente à última etapa da educação básica - atualmente denominado de ensino médio.

Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação.

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Recebido: 21 de Fevereiro de 2019; Aceito: 22 de Abril de 2021; Publicado: 21 de Junho de 2021

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