O artigo apresenta um relato sobre a minha experiência no programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu/doutorado em Educação) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), no período de 2006 a 2009. Faço tal recorte a convite da atual coordenação do PPG Educação, professora Bettina Steren dos Santos. Revisito minha trajetória de forma reflexiva, motivado pela experiência vivida neste programa de pós-graduação, tendo como eixo norteador a (re)construção de memoriais, partilhados e discutidos nesta coletividade, em diálogo com a literatura de meus mestres.

Intencionalmente, focalizo e escolho, de forma cuidadosa, meu olhar sobre o vivido, agora em forma de relato, no PPG Educação/PUCRS. Aspiro uma releitura que me permite transcender o fato enquanto tal, recuperando o mais significativo que algumas das passagens selecionadas, e ora apresentadas, me possam oferecer. Afastado do vivido em termos espaçotemporais, configuro-me, agora, neste tempo privilegiado, observador de mim mesmo. Transito em um terreno movediço embebido pela emoção de rememorar fatos significativos, mas, sem falsear o passo, mantenho-me no objetivo de aventurar-me na pretensão de registrar a experiência vivida. Tal relato me deixa livre para não seguir a sequência lógico-formal de um texto científico, separando introdução, referencial teórico, metodologia, resultados e considerações finais. Mesmo assim, não perde o mérito da escrita aqui entrelaçada com didática, ao fugir do relevante e pertinente modelo formal de escrita costumeira.

Escrevo inspirado nas contribuições de meus mestres no doutorado. Revisito a professora Abraão (2004), que conosco problematizava as histórias de vida de educadores riograndenses, direcionando seu olhar para os labirintos de suas identidades, suas histórias, suas vivências, seus entretempos, suas lutas e seu legado. Lembro ainda de um Seminário que abordava Pesquisa Autobiográfica e que nos convidava a contar nossa trajetória pessoal-profissional. Agora, mais uma vez, retoma-se o convite para contar nossa experiência, no olhar do egresso deste PPG. Nele, arrisco-me na missão de me contar, me revisitar a partir do prisma da experiência pessoal-profissional. Chamo-a no singular, pois a vida é um todo e apenas, por fins didáticos, às vezes separamos o pessoal do profissional. Aprendi com meus saudosos mestres ^{Mosquera e Stobäus (2001}, ²⁰⁰⁶) e ^{Timm (2006)} que a trajetória de vida de um profissional contempla tanto as dimensões pessoais quanto as profissionais e que estas são inseparáveis.

Nesse texto resgato, ainda, a oportunidade de reconstruir minhas memórias e vivências pessoais-profissionais, em um processo dialético, que foi sendo construído a partir das interlocuçoões estabelecidas entre o eu, o tu e o nós. Este nós é expressão de um coletivo docente e discente que formou comunidade acadêmica em seus discursos e práticas, com laços afetivos, intelectuais e profissionais que persistem ao longo dos anos. No meu caso, desde 2006. Tal narrativa, acredito que recupera o simples contar de uma parte de minha história com a PUCRS. Ela reafirma movimentos de autoconhecimento e conhecimentos construídos em uma cadeia de significados e valores tangíveis e intangíveis permeados por lembranças, sonhos realizados, utopias alimentadas e comunidades existenciais que perduram até hoje.

Meu ser pessoal-profissional ganhou impulso e, conforme diria Nietzsche, transformou muita potência em ato. Hoje, o professor, o educador, o gestor, o pesquisador, a pessoa do Paulo são partes indissociáveis de uma existência que se reconhece no fazer, no ser, no conviver e no aprender por toda a vida. Dito de outra maneira, a pessoa e o profissional andam juntos, inseparáveis, como aprendi com meus mestres na PUCRS, inclusive ao estudar e conviver com o professor António ^{Nóvoa (1999}, ²⁰⁰⁰).

As vivências e trocas no contexto do doutorado, estabelecidas entre a comunidade acadêmica viabilizaram o desenvolvimento de hard e soft skills, profissionais e humanas, que me acompanham como ferramentas cotidianas no exercício de minha cidadania com propósito social e educacional, e na tomada de decisões emotivas e/ou racionais como muito bem problematizadas nas aulas da professora Bettina.

Mosquera e Stobäus muito me ajudaram a recuperar a categoria propósito, fruto de minha tese doutoral que me possibilitou revisitar minha história de vida e a história de vida de educadores universitários sob a luz do Sentido da Vida, a partir de Vitor Frankl. Esta pesquisa aplicada influenciou significativamente o meu modo de ser e pensar a educação, inclusive na formação de novos docentes, e a trabalhar neles e com eles a vontade de sentido. Em meu viver confirmo minha tese de doutorado, a saber: uma pessoa que consegue construir sentido para sua existência terá maiores chances de ter existência bem-sucedida e realizada, desdobrando-se em um projeto de vida pessoal e profissional, pautado pela construção de valores atitudinais, criativos e vivenciais.

Os meus professores da PUCRS, supracitados, dentre outros, salientavam a dimensão pessoal como componente essencial para o entendimento da vida profissional do educador. De acordo com Nóvoa, que muitas vezes nos visitou na PUCRS (2000, p. 17):

A maneira como cada um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como pessoa quando exercemos o ensino. (…) E as opções que cada um de nós tem de fazer como professor, as quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar e desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser. É impossível separar o eu profissional do eu pessoal.

Ao retomar Nóvoa, revisito em minhas memórias o ser pessoa de cada professor em sua singularidade. Cada um deles tinha uma maneira peculiar de manifestar seu humanismo educativo, seu ser profissional, seu modo de investigar. O ser pessoa e o modo de ensinar andavam muito alinhados com os valores do PPGEdu e com a Missão da PUCRS com marcas de vidas produtoras de sentido. Esta é mais uma das razões que me movem a registrar, neste texto, minha gratidão e alegria pela contribuição da PUCRS em minha vida pessoal-profissional ajudando-me a ser o que sou e a me reconhecer em um constante movimento de busca de novas respostas e novas perguntas para tender à vida que chega na sua multiplicidade de formas.

Tenho ciência que os recortes de minhas memórias aqui apresentados, são partes de um quebra-cabeças que vai sendo construído paulatinamente. Saliento o papel de incompletude, pois a trajetória pessoal-profissional se (re)constrói a cada nova vivência e os registros sobre o vivido exigem compreensão numa perspectiva dinâmica, do ser e vir-a-ser, em um eterno revisitar-se, celeiro de novos olhares, condição necessária para nossa constituição.

Neste sentido, a incursão que me disponho fazer e os aspectos que vou focalizando são partes de uma releitura enquanto egresso, com minha história, com minhas possibilidades de analisar e ser analisado, de desconstruir e ser desconstruído, com um movimento de olhar para fora, ao mesmo tempo em que não fujo do olhar para dentro e neste olhar reconhecer as competências desenvolvidas neste período vivido com muita paixão, intensidade e aprendizagens.

Meu olhar confirma a subjetividade contemporânea forjada nas redes das diferenças simultâneas que foram se constituindo nos diversos saberes e projetos de vida dos que participaram desta bela história do PPG Educação da PUCRS. Posso afirmar que parte de minha história de vida, principalmente meus processos de identificação como pesquisador, se forjaram neste doutorado. Nele reconheço meu modo de ser e estar no mundo da pesquisa até o presente momento, inclusive conquistando a classificação de Pesquisador PQ em 2022, graças a esta bela iniciação e consolidação do percurso de pesquisador.

Deste modo, meu relato de experiência torna-se uma história de vida também em sua continuidade como pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade La Salle (Unilasalle). Tenho consciência de que sou, e todos nós somos, atravessados por uma memória coletiva, em um inusitado momento intencional que produz cada acontecimento (re)interpretado com nova leitura da realidade, em uma narração a partir do agora, de como estou vendo a partir da narração dos colegas que também dizem de suas histórias e trajetórias carregadas de significado e de entregas, agregando valor ao nosso entorno, especialmente, dando respostas às dores de nossa sociedade, em particular, no campo da Educação.

A presença dos mestres e colegas estudantes do PPG Educação PUCRS muito me ajudou a desencadear um processo formativo que continua se processando no ato de construir e desconstruir, em um constante fazer e refazer, com o suporte do coletivo da Unilasalle hoje e de outras instituições com as quais colaboro. Estas me colocam na condição de possibilidade, na constante reorganização e nomeação da experiência vivida na reinvenção de nós mesmos, principalmente, em um mundo permeado por cisnes negros, eventos inesperados, no dizer de ^{Taleb (2015)}.

O doutorado constituiu-se dispositivo facilitador para, gradativamente, construir meu corpo teórico-metodológico que foi se consolidando em uma trajetória de formação continuada e no constante fazer no campo da pesquisa em Gestão Educacional, relevante, exigente, desafiador e necessário na atualidade. Aproximo minha experiência de Freire (2005, p. 49) ao afirmar que o pensar cuidadoso “(…) é uma postura exigente, difícil, às vezes penosa, que temos que assumir diante dos outros e com os outros, em face do mundo e dos fatos, ante nós mesmos”. Contudo, conforme aprendi com o meu orientador, o professor Mosquera, com as premissas de um pensamento inquiridor, na lógica das descobertas, com a possibilidade da dúvida, da criação, da construção de perguntas muito mais além das efêmeras respostas que poderíamos encontrar no conforto das supostas certezas, sigo meu percurso de pesquisador.

Desta forma, olho para trás, recupero minha experiência no doutorado, e encontro razoões existenciais para minhas escolhas no presente e prospecção do futuro. Este se mostra herdeiro de uma formação que me leva a empreender o melhor de mim no campo da docência, gestão e investigação na educação superior. Da mesma forma, leva-me ao entendimento do que sou e, principalmente, de como cheguei a ser o que sou.

Meus professores, nossas vivências, nossas leituras e experiências vividas imprimiram marcas em minha própria pele, em uma forma de viver e me envolver com educação humanizadora. As marcas das experiências vividas em âmbito pessoal, profissional e institucional fizeram-me crescer na qualidade das minhas escolhas. As vivências no doutorado me ensinaram a buscar uma síntese entre o ideal e as condições reais conquistadas com muito esforço, na ação cotidiana do educador, gestor e pesquisador. Nessa releitura de minha experiência que possibilita revisitar parte de minha história de vida, ficam marcas profundas de realização de muitos sonhos vividos coletivamente.

Carrego marcas que produziram rachaduras em um modo de ser educador, gestor e pesquisador para que o novo ganhasse espaço. Um doutorado bem vivido, a exemplo do aqui partilhado, provocou agradáveis mudanças com evidências relevantes de minha contribuição no campo social, educacional e científico. Meu caso muito se aproxima das muitas mudanças sugeridas por ^{Foucault (1999}, p. 20):

Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo: é uma moral de estado civil; ela rege nossos papéis. Que ela nos deixe livres quando se trata de escrever. E de inventar novas formas de ensinar, de aprender, de pesquisar, de fazer gestão, como o faço em meu cotidiano e neste momento que registo minha experiência no Doutorado em Educação, com as condiçoões de possibilidades deste tempo presente, segundo meus critérios objetivos e subjetivos de narração.

No contexto do doutorado aprendi ainda, especialmente com os Mestres Claus, Mosquera e Bettina, que a qualidade das relaçoões intra e interpessoais, no interior das instituiçoões educativas, apresenta-se diretamente relacionada com a qualidade do cuidado de si, condição sine qua non para cuidar do outro. Para tanto, é necessário também, além da ajuda externa, legitimar-se na condição de formador de si próprio enquanto pessoa, educador, gestor e pesquisador e reconhecer-se neste lugar.

Considero importante o registro de que o doutorado me impulsionou a desenvolver competências que até então eram incipientes, ao me desafiar a ocupar novos espaços operando com os valores inventivos de criação, produzindo sentido, ressignificando o vivido e transformando vidas com minhas palestras, meu compromisso na formação de professores, minha participação em eventos científicos sistematizando, publicando e socializando saberes.

A minha formação, principalmente com o impulso do doutorado, foi me auxiliando a construir subsídios para suscitar, no contexto educacional em que estou inserido, a necessidade do trabalho coletivo, de espaços de formação continuada, de uma gestão participativa. Não menos importante meu compromisso com a pesquisa aplicada que vem resolver uma dor da sociedade, especialmente no campo da gestão educacional em seus diferentes contextos. Aprendi, no conceito de formação por toda a vida, que o pesquisador também precisa (re)construir-se progressivo e permanente.

Por um lado, a condição de doutor em Educação levou-me a ocupar algumas posiçoões que me abriram possibilidades de participar e construir projetos inovadores. Por outro, muitas vezes, colocou-me na figura de porta-voz responsável em dar formas a tantos sonhos e ideais educativos, gestados no coletivo do mundo universitário, com vozes da resistência e da mudança, enquanto reitor, docente e pesquisador.

A partir do exposto, percebo então a relação existente entre as práticas de gestão e a construção da identidade gestora e pesquisadora. Enquanto profissional me constituo em um espaço configurado juntamente com diversos atores da comunidade acadêmica. Minhas práticas mudaram os discursos e os discursos produziram efeitos sobre as práticas, mostrando uma efervescência de temas nos projetos que trazem a gestão educacional em diferentes contextos. Tais temas hoje resgatam categorias como gestão, inclusão, liderança, gestão democrática, inovação e empreendedorismo, dentre outros.

Neste percurso, algumas questoões foram sendo respondidas e outras tantas vão se constituindo. A busca por pistas que me auxiliem a encontrar algumas respostas, mesmo que passageiras, potencializaram em mim novamente os sentimentos de falta e de incompletude. A conclusão do Doutorado em Educação apresentou-se como uma nova janela na minha trajetória de vida pessoal e profissional. Assim, a partir de então, iniciei a escrita de uma nova fase em meu percurso, investigando a produção de sentido na docência universitária.

Ao final de minha tese apresentei a proposta de um novo verbete que chamo de Logoformação, entendida como formação promotora de sentido na vida da pessoa, como pude vivenciar na PUCRS. Acredito ser essa uma contribuição relevante para o desenvolvimento de pessoas saudáveis, bem-realizadas e bem-sucedidas, resultantes de uma vida vivida com sentido. A logoformação compreende formação e educação promotoras de sentido na vida da pessoa, expressas particularmente nos valores criativos, vivenciais e atitudinais.

Levo os estudos da PUCRS em meu ser e fazer na educação e gestão educacional, esta compreensão, a contribuição de uma logoformação que se prolonga na formação geral e integral ao longo da vida, para além da educação formal, em todas as dimensões e em todas as circunstâncias. Verbalizo e vivo este conceito de logoformação em uma atitude de sair de si na busca do outro diferente de si mesmo, traduzindo-se nas respostas que a pessoa vai construindo ao longo de sua vida, na condição de ser livre e responsável.

Minha investigação não parou com o encerramento formal do doutorado. Em cada fenda criada até o momento, vejo a projeção de nova luz para novas investigações neste construto de uma logoformação que supera a explicação, ao assentar-se na lógica da compreensão humana, em um existir que é plural, como plurais são nossos sonhos e utopias, nossas realidades e possibilidades na formação e na educação para vidas vividas com sentido.

Por fim, destaco que o doutorado se consolidou em um espaço construído e possibilitado pelo coletivo onde o fizemos de nossas verdades. Verdades de nosso tempo, ao organizar o passado no momento presente da narração, ao contextualizar, sem linearizar, com produção de sentido no momento em que estruturamos o pensamento sobre nossas vivências, como a possibilidade da escrita desta bela experiência.

Minha narração já é uma reinterpretação, a partir do vivido durante quatro anos na PUCRS. Você que está lendo agora estas páginas, também faz sua reinterpretação da minha e da sua própria história. O ecoar da história de tantos colegas também fez com que eu reinterpretasse minha história e negociasse comigo mesmo, o que me permitiu partilhar neste ensaio, onde já não sou mais o mesmo de antes.

Parabéns, PUCRS em suas comemorações dos 50 anos deste PPG Educação. Quantas vidas ressignificadas, quantos projetos profissionais, quanta contribuição científica, social e educacional no Brasil e no mundo decorrem deste excelente programa. Em meu nome, em nome de tantos egressos e em nome de milhares de vidas beneficiadas com nossa formação, registro nosso agradecimento por este grande legado.

Obrigado, PUCRS: por transformar sonhos em realidade, por fazer a escolha por formar professores, gestores e educadores pesquisadores em educação, temática tão urgente e necessária para a saúde e a cidadania integral de nosso povo brasileiro. Grato PPG Educação, na pessoa da Direção, funcionários técnico-administrativos e docentes, por participar de minha trajetória pessoal-profissional carregada de sentido. Aos mestres, em especial meus queridos e amigos orientadores Mosquera e Claus, eterna admiração, respeito e gratidão.