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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.44 no.2 Porto Alegre maio/ago 2021  Epub 25-Abr-2022

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2021.2.33183 

Outros Temas

Autonomia e responsabilidade: trajetórias no processo de tornar-se professora

Autonomy and responsibility: trajectories in the process of becoming a teacher

Autonomía y responsabilidade: trayectorias en lo proceso de convertirse en professora

Juliana Crespo Lopes1 

Doutora na área de Desenvolvimento Humano e Educação (UnB), em Brasília, DF, Brasil; psicóloga pela Universidade Federal de Santa Catarian (UFSC), em Florianópolis, SC, Brasil; pedagoga pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), no Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Pesquisadora de Pós-doutorado na Faculdade de Educação da Charles University, em Praga, República Tcheca.


http://orcid.org/0000-0003-4344-208X

Suzana Maria do Nascimento Magalhães2 

Graduada em Pedagogia pela Universidade de Brasília (UnB), em Brasília, DF, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-7133-2294

Ana Luísa Lopes Lima Moura3 

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Brasília (UnB), em Brasília, DF, Brasil; professora temporária da Secretaria de Educação do Distrito Federal, em Brasília, DF, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-9917-0864

Lucia Helena Cavasin Zabotto Pulino2 

Doutora em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em Campinas, SP, Brasil; professora associada do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), em Brasília, DF, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-4701-2872

1Charles University, em Praga, República Tcheca.

2Universidade de Brasília (UnB) Brasília, DF, Brasil.

3Secretaria de Educação do Distrito Federal, Brasília, DF, Brasil.


Resumo:

A partir das reflexões de duas formandas de Pedagogia acerca de uma experiência de prática pedagógica vivenciada em uma disciplina no primeiro semestre do curso, discute-se acerca da construção da autonomia e da responsabilidade no meio acadêmico. Entendendo que se fazia necessário despertar em estudantes o interesse pelo aprendizado, a docente pautou-se em Carl Rogers para elaborar a disciplina de modo a promover um ambiente onde estudantes fossem conscientes e ativos no processo de construção de conhecimentos. Especificamente no tocante à formação de professores, entende-se que é ainda mais vital que exista e se amplie esse tipo de experiência ao longo da graduação, tanto com vistas a uma formação de mais envolvimento e qualidade quanto no fomento de novas práticas pedagógicas na educação básica por meio da atuação de estudantes que se tornam docentes.

Palavras-chave: autonomia; formação de professores; educação centrada em estudantes

Abstract:

From the reflections of two education students on their senior year about an experience of pedagogical practice in a discipline in the first semester of the course, it is discussed about the construction of autonomy and responsibility in the academic environment. Understanding that it was necessary to arouse in students the interest for learning, the teacher was based on Carl Rogers to elaborate the discipline in order to promote an environment where students were conscious and active in the process of knowledge construction. Specifically, with regard to teacher training, it is understood that it is even more vital that this type of experience exists and be broadened during teacher education, both to provide greater involvement and quality education as well as the promotion of new pedagogical practices in education by students who become teachers.

Keywords: autonomy; teacher education; student centered education

Resumen:

A partir de las reflexiones de dos estudiantes del último año de la carrera docente acerca de una experiencia de práctica pedagógica vivida en una disciplina en el primer semestre del curso, se discute acerca de la construcción de la autonomía y de la responsabilidad en el medio académico. Entendiendo que se hacía necesario despertar en estudiantes el interés por el aprendizaje, la docente se orientó en Carl Rogers para elaborar la disciplina para promover un ambiente donde los estudiantes fueran conscientes y activos en el proceso de construcción de conocimientos. Específicamente en lo que se refiere a la formación de profesores, se entiende que es aún más vital que exista y se amplíe ese tipo de experiencia a lo largo de la graduación, tanto con miras a una formación de mayor implicación y calidad como en el fomento de nuevas prácticas pedagógicas en la educación básica a través de la actuación de estudiantes que se convierten en docentes.

Palabras-clave: autonomía; formación de docentes; educación centrada en estudiantes

Este relato foi escrito a oito mãos: duas estudantes de Pedagogia em fase de conclusão do curso, uma pesquisadora que foi professora de ambas no primeiro semestre do curso e sua orientadora de doutorado. A professora também estava em seu primeiro semestre como docente universitária e buscou trabalhar de uma forma diferenciada, a partir de um viés de construção coletiva de conhecimentos e pautada na “Autonomia e Responsabilidade”, um lema que escrevia diariamente no quadro e que buscava alcançar a partir de um espaço de compreensão empática, consideração positiva incondicional e congruência, considerados por Rogers (1986) facilitadores de aprendizagem.

As estudantes, ambas na primeira graduação, vindas de escolas públicas com abordagens pedagógicas tradicionais, iniciaram a vida acadêmica no primeiro semestre de 2015 no curso de Pedagogia. A professora, psicóloga de formação e prática clínica, à época com especialização e mestrado na interface psicologia e educação, instigada pelas posturas e práticas de Carl Rogers (1986, 1997) e inspirada por leituras e visitas à Escola da Ponte (Alves, 2011; Pacheco, 2014) e Summerhill (Neill, 1980), buscava reinventar as práticas pedagógicas universitárias. A quarta autora, como orientadora da professora em sua carreira acadêmica, participou da escrita como estudiosa envolvida com o tema. As autoras buscam aqui realizar uma análise acerca das trajetórias discentes no processo de tornarem-se professoras.

Existe, atualmente, no ensino superior a prevalência no ensino de habilidades técnicas específicas e a demanda por um aprofundamento que reduz as possibilidades de criação e de inovação tanto por discentes quanto docentes (Fragelli & Fragelli, 2017b). A prática corrente tem sido pautada em conteúdos, técnicas e saberes pré-determinados. Rogers (1983) retrata a educação tradicional como um espaço onde entende-se que os únicos detentores de conhecimento são os professores, que, por consequência detêm o poder e dominam seus estudantes através da autoridade e do medo. Não há confiança nos estudantes e em suas habilidades, dessa forma, o principal recurso pedagógico utilizado é a instrução verbal proferida pelo professor. O conhecimento dos estudantes é medido por exames e há apenas interesse pelo intelecto. Esse último aspecto é especificamente criticado pelo autor, uma vez que ele considera fundamental que a educação compreenda e trabalhe com a pessoa inteira, a partir de uma reconstrução da experiência, significa que tal reconstrução deve ser realizada pelo próprio sujeito. Sendo necessário romper as barreiras que o isolam do mundo através de uma reorganização do que aquela pessoa entende como seus valores, atitudes e a própria concepção de si (Rogers, 1997). A partir disso, a pessoa se envolve de maneira ativa em sua construção de conhecimento, exercendo sua autonomia na busca por aprendizagens significativas.

É crescente a busca por novas formas de se estabelecerem os processos de construção de conhecimentos e de desenvolvimento pessoal e profissional de estudantes bem como de docentes no ensino superior (Nordal et al., 2015). O termo Pedagogia Inovadora tem sido utilizado para se referir a uma nova proposta educacional que, em alguns espaços, ainda está bastante atrelado a inovações tecnológicas estritas ao sentido digital. Ribeiro e colaboradores (2014) explicam que, apesar de poderem se utilizar de novas tecnologias como meio, o objetivo das práticas inovadoras reside na “aprendizagem numa dimensão emancipatória dos sujeitos e que responda aos desafios postos por esse contexto em ebulição em que estamos vivendo” (p. 15), com uma nova forma de se pensar sobre e construir conhecimentos, bem como de se estabelecer relações e adotar posturas.

A prevalência da transmissão de conteúdo em sala de aula tende a resultar em isolamento e baixo rendimento dos estudantes, reduzido o desenvolvimento de habilidades de estudo e, também, de atitudes éticas, empáticas, de responsabilidade social e adaptabilidade (Fragelli & Fragelli, 2016a). Tal prática pedagógica tem perdido seu protagonismo no ensino superior, devendo ser combinada com diferentes metodologias que demandem e estimulem a aprendizagem ativa e a autonomia discente, enfatizando a responsabilidade por seu aprendizado (López, 2017).

McCune e Entwistle (2011) defendem a importância de encorajar, em estudantes, o desenvolvimento de uma “vontade de aprender”. E, da mesma forma, promover uma “intenção de ensinar”, de se construir conhecimento significativo e de forma conjunta. A meta, para ambos, deve ser o aprendizado, e não a aprovação. De acordo com pesquisa conduzida por Alhija (2017) com estudantes, o objetivo mais importante a ser alcançado por docentes do ensino superior deveria ser estimular o interesse e a motivação sobre a temática de estudo. A pesquisa também evidenciou que, a respeito do desenvolvimento em longo prazo, a prática docente considerada mais importante é promover capacidades criativas e de pensamento inovador.

Pensando, portanto, em ambientes de ensino e de aprendizagem que possam ser considerados de alta qualidade, abarcando situações como as acima descritas, Hounsell e McCune (2005) envolvem modificações estruturais importantes que englobam aspectos pedagógicos (incluindo currículo, ensino-aprendizagem e avaliação), de suporte à aprendizagem de estudantes e à organização/administração do curso. Entre os vários aspectos elencados pelos pesquisadores em cada elemento desse tripé, destacamos a abertura para direcionamento de estudos de acordo com as singularidades dos sujeitos, incentivando o desenvolvimento da independência.

Além do desenvolvimento de habilidades que permitam que estudantes trilhem e se impliquem em seus processos de construção e conhecimento, é importante que seja estimulada nas licenciaturas a prática da reflexão ao longo e acerca do trabalho acadêmico, participando de maneira consciente e ativa dos processos pedagógicos. O ato de se refletir sobre como se aprende, seus pensamentos e processos, regulando seu percurso de construção de conhecimentos e de desenvolvimento cognitivo é chamado de metacognição. De acordo com Sandall e colaboradores (2014) a metacognição tem muito a agregar aos processos de ensino e de aprendizagem em diferentes contextos, possibilitando que estudantes regulem seus percursos, motivações e comportamentos, estando mais engajados nas disciplinas. Para os autores, as habilidades de metacognição são promovidas a partir de contextos que ensinem e incentivem que estudantes se questionem sobre todo o processo envolvido nas dinâmicas educacionais. Estudos indicam que promover habilidades de reflexão em licenciandos, principalmente em experiências práticas, de maneira individual e coletiva e com feedbacks construtivos, pode impactar de forma bastante positiva o desenvolvimento profissional de futuras/os professores (Körkkö et al., 2016).

A experiência

Durante o primeiro semestre letivo de 2015 foi oferecida a disciplina obrigatória de Perspectivas em Desenvolvimento Humano para estudantes do primeiro semestre de Licenciatura em Pedagogia. Ao longo da disciplina, estudantes e professora fizeram registros acerca dos processos pedagógicos vividos. No início de 2018, a professora entrou em contato por e-mail com a turma – que estava iniciando seu último ano letivo – propondo uma reflexão acerca da trajetória vivida desde o início do curso, marcado também pela disciplina cursada, até a iminente formatura. Duas estudantes demonstraram interesse e são coautoras deste relato.

A disciplina buscou se configurar como tendo práticas pedagógicas centradas nos estudantes. Tal termo tem recebido diversas interpretações, muitas delas relativas a técnicas e práticas em que o estudante é o agente ativo, como Problem Based Learning, Gamificação e uso de tecnologias (Borochovicius & Tortella, 2014; Caliari et al., 2017; Fragelli & Fragelli, 2017a). Tais iniciativas são importantes para a quebra de paradigmas a respeito dos lugares de saber no meio acadêmico e das práticas pedagógicas verticais e transmissoras de conhecimento. Porém, a situação em questão buscou trabalhar a partir de uma mudança de postura da professora, próxima à proposta de Rogers (1986), entendendo que, mais do que técnicas, seria importante modificar a estrutura da disciplina tornando-a mais próxima das/os estudantes, dentro dos limites institucionais possíveis.

O plano de ensino foi traçado coletivamente, a partir da ementa da disciplina. A disciplina foi dividida em duas partes, a primeira, introdutória, dedicada aos principais autores e suas teorias sobre o Desenvolvimento Humano; já a segunda, mais longa, foi dedicada a temas de interesse dentro da temática da disciplina. A partir das sugestões discentes acerca dos temas desejados, a professora explicou o que estava dentro ou fora das possibilidades abarcadas na ementa e, por votação, foram decididos quais seriam os assuntos abordados ao longo do semestre. A compreensão de que estudantes aprenderão melhor caso estejam interessados no tópico de estudo é bastante difundida (Renninger & Hidi, 2016) e, para se alcançar isso é importante que o planejamento das aulas tome como base os interesses discentes, ao invés de partir de um planejamento prévio engessado (Ferreira et al., 2013).

As aulas foram realizadas em encontros semanais com quatro horas de duração e divididas em quatro momentos:

  1. Antes do horário de início da aula a professora escrevia no canto esquerdo do quadro de giz alguns avisos sobre a disciplina, incluindo o link para os textos, próximas datas do cronograma, e-mail e telefone para contato direto e lembretes. Acima das informações constavam as palavras “Autonomia e Responsabilidade”. Na seção seguinte do quadro eram colocadas perguntas ou convites à reflexão acerca do tema a ser discutido no dia. Tal prática se remete aos “pré-textos” do Espaço Aion (Pulino, 2017), que se configuram como dispositivos que incentivam a reflexão e o debate.

  2. Grupos de estudantes se organizavam para discutir as questões apresentadas e a professora passava em cada grupo para tirar dúvidas e orientar. Enquanto isso, passava-se a lista de presença anexada a um envelope intitulado de SAC, uma alusão aos serviços de atendimento a clientes, buscando ser mais uma ferramenta de comunicação entre estudantes e professora, com o diferencial de manter o anonimato, caso assim fosse desejado.

  3. Compartilhamento entre todos os grupos com aprofundamento do conteúdo pela professora.

  4. Espaço para organização e realização de algumas etapas do trabalho de pesquisa, compreendendo que o tempo em sala de aula também deve ser dedicado para planejamento e execução de pesquisas não individuais, uma vez que existem diferentes dinâmicas pessoais de trabalho, demandas familiares e afins que podem impedir a realização ou diminuir a qualidade de trabalhos (Lammers et al., 2017).

Nas próximas duas seções traremos reflexões e fragmentos dos diários das duas estudantes acerca das vivências na disciplina de Processos de Desenvolvimento Humano (PDH), bem como suas repercussões ao longo do curso de Pedagogia e seus futuros profissionais.

Construindo práticas de autonomia e de responsabilidade

A disciplina de PDH foi construída de forma a permitir espaços e oportunidades para que tivéssemos autonomia. Para a maioria isso não era fácil, visto que vinham de um sistema de ensino tradicional e estavam acostumados a cumprir ordens e fazer somente aquilo que se mandava fazer. A ideia de autonomia era uma novidade que assustava. Mesmo assim, a experiência foi intensa e interessante, abriu os horizontes da compreensão do que é o aprender, nos ensinou que o aprendizado individual se constrói coletivamente. Aprendemos, também, que a autonomia não é possível sem a responsabilidade, para que não fiquemos em falta com nossa própria produção de conhecimentos. A estratégia utilizada pela professora, objetivando proporcionar mais autonomia aos seus alunos é um impulsionante da aprendizagem responsável e ativa, conforme defendida por López (2017), por nos habilitar a ter iniciativa em buscar o conhecimento que nos era significativo naquele momento.

Na universidade nos vimos, em diversos momentos, obrigadas a fazer escolhas devido ao excesso de trabalhos, atividades, provas e outros compromissos acadêmicos. Alguns professores justificavam explicitamente que algumas atividades tinham o único propósito de nos obrigar a ler os textos. Outros desconsideravam a carga de demandas que tínhamos e exigiam atividades em sala de aula e na plataforma digital semanalmente. Em contraponto, destacamos um trecho de um dos diários:

Ao longo do semestre fui ganhando a confiança de sair para ir ao banheiro ou beber água sem sentir medo de ser repreendida. Aprendi também a me organizar em relação aos horários de chegada e saída das aulas, em todas as disciplinas, pensando no meu aprendizado e na minha segurança, também. (Ana Luisa, comunicação pessoal, s. d.)

O momento de transição entre ensino médio e ensino superior é permeado por expectativas e dificuldades (Pinho et al., 2015). Assim, é importante que exista o estímulo e a mediação para que a adaptação a esse novo universo aconteça. Chama à reflexão o fato de uma estudante universitária ter receios de ser repreendida por ir ao banheiro durante a aula, bem como a postura docente de solicitar uma atividade sem qualquer outra finalidade que não a leitura obrigatória de um texto. São situações-reflexo das relações hierárquicas, bem como da falta de confiança nos estudantes e seus interesses de aprender e se desenvolver. Em outro trecho de diário encontramos uma reflexão acerca da vivência em outras disciplinas em contraponto com a de PDH:

Muitos [estudantes] tiveram baixo rendimento e se sentiam oprimidos em sala de aula, já que os professores sempre se colocavam em uma posição de “disciplinador” e impunham as atividades negando a ideia de autonomia do estudante. (Ana Luisa, comunicação pessoal, s. d.)

Retomando o pensamento de Fragelli e Fragelli (2016), a conduta de imposição e falta de empatia do professor com seus alunos reflete na socialização e em seu desempenho. Apesar de sempre ouvirmos falar muito, na faculdade, de alunos autônomos e protagonistas do seu aprendizado, muitos professores não conseguem colocar em prática essa teoria em sala de aula. Alguns nem sequer estão abertos para negociação e sugestão da turma, por vezes sendo até um diálogo negado. Essa postura mais tradicional reforça a ideia de que o professor é o centro do aprendizado e o aluno fica impedido de exercer sua autonomia. Dessa forma, prevalece a transmissão de conteúdo, que é um ponto desacelerador de habilidades necessárias aos estudos, impactando negativamente no desenvolvimento da ética, da empatia, da responsabilidade social e da adaptabilidade (Fragelli & Fragelli, 2016).

O conteúdo da disciplina de PDH serviu como base de aprendizagem para várias outras matérias relacionadas à área da educação, que trazem os ensinamentos de grandes educadores, psicólogos e afins ao longo do curso. Além de fornecer o conteúdo bruto, proposto pelo currículo, cada dia de aula também ensinava valores humanos, como sensibilidade, respeito à liberdade de expressão e liberdade de formas de aquisição do conhecimento, proporcionada por alguém que ocupa uma maior hierarquia. Essa experiência era particularmente especial porque, a partir dessas iniciativas, a turma pôde escolher quais assuntos seriam trabalhados durante o semestre.

Quando há objetivos comuns, traçados em conjunto, o conhecimento é construído a partir de olhares diferentes, o que proporciona, por sua vez, o exercício da reflexão. Esse processo, se bem guiado, pode ser um pormenor motivador na vida do estudante de licenciatura, que desenvolve a “vontade de estudar” e a “intenção de ensinar” (Mccune & Entwistle, 2011) que são dois pontos cruciais na vida de um universitário que faz licenciatura. A vontade de estudar é o que motiva um aprendizado significativo, qualificando assim, o futuro profissional a cumprir com afinco a intenção de ensinar. Essa intenção deve ser alimentada continuamente com as novas descobertas que só os estudos proporcionam.

A experiência nos marcou muito e nos fez refletir, durante todo o curso até este momento de escrita de Trabalho de Conclusão de Curso, planejamento da formatura e da vida profissional, o que é aprender, o que é a educação e quais seus objetivos reais. Desmistificou a ideia que tínhamos de que educar era um processo unidirecional, de um professor para alunos e agora sabemos que é “professor+aluno”, é um trabalho em conjunto, um círculo e não uma linha reta. Com isso, compreendemos que nossas futuras práticas devem ser guiadas de forma colaborativa, pois a educação se constrói no processo de ensino e de aprendizagem, ela não é um fato pronto, uma receita que serve para todos. Ela é fluida, tal qual a cultura e a constituição humana. Destacamos um fragmento de diário do fechamento da disciplina:

Desta forma, penso também que na relação professor aluno não basta apenas ser horizontal, precisa ser circular, visto que um círculo não tem um meio e um fim e é tão fluido quanto a pessoa humana, que está em constante transformação sempre aprendendo e revendo seus conceitos. Assim, numa relação circular, como eu pude presenciar na matéria de PDH, ora aluno estava ensinando, ora aprendendo, ou ambos: ensinava e aprendia concomitantemente, o mesmo se dava com a professora e foi assim até o final do semestre. […] As correções e complementos eram sutis, o que dava segurança para falar sem medo ou receio acho até que enriquecia os debates. A disciplina ajudou muito, nos semestres seguintes a sempre que tivesse dúvida ou opinião sobre um texto, ou assunto que me manifestasse sem ter medo das demais respostas. (Suzana, comunicação pessoal, s. d.)

É importante que professores no ensino superior estimulem o interesse e a motivação de seus alunos (Alhija, 2017). Essa prática permite que discentes se percebam como participantes ativos dos processos de aprendizagem e se dediquem à disciplina. A tendência é que o aprendizado seja levado adiante, tornando-se tanto uma vantagem para o seguimento dos estudos, quanto uma habilidade a ser praticada em sua vida profissional.

Influências na futura atividade docente

No momento da escrita deste artigo estamos no último semestre do curso de graduação em Pedagogia, passamos por muitas disciplinas, estágios, pesquisa e a prática profissional está bastante próxima. Ao refletir sobre todo o percurso vivido e sobre como ele teve início com a disciplina de PDH, percebemos que houve influência direta em nossas posturas como estudantes e na forma como vislumbramos nosso futuro profissional. Destacamos dois trechos de nossos diários:

Percebi que professores não precisam aplicar provas para que seus alunos aprendam, que ficar sentado numa cadeira atrás de uma mesa não lhes confere a maestria. Percebi também que aprender depende de cada um na busca pelo conhecimento e não apenas em decorar os nomes, a vida e descobertas dos grandes teóricos. (Suzana, comunicação pessoal, s. d.)

Quanto à autonomia e responsabilidade eu compreendo que temos autonomia para definir o que queremos realmente aprender e como seguiremos neste processo. A posição que tomamos hoje como alunos, escolhendo abraçar essa autonomia com responsabilidade, é a mesma que vai nos acompanhar num futuro exercício da docência. (Ana Luisa, comunicação pessoal, s. d.)

Durante a disciplina agimos com autonomia, o plano de aula e os prazos foram pensados em conjunto e fomos nos tornamos responsáveis conforme cumpríamos com as condições daquilo que construímos em unidade. Um ponto que destacamos é que esse exercício foi nosso primeiro contato com a prática de planejar aulas. A possibilidade de sermos ativas em um processo que constitui a essência de nossa futura vida profissional foi muito importante por nos proporcionar com alguma antecedência uma vivência que somente seria possível em matérias que nos seriam oferecidas em semestres posteriores. Esse fato nos oportunizou um avanço significativo na aquisição de conhecimento, servindo de base facilitadora na aprendizagem durante o avançar do curso.

O exercício da docência não é uma prática individual. Além da relação que os professores mantêm com seus alunos e vice-versa, há que se estabelecer as relações de trabalho entre os colegas professores e demais profissionais da educação imbuídos em um mesmo objetivo, dentro das respectivas unidades escolares. Em muitas realidades, principalmente no que tange às escolas públicas, as atividades pedagógicas são decididas democraticamente, tendo a participação de todos os professores, funcionários e outros membros da comunidade escolar.

Importante salientar que a escola deve ser também um local de exercício da cidadania. Guedes et al. (2017) salientam a importância da construção de uma identidade coletiva a partir da discussão plural. Eles afirmam, a partir de exemplos relativos à criação do Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola, que as reuniões para a elaboração coletiva do documento viabilizam a prática da escuta em prol da criação identitária de cada escola (Carvalho et al., 2013). O âmbito escolar é permeado por espaços de discussão democráticos que promovem a prática da escuta e do diálogo com objetivos bem definidos, seja na prática pedagógica ou nas atividades de gestão. Assim, é necessário que haja uma preparação prévia dos futuros docentes, não apenas com as aulas teóricas que abordam essa questão, mas também com o exercício em situações reais, tal qual aconteceu durante o período de aulas da disciplina de PDH.

Considerações finais

A formação de profissionais na licenciatura não está no fim do curso de graduação, ela acontece durante todo o percurso, desde o primeiro semestre de estudos e se estende para além da graduação, em uma ação continuada. Dessa forma, para que o graduando inicie uma jornada consciente dos seus atos e da importância que é alcançar autonomia e responsabilidade, a intervenção passiva e bem-guiada de um docente que proporcione esses saberes é fundamental. O docente que se adaptou às oportunidades geradas naquele primeiro semestre de sua formação na universidade carrega em si uma bagagem que irá proporcionar recursos e ferramentas que conduzem a uma boa prática docente. O profissional que adquire o senso de autonomia e de responsabilidade ainda na graduação, carrega em si a consciência de um educador, e um educador sabe que o conhecimento não é estagnado. Com isso, entende-se a importância de uma continuidade na formação, visto que o senso de responsabilidade e o pensamento livre e autônomo proporcionam essa percepção. Um outro fator relevante é que o professor que tem a concepção de aprendizado com base na autonomia consegue enxergar seus alunos como seres autônomos, proporcionando-lhes também, a mesma confiança que recebeu quando iniciou a sua vida acadêmica.

Entendendo a importância de se trabalhar com estudantes considerando-os como pessoas inteiras em uma reconstrução da experiência (Rogers, 1997), percebemos que houve a oportunidade de uma implicação profunda das licenciandas de Pedagogia em todo o processo de aprendizagem e de constituição de si enquanto estudantes e, também, futuras professoras. Desde o contato com a disciplina de PDH e a construção de suas autonomias e posição de responsabilidade em relação às suas posturas e produções até a escrita desse artigo, como uma possibilidade de refletir sobre a ação.

Por fim, ressalta-se importância de esse artigo ser escrito por autoras em vários momentos de sua formação acadêmica (estudantes de licenciatura – professora/orientanda de doutorado – orientadora de doutorado), o que reafirma a assunção de uma relação docente/discente que se constrói em uma perspectiva de autonomia, construída por meio de troca, respeito e colaboração.

Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação.

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Recebido: 28 de Janeiro de 2019; Aceito: 10 de Maio de 2021; Publicado: 16 de Setembro de 2021

Endereço para correspondência Juliana Lopes Univerzita Karlová Pedagogická fakulta Magdalény Rettigové 4 Praha 1, 116 39 Praha – Česká republika Praga, República Tcheca juliana.jcl@gmail.com

suzzimnascimento@gmail.com

ana.lopes.moura@outlook.com

luciahelenaczp@gmail.com

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