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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.44 no.2 Porto Alegre maio/ago 2021  Epub 25-Abr-2022

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2021.2.34020 

Outros temas

Ética em pesquisa: análise das dissertações de um mestrado em Educação cearense

Ethics in research: analysis of the dissertations of a masters in Education in Ceará

Ética en investigación: análisis de los trabajos de un máster en Educación cearense

Cesar Augusto Sadalla Pinto1 

Mestre e doutorando em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), em Fortaleza, CE, Brasil; professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), em Limoeiro do Norte, CE, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-2130-6653

Luciana de Oliveira Souza Mendonça1 

Mestra e doutoranda em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), em Fortaleza, CE, Brasil; professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), em Maracanaú, CE, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-8950-092X

Thaidys da Conceicao Lima do Monte1 

Mestra e doutoranda em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), em Fortaleza, CE, Brasil; professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), em Canindé, CE, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-3459-1465

João Batista Carvalho Nunes1 

Doutor em Filosofia e Ciências da Educação pela Universidade de Santiago de Compostela, em Santiago de Compostela, Espanha; professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE), em Fortaleza, CE, Brasil.


http://orcid.org/0000-0002-1270-0026

1Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, CE, Brasil.


Resumo:

Objetivou-se analisar como as dissertações de uma instituição de ensino cearense abordam as questões éticas na pesquisa. Realizou-se um estudo quantitativo com 104 dissertações, considerando a presença de cuidados éticos no resumo; a presença de seção sobre os aspectos éticos da pesquisa; a presença de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; e a aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa. Realizou-se análise estatística não paramétrica por meio do teste de Kruskal-Wallis, com nível de significância de 0,05, mediante utilização do software SigmaStat 3.5. Os dados revelaram que a maioria das dissertações não atende na íntegra a Resolução CNS n.º 466/2012, apesar disso fazem referências éticas ao longo do trabalho. Não houve diferenças estatisticamente significativas (p>0,05) em relação às categorias de análise, em função do ano de defesa.

Palavras-chave: ética na pesquisa; pesquisa educacional; pós-graduação

Abstract:

The objective was to analyze how the dissertations of a teaching institution in Ceará address the ethical questions in the research. A quantitative study was carried out with 104 dissertations, considering the presence of ethical care in the abstract; the presence of a section on the ethical aspects of research; the presence of an Informed Consent Form; and approval by a Research Ethics Committee. The non-parametric statistical analysis was performed using the Kruskal-Wallis test, with significance level of 0.05, using SigmaStat 3.5 software. The data revealed that most of the dissertations do not fully comply with CNS Resolution 466/2012, despite that they make ethical references throughout the work. There were no statistically significant differences (p> 0.05) in relation to the categories of analysis, as a function of the year of defense.

Keywords: ethics in research; educational research; postgraduate studies

Resumen:

El objetivo de este trabajo fue analizar los trabajos de una institución de enseñanza cearense relacionados con cuestiones éticas sobre la investigación. Para ello, se realizó un estudio cuantitativo con 104 trabajos sobre los aspectos éticos de la investigación; la presencia del Formulario de Consentimiento Informado y la aprobación por un Comité de Ética en Investigación. Para el análisis de los datos se realizó un análisis estadístico no paramétrico a través de la prueba de Kruskal-Wallis con un nivel de significación del 0,05. Se usó el software SigmaStat 3.5. Los datos revelan que la mayoría de los trabajos no responden en su totalidad a la Resolución CNS nº 466/2012. No obstante, se hacen referencias éticas a lo largo del trabajo. Del mismo modo, no hay diferencias estadísticamente significativas (p>0,05) en relación con las categorías de análisis, en función del año de defensa.

Palabras clave: ética en la investigación; investigación educativa; posgraduación

Parece haver um consenso entre os pesquisadores sobre a necessidade de observância dos aspectos éticos nas pesquisas (Goergen, 2015; Severino, 2014; Shavelson & Towne, 2002), entretanto o assunto tem sido objeto de divergências teóricas entre estudiosos das Ciências da Vida (CV) e das Ciências Humanas e Sociais (CHS), sobretudo em relação aos modelos de regulação da pesquisa implantados no Brasil desde 1996.

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) tem assumido o papel de órgão regulador da ética em pesquisa no País, por meio da edição de marcos regulatórios, sendo eles a Resolução CNS n.º 196/96, as suas modificações, CNS n.º 303/2000 e CNS n.º 404/2008, e as Resoluções CNS n.º 466/2012 e CNS n.º 510/2016. Para se ajustar às exigências do CNS, as universidades e as demais instituições de pesquisa devem instituir comitês de ética em pesquisa; entretanto, nem sempre os conhecimentos produzidos no âmbito da pós-graduação atendem às normatizações.

Nesse sentido, questiona-se: de que forma as dissertações de mestrado na área da Educação abordam as questões éticas da pesquisa? A partir dessa questão norteadora, buscou-se analisar as dissertações produzidas no âmbito de um programa de pós-graduação em Educação do Ceará, no período de 2013 a 2016, para averiguar de que forma essas produções científicas abordam as questões éticas da pesquisa no corpo do trabalho.

O trabalho possui relevância acadêmica por buscar suprir uma lacuna na produção do conhecimento, considerando que os estudos sobre a ética na pesquisa ainda são pouco numerosos, entre os quais uma minoria focaliza uma realidade empírica.2 Ressaltamos, ainda, o impacto social do estudo, já que a ética em pesquisa é um assunto que afeta, principalmente, os participantes das pesquisas, implicando no respeito a sua dignidade e proteção.

Metodologia da pesquisa

O trabalho assume como paradigma epistemológico a teoria crítica, que compreende a realidade como sendo moldada por fatores sociais, políticos, culturais, econômicos, além de reconhecer como intrínseca a relação entre pesquisador e objeto pesquisado, partindo de um olhar dialético para conhecer e transformar a realidade social (Guba & Lincoln, 2014).

Foi utilizada uma abordagem quantitativa, que segundo Dalfovo et al. (2008, p. 6) é aquela que se utiliza de “(…) técnicas estatísticas objetivando resultados que evitem possíveis distorções de análise e interpretação, possibilitando uma maior margem de segurança”.

A pesquisa bibliográfica é inerente a qualquer trabalho acadêmico, “(…) caracteriza-se pelo uso de fontes com dados analisados e publicados, ou seja, recorre à literatura produzida a respeito de determinado tema” (Mendes et al., 2011, p. 29). A pesquisa bibliográfica subsidiou a elaboração de um quadro referencial sobre a temática abordada, possibilitando as discussões dos dados coletados por meio da pesquisa documental.

A pesquisa documental “(…) busca compreender uma dada realidade não em sua compreensão imediata, mas de forma indireta, por meio da análise de documentos produzidos pelo homem a seu respeito” (Mendes et al., 2011, p. 32). Dessa forma, foi analisada a Resolução CNS n.º 466/2012, com vistas a possibilitar a identificação das principais prescrições éticas a serem observadas nas pesquisas científicas envolvendo seres humanos.

Analisou-se, ainda, informações sobre as questões éticas existentes em dissertações de mestrado. O mapeamento das dissertações foi realizado no acervo de teses e dissertações do programa de pós-graduação pesquisado, escolhido por ser representativo da produção do conhecimento no estado do Ceará. O recorte temporal utilizado compreendeu os anos de 2013 a 2016, o qual se justifica por compreender o período de vigência da Resolução CNS n.º 466/2012 até a publicação da Resolução CNS n.º 510/2016.3 A Tabela 1 apresenta a quantidade de dissertações analisadas por ano de defesa no programa de pós-graduação pesquisado.

Tabela 1 Dissertações defendidas no curso de mestrado em Educação selecionado, por ano de defesa, 2013-2016 

Ano de defesa Dissertações
2013 26
2014 24
2015 30
2016 24
TOTAL 104

A análise das dissertações considerou o seguinte roteiro:

  • A verificação se o estudo foi desenvolvido com seres humanos de forma direta, quando houve aplicação de instrumentos de coleta de dados, ou indireta, quando não houve interação direta, mas apenas análise de dados relacionados a sujeitos reais.

  • O trabalho explicita no resumo como os princípios éticos foram abordados durante a execução da pesquisa.

  • A produção apresenta capítulo, subcapítulo ou seção específica da metodologia onde trata sobre os aspectos éticos da pesquisa.

  • A utilização do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) na pesquisa.

  • A explicitação, no trabalho, da aprovação de projeto de pesquisa por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) ou pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).

Os dados coletados com base no mapeamento das dissertações foram tabulados e submetidos à análise estatística não paramétrica por meio do teste de Kruskal-Wallis, com nível de significância de 0,05, mediante utilização do software SigmaStat 3.5. Foram elaborados gráficos para apresentação dos resultados. Tais resultados foram discutidos com base no referencial teórico e na pesquisa documental, buscando elementos que pudessem contextualizar os dados obtidos e possibilitar a formulação de hipóteses explicativas da realidade sobre a aplicação das normatizações éticas em pesquisas envolvendo seres humanos.

A presente pesquisa não foi desenvolvida com seres humanos de forma direta, entretanto foram analisados materiais produzidos por pessoas. Dessa forma, buscamos respeitar os aspectos éticos de sigilo de informações para a não identificação da autoria dos trabalhos pesquisados e da respectiva instituição. A base consultada disponibiliza acesso público e gratuito ao material. Portanto, não foi necessário solicitar autorização para se obter o material da pesquisa. O mesmo aconteceu em relação ao documento analisado, Resolução CNS n.º 466/2012, disponibilizado de forma pública por meio da internet.

A seguir, é apresentada a base teórica de referência da pesquisa, a qual forneceu subsídios para a interpretação dos dados coletados.

As questões éticas da pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais

De acordo com Severino (2014), a dimensão valorativa é marca constitutiva da condição humana, estando, portanto, presente na atividade científica em todas as suas etapas e formas. O autor evidencia três perspectivas de ética, complementares e interligadas: a primeira está associada ao contexto macrossocial, no qual encontram-se as questões relacionadas ao ambiente e ao tratamento dado aos animais; a segunda perspectiva refere-se às situações normatizadas pelo direito, que prevê a penalização de condutas eticamente condenáveis; por fim, a terceira perspectiva destaca a ética do pesquisador, comprometida com a preservação dos direitos dos participantes da pesquisa.

No presente estudo, a ética é entendida como um elemento necessário nas pesquisas envolvendo seres humanos com vista a resguardar a dignidade e os direitos dos participantes. Goergen (2015) destaca que historicamente a ciência e a tecnologia associam-se aos interesses econômico-mercadológicos, em contradição aos interesses sociais, decorrendo daí um conflito de natureza ética. Destaca o autor, a incapacidade dessas instâncias produzirem, por si só, os fundamentos éticos norteadores do seu agir, resultando o paradoxo de uma ética que é, ao mesmo tempo, necessária e impossível em termos universais e atemporais. Conclui que o domínio social é o único capaz de conferir moralidade à atividade investigativa, devendo o interesse público ser priorizado em relação às intenções particulares na pesquisa.

Essa concepção de ética como pertencente ao domínio social contrapõe-se a outra defendida por Severino (2014), como pertencente ao domínio do agir, mais especificamente, do “dever-ser”, se referindo à relação das ações dos sujeitos com os valores subjacentes, “(…) precedida de um investimento elucidativo dos fundamentos, das justificativas desses valores, independentemente de sua aprovação ou não por qualquer grupo” (p. 205). Dessa forma, o autor brasileiro analisa com estranhamento a criação e a execução de normas quase impositivas aos cientistas, cuja ação pressupõe maturidade teórica, intelectual e cultural, que não justificam determinações heterônomas para seu agir ético:

Não deveriam ser necessários para o pesquisador, de modo aguçado para o intelectual pesquisador da educação, códigos positivos de ética profissional, por se tratar de referência heteronômica, já que é de se supor que ele se apoia numa ética fundada na autonomia, âmbito da legitimidade, tanto para assegurar seus próprios direitos como os direitos alheios. (Severino, 2014, p. 203)

Shavelson e Towne (2002) destacam que a ética é uma importante característica das pesquisas em Educação, podendo assumir duas concepções, uma relacionada à honestidade dos pesquisadores no desenvolvimento e na divulgação das pesquisas e a outra comprometida com a proteção dos participantes humanos nas pesquisas. Sobre a ética como proteção dos participantes, afirmam os autores que “os cientistas devem pesar os benefícios relativos do que pode ser aprendido em relação aos riscos potenciais para os participantes da pesquisa humana, à medida que eles se esforçam para uma investigação rigorosa” (Shavelson & Towne, 2002, p. 54, tradução nossa).4

Carvalho e Machado (2014, p. 211) destacam que a postura ética “(…) abrange especificamente os procedimentos de proteção aos participantes de pesquisa diante dos riscos das pesquisas envolvendo seres humanos”. Para os autores, a ética na produção do conhecimento, no contexto brasileiro, tem sido objeto de preocupação acadêmica devido à ineficácia da transposição do modelo de pesquisa biomédica para as CHS, entre elas as Ciências da Educação.

A Resolução n.º 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), prescreve os procedimentos necessários à regulação ética da pesquisa, por meio dos Comitês de Ética em Pesquisa e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Sistema CEP/CONEP). O referido documento legal surge após 17 anos de vigência da Resolução CNS n.º 196/1996 e suas alterações. Segundo Carvalho e Machado (2014), essa resolução pioneira gozou de grande prestígio na comunidade científica por expressar a preocupação com a dignidade dos participantes de pesquisa e alinhar-se ao repúdio histórico às atrocidades cometidas contra os direitos humanos em pesquisas durante a Segunda Guerra Mundial, apesar de gerar reações de pesquisadores e associações devido a sua inadequação para as pesquisas nas CHS.

De acordo com Mainardes (2017), a partir das críticas direcionadas ao modelo brasileiro de ética em pesquisa e por conta da participação de associações da área das CHS em consultas públicas sobre a questão, a Resolução CNS n.º 466/2012 contempla em seu texto a previsão da publicação de uma resolução complementar para atender as especificidades éticas das pesquisas em outras áreas que não as biomédicas. Ainda de acordo com o autor, essa resolução complementar foi construída a partir de 2013, com a formação de um Grupo de Trabalho composto por associações vinculadas às CHS, culminando na aprovação da Resolução CNS n.º 510/2016, a qual dispõe sobre as normas aplicáveis às pesquisas envolvendo seres humanos nas CHS.

Mesmo com a criação desse instrumento específico para tratar as questões éticas nas CHS, as tensões existentes em torno da adequação da regulação ética para a área continuam vívidas no campo acadêmico brasileiro. Amaral Filho (2017) destaca que a Resolução CNS n.º 466/2012 continua vigente e está em uma posição hierarquicamente superior à Resolução CNS n.º 510/2016, o que representa a manutenção do poder da área biomédica sobre as CHS:

Como o próprio CONEP reforça, um complemento, tal qual o bonequinho que se coloca em cima do bolo para enfeitá-lo, mas que, contudo, não faz lá grande diferença na hora de comê-lo, sendo, antes, desprezado, permitindo-nos, no máximo, o status de apêndice das referidas ciências [biomédicas]. Aliás, condição esta, a de apêndice, bem ao gosto medicinal. Assim, se incomodarmos muito, podemos ser extirpados a qualquer momento, sem que o corpo perca algo de considerável, antes pelo contrário, livrando-o, assim, das possíveis inflamações causadas pelo referido apêndice. Com o que, supostamente reconhecendo as especificidades das CHS, o sistema CEP/CONEP reforça ainda mais o seu poder sobre o nosso campo, mantendo a sua hegemonia. Pois, se nós mesmos não reconhecemos o dito sistema como legítima instância reguladora da ética em nossas pesquisas, a CEP/CONEP sim, nos reconhece, desde que nos mantenhamos na condição de seus tutelados. (p. 260)

Conforme ressaltam Guerriero e Bosi (2015), “(…) seria ingênuo supor que a materialização de diretrizes específicas para certos membros de uma comunidade escaparia à dinâmica de poder, sobretudo àquela característica de um campo fortemente autônomo como é o campo científico” (p. 2619). Os autores criticam a hegemonia biomédica na composição da CONEP, questionando a legitimidade desse colegiado para deliberar sobre questões das CHS, além de denunciar as inadequações da Resolução CNS n.º 466/2012 para as CHS.

Santos e Jeolás (2015) evidenciam que as resoluções e os comitês de ética criados no Brasil tomam como referência o modelo norte-americano, negligenciando o objetivo exclusivamente médico da legislação estrangeira, com um objetivo político indisfarçável de acumular capital simbólico e aumentar seu poder nos campos profissionais que atuem em pesquisas com seres humanos.

Por esses argumentos, parte significativa da comunidade científica das CHS critica a efetividade do atual modelo de regulação ética das pesquisas envolvendo seres humanos, mesmo após a publicação da Resolução CNS n.º 510/2016. Duarte (2015) destaca a necessidade de pesquisadores e de instituições vinculadas às CHS reagirem contra a dominação ilegítima ao imperialismo bioético, alertando para os desafios que se apresentam em decorrência da generalização da regulamentação da CONEP, com a progressiva adesão de agências, revistas, universidades e centros de pesquisa. Para o autor, “(…) será difícil continuar a agir de maneira independente do sistema; como temos majoritariamente feito nos últimos anos” (Duarte, 2015, p. 50).

Aprofundando a discussão, Sarti (2015) critica a imposição de uma regulamentação ética que desconsidere as diferenças epistemológicas e metodológicas entre o campo biomédico e experimental e o campo interpretativo e reflexivo das CHS. E, acrescenta:

A regulamentação ética, tal como está configurada, longe de estimular o rigor e o exercício da ética, tolhe a inventividade, a iniciativa e a criação na resolução dos problemas éticos a serem enfrentados com base na confiança a ser construída entre o pesquisador e seu interlocutor na pesquisa, levando ao conformismo e à obediência de regras pré-estabelecidas e contrariando, assim, precisamente aquilo que torna o conhecimento possível e desejável. (pp. 94-95)

Santos (2017) pondera que a regulação ética no Brasil, ao mesmo tempo em que equilibrou “as vertentes deontológica e teleológica da ética, com suas respectivas ênfases no dever (inscrito em normas e princípios) e na alteridade dos outros” (p. 254), filiou-se de forma irrestrita ao paradigma das áreas biomédicas, como já constatado por outros autores citados, em desconsideração das condições epistemológicas e antropológicas das pesquisas na área das CHS. E continua:

Para além dos equívocos na apreciação de projetos das áreas humanas, e de dificuldades práticas pontuais daí decorrentes para o andamento das pesquisas, a questão mais importante no desajuste epistemológico acima apontado é a pouca pertinência efetiva de tal regulação de inspiração biomédica na proteção ao sujeito pesquisado, este Outro, face a quem não tenho como permanecer indiferente e que (…) constitui o próprio sentido da ética. (Santos, 2017, p. 254)

Além dos autores citados, inúmeros pesquisadores têm denunciado os limites do modelo bioético para as investigações na área das CHS, inclusive em relação à formação para a ética em pesquisa, os quais não foram objeto de análise em nossa pesquisa pelas características do trabalho, mas são referenciados na esperança de contribuir com o aprofundamento das discussões e no suporte a outras investigações empíricas sobre a temática. São eles: (Duarte, 2017; Fagiani & França, 2015; Fare et al., 2014; Franco, 2015; Grisotti, 2015; Lima, 2015; Mello, 2016; Minayo, 2015; Nunes, 2017; Severino, 2015).

Para dar subsídio ao levantamento das dissertações, a Resolução CNS n.º 466/2012 foi analisada com o objetivo de identificar as suas prescrições gerais possíveis de serem aplicadas nas pesquisas da área da Educação.

As prescrições sobre ética presentes na Resolução CNS n.º 466/2012

A despeito das críticas, o modelo de regulação ética vigente no Brasil tem como base a Resolução CNS nº 466/2012, a qual foi analisada para que pudéssemos, a partir da identificação de suas prescrições, reconhecer a sua presença nas dissertações de mestrado mapeadas. O referido documento é constituído por 14 capítulos, com títulos transcritos na Tabela 2.

Tabela 2 Capítulos da Resolução CNS n.º 466/2012 

Capítulos
I - DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
II - DOS TERMOS E DEFINIÇÕES
III - DOS ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS
IV - DO PROCESSO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
V - DOS RISCOS E BENEFÍCIOS
VI - DO PROTOCOLO DE PESQUISA
VII - DO SISTEMA CEP/CONEP
VIII - DOS COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA (CEP) ATRIBUIÇÕES
IX - DA COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA (CONEP) ATRIBUIÇÕES
X - DO PROCEDIMENTO DE ANÁLISE ÉTICA
XI - DO PESQUISADOR RESPONSÁVEL
XII - OUTRAS DISPOSIÇÕES
XIII - DAS RESOLUÇÕES E DAS NORMAS ESPECÍFICAS
XIV - DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

No capítulo I, o documento analisado expressa a incorporação dos princípios da bioética (autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade) como requisito para assegurar os direitos e os deveres dos participantes de pesquisa, da comunidade científica e do Estado. Além disso, evidencia que todos os projetos de pesquisa envolvendo seres humanos, independentemente da área onde estão inseridos, devem observar as prescrições éticas legais. Fica clara a subordinação das CHS, inclusive da Resolução CNS n.º 510/2016, ao modelo bioético, conforme denunciado no referencial teórico.

No capítulo II, são apresentadas as definições necessárias à compreensão dos elementos normativos, apesar de não haver prescrições éticas. Destaca-se a definição do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) como o

(…) documento no qual é explicitado o consentimento livre e esclarecido do participante e/ou de seu responsável legal, de forma escrita, devendo conter todas as informações necessárias, em linguagem clara e objetiva, de fácil entendimento, para o mais completo esclarecimento sobre a pesquisa a qual se propõe participar. (Brasil, 2013, p. 3)

No capítulo III, estão expressas as exigências éticas na pesquisa envolvendo seres humanos independentemente da área do conhecimento, as quais deverão considerar os seguintes princípios: respeito à dignidade e à autonomia do participante da pesquisa, o comprometimento com a maximização dos benefícios e a minimização dos danos e riscos na pesquisa, a garantia de prevenção dos danos previsíveis e a observância da relevância social da pesquisa. Destaca-se, ainda, as exigências relativas ao consentimento livre e esclarecido do participante da pesquisa e/ou seu representante legal; a confidencialidade, a privacidade e a proteção da imagem do participante da pesquisa; e a utilização de informações obtidas exclusivamente para fins de pesquisa ou conforme o consentimento do participante.

O capítulo IV apresenta todas as etapas necessárias para que o convidado a participar da pesquisa manifeste-se de forma autônoma, consciente, livre e esclarecida, por meio do TCLE. De acordo com a resolução analisada, o consentimento do participante é obrigatório para assegurar a ética na pesquisa, devendo conter, entre outros elementos específicos, a justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão adotados, a explicitação dos possíveis desconfortos e riscos decorrentes da pesquisa, o esclarecimento sobre a forma de acompanhamento e assistência aos participantes, a garantia de recusa ou retirada do consentimento sem penalização, a garantia do sigilo e privacidade, a garantia de recebimento pelo participante de uma via do TCLE, a garantia de ressarcimento de possíveis despesas que o participante tenha em decorrência da pesquisa e a garantia de indenização por eventuais danos.

O capítulo V evidencia a necessidade de assegurar ao participante da pesquisa os cuidados necessários para a minimização dos riscos e a sua devida proteção, partindo do pressuposto que “toda pesquisa com seres humanos envolve risco em tipos e gradações variados” (Brasil, 2013, p. 7). No referencial teórico, constatou-se que a concepção de risco incorporada pela Resolução CNS n.º 466/2012 é oriunda da área biomédica, entretanto essa concepção pode assumir diferentes significados dependendo da área, sendo que nas CHS está comumente associado ao chamado “risco mínimo”, passível de existência na vida cotidiana das pessoas (Duarte, 2015; Santos & Jeólas, 2015; Sarti, 2015).

O capítulo VI estabelece que a Plataforma Brasil é o sistema oficial de submissão das pesquisas para análise e monitoramento do Sistema CEP/CONEP. O capítulo VII define as diretrizes do referido sistema, sendo que as atribuições dos CEP e da CONEP se encontram prescritas nos capítulos VIII e IX, respectivamente.

O capítulo X institui os procedimentos de análise ética a ser adotada pelo Sistema CEP/CONEP, enquanto o capítulo XI trata sobre a responsabilidade ética e legal do pesquisador.

O capítulo XII destaca que todas as áreas temáticas e cada modalidade de pesquisa, sem prejuízo à observância das prescrições do regulamento, devem cumprir as exigências setoriais e regulamentações específicas. Além disso, define a obrigatoriedade de ajustamento das agências de fomento e corpo editorial de periódicos às normas éticas estabelecidas. Por fim, ressalta a necessidade de revisões periódicas na resolução, considerando as demandas de natureza ética, científica e tecnológica.

O capítulo XIII prescreve, entre outras coisas, que “as especificidades éticas das pesquisas nas ciências sociais e humanas e de outras que se utilizam de metodologias próprias dessas áreas serão contempladas em resolução complementar, dadas suas particularidades” (Brasil, 2013, p. 11).

Já enfatizamos o entendimento de Amaral Filho (2017), segundo o qual a criação de uma norma complementar (Resolução CNS n.º 510/2016) para as CHS, subordinada hierarquicamente à Resolução CNS n.º 466/2012, reforça o poder da área biomédica sobre as demais áreas. Além disso, a manutenção da subordinação dos pesquisadores ao Sistema CEP/CONEP dificulta a ocorrência de superação do modelo no nível da superestrutura política.

Nas disposições finais, apresentadas no capítulo XIV do documento analisado, são revogadas as Resoluções CNS n.º 196/96, n.º 303/2000 e n.º 404/2008, e declarada em vigor a Resolução CNS nº 466/2012 na data de sua publicação, 12 de dezembro de 2012.

A partir das revisões e análises, considera-se enriquecedor ao estudo um mergulho empírico para constatar como as prescrições éticas são incorporadas (ou não) nas dissertações do mestrado de um programa de pós-graduação em Educação cearense. Os resultados das análises estão apresentados a seguir.

As questões éticas (in)existentes nas dissertações do programa de pós-graduação em Educação

A análise das dissertações defendidas no período de 2013 a 2016 no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) pesquisado permitiu identificar que, do total de 104 dissertações, vinte e duas (21,15%) foram desenvolvidas sem que houvesse o envolvimento direto ou indireto de seres humanos como participantes da pesquisa e, dessa forma, não estavam sujeitas à Resolução CNS n.º 466/2012.

As dissertações foram avaliadas nas diferentes categorias de análise – presença de cuidados éticos explicitados no resumo; presença de capítulo, subcapítulo ou seção específicos para tratar sobre os aspectos éticos da pesquisa; presença de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; e aprovação do projeto de pesquisa por um Comitê de Ética em Pesquisa – de acordo com o ano de defesa, sendo divididas em quatro grupos: 2013, 2014, 2015 e 2016. A fim de se verificar a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, realizou-se análise estatística conforme explicitado na metodologia.

Pode-se observar que nenhuma dissertação defendida no referido período explicitou no resumo os cuidados éticos adotados durante a realização do trabalho, sendo que não foram observadas diferenças estatisticamente significativas (p=0,528) em função do ano de defesa da dissertação (Figura 1).

Figura 1 Percentual de dissertações defendidas no período de 2013 a 2016, em função da presença de princípios éticos explicitados no resumo do trabalho. 

Vale ressaltar que, de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (2003), os elementos obrigatórios que devem constar no resumo são o objetivo, o método, os resultados e as conclusões do documento, não havendo exigência quanto às questões éticas da pesquisa. De acordo com o guia de normalização de trabalhos acadêmicos da instituição pesquisada, também não identificamos prescrições para a inclusão de informações sobre ética no resumo das dissertações apresentadas na instituição (Manual, 2014). Dessa forma, ressaltamos o entendimento que a presença dos aspectos éticos da pesquisa no resumo dos trabalhos científicos evidencia a importância atribuída pelo pesquisador a esse elemento, mas não possui caráter de obrigatoriedade.

Pode-se verificar também que somente 7 (6,73%) dissertações defendidas no período apresentaram os aspectos éticos da pesquisa em capítulo, subcapítulo ou seção específica na metodologia, sendo que não foram observadas diferenças estatisticamente significativas (p=0,330) em relação aos anos de defesa (Figura 2).

Figura 2 Percentual de dissertações defendidas no período de 2013 a 2016, em função da presença de capítulo, subcapítulo ou seção específica da metodologia em que são explicitados os princípios éticos da pesquisa. 

Esse dado é representativo da baixa efetividade da Resolução CNS n.º 466/2012 nas pesquisas na área da Educação. As prescrições éticas dessa resolução são obrigatórias para todos os projetos de pesquisa envolvendo seres humanos, independentemente da área do conhecimento em que está situada a pesquisa. Entretanto, não está consignada na legislação a indicação das formas de apresentação das questões éticas nos projetos ou se tais informações devem ser expressas em capítulo, subcapítulo ou seção específica do trabalho final da pesquisa.

Dentre os principais aspectos éticos observados nas dissertações, os quais estavam presentes no corpo do trabalho e/ou no TCLE, destacam-se: (a) apresentação a cada um dos participantes de informações sobre a pesquisa; (b) disponibilização de contatos pessoais para prestar esclarecimentos sobre a investigação; (c) utilização do TCLE com cópias para os participantes e o pesquisador; (d) preservação do anonimato dos entrevistados; e (e) a possibilidade da retirada do consentimento sem qualquer prejuízo ou ônus ao participante da pesquisa.

Os aspectos éticos identificados nas dissertações pesquisadas encontram-se estabelecidos nos capítulos III e IV da Resolução CNS n.º 466/2012, portanto estão de acordo com as prescrições da normatização ética. Entretanto, não foram encontradas explicitações sobre os possíveis desconfortos ou riscos decorrentes da pesquisa, conforme prescrito na mesma resolução. Relembramos que a concepção de risco da pesquisa, expressa na legislação sobre ética, é oriunda das áreas biomédicas, apresentando características diferentes nas CHS, as quais não estão contempladas na resolução geral. A omissão desse elemento nos trabalhos analisados que abordam as questões éticas é representativa da pouca importância atribuída pelos pesquisadores a ele.

Em relação ao TCLE, pode-se observar que 45 (43,27%) dissertações analisadas relataram a sua utilização e/ou o disponibilizaram na seção de Anexos/Apêndices (Figura 3). A análise estatística não demonstrou haver diferenças estatisticamente significativas em relação à utilização do TCLE em função do ano de defesa da dissertação (p=0,592).

Figura 3 Percentual de dissertações defendidas no período de 2013 a 2016, em função da presença do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 

Esse dado aponta a predileção de parte significativa dos pesquisadores da área da Educação pela utilização do TCLE em detrimento de outras prescrições éticas previstas na Resolução CNS n.º 466/2012, como por exemplo, a explicitação dos riscos da pesquisa.

A própria submissão do projeto de pesquisa para parecer do Sistema CEP/CONEP também se apresenta como iniciativa pouco recorrente nos trabalhos analisados, apesar da prescrição de sua obrigatoriedade na legislação. Verificou-se que somente 10 (9,62%) dissertações analisadas tiveram seus projetos de pesquisa submetidos e aprovados em comitê de ética em pesquisa com seres humanos, sendo que 3 (2,88%) foram aprovadas ainda durante a vigência da Resolução CNS n.º 196/96 (Figura 4). Apesar de ser observado aumento percentual de trabalhos aprovados no decorrer do período de 2013 a 2015, no ano de 2016 nenhuma dissertação defendida foi submetida e aprovada pelo Sistema CEP/CONEP. Além disso, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas (p=0,239) entre os anos de defesa das dissertações estudados.

Figura 4 Percentual de dissertações defendidas no período de 2013 a 2016, em função da aprovação em Comitê de Ética em Pesquisa. 

Pelas constatações, fica evidenciada mais uma vez que as pesquisas na área da Educação, no campo empírico pesquisado, acontecem à margem da legislação sobre ética em pesquisa vigente no País. Pode significar uma reação contrária por parte dos pesquisadores às prescrições biomédicas e ao não reconhecimento da especificidade das áreas de CHS e, particularmente, da área de Educação. Por outro lado, pode se relacionar a uma dificuldade de ajustamento dos pesquisadores e das instituições à burocracia.

Destaca-se o alerta feito por Duarte (2015) sobre os desafios postos para as CHS no campo ético, pois é cada vez mais crescente a adesão institucional ao atual modelo de regulação ética, o que torna mais difícil para os pesquisadores fugir ao seu alcance. Assevera o autor, que “as associações científicas e os órgãos profissionais já parecem estar bem sensibilizados na direção de uma vigilância e resistência ativas, mas não o grosso de seus filiados” (Duarte, 2015, p. 50).

Acredita-se que fomentar a reflexão crítica sobre a ineficiência do atual modelo de regulação ética na pesquisa científica nas CHS, partindo da realidade empírica do campo da Educação, pode contribuir para uma maior sensibilização de pesquisadores sobre a necessidade de questionar as bases de poder instituídas no campo e buscar novos modelos de regulação ética que estejam mais alinhados às necessidades da área.

Considerações finais

A maioria das dissertações que analisamos não atendem na íntegra o que está prescrito na Resolução CNS n.º 466/2012, apesar de fazerem algumas referências éticas ao longo do trabalho, mas raramente dedicando um capítulo, subcapítulo ou seção para tratar sobre o assunto (somente 6,37%). As questões éticas também não foram apresentadas no resumo de nenhum trabalho analisado, apesar de não ser uma exigência da resolução e nem das normatizações da instituição pesquisada. Além disso, a explicitação dos riscos da pesquisa não está presente na totalidade das produções analisadas.

Constatou-se, ainda, que apenas 43,27% dos trabalhos pesquisados informaram aplicar com os sujeitos o TCLE. Entre os procedimentos éticos mais adotados, destacam-se: o esclarecimento individualizado dos objetivos e procedimentos da pesquisa, a utilização do TCLE com cópias para os participantes e pesquisadores, a preservação do anonimato, bem como a possibilidade de desistência sem ônus ou prejuízos aos participantes da pesquisa.

A minoria das dissertações pesquisadas (9,62%; n=10) teve seus projetos de pesquisa submetidos e aprovados em Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos, sendo que 3 (2,88%) foram aprovadas ainda durante a vigência da Resolução CNS n.º 196/96.

O referencial teórico da pesquisa mostra que pesquisadores têm criticado a regulação ética baseada no modelo biomédico para avaliar as pesquisas de áreas diversas. Dessa forma, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e os Programas de Pós-Graduação em Educação reivindicam maior consideração dos aspectos particulares das CHS. A própria Resolução CNS n.º 466/2012 e, mais recentemente, a Resolução CNS n.º 510/2016, representam alguns avanços para parte dessas reivindicações em relação à Resolução CNS n.º 196/96.

As tensões associadas à uniformização de procedimentos e de regras da área biomédica e da pesquisa em CHS, juntamente com o caráter burocrático da revisão ética das pesquisas no Brasil, têm sido considerados como barreiras para que pesquisadores da área de pesquisa em CHS utilizem os aspectos éticos mencionados na Resolução CNS n.º 466/2012, para avaliação ética de seus trabalhos.

A pouca incidência de questões éticas das pesquisas em trabalhos da área da Educação, conforme demonstrado, apresenta-se como um inegável sintoma dessas tensões, demonstrando que essa pauta precisa ser debatida, problematizada, dialogada, com toda a comunidade acadêmica, para que haja reflexões capazes de primar verdadeiramente por aspectos éticos na pesquisa.

A Resolução CNS n.º 510/2016 apresenta-se como um possível caminho para dirimir as inadequações da regulação ética às áreas das CHS. Estudos e reflexões sobre essa nova norma são necessários para compreender as suas intenções e implicações práticas.

2Em mapeamento realizado no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES) (http://periodicos.capes.gov.br, recuperado em 24 de abril de 2018), utilizando os descritores “ética em pesquisa” e “ética e pesquisa”, com uso dos filtros pesquisa no título, tipo de material (artigo) e data da publicação (últimos 5 anos), foram encontrados 25 artigos, sendo seis descartados por não se relacionarem ao tema. Dos trabalhos, apenas cinco realizaram pesquisa empírica.

3Apesar de já haver uma resolução específica para as CHS (Brasil, 2016), o intervalo temporal entre a publicação da nova legislação e a época da pesquisa (2018) foi considerado pelos pesquisadores como período de transição.

4Do original: “Scientists must weigh the relative benefits of what might be learned against the potential risks to human research participants as they strive toward rigorous inquiry”.

Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação.

Agradecimento

À professora Dra. Marta María Olmo Extremera por contribuir com a revisão técnica e linguística do trabalho.

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Recebido: 28 de Abril de 2019; Aceito: 05 de Maio de 2021; Publicado: 16 de Setembro de 2021

Endereço para correspondência Cesar Augusto Sadalla Pinto Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará Campus Limoeiro do Norte Rua Estevão Remígio de Freitas, 1145 Monsenhor Otávio, 62930-000 Limoeiro do Norte, CE, Brasil cesarsad@gmail.com

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